Requisitos de validade dos contratos de prestação de serviços firmados por pessoa analfabeta e as consequências jurídicas da não observância dos mencionados requisitos

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Elenca-se os requisitos de validade nos contratos de prestação de serviço realizados por pessoa analfabeta e a repercussão jurídica de sua não-observância.

RESUMO:O presente artigo tem por finalidade refletir acerca dos requisitos de validade nos contratos de prestação de serviço realizados por pessoa analfabeta. O trabalho abordará a possibilidade de pessoa analfabeta firmar negócios jurídicos, bem como se a simples digital aposta no contrato supre a necessidade de assinatura a rogo.

Analisará, ainda, as consequências jurídicas da não observância dos requisitos formais de validade quando da assinatura de contratos por pessoa analfabeta.

Palavras-chave: Negócios Jurídicos. Analfabetos. Requisitos de validade. Consequências jurídicas.

ABSTRACT:This article aims to reflect on the validity requirements in the provision of service contracts performed by illiterate person . The work will address the possibility of illiterate person firm legal business as well as the digital single bet in the contract meets the need of signing the plea. Consider also the legal consequences of non-compliance with formal requirements valid when signing contracts illiterate person . Keywords: Business Legal . Illiterate . Validity requirements . Legal consequences.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Negócios Jurídicos. 1.1 Conceitos. 1.2. Requisitos de existência e validade. 2. Da contratação por pessoa analfabeta. 3. Consequências jurídicas da não observância dos requisitos formais de validade. Conclusão. Referências


INTRODUÇÃO

O trabalho em tela se propõe a analisar as consequências da não observância dos requisitos formais de validade quando da assinatura de contratos por pessoa analfabeta. Essa temática se mostra atual tendo em vista a massificação das contratações, em especial, contratos bancários de empréstimos consignados firmados por pessoas, geralmente, analfabetas.

Inicia-se conceituando e caracterizando os negócios jurídicos; em seguida será abordados os requisitos de existência e validade dos negócios jurídicos.

Posteriormente será analisada, com base na doutrina e em entendimentos jurisprudenciais acerca das consequências jurídicas de não observância dos requisitos formais de existência e validade quando da assinatura de contratos por pessoa analfabeta.


1 CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO

1.1. NEGÓCIOS JURÍDICOS

O direito positivo brasileiro adotou um sistema dualista, reconhecendo, ao lado do ato jurídico em sentido estrito (art. 185, CC3), a categoria mais importante do negocio jurídico (arts. 104 e seguintes do CC).

O negocio jurídico, baseado na autonomia privada, traduz uma declaração de vontade limitada pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva pela qual o agente pretende livremente alcançar determinados efeitos juridicamente possíveis.

Judith Martins-Costa sustenta que não vivemos mais na era da autonomia privada e sim da autonomia

Algumas teorias buscam explicar os negócios jurídicos. São elas:

a) Teoria da vontade (Willenstheorie): afirma que o nucleo essencial do negocio jurídico seria a vontade interna, a intenção do agente (art. 112 do CC). Negócio jurídico = vontade INTERNA + vontade DECLARADA.

Prescreve o art. 112, do Código Civil: Nas declarações de vontade se atenderá mais à INTENÇÃO nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

b) Teoria da declaração (Erklärungstheorie): afirmava que o negocio jurídico teria a sua essência, não na vontade interna, mas na vontade externa ou declarada.

Assim, negócio jurídico (Rechtsgeschaft) e o acordo de vontades, que surge da participação humana e projeta efeitos desejados e criados por ela, tendo por fim a aquisição, modificação, transferência ou extinção de direitos. Ha, nesse passo, uma composição de interesses (e o exemplo tipico dos contratos), tendo a declaração de vontades um fim negocial.

O exemplo clássico de negocio jurídico e o contrato.

O contrato e apenas uma das varias especies de negocio jurídico. Alias, o contrato e exemplo tipico de um negócio jurídico bilateral. No entanto, o negocio jurídico também pode ser unilateral. Neste caso o exemplo clássico e o testamento.

