Introdução
Tem-se constatado, nos últimos anos, uma avalanche de multas fiscais multimilionárias contra os agentes marítimos brasileiros, sob o fundamento de que há descumprimento da obrigação acessória prevista no Art. 37, do Decreto-Lei nº 37, de 1966, o que por consequência resultaria na aplicação da multa prevista no Art. 107, IV, “e” do mesmo dispositivo legal.
Este trabalho tem como objetivo prestar esclarecimentos sobre os equívocos de tais autuações, pelo vício na escolha do sujeito passivo para responder pela multa aplicada.
1) Da atividade de prestação de serviço de agenciamento marítimo - atribuições fáticas
O prestador de serviço de agenciamento marítimo é nomeado pela empresa de navegação para prestar assistência logística e administrativa ao seu navio e respectiva tripulação. Suas principais atribuições fáticas são a seguir enumeradas:
- contratar, em nome e por conta de seu cliente, serviços de apoio à navegação, tais como praticagem, rebocagem e amarradores;
- conduzir tripulantes do navio para exames e consultas médicas;
- coordenar troca de tripulação, levando-a do aeroporto ao navio, ou vice-versa, quando respectivamente do início ou fim do contrato de trabalho;
- liberar peças de reposição para a realização de reparos a bordo do navio;
- coordenar o fornecimento de água ao navio;
- despachar o navio perante as autoridades portuárias.
O agente marítimo exerce um mister de cunho administrativo, prestando assistência aos seus clientes, sempre no interesse destes. O agente marítimo é mero prestador de serviços, em regra empresa de pequeno porte, e não tem absolutamente nenhuma vinculação com os negócios da empresa transportadora, conforme asseverou o Ministro Luiz Fux, no Recurso Especial nº 1.134.195, de 12 de agosto de 2010.
Em contraprestação pelos serviços prestados, o agente marítimo percebe uma renda conhecida como agency fee , que gira em torno de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por navio.
A multa aplicada pela autoridade aduaneira, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por navio, é nitidamente confiscatória, pois representa mais de 200% da renda do prestador de serviço de agenciamento marítimo no atendimento do navio.
2 ) Do agente marítimo como mandatário do transportador
Paulo Henrique Cremoneze (2012), especialista em Direito Aduaneiro, assim define a figura do agente marítimo:
O agente marítimo é representante do transportador marítimo e/ou, conforme o caso, do Armador. A Agência Marítima, a rigor, não é parte da relação jurídica de transporte, sendo, apenas, mandatária do transportador (CREMONEZE, 2012, p. 55).
Não discrepam os ensinamentos da Eliane M. Octaviano Martins (2008, p. 324):
O conceito de agente marítimo – ou agente autorizado – consubstancia-se na figura contratual do mandato. [...] Evidências empíricas constatam inúmeras proposituras de ações relativas à responsabilidade civil do armador contra o agente marítimo. A jurisprudência dominante tem se posicionado favoravelmente ao agente ao considerar ilegitimidade ad causam e ao exonerá-lo de responsabilidade por fato de outrem em relação às ações de indenização por danos ou avarias que lhe são propostas. Em regra, os argumentos concentram-se no fato do agente ser apenas mandatário do armador. Destarte, a ação indenizatória, ou ação de reembolso, decorrente de transporte marítimo deve ser proposta contra a empresa transportadora. Com efeito, a agência marítima não vem sendo considerada parte legítima.
Na melhor descrição de Ripert (1922-1923):
Os agentes terrestres são estabelecidos nos portos onde os navios fazem escala ou terminam a expedição marítima. Os estabelecimentos que eles dirigem são chamados na prática comercial agências marítimas. O consignatário de navios é um mandatário comercial. A jurisprudência unânime vê um mandato no contrato de agenciamento de navio (RIPERT, 1922-1923, p. 742, grifo nosso).
Nesse exato sentido, assim consignou o Superior Tribunal de Justiça:
Este Tribunal Superior, ao apreciar o tema, firmou entendimento de que o agente marítimo, figura específica do direito náutico, atua como mandatário mercantil do armador. Isso porque o agente marítimo recebe poderes para, em nome do armador, praticar atos e administrar seus interesses, em terra, de forma onerosa e no interesse deste (art. 653 do Código Civil). Assim, a natureza jurídica da relação entre o agente marítimo e o armador é de mandato mercantil. Logo, a consequência inarredável é a de que o mandatário, quando age nos limites do mandato, não tem responsabilidade pelos danos causados a terceiros, pois não atua em seu próprio nome, mas em nome e por conta do mandante. Ademais, mesmo que o mandatário aja em desconformidade com o mandato, causando danos pela exacerbação de seus poderes, sejam eles fraudulentos ou culposos, ainda assim será o mandante quem responderá perante os terceiros lesados, resguardando-se, neste caso específico, o direito de regresso do mandante contra o mandatário (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1448120-SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03.02.2015).
