A Execução Ex Officio das Contribuições Previdenciárias Resultantes das Sentenças na Justiça do Trabalho e a sua Inconstitucionalidade Frente aos Princípios Tributários

25/07/2016 às 11:11
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O presente trabalho tem por objetivo um estudo acerca da execução de ofício das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho. Para tanto, são objetivos específicos desde estudo: pesquisar sobre o surgimento da Emenda Constitucional n. 45; os princ

INTRODUÇÃO

 

Com a redação do art. 114, VIII da Constituição Federal, ocorrido com o advento da promulgação da Emenda Constitucional n°45/04, tal diploma outorgou à Justiça do Trabalho a atribuição legal de executar de ofício as contribuições previdenciárias decorrentes de suas sentenças.

 

Desta forma, o problema gerado é saber se tal ordenamento é constitucional frente aos ordenamentos constitucionais e infraconstitucionais relativos ao Direito Tributário e a competência para realizar o lançamento tributário.

Pretende-se, através do estudo realizado elencar os principais pontos tangentes entre o Direito Tributário e o Direito do Trabalho no que se refere à execução das contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho, bem como o objetivo geral deste trabalho é demonstrar através do estudo realizado, através de pesquisas da legislação em vigor e doutrina que é inconstitucional a execução de ofício das contribuições previdenciárias pela justiça do trabalho, do ponto de vista da legislação tributária, das sentenças que ela proferir.

 

E os objetivos específicos são estudar o surgimento da Emenda Constitucional n°45/04, estudar os princípios do lançamento tributário e a sua competência administrativa e um estudo dos princípios da Ampla defesa e do Contraditório, fazendo uma menção com relação aos procedimentos inquisitórios. Para tanto, o método de pesquisa adotado foi o indutivo, realizando procedimento bibliográfico para a coleta de informações, utilizando fontes de pesquisas secundárias, como livros e artigos científicos disponíveis na internet que serviram de referencia para a conclusão deste trabalho.

 

1. SURGIMENTO DA EC N°45/04

 

O capítulo III, seção V da Constituição Federal trata da competência dos tribunais e juízes do trabalho para julgar seus feitos. Com a nova redação dada pela Emenda Constitucional n° 45, de 08/12/2004, o art. 144 desta passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:  

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II as ações que envolvam exercício do direito de greve; 

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; 

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; 

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; 

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; 

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; 

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; 

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. 

§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do  Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.[1]

 

O tema principal deste estudo se dá com referência ao inciso VIIII deste diploma legal, que passou a admitir a execução de ofício pelo órgão trabalhista das contribuições previdenciárias decorrentes dos acordos e sentenças proferidas por este órgão e não cumpridas conforme estipulado.

 

Tal mudança se deu em relação à necessidade de se reorganizar o Poder Judiciário e a sua reestruturação, sendo que o modelo adotado anteriormente a esta Emenda ainda era o adotado pela intentona Militar ocorrida no ano de 1964, e as suas alterações ocorridas pelo Ato Institucional n°5/68 e Emenda Constitucional n° 1/69, que segundo o texto de alteração e motivos para alteração da EC n° 45/04, assim explica:

 

As restrições vieram ainda maiores, com o ato institucional n° 5, de13 de dezembro de 1968, que tornou a suspender aquelas garantias, bem como a de habeas corpus nos casos de crime políticos e de crimes contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Além disto, excluiu de qualquer apreciação do Poder Judiciário todos os atos praticados de acordo com as suas determinações.

O ato institucional n° 6, de 1° de fevereiro de 1969, tornou a reduzir para onze o número de ministros do Supremo Tribunal Federal e deu grande ênfase à competência da Justiça Militar, fazendo-a abranger também os civis nos casos de repressão dos crimes contra a segurança nacional ou instituições militares.