1.2. ELEMENTOS ESSENCIAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO (Tartuce)

O estudo dos elementos essenciais, naturais e acidentais do negócio jurídico é um dos pontos mais importantes e controvertidos da Parte Geral do Código Civil. É fundamental estudar a concepção desses elementos a partir da teoria criada pelo grande jurista Pontes de Miranda, que concebeu uma estrutura única para explicar tais elementos. Trata-se do que se denomina Escada Ponteana ou “Escada Pontiana”. São eles:

– plano da existência;

– plano da validade;

– plano da eficácia.

Sobre os três planos, ensina Pontes de Miranda que "existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. As próprias normas jurídicas podem ser, valer e não ter eficácia (H. Kelsen, Hauptprobleme) . O que se não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz, sem ser; porque não há validade, ou eficácia do que não é"1.

No plano da existência surgem apenas substantivos, sem qualquer qualificação, ou seja, substantivos sem adjetivos. Esses substantivos são:

– Partes (ou agentes);

– Vontade;

– Objeto;

– Forma.

Não havendo algum desses elementos, o negócio jurídico é inexistente (“um nada para o direito”), conforme defendem aqueles que seguem a risca a teoria de Pontes de Miranda.

Cumpre salientar que a maioria dos civilistas adota a teoria da inexistência do ato ou negócio jurídico em suas obras e manuais, caso, por exemplo, de Caio Mário da Silva Pereira, Marcos Bernardes de Mello, Renan Lotufo, Antônio Junqueira de Azevedo, Sílvio de Salvo Venosa, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Francisco Amaral, Zeno Veloso, José Fernando Simão, entre outros.

No segundo plano, o da validade, os substantivos recebem adjetivos, nos termos do art. 104 do CC/2002, a saber:

– Partes ou agentes capazes;

– Vontade livre, sem vícios;

– Objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

– Forma prescrita ou não defesa em lei.

São requisitos qualificativos do negócio, a fim de que este tenha aptidão para produzir efeitos.

a) Partes capazes ou capacidade do agente

Como todo negocio jurídico traz como conteúdo uma declaração de vontade – o elemento volitivo que caracteriza o ato jurígeno –, a capacidade das partes e indispensável para a sua validade. Quanto a pessoa física ou natural, aqui figura a grande importância dos arts. 3º e 4º do CC, que apresentam as relações das pessoas absoluta ou relativamente incapazes, respectivamente.

Enquanto os absolutamente incapazes devem ser representados por seus pais, tutores e curadores; os relativamente incapazes devem ser assistidos pelas pessoas que a lei determinar.

Todavia, pode o relativamente incapaz celebrar determinados negócios, como fazer testamento, aceitar mandato ad negotia e ser testemunha. O negocio praticado pelo absolutamente incapaz sem a devida representação e nulo, por regra (art. 166, I, do CC). O realizado por relativamente incapaz sem a correspondente assistência e anulável (art. 171, I, do CC).

No que toca as pessoas jurídicas, essas devem ser representadas ativa e passivamente, na esfera judicial ou não, por seus órgãos, constituídos conforme as formalidades previstas em lei, outrora estudadas.

Por fim, alem dessa capacidade geral, para determinados negócios, exige-se a CAPACIDADE ESPECIAL para certos atos, denominada LEGITIMAÇÃO.

b) Vontade ou consentimento livre

A manifestação de vontade exerce papel importante no negocio jurídico, sendo seu elemento basilar e orientador. Vale dizer que a vontade e que diferencia o negocio, enquadrado dentro dos fatos humanos, fatos jurígenos e atos jurídicos, dos fatos naturais ou stricto sensu.

O consentimento pode ser expresso – escrito ou verbal, no primeiro caso de forma pública ou particular –, ou tácito – quando resulta de um comportamento implícito do negociante, que importe em concordância ou anuência. Nesse sentido, preconiza o art. 111 do CC que o silencio importa anuência, quando as circunstancias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

c) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável

Somente sera considerado valido o negocio jurídico que tenha como conteúdo um objeto licito, nos limites impostos pela lei, não sendo contrario aos bons costumes, a ordem publica, a boa-fé e a sua função social ou econômica de um instituto. Como se sabe, ilícito o objeto, nulo sera o negocio jurídico (art. 166, II, do CC).

Além disso, o objeto deve ser possível no plano fático. Segundo o art. 106 do CC, a impossibilidade inicial do objeto não gera a nulidade do negocio se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

O comando legal traz em seu conteúdo o princípio da conservação negocial ou contratual, segundo o qual se deve sempre buscar a manutenção da vontade dos envolvidos, a preservação da autonomia privada. A ideia mantem relação direta com o principio da função social do contrato, segundo o Enunciado n. 22 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, cuja redação merece destaque:

“a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.