É também do Superior Tribunal de Justiça o seguinte ensinamento:
O agente marítimo é mandatário, no território nacional, do transportador estrangeiro. Logo, não são pessoas jurídicas idênticas. Ao contrário, a relação de mandato pressupõe duas pessoas distintas: mandante e mandatário. Se eles se confundem, não há mandato (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1002811-SP, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 07.08.2008).
Desta forma, doutrina e jurisprudência seguem no sentido de caracterizar o agente marítimo como mandatário do transportador. O mandatário, como é cediço, não atua em nome próprio, mas em nome e por conta do mandante. Esta conclusão pode ser extraída da própria legislação infra-legal expedida pela Receita Federal, senão, vejamos (Instrução Normativa nº 800/2007):
Art. 4o A empresa de navegação é representada no País por agência de navegação, também denominada agência marítima.
§ 1o Entende-se por agência de navegação a pessoa jurídica nacional que represente a empresa de navegação em um ou mais portos no País (BRASIL, 2007, p. 1).
O Superior Tribunal de Justiça, com base nessa premissa de que o agente marítimo é mero mandatário, não admite a responsabilização de tal personagem por inobservância de dever que a lei impôs ao transportador, senão, vejamos:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. PODER DE POLÍCIA. MULTA ADMINISTRATIVA. EMBARCAÇÃO ESTRANGEIRA. AFASTADA A RESPONSABILIDADE
DO AGENTE MARÍTIMO. PENALIDADE IMPUTADA EXCLUSIVAMENTE AO ARMADOR.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de não admitir a responsabilização do agente marítimo por infração administrativa cometida pelo descumprimento de dever que a lei impôs ao armador. (REsp 1.217.083/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4/3/11). Precedentes: (REsp 993.712/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 12/11/10; AgRg no REsp 1.165.103/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 26/2/10; AgRg no REsp 1165103/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 26/2/10).
2. Agravo regimental a que se nega provimento (Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1131180-RJ, Relator Ministro Sérgio Kukina, julgado em 16.05.2013)
É exatamente disso que se está a tratar no presente estudo, da injusta responsabilização do agente marítimo por inobservância de dever jurídico que a lei impôs ao transportador. O Tribunal Federal de Recursos, em face da enormidade de ações que versavam sobre a equiparação do agente marítimo ao transportador, para efeitos do Decreto-Lei nº 37/66, sumulou a matéria, senão, vejamos:
Súmula nº 192 : O agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não e considerado responsável tributário, nem se equipara ao transportador para efeitos do decreto-lei 37, de 1966 (BRASIL, 1985, p. 1).
O agente marítimo é um intermediário entre a empresa de navegação e a praça onde o navio irá atracar. Trata-se de empresa em regra de pequeno porte, autônoma e independente. É um prestador de serviço, auxiliar da navegação.
Entretanto, nunca é demais lembrar que o agente marítimo não é o afretador do navio, não é importador, não é exportador, não manuseia a carga, não executa o transporte nem muito menos tem poder de ingerência sobre a navegação – atividade afeta exclusivamente ao transportador – razão pela qual não pode ser responsabilizado por atos praticados no exercício de seu mandato, nem pelos atos do seu cliente. Antes, exerce atividade estritamente mandatária e, como mandatário, fala e age em nome e por conta do transportador (mandante). Logo, é a empresa de navegação quem irá contrair obrigações e adquirir direitos, como se pessoalmente tivesse tomado parte na prestação de informações aos sistemas informatizados da Receita Federal, notadamente o Siscomex-Carga.
3 ) Obrigação acessória e penalidade
A obrigação acessória de prestar informações à Secretaria da Receita Federal sobre as operações que cada personagem realizar está prevista no Art. 37 do Decreto-Lei nº 37, de 1966:
Art. 37. O transportador deve prestar à Secretaria da Receita Federal, na forma e no prazo por ela estabelecidos, as informações sobre as cargas transportadas, bem como sobre a chegada de veículo procedente do exterior ou a ele destinado.