Pela emenda constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969 foram incluídos, entre os órgãos do Poder Judiciário, os tribunais e os juízes estaduais. As normas do ato 6 referentes à Justiça Militar foram inseridas na nova lei básica. A emenda instituiu o princípio que veio permitir aos tribunais de Justiça dos Estados disporem em resolução, pela maioria absoluta de seus membros, sobre a divisão e a organização judiciárias, cuja alteração, entretanto, só pode ser feita de cinco em cinco anos.[2]

 

Tais mudanças foram necessárias e extremamente úteis para toda a população em geral, pois com isso, o jurisdicionado brasileiro passou a ser mais efetivo, com a implantação de mais varas e a delimitação mais específica de suas atuações. Claro que, os poderes da União tem um interesse maior em certas alterações, o que é o caso da redação do art. 114, VIII da Constituição Federal, pois desta maneira, a arrecadação dos cofres públicos e em específico os da Previdência Social, que na época passava por várias crises e déficits em seus saldos. Esta era a intenção do legislador, conforme se depreende da justificação para as alterações da Constituição, como segue:

 

O déficit nos seus julgamentos requer uma providência capaz de aproximá-la de seus jurisdicionados, com a entrega da decisão dos litígios de maior interesse da União, à justiça estadual, que está aparelhada para este mister.[3]

 

Claro é o fato que tal disposição constitucional foi imposta em nossa Carta Magna com o fito exclusivo de beneficiar a União e os seus cofres públicos, mais especificamente os da Previdência Social, sendo que tal redação adveio posteriormente à Redação da Emenda Constitucional n° 20, de 1998, que reformulou a legislação previdenciária, com as alterações do teto salarial e a integração do fator previdenciário no ordenamento jurídico, com o fim específico de diminuir o valor das concessões. Não bastando tal ato, o legislador estatuiu este diploma legal em estudo, sem que se analisassem outros fatores constitucionais inerentes as matérias tributárias.

 

2. OS PRINCÍPIOS DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO E A COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA

 

Inicialmente, há de se estipular a natureza tributária das Contribuições Previdenciárias. Nesta lição, Marco Aurélio Greco nos comenta:

Contribuição é categoria distinta dos tributos cujas leis instituidoras estão validadas condicionalmente. Contribuição não é imposto nem taxa. É categoria à parte, sujeita a critério distinto de validação e a disciplina inconfundível. Pretender reduzir a contribuição a um imposto ou uma taxa é negar a qualificação constitucionalmente adotada; é confundir o que a Constituição distingue. Quando a Constituição quis prever um imposto de escopo, ela o faz expressamente (impostos extraordinários), vinculando explicitamente a figura do imposto, que se tipifica por ser caracterizado em função da materialidade do seu fato gerador, a uma determinabilidade constitucionalmente consagrada. A contribuição é caracterizada pela inerência da finalidade à sua essência, mas não pode ser reconduzida à figura do imposto, pois a própria Constituição não atrela nenhuma materialidade à respectiva norma atributiva de competência instituidora, além de claramente, não incluir a figura na categoria dos impostos.[4]

Para confirmar esta premissa, temos ainda a lição de Leandro Paulsen, que em seu magistério nos prescreve:

Hoje em dia não há mais qualquer dúvida quanto à natureza tributária das contribuições sociais. Seja pela essência dessas exigências pecuniárias, seja por estarem integradas pela CF no Sistema Tributário Nacional, seja porque a CF expressamente determinou, quanto a elas, a observância das normas gerais em matéria tributária, a questão, hoje, é incontroversa.[5]

 

Feitos tais apontamentos, e pela lição, temos que as contribuições previdenciárias integram os tributos, estando condicionadas aos lançamentos previstos pelo CTN. Tal modalidade, prevista no art. 142 do Código Tributário Nacional (CTN), é o ato pela qual o fisco constitui o seu direito de tributo, e com isto, vem a obrigação de pagá-lo. A redação de tal diploma legal dispõem o seguinte:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.[6]

 

Sobre o lançamento, podemos citar a lição de Carlos Gustavo Silva Rodrigues, que citando José Souto Maior Borges, nos explica:

 

O procedimento de lançamento tende, pois, a um factum, o ato de lançamento, com o conteúdo pré determinado pelo CTN, art. 142, caput. Que o lançamento é procedimento e também ato deixa claro o parágrafo único desse dispositivo ao referir-se à atividade administrativa de lançamento, e, pois, a uma seriação de atos (procedimento) tendentes à realização do ato final (o ato administrativo de lançamento), vinculados tanto o ato quanto o procedimento que o prepara e antecede (BORGES, 1998, p. 20).[7]

 

A doutrina explana que é de competência administrativa a efetuação do lançamento dos tributos, seguindo a redação da letra da lei pátria tributária, que de mesmo modo confere a esse poder a competência para tal.