O objeto do negocio deve ser determinado ou, pelo menos, determinável. O Código Civil de 2002 reconhece falha da codificação anterior, afastando o rigor da certeza quanto ao objeto.

d) Forma prescrita ou não defesa em lei

Clóvis Bevilaqua conceituava a forma como “o conjunto de solenidades, que se devem observar, para que a declaração da vontade tenha eficacia jurídica. E o revestimento jurídico, a exteriorizar a declaração de vontade. Esta e a substancia do ato, que a forma revela”.

Como regra, a validade da declaração de vontade não depende de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Desse modo, os negócios jurídicos, em regra, são informais, conforme consagra o art. 107 do CC, que consagra o princípio da liberdade das formas.

Entretanto, em casos especiais, visando conferir maior certeza e segurança nas relações jurídicas, a lei prevê a necessidade de formalidades, relacionadas com a manifestação da vontade.

Nessas situações, o negocio não admitira forma livre, sendo conceituado como negócio formal.


2. DA CONTRATAÇÃO POR PESSOA ANALFABETA

Inobstante a inconteste capacidade plena das pessoas analfabetas, sabe-se que certos atos por elas firmados, para terem validade, devem atender a requisitos formais. O art. 104, II, do CC prevê que:

"A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.".

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O art. 595 do CC exige que, nos contratos de prestação de serviços em que a parte seja analfabeta, sua assinatura dê-se de forma hológrafa (a rogo), acompanhada de duas testemunhas. Tratam-se de requisitos cumulativos, não alternativos, que devem se fazer presentes no documento de transação.

Para a validade do negócio jurídico o agente deve ser capaz, o objeto lícito, possível e determinado e a forma efetivada deve ser aquela prevista em lei.

Relativamente à assinatura a rogo, cumpre esclarecer, é aquela que se faz a pedido ou solicitação, por quem não a pode fazer, por não saber ler ou escrever. Para que possa valer é necessário vir acompanhada da assinatura de duas testemunhas, consoante estabelece o artigo 215, 2º e, por analogia, os artigo 595 e 1865, do Código Civil.

Na assinatura de contrato, verificado que um dos contratantes tendo ciência do analfabetismo do outro, já que esse apôs sua digital no contrato, deve ser exigido todos os requisitos formais, preconizados na norma civil, qual seja a assinatura a rogo, acompanhada da de duas testemunhas.


3. DAS CONSEQUENCIAS JURÍDICAS DA NÃO OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DE VALIDADE DA CONTRATAÇÃO.

O negócio jurídico firmado por pessoa analfabeta há de ser realizado sob a forma pública ou por procurador constituído dessa forma, sob pena de nulidade.

A doutrina e a jurisprudência tem admitido que a assinatura dê-se de forma hológrafa (a rogo), acompanhada de duas testemunhas.

Ainda, o art. 166, IV, do CC, dispõe que "é nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei".

Restando incontroverso que uma das partes era analfabeta, não tendo sido observadas as formalidades mínimas necessárias à validade do negócio, a contratação, ainda que pela autora, deve ser considerada nula.

É ressabido que o analfabetismo não é circunstância que torna o sujeito civilmente incapaz, mas que exige, no entanto, a adoção de especiais cautelas, notadamente no fito de dar cumprimento ao direito básico de informação sobre o serviço prestado, por incidir à situação o Código Consumerista.

A respeito do tema, TEPEDINO2, citando Carvalho Santos, ao fazer comentários ao mencionado art. 591 do CCB destaca: “Reconhecendo o analfabetismo entre o povo brasileiro, , facilita-se com este mecanismo o contrato escrito. Carvalho Santos sustenta, nesse sentido, que ‘nos outros contratos em geral, não sabendo a parte escrever, somente por escritura pública poderá contratar por escrito, enquanto no contrato de locação de serviços admite-se aqui possa o contratante, embora sem saber ler nem escrever, contratar por instrumento particular (...)” .

Essa também é a posição defendida por Maria Helena Diniz, para quem, relativamente aos pactos para prestação de serviços, "se houver contrato escrito e uma das partes não souber ler e escrever, poderá o instrumento ser escrito e assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas" (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado . 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 517).