§ 1o O agente de carga, assim considerada qualquer pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos, e o operador portuário, também devem prestar as informações sobre as operações que executem e respectivas cargas (BRASIL, 1966b, p.1).
Nota-se que, em nenhum momento, a lei menciona a figura do agente de marítimo como sujeito passivo da obrigação acessória. A infração ao supracitado dispositivo está prevista no Art. 107, IV, do Decreto-Lei nº 37, de 1966, senão, vejamos:
Art. 107. Aplicam-se ainda as seguintes multas:
[...]
IV - de R$ 5.000,00 (cinco mil reais):
[...]
e) por deixar de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, aplicada à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga; e
f) por deixar de prestar informação sobre carga armazenada, ou sob sua responsabilidade, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, aplicada ao depositário ou ao operador portuário (BRASIL, 1966b, p.1).
Novamente, em nenhum momento, a lei dispõe ser possível apenar o agente marítimo. De acordo com a precitada legislação, são passíveis de punições as seguintes figuras:
- empresa de transporte internacional;
- prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta;
- agente de carga;
- operador portuário.
O agente marítimo não se equipara ao transportador, sendo dois personagens distintos: aquele, mandatário, este, mandante. Este entendimento ficou cristalizado através da Súmula nº 192 (BRASIL, 1985) do extinto, mas sempre egrégio Tribunal Federal de Recursos.
O agente marítimo não presta serviços de transporte expresso porta-a-porta. Quem realiza tal atribuição são as empresas conhecidas como TNT, DHL, UPS, FEDEX, entre outras.
O agente marítimo não se confunde com o agente de carga. Esta situação será tratada em tópico específico, para evitar dúvidas e confusões.
O agente marítimo também não se confunde com operador portuário, sendo este último pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, dentro da área do porto organizado, consonante inteligência do Art. 2º, XIII, da Lei nº 12.815/2013 (Lei dos Portos).
O agente marítimo presta assistência logístico-administrativa ao navio e a sua tripulação, enquanto o operador portuário atua na movimentação e armazenagem de cargas na área alfandegada em nome de seus clientes exportadores ou importadores.
4) Vulneração ao princípio da legalidade
Não estando o agente marítimo arrolado no enquadramento legal utilizado pela autoridade alfandegária (Art. 107, IV, “e”), não pode ser responsabilizado ou apenado, em face do princípio da legalidade. Na seara do Poder Administrativo Sancionador, deve imperar o princípio da legalidade estrita. Ora, se o agente marítimo não está arrolado entre os sujeitos passíveis de punição, a sua responsabilização é manifestamente ilegal.
Em relação ao principio da legalidade, Maria Sylvia Zanella di Pietro (2009) ensina que:
Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constituiu uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.
É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei.
Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite.
[...]
No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de constituições anteriores, estabelece que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’.
Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos atos administrativos, para tanto, ela depende de lei (ZANELLA DI PIETRO, 2009, p. 63-64).
A equiparação do agente marítimo à condição de transportador é equivocada, e quem assim procede, desrespeita o ordenamento jurídico, porquanto viola previsão legal, ampliando-a indiscriminadamente, extrapolando os limites determinados pelo legislador.
Deste modo, o agente marítimo não pode arcar com as multas decorrentes de obrigações impostas às atividades exercidas por outros personagens que atuam no ambiente portuário. Frise-se, não há lei que impute à Agência Marítima deveres relacionados ao Siscomex. As obrigações devem ser cumpridas pelo transportador, agente de carga ou operador portuário, a depender de cada situação, nunca pelo agente marítimo.
5 Jurisprudência favorável à tese ora defendida
A jurisprudência segue no sentido de não admitir a responsabilização do agente marítimo com base no Art. 107, IV, “e” do Decreto-Lei nº 37, de 1966, senão, vejamos:
TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. MERCADORIA TRANSPORTADA. SISCOMEX. DECRETO-LEI Nº 37/66. MULTA. AGENTE MARÍTIMO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. HONORÁRIOS.
1. Nos termos do art. 107, IV, e, do Decreto-Lei nº 37/66, a empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta a porta, e o agente de carga sujeitam-se ao pagamento de multa na hipótese de omitirem-se no dever de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute.