Em se tratando das contribuições previdenciárias devidas em razão de sentença trabalhista, Jorge Pinheiro Castelo e Nelson Albino Neto nos explicam que deveria ser de competência administrativa efetuar o lançamento, conforme estabelece o art. 142 do CTN, e após isso, o órgão responsável deveria efetuar a respectiva cobrança, como nos traduz o seu ensinamento:

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Segundo, o reconhecimento do vínculo em juízo e a conseqüente determinação de anotação da CTPS não se constituem em lançamento do crédito previdenciário, já que, nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional, compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.[8]

 

Neste ponto, há de se citar a separação dos poderes, criado com o fim de harmonizar a atuação do Estado, efetivando as suas ações e evitando a concentração de poderes. Sobre isto, José Luiz Quadros de Magalhães nos explica:

Um dos princípios fundamentais da democracia moderna é o da separação de poderes. A ideia da separação de poderes para evitar a concentração absoluta de poder nas mão do soberano, comum no Estado absoluto que precede as revoluções burguesas, fundamenta-se com as teorias de John Locke e de Montesquieu. Imaginou-se um mecanismo que evita-se esta concentração de poderes, onde cada uma das funções do Estado seria de responsabilidade de um órgão ou de um grupo de órgãos. Este mecanismo será aperfeiçoado posteriormente com a criação de mecanismo de freios e contrapesos, onde estes três poderes que reúnem órgãos encarregados primordialmente de funções legislativas, administrativas e judiciárias pudessem se controlar. Estes mecanismos de controle mútuo, se construídos de maneira adequada e equilibrada, e se implementados e aplicados de forma correta e não distorcida (o que é extremamente raro) permitirá que os três poderes sejam independentes (a palavra correta é autônomo e não independente) não existindo a supremacia de um em relação ao outro.[9]

 

Ainda, pela lição de Alessandro Marques de Siqueira:

A Constituição da República Federativa do Brasil é importante por afiançar, já no preâmbulo, um Estado Democrático de Direito. Destacando, e recortando no sentido do enfoque do trabalho, implica em partição de poderes na esfera constitucional, e, na processual, aduz ao contraditório e à duração razoável do processo.

O recorte constitucional aventado é bem compreendido na leitura do artigo 2º da Carta Política, onde se aponta que "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". O poder é uno, mas se triparte para ser exercido. Um exercício que se espera harmônico. Expectativa alimentada pelo constituinte.

A harmonia dos poderes resta assegurada na medida que cada poder tenha seu campo de atribuição precípua respeitado. Cabe ao Legislativo criar leis, ao Executivo as aplicar e ao Judiciário analisar sua correta aplicação. Esta é a regra geral, e assim deve ser acatada. Não se esquece das funções anômalas, mas como a expressão aponta, são atribuições atípicas, e, como exceções, devem confirmar regras, e não se tornarem regras elas próprias. Do contrário, o sistema de "freios e contrapesos" resta mitigado, e com ele a democracia, o que se diz pelo descumprimento do princípio da lealdade constitucional.

O Poder Legislativo, não por acaso, é colocado em primeiro lugar na enumeração dos poderes. Ainda assim, não se deve esquecer o que significa: "é criatura da Constituição; deve à Constituição o existir; recebe seus poderes da Constituição; e, pois, se os atos dele não conformam com ela, são nulos" [14]. Vivemos uma Democracia Participativa e nesta o exercício da função legislativa sobeja em importância. As leis representam – ao menos devem representar – as aspirações da população. Por isso é tarefa simples entender a função legislativa: representação popular a criar normas abstratas que se voltam para o coletivo.

 

O Poder Judiciário, a seu turno, não tem, pela própria razão de ser, competência legislativa. Contudo, nos tempos que sucedem à EC 45/04, assumiu "função de legislar". Não com esta nomenclatura, evidente, mas soa óbvio o conteúdo legislatório das possibilidades depreendidas das súmulas vinculantes, possíveis com a inclusão do artigo 103-A à Constituição. Nessa medida o raciocínio de Barbosa se aplica: tanto quanto o Legislativo, o Judiciário é cria da Constituição; deve, pois, estar em conformidade com ela.