Dessarte, com vistas ao cumprimento da norma, o consumidor deve ser corretamente informado sobre o serviço prestado, bem como sobre seus riscos (art. 6º, III, do CDC); além disso, há o dever de lealdade e probidade decorrente da boa-fé objetiva (art. 422 do CC), razão por que não basta disponibilizar ao cliente analfabeto a fotocópia dos instrumentos particulares dos contratos, senão que deve, outrossim, assegurar o efetivo esclarecimento ao consumidor acerca do conteúdo do negócio jurídico a ser celebrado.

Neste diapasão, tenha-se o que orienta a jurisprudência majoritária:

DECISÃO: Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DECLARATÓRIA DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO - SENTENÇA PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.APELAÇÃO DA AUTORA - 1. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETA SEM A OBSERVÂNCIA DA FORMA LEGAL EXIGIDA - NULIDADE ABSOLUTA - 2. DANO MORAL - DESCABIMENTO - AUTORA QUE MESMO DETENDO A QUANTIA QUE RECEBEU A MAIS NÃO PRETENDEU A DEVOLUÇÃO - INSCRIÇÃO EM CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO POR FALTA DA PRÓPRIA AUTORA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Constatada a inobservância da formalidade legal na elaboração do contrato com analfabeta e, tendo os apelados conhecimento da condição da autora, mostram-se negligentes, devendo o contrato ser considerado totalmente nulo nos limites previstos na inicial.

Não se justifica o pagamento de indenização por danos morais quando a autora, mesmo confessando deter a quantia que entende não ter contratado, não busca devolvê-la ao credor, evitando, assim, a inscrição nos cadastros de inadimplentes.

(TJ-PR - APL: 11769692 PR 1176969-2 (Acórdão), Relator: Luís Carlos Xavier, Data de Julgamento: 05/11/2014, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1459 20/11/2014)

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTENCIA DE DÉBITO C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS, DANOS MORAIS E PEDIDO LIMINAR - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - VÍTIMA IDOSA E ANALFABETA - CONTRATAÇÃO NULA - DEVER DE ORIENTAR E INFORMAR A CONSUMIDORA - FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - DESCONTOS NOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA - RESTITUIÇÃO EM DOBRO - DANO MORAL CONFIGURAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA

O negócio jurídico firmado por pessoa analfabeta há de ser realizado sob a forma pública ou por procurador constituído dessa forma, sob pena de nulidade.

Restando incontroverso que a autora era analfabeta e idosa, não tendo sido observadas as formalidades mínimas necessárias à validade do negócio, e inexistindo provas de que foi prestada qualquer assistência à autora pelos agentes dos réus, a contratação de empréstimo consignado deve ser considerada nula.

Impõe-se às instituições financeiras o dever de esclarecer, informar e assessorar seus clientes na contratação de seus serviços, sobretudo quando se trata de pessoa idosa e analfabeta, vítima fácil de estelionatários.

A responsabilidade pelo fato danoso deve ser imputada aos recorrentes com base no art. 14 do CDC, que atribui responsabilidade aos fornecedores de serviços, independentemente da existência de culpa.

Tem-se por intencional a conduta dos réus em autorizar empréstimo com base em contrato nulo, gerando descontos nos proventos de aposentadoria da autora, sem qualquer respaldo legal para tanto, resultando em má-fé, pois o consentimento da contratante, no caso, inexistiu. impondo-se a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, nos termos do parágrafo único do art. 42, do CDC.

(...)

(TJ-MG - AC: 10287110048223001 MG , Relator: João Cancio, Data de Julgamento: 06/05/2014, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/05/2014)

RECURSO INOMINADO - AÇÃO DECLARATORIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CONTRATO NÃO REALIZADO PELA RECORRENTE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO POR PARTE DO RECORRIDO DA REGULARIDADE DO CONTRATO - ÔNUS QUE LHE INCUMBIA - RECORRENTE ANALFABETA - AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE A FIM DE SE EVITAR FRAUDE - INSCRIÇÃO INDEVIDA - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM ARBITRADO EM R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS) - SENTENÇA REFORMADA.