2. A imposição de penalidades, tanto no âmbito administrativo como no âmbito tributário, deve observar o princípio da legalidade. Visto que o agente marítimo não se encontra dentre os sujeitos arrolados no citado dispositivo legal, não subsiste o auto de infração que aplicou a penalidade de multa à empresa.
3. O agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não é considerado responsável tributário, nem se equipara ao transportador para efeitos do Decreto-Lei n.º 37 de 1966 (Súmula 192 do TFR).
4. A assinatura de termo de responsabilidade pelo pagamento dos tributos não torna o agente marítimo sujeito passivo da obrigação tributária, sob pena de afronta ao princípio da legalidade.
5. Honorários advocatícios fixados em conformidade com o disposto no art. 20, § 4º do CPC (Tribunal Regional Federal da 4º Região, Apelação Cível nº 5001890-54.2012.404.7101/RS, Relator Ivori Luis da Silva Scheffer, julgado em 01.07.2015).
ADMINISTRATIVO. DECRETO-LEI Nº 37/66. MULTA. AGENTE MARÍTIMO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
1. Nos termos do art. 107, IV, e, do Decreto-Lei nº 37/66, a empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta a porta, e o agente de carga sujeitam-se ao pagamento de multa na hipótese de omitirem-se no dever de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute.
2. A imposição de penalidades, tanto no âmbito administrativo como no âmbito tributário, deve observar o princípio da legalidade. Visto que o agente marítimo não se encontra dentre os sujeitos arrolados no citado dispositivo legal, não subsiste o auto de infração que aplicou a penalidade de multa à empresa apelada (Tribunal Regional Federal da 4º Região, Apelação Cível nº 5002847-77.2011.404.7008/PR, Relatora Marga Inge Barth Tessler, julgado em 18.09.2013)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. AGÊNCIA MARÍTIMA. RESPONSABILIDADE. DECRETO-LEI Nº 37/66. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
1. O agente marítimo, sempre em nome do armador ou do comandante, opera para que as atividades fluam de modo rápido e eficaz nos terminais portuários. Todavia, a imposição de penalidades, tanto no âmbito administrativo como no âmbito tributário, deve observar o princípio da legalidade.
2. O agente marítimo não está arrolado no art. 107, IV, e, do Decreto-Lei 37/66, que prevê a aplicação de multa à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga, na hipótese de não prestarem informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute.
3. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de excluir a responsabilidade do agente marítimo por infração administrativa decorrente da inobservância de dever que não lhe foi imposto por lei (Tribunal Regional Federal da 4º Região, Apelação Cível nº 5000437-75.2013.404.7008/PR, Relator Nicolau Konkel Júnior, julgado em 12.03.2014)
AGRAVO LEGAL. TRIBUTÁRIO. SISCOMEX. RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. AGENTE MARÍTIMO. SÚMULA Nº 192, DO EXTINTO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS.
[...]
3. A apelada não pode ser responsabilizada pela obrigação de registrar os dados pertinentes ao embarque da mercadoria, devido à sua condição de agente marítimo, em exercício exclusive de suas atividades próprias.
4. A responsabilidade é exclusivamente do transportador, não podendo ser transferida para a apelada, mesmo que houvesse assumido obrigações e assinado termo de responsabilidade, pois não pode ser equiparada ao transportador, de acordo com a Súmula nº 192 do extinto Tribunal Federal de Recursos, aplicável na espécie: O agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não é considerado responsável tributário, nem se equipara ao transportador para efeitos do Decreto-Lei nº 37, de 1966 (Tribunal Regional Federal da 3º Região, Apelação Cível nº 1998166, Relatora Consuelo Yoshida, julgado em 26.02.2015)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADUANEIRO. AUTO DE INFRAÇÃO. AGENTE MARÍTIMO. RESPONSABILIDADE AFASTADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Consolidada a jurisprudência no sentido de que não pode ser equiparado o agente marítimo ao transportador para os efeitos do Decreto-lei 37/1966, sendo que, no caso, a infração apurada e a multa aplicada à autora estão fundadas exatamente em tal diploma legal, mais especificamente no seu artigo 107, IV, 'c'. 2. Evidencia-se a perfeição subsunção da espécie ao teor da Súmula 192/TFR, que tem sido aplicada, reiteradamente, pela jurisprudência dos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. 3. Caso em que é manifestamente infundada a alegação de que se deve aplicar isonomia ou razoabilidade, pois para fins punitivos é ilícito reconhecer a existência de infração e infrator, por analogia e contra disposição legal expressa, em atentado ao princípio da legalidade e da segurança jurídica. 4. Agravo inominado desprovido (Tribunal Regional Federal da 3º Região, Apelação Cível nº 1853516, Relator Carlos Muta, julgado em 09.04.2015)
TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. AGENTE MARÍTIMO. SÚMULA 192/TFR.