Ainda que a sumulação vinculante vá de encontro à dogmática proposta por Locke, devemos ter em mente que a Constituição brasileira estabeleceu como seu fundamento a Dignidade da Pessoa Humana, elevando-a a condição de núcleo irradiador. Disto se apõe que toda a lógica jurídica deve ter por fundamento questões de cunho material, não se mostrando legítimos os procedimentos que sejam fins em si próprios. A demora processual precisa ser entendida na perspectiva da razoabilidade – necessidade, utilidade e proporcionalidade –, assentando-se a idéia da peremptória celeridade.

Tem-se que é preciso conjugar limitações constitucionais e a ordem processual trazida pelas súmulas vinculantes: 1) não basta a garantia do direito material sem as vestes do direito processual; 2) o direito deve poder ser exercido; e, 3) as questões de ordem processual precisam se conciliar com as limitações que estruturam o Sistema Democrático.[10]

 

José Luiz Quadros de Magalhães ainda cita alguns casos em que esses poderes interferem-se sobre si:

Outro aspecto importante é o fato de que os Poderes tem funções preponderantes, mas não exclusivas. Desta forma quem legisla é o legislativo, existindo entretanto funções normativas, através de competências administrativas normativa no judiciário e no executivo. Da mesma forma a função jurisdicional pertence ao Poder Judiciário, existindo entretanto funções jurisdicionais em órgãos da administração do Executivo e do Legislativo. O Contencioso administrativo no Brasil não faz coisa julgada material pois a Constituição impõe que toda lesão ou ameaça a Direito seja apreciada pelo Judiciário (Artigo 5 inciso XXXV da CF). Entretanto em sistemas administrativos como o Francês há no contencioso administrativo diante de tribunais administrativos, a coisa julgada material, o que significa dizer que da decisão administrativa não há possibilidade de revisão pelo Poder Judiciário. Finalmente é obvio que existem funções administrativas nos órgãos dos três poderes.

Com a evolução do Estado moderno, percebemos que a idéia de tripartição de poderes se tornou insuficiente para dar conta das necessidades de controle democrático do exercício do poder, sendo necessário superar a idéia de três poderes, para chegar a uma organização de órgãos autônomos reunidos em mais funções do que as três originais. Esta idéia vem se afirmando em uma prática diária de órgãos de fiscalização essenciais a democracia como os Tribunais de Contas e principalmente o Ministério Público. Ora, por mais esforço que os teóricos tenham feito, o encaixe destes órgãos autônomos em um dos três poderes é absolutamente artificial, e mais, inadequado.[11]

 

Sobre os títulos judiciais decorrentes da sentença que o juiz profere, em relação as contribuições previdenciárias devidas, Edilton Meirelles nos traz a lição de que, na realidade, o magistrado atua além das suas funções, agindo como um fiscal, praticamente. Ele ainda nos ensina:

 

Em princípio, poder-se-ia alegar que o título é judicial, pois decorrente de uma decisão proferida por órgão judicante, pelo magistrado. Porém, é preciso lembrar que, para o título judicial ser formado, é indispensável a presença do credor e do devedor da obrigação na relação jurídica processual. [...] A decisão do magistrado que institui o título respaldador da execução previdenciária [...] se equipara à decisão do juiz que, numa ação trabalhista, condena o vencido a pagar custas processuais [...] o juiz não está sentenciando, isto é, exercendo sua função jurisdicional, mas, sim, apenas cumprindo uma de suas muitas funções anômalas, de cunho administrativo. Está, em outras palavras, cumprindo uma das etapas necessárias ao lançamento tributário, isto é, 'o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível' (art. 142 do CTN). O juiz, em verdade, age como se fosse um agente fiscal que, diante do fato gerador, lança o tributo, para ser cobrado a quem de direito.[12]

 

Com estas lições, aprendemos que os poderes da República, o legislativo, executivo e judiciário são independentes entre si, sedo que outro órgão não pode usurpar a sua competência.