1. A área de atuação da Autora compreende a prestação de serviço à empresa do ramo de transportes marítimos, representando-as como mandatária, perante as autoridades portuárias, sanitárias, alfandegárias, entre outras, sem, contudo, confundir-se com a mesma.
2. O agente marítimo apenas presta o serviço de intermediação de contratos comerciais entre os navios e terceiros, não possuindo qualquer vinculação com os negócios da empresa transportadora, em sendo assim, não pode responder em seu próprio nome pelas obrigações tributárias da empresa que agencia.
3. A Súmula nº 192 do extinto E. TFR corrobora esse entendimento: "O agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não é considerado responsável tributário, nem se equipara ao transportador para os efeitos do Decreto-lei nº 37, de 1966." (G.N.)
4. Da análise sistemática do inciso II do Parágrafo Único do art. 121 do CTN com o seu art. 128, conclui-se que o legislador ordinário só poderá eleger como responsável tributário pessoa que tenha algum vínculo com o fato gerador do tributo, o que não ocorre no presente caso.
5. Correta a sentença que julgou procedente o pedido e decretou a nulidade dos autos de infração. Apelação e Remessa Necessária improvidas (Tribunal Regional Federal da 5º Região, Apelação Cível nº 12870/PE, Relator Geraldo Apoliano, julgado em 28.02.2013).
6) Ausência de comprovação de conduta dolosa por parte do mandatário como exige o art. 137 do Código Tributário Nacional
Alega equivocadamente a autoridade fiscal, em suas autuações, que deve o agente marítimo responder objetivamente pela infração, com base no Art. 94, § 2º, do Decreto-Lei nº 37, de 1966, que assim dispõe:
Art.94 - Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los.
§ 2º - Salvo disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato (BRASIL, 1966b, p.1).
Tal dispositivo não pode ser aplicado contra o agente marítimo, pela sua condição de mandatário do sujeito passivo da obrigação acessória ( o transportador ).
O referido dispositivo só tem validade para as figuras que inobservam um dever legal à eles reclamados ( o transportador, o agente de carga e o operador portuário ).
O legislador não reclamou do agente marítimo a obrigação prevista no Art. 37 do Decreto-Lei nº 37, de 1966.
Desta forma, o precitado dispositivo deve ser interpretado em consonância com o Art. 137 do Código Tributário Nacional, norma geral em matéria tributária, recepcionado pela Constituição com status de lei complementar, que assim dispõe:
Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:
I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;
III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas (BRASIL, 1966a, p. 1, grifo nosso).
O agente de navegação marítima, como é cediço, atua no Siscomex-Carga não em nome próprio, mas em nome e por conta do seu cliente, o transportador, na condição de mandatário deste.
Desta forma, para a caracterização de sua responsabilização pessoal por infração à legislação tributária, deve restar cabalmente demonstrado seu intuito doloso, fraudulento, como exige o Art. 137 do CTN.
Isto porque, o mandatário, tal como o empregado, é um terceiro em relação às obrigações fiscais do mandante ou empregador.
Comentando o Art. 137 do CTN, assim ensina Sacha Calmon Navarro Coelho (2012):
O intuito deste artigo é apenar pessoalmente os infiéis, os venais, que dolosamente agem para prejudicar os seus representados, ou os clientes, ou as pessoas jurídicas das quais são órgãos. Repita-se que a atribuição pessoal de responsabilidade aqui é para os pagamentos das multas fiscais. A responsabilidade pessoal por transferência de dever relativamente a tributos já foi tratada nos comentários ao art. 135. Tampouco se cura aqui de responsabilidade penal (crimes contra a ordem tributária ou quaisquer outros de fundo fiscal, mas formalmente penais). O comum entre o art. 135 (tributos) e o art. 137 (multas) é a pessoalidade da responsabilidade, a retirada da solidariedade e a necessidade de comprovação efetiva do dolo, obedecido o devido processo legal para que a responsabilização seja irrogada ao agente, com exclusão do contribuinte original (COELHO, 2012, p. 652).