Ocorre que o legislador, não atento para este detalhe, concedeu ao poder judiciário uma função que era essencialmente inerente ao poder administrativo, que é o de efetuar o lançamento de determinado tributo.

Apesar de se ter analisado a possibilidade desses poderes se intervir entre si, estes são casos apenas de reforma de um ato efetuado, não havendo a previsão de outro poder efetuar um ato desde o seu início onde a competência era de outro ente.

 

 

3. OS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO

 

Este princípio Constitucional, insculpido no art. 5, LV, da Carta Magna pátria, disciplina que todos tem direito ao contraditório e a ampla defesa, tanto em processo administrativo quanto judicial, ao contrário do processo inquisitório, que não propicia tais métodos, como nos diz a letra da lei:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;[13]

 

Sobre estes princípios, temos o ensinamento de Igor Rosado do Amaral, onde ele nos explana:

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, consagrou ao longo do seu texto, e expressamente no artigo 5º, LV, a garantia aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, com natureza de cláusula pétrea, o exercício do contraditório e da ampla defesa não apenas no sentido de possibilitar as partes a manifestação em processos judiciais e administrativos, mas, principalmente como uma pretensão à tutela jurídica, nas palavras de Gilmar Mendes.

Convergindo a este entendimento, segue o ensinamento de José Afonso da Silva, quando baseia o processo legal, outra garantia constitucional, em três outros princípios: o acesso a justiça, o contraditório e a plenitude de defesa (ou ampla defesa).

Assim, a todo o ordenamento jurídico pátrio, por mandamento constitucional, obriga-se o respeito a tais garantias, nos diversos cenários que envolvam relações entre entidades físicas ou jurídicas, envolvam ou não o Estado como parte litigante.[14]

 

Tratando-se mais especificamente sobre o Direito Tributário, tais princípios também integram tanto o processo administrativo como o judicial, para que o contribuinte tenha a oportunidade de realizar sua defesa caso determinado tributo não lhe seja devido. O autor, falando mais especificamente neste campo, nos ensina:

No Direito Tributário esta premissa não poderia ser negligenciada, dada a necessidade, ademais, que o agente público tem de respeitar demais princípios do Direito Administrativo como: da legalidade objetiva, da busca pela verdade material, do devido processo legal, da motivação dos atos administrativos, da segurança jurídica, entre tantos outros.

Desta forma, o exercício do contraditório e da ampla defesa é garantia constitucional e pode ser invocada basicamente em duas searas, a judicial e administrativa. Pelo interesse presente, trataremos especificamente desta garantia no âmbito do contencioso administrativo tributário, ao qual é dado genericamente o nome de Processo Administrativo Fiscal, regulado sobretudo pelo Decreto 70.235, de 6 de março de 1972.

Esta é a ferramenta administrativa posta a disposição do contribuinte para que seja avaliado se os pressupostos substantivos e formais que determinam a relação jurídico-tributária foram respeitados na atividade de administração tributária, observados os limites de atuação que caracterizam a atividade julgadora administrativa tendo em vista que o Brasil adota o modelo unificado de jurisdição, reservando ao Poder Judiciário, competências exclusivas na solução definitiva de lides jurídicas. O que não significa que os conflitos de interesses não possam ser dirimidos através de instância administrativa. Não se retira da Administração o poder de decidir, configurando coisa julgada administrativa a decisão que não pode mais ser revista neste âmbito de julgamento, servindo, assim, como mais uma etapa para o exercício do contraditório e da ampla defesa.[15]

 

Neste ponto, pode-se averiguar que os processos administrativos devem ter respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, para o fim de proporcionar ao contribuinte a oportunidade de defesa quanto aos fatos e atos que lhe são imputados.

Em contrapartida ao contraditório e a ampla defesa, temos o procedimento inquisitório, que segundo Afrânio Silva Jardim, este procedimento tem as seguintes finalidades:

 

Apesar de surgido na antiguidade, o sistema processual inquisitorial, a partir da Idade Média, passa a receber os influxos do Direito Canônico e o órgão julgador, além de decidir o litígio, era incumbido de elaborar a acusação penal, ex officio e perscrutar as provas, incluída aí a investigação sobre o acusado que, despido de garantias processuais, era considerado um mero objeto de investigação.[16]

 

Pelo sistema inquisitório, como visto, o próprio acusador é o mesmo que julga. Partindo-se deste princípio, vemos que a execução de ofício pelo magistrado das verbas previdenciárias nada mais é do que um processo inquisitório, visto que como é o magistrado que propõem a execução, este que irá tomar decidir caso algum fato superveniente venha a ocorrer no processo executório, o que não pode ser admitido em nosso sistema processual.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Após a pesquisa bibliográfica, onde foi reunido significativo material doutrinário, há condições de se responder a pergunta formulada para este estudo.