Fora os casos excepcionais previstos pelo Art. 137 do CTN, não pode o mandatário ser responsabilizado pessoalmente por infração à legislação tributária.
A jurisprudência segue na mesma linha, inclusive, no tocante à obrigatoriedade de se interpretar sistematicamente a legislação ordinária em face do Art. 137 do Código Tributário Nacional, que reflete verdadeira regra matriz de responsabilidade tributária, cumprindo sua função constitucional de dispor sobre norma geral em matéria tributária:
TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE GUIAS DA GFIP. AGENTE POLÍTICO. PREFEITO MUNICIPAL. RESPONSABILIDADE PESSOAL. DEMONSTRAÇÃO DA CULPABILIDADE. NECESSIDADE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. ARTIGO 137 DO CTN
- Cinge-se a controvérsia no reconhecimento da responsabilidade tributária pessoal do apelado, relativa à época em que desempenhava o cargo de Prefeito do Município de Itaporanga D’Ajuda(SE), pelo descumprimento da obrigação acessória de apresentação mensal da GFIP.
- A responsabilidade tributária por infrações é, em regra, objetiva, segundo o disposto no artigo 136 do CTN. Todavia, em algumas situações, excepciona-se a regra anteriormente disposta e busca-se um enfoque especial na intenção do agente, de forma a caracterizar uma autêntica responsabilidade subjetiva. Cuida-se da responsabilidade por infrações, lastreada no artigo 137 do CTN, a qual exige a constatação da conduta dolosa por parte do infrator.
- A disposição prevista no artigo 41 da Lei nº. 8.212/91 deve ser interpretada segundo os termos do artigo 137 do Código Tributário Nacional, norma hierarquicamente superior, com natureza de lei complementar.
- Ausência de comprovação, pelo devido processo legal, de qualquer fato justificador de responsabilidade tributária pessoal do apelado nos moldes do artigo 137 do CTN, a ensejar a nulidade da autuação fiscal perpetrada contra a pessoa do dirigente do Poder Executivo Municipal
- Precedentes desta Corte.
- Apelação e remessa obrigatória não providas (Tribunal Regional Federal da 5º Região, Apelação Cível nº 429023/SE, Relator Cesar Carvalho, julgado em 12.03.2009 )
TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DO PREFEITO POR AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE GFIP. ARTS. 32, IV E 41, DA LEI 8.212/91. MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR. ART. 137, DO CTN. INEXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Apelações interpostas pelo INSS e pelo Autor, com o objetivo de reformar sentença que julgou procedente Ação Ordinária, para declarar inexigível o débito relativo à multa imposta, com fundamento nos arts. 32, IV e 41, da Lei n° 8.212/9 1, por ausência de prestação de informações à Previdência Social, e fixou os honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais).
2. A obrigação tributária, seja ela principal ou acessória, é matéria reservada à lei complementar, devendo ser afastada a incidência da Lei n° 8.212/91 e aplicado o art. 137, do CTN, que exclui a responsabilidade pessoal do ocupante do cargo público de administrador.
3. Inexistência de comprovação de dolo específico, como determina o art. 137, II, do CTN.
4. Honorários advocatícios mantidos no valor fixado na sentença (R$ 1.000,00). Apelações e Remessa Oficial improvidas (Tribunal Regional Federal da 5º Região, Apelação Cível nº 381194/PE, Relator Frederico Pinto de Azevedo, julgado em 25.10.2007 )
TRIBUTÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. AUTO DE INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA EM VIRTUDE DE FALTA DE APRESENTAÇÃO DE GFIP´S. RESPONSABILIDADE PESSOAL E DIRETA DO DIRETOR DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS DO CONDEPE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 137, I, DO CTN. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. A presente questão versa sobre a possibilidade ou não de responsabilização pessoal de dirigente de pessoa jurídica de direito público pelo pagamento de multa, aplicada com base no art. 41 da Lei 8.212/91, em face de descumprimento de obrigação tributária acessória, no caso em concreto, a não apresentação, no prazo legal, das GFIP´s (Guais de Recolhimento do FGTS e Informação à Previdência Social), relativas ao período de janeiro/1999 a fevereiro/2000.
2. As obrigações tributárias, tanto as principais quanto as acessórias, devem se submeter, primordialmente, à Constituição Federal e às normas do Código Tributário Nacional.