Vê-se que a redação do art. 114, VIII da Constituição Federal surgiu em uma época em que a previdência social passava por dificuldades, bem como a União necessitava de mecanismos mais céleres para impulsionar seus feitos. Deste modo, foi criada a modalidade da execução de ofício das verbas trabalhistas em sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho, incumbindo aos seus magistrados realizar esta execução.

Com relação ao lançamento dos tributos, viu-se que, como se tratam de contribuições, cabe-se ao ente administrativo efetuar o seu lançamento, em conformidade com o CTN e as disposições constitucionais referente aos tributos, sendo que não é possível que outro órgão do poder público usurpe tal competência, justamente pela repartição dos poderes que ocorre em nosso sistema republicano.

O direito ao Contraditório e a Ampla defesa garante que os litigantes, tanto em processo judicial ou administrativo, tem o direito a defesa. Ocorre que na execução de ofício, como é o magistrado que propõem a execução, este mesmo também julga o processo e qualquer outro fato que venha a ocorrer nele, caracterizando isto claramente um processo inquisitório, o que não é permitido atualmente em nossa legislação, inclusive por nossa carta magna.

Então, diante da pergunta formulada no início deste estudo, tem-se que a execução ex officio das contribuições previdenciárias advindas de sentenças trabalhistas é inconstitucional por usurpar competência administrativa para efetuar o lançamento do tributo e pelo fato de ser um processo inquisitório, o que é vedado em nosso ordenamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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[1] BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil, de 05 de nov. de 1988.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 02 abr. 2013.

[2] BRASIL. Emenda Constitucional n°45. Aprovada em 08/12/2004. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/biblioteca/pec/EmendasConstitucionais/EC45/Senado/EC045_sen_30062000_enc.pdf>. Acesso em: 02 abr.2013.

 

[3] Ibid.

[4] GRECO, Marco Aurélio.Contribuições: uma figura sui generis. In: GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: uma figura sui generis. 1. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 144. v. 1.

 

[5] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 105. v. 1.

[6] BRASIL. Lei Federal n. 5.172, de 25 de out. de 1966. Código tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 09 abr. 2013.

[7] RODRIGUES, Carlos Gustavo Silva;BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 1998. 2 f. Lançamento Tributário, Teresina, 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13400>. Acesso em: 09 abr. 2013.

[8] CASTELO, Jorge Pinheiro; NETO, Nelson Albino. Execução das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho – Execução de contribuição previdenciáriade decisão declaratória. 72-04. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 60.

[9] MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A Teoria da Separação de Poderes. 489. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5896>. Acesso em: 20 abr. 2013.

[10] SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Estado democrático de Direito: separação de poderes e Súmula Vinculante. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12155>. Acesso em: 22 abr. 2013.

[11] Ibid

[12] MEIRELLES, Edilton. Temas da Execução Trabalhista. In: MEIRELLES, Edilton. Temas da Execução Trabalhista. 1. ed. São Paulo: LTr, 1998.

p. 98.

[13] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Outorgada em 05 de novembro de 1988.

[14] AMARAL, Igor Rosado do. A Garantia Constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa no Processo Administrativo Tributário. Teresina: [s.n.], 2013. p. 1-1. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23693>. Acesso em: 20 abr. 2013.

[15] Ibid

[16] JARDIM, Afranio Silva. Ação Penal Pública - princípio da obrigatoriedade. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. p. 24.

 

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Sobre o autor
Alann Almeida Melotti

Graduado em Direito pela Uniarp. Especialista Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera. Especialista Pós Graduado em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade Anhanguera. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB - Subseção de Caçador/SC. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial - IBRADEMP. Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário - ABRADT.

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