3. Determina a Constituição Federal, em seu art. 146, inciso III, que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre obrigação tributária. Sendo o objeto da presente demanda a responsabilização pessoal do agente decorrente de obrigação tributária, o dispositivo legal a ser aplicado a esta lide é o art.137, do Código Tributário Nacional, que exclui, expressamente, a responsabilização tributária pessoal daqueles que agem no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego.
4. Ademais, o art. 137, II e III, do CTN, exige, para a responsabilização pessoal do agente, a comprovação, quando da prática de infrações, de dolo específico, o que, no entanto, somente poderia ser apurado através do devido processo legal, assegurado o direito de defesa, sem prejuízo de eventual responsabilização por ilícito fiscal.
5. Não há que se aplicar, portanto, ao presente caso o art. 41, da Lei Ordinária 8.212/91, eis que não se encontra o mesmo em conformidade com o que prevê o art. 137, I, do CTN, que tem status de Lei Complementar; padecendo, assim, de vício de ilegalidade. Precedentes do STJ e deste egrégio Tribunal.
6. Remessa oficial e apelação improvidas (Tribunal Regional Federal da 5º Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 88387/PE, Relator Élio Wanderley de Siqueira Filho, julgado em 12.07.2007)
Conforme amplamente demonstrado, procedendo o agente marítimo ( mandatário do transportador ) de forma dolosa, atrai para si a responsabilidade pessoal de que trata o Art. 137 do Digesto Tributário. Ausente, entretanto, o elemento subjetivo doloso, descabe responsabilizá-lo.
7 ) Agente de Carga não se confunde com Agente Marítimo – dois personagens distintos
Evidências empíricas revelam - provavelmente por conta do desconhecimento da rotina portuária - , que está havendo em algumas decisões judiciais certa confusão entre as figuras do agente marítimo e do agente de carga.
Estes equívocos tem por fundamento o simples fato dos nomes desses personagens serem parecidos, entretanto, não pode haver confusão, pois são dois intervenientes distintos, com atribuições completamente diversas, e que atuam em face de personagens diferentes.
O agente de carga é figura vinculada aos exportadores e importadores, responsável pela contratação de transporte em nome destes, bem como responsável pela consolidação ou desconsolidação dos seus produtos, com o objetivo de minimizar o custo do frete.
O agente de cargas é conhecido também como transportador sem navio, ou simplesmente, NVOCC (Non Vessel Operator Common Carrier).
Com o objetivo de reduzir o custo do frete, o agente de carga realiza a consolidação das mercadorias dos seus vários clientes, entendendo-se por consolidação como acobertamento de um ou mais conhecimentos de carga para transporte sob um único conhecimento genérico, envolvendo ou não a unitização da carga.
Por outro lado, o agente desconsolidador de carga atua no Siscomex-Carga registrando as informações relacionadas aos conhecimentos agregados (B/L HOUSE).
O agente de carga, portanto, é responsável por desenvolver soluções para os usuários do transporte de carga em qualquer modal (aéreo – marítimo – terrestre), com o objetivo de minimizar os custos do frete, e cuida da coleta e/ou entrega na origem e no destino. O pré-embarque e o pós-embarque são sua incumbência primordial. Em suma, seu objetivo é atender as organizações que exportam ou importam produtos, cuidando de todos os detalhes existentes no processo logístico, inclusive, realizando consolidação e desconsolidação das mercadorias que estiverem sob os seus cuidados.
Paulo Henrique Cremoneze (2012) define com muita propriedade as funções dos agentes de carga:
As operações de exportação e importação reclamam a cada dia soluções rápidas e dinâmicas e, por essa razão, muitas empresas têm se valido dos serviços de agentes de cargas, com vistas a facilitar o comércio internacional de mercadorias, reduzindo os custos com o transporte (seja aéreo, marítimo ou terrestre).
Essas empresas disponibilizam seus serviços com vistas a minimizar os custos com frete, otimizar rotas, disponibilizar serviços de consolidação de cargas, auxílio burocrático e documental e outras facilidades para aqueles que se valem de seus serviços. Pode-se afirmar que o agente de cargas é um facilitador de transporte e a tendência mundial é que esse tipo de atividade ganhe a cada dia mais espaço no mercado internacional.
[...]
Suas operações são, a rigor, porta a porta (door to door), livrando o contratante de seus serviços dos incômodos e trabalhos operacionais, legais e logísticos provenientes de uma operação de comércio exterior. Assim, o agente de cargas providencia tudo o que for necessário para a transferência de carga entre dois pontos do planeta, apresentando ao seu cliente os resultados finais.
O agente de cargas costuma operar também como despachante e comissário de despachos, realizando todos os trâmites necessários para a entrada e/ou saída da mercadoria pelas fronteiras nacionais.
[...]
O agente de carga, entre outras atividades, pode prestar assistência administrativa a importadores e exportadores, inclusive no que diz respeito ao acondicionamento de cargas, à providência de embalagens que garantam o transporte seguro de mercadorias, à orientação sobre documentos e à observância da legislação dos países de origem e destino das mercadorias.
[...]
Contudo sua principal importância no mercado internacional está na negociação dos fretes: sempre são obtidos menores preços para os importadores e para os exportadores, o que redunda em economia e lucratividade (CREMONEZE, 2012, p. 77).
Importa esclarecer que o agente de carga tem obrigação legal de prestar informações ao Fisco sobre as operações que realizar. Isso se infere do § 1º do Art. 37 do Decreto-Lei nº 37, de 1966, senão vejamos:
§ 1o O agente de carga, assim considerada qualquer pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos, e o operador portuário, também devem prestar as informações sobre as operações que executem e respectivas cargas (BRASIL, 1966b, p.1).
O agente de carga, portanto, atua no Siscomex-Carga em nome próprio, registrando as informações relacionadas às operações por ele próprio executadas (consolidação e desconsolidação).
Nisso reside a grande diferença com o agente marítimo, porque este atua no Siscomex-Carga não em nome próprio, mas em nome e por conta do seu cliente, o transportador, na qualidade de mandatário deste.
O agente marítimo é o agente do navio, sendo mandatário da empresa de navegação, enquanto o agente de carga é o agente da mercadoria, atuando em nome dos exportadores e importadores.
Enquanto o agente de carga é sujeito passivo da obrigação acessória, o agente marítimo não o é.
O agente marítimo, diferentemente do agente de carga, é contratado para realizar a interface entre o transportador estrangeiro e os atores do microcosmo portuário, prestando assistência operacional, logística e administrativa ao navio e a sua tripulação, durante a escala de determinada embarcação a um porto brasileiro qualquer.
A própria Administração Federal, através do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, não confunde as atividades de agente marítimo com a de agente de carga, vejamos:
É ilegítimo para figurar no pólo passivo o agente marítimo, que não se confunde com o transportador ou agente de carga, responsáveis pelo cumprimento da obrigação e, se for o caso, responder pela multa de que trata a alínea e do inciso VI do artigo 107 do Decreto-lei nº 37/66
[...]
Mesmo que assim não fosse, ou seja, que o lançamento em causa não fosse materialmente nulo, fato é que o mesmo também não poderia prosperar, diante da flagrante ilegitimidade do sujeito passivo, agente marítimo, para responder pela multa de que trata a alínea e do inciso VI do artigo 107 do Decreto-lei nº 37/66, segundo o qual:
[...]
É certo que o agente marítimo não se confunde com o transportador ou agente de carga, responsáveis pelo cumprimento da obrigação prevista na norma acima citada, sob pena de não o fazendo responderem pela multa também prevista no referido dispositivo legal.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso voluntário em razão da caracterização de vício na eleição do sujeito passivo (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Processo nº 10711.003636/2006-44, Acórdão nº 3102-00.791, julgado em 27.10.2010 )
Conclusão
A responsabilização do agente marítimo pela multa prevista no Art. 107, IV, “e” do Decreto-Lei nº 37/66 é manifestamente ilegal, posto que tal personagem não está elencado dentre os sujeitos passiveis de punição.
Para a ocorrência da responsabilidade pessoal tributária do agente marítimo que atua na qualidade de mandatário do sujeito passivo da obrigação acessória ( o transportador ), é preciso restar comprovado um proceder doloso, fraudulento, imbuído de manifesta má-fé, em obediência ao Art. 137 do Código Tributário Nacional.
Não pode haver confusão entre as figuras do agente marítimo e agente de cargas, pois são notoriamente distintas. O agente de carga atua no Siscomex-Carga em nome próprio, registrando as informações relacionadas às operações por ele próprio executadas (consolidação e desconsolidação de cargas), enquanto o agente marítimo atua no Siscomex-Carga na condição de mandatário do transportador, ou seja, não atua em nome próprio, até porque a lei não reclama dele nenhum dever.
Referências
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