Diante do exposto, resolve esta Turma Recursal, por maioria de votos, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento, para o fim de, reformando a sentença atacada, declarar inexigível o débito decorrente do contrato objeto da presente demanda, bem como condenar o Recorrido ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

(TJ-PR - RI: 000637828201481600440 PR 0006378-28.2014.8.16.0044/0 (Acórdão), Relator: Marcelo de Resende Castanho, Data de Julgamento: 23/04/2015, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 28/04/2015)

Cabe consignar que a inobservância do dever de cuidado com o patrimônio alheio, inerente à boa-fé objetiva, a partir da autorização de contratação com pessoa analfabeta, sem a observância das formalidades legais mínimas necessárias à validade do ato, configura, sim, uma negligencia nos serviços prestados.

Anulados os contratos, deve o consumidor ser restituído ao estado anterior (art. 182 do CC), desconstituindo-se o negócio jurídico.

Comprovado que a contratação causou dano ao contratante analfabeto, seja de índole material ou moral, é plenamente possível a indenização pelos prejuízos supostamente causados.

Quanto à possibilidade de condenação por dano moral, este à luz da Constituição Federal, nada mais é do que violação do direito à dignidade. A dignidade humana, por sua vez, engloba todos os direitos personalíssimos, como o direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade ou a qualquer outro direito à personalidade.

Relativamente à mácula de ordem moral sabe-se que não basta, para ensejar o dever de indenizar, a prática de um ato prejudicial aos interesses de outrem; é indispensável a ilicitude - violação de dever jurídico preexistente.

Sobre o tema, Rui Stoco leciona:

Consagrou-se a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, como enfatiza a doutrina a respeito, sem qualquer controvérsia.

Se não se exige a culpa, em qualquer de seus graus, impõe-se a existência de liame causal, ou do nexo de causalidade entre a atuação ou omissão do depositário (banco) e o resultado danoso.

Impõe-se, também, que se identifique "defeito" ou má prestação nos serviços.

[...] Cabe afirmar, pois, que oCódigo de Defesa do Consumidorr rompeu com o Direito anterior, contrariou a teoria da responsabilidade com culpa (aquiliana) consagrada noCódigo Civill e consagrou a teoria da responsabilidade objetiva do fornecedor e do prestador de serviços. (RUI STOCO. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 232-233).

Nesse sentido a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTENCIA DE DÉBITO C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS, DANOS MORAIS E PEDIDO LIMINAR - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - VÍTIMA IDOSA E ANALFABETA - CONTRATAÇÃO NULA - DEVER DE ORIENTAR E INFORMAR A CONSUMIDORA - FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - DESCONTOS NOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA - RESTITUIÇÃO EM DOBRO - DANO MORAL CONFIGURAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA

(...)

A privação do uso de determinada importância, subtraída da parca pensão do INSS, recebida mensalmente para o sustento da autora, gera ofensa a sua honra e viola seus direitos da personalidade, na medida em que a indisponibilidade do numerário reduz ainda mais suas condições de sobrevivência, não se classificando como mero aborrecimento.

A conduta faltosa dos réus enseja reparação por danos morais, em valor que assegure indenização suficiente e adequada à compensação da ofensa suportada pela vítima, devendo ser consideradas as peculiaridades do caso e a extensão dos prejuízos sofridos, desestimulando-se a prática reiterada da conduta lesiva pelos ofensores.

(TJ-MG - AC: 10287110048223001 MG , Relator: João Cancio, Data de Julgamento: 06/05/2014, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/05/2014)

E M E N T A-APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO POR INSTRUMENTO PARTICULAR, COM INDÍGENA IDOSO, ANALFABETO E APOSENTADO - CONTRATO SEM QUE MANDATÁRIO POR INSTRUMENTO PÚBLICO REPRESENTASSE O INDÍGENA - PRETENSÃO RECURSAL VISANDO APENAS A DIMINUIÇÃO DO VALOR DO DANO MORAL - VALOR FIXADO COM PARCIMÔNIA - RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

Agride o bom senso a atitude de agentes financeiros que celebram com aposentado idoso, analfabeto e indígena contrato de consignação em folha previdenciária, colhendo do analfabeto suas impressões digitais nos respectivos contratos, sem qualquer preocupação de representação por procuração por instrumento público e sem qualquer benefício ao aposentado, o que enseja dano moral.

(TJ-MS - APL: 00012320920118120016 MS 0001232-09.2011.8.12.0016, Relator: Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva, Data de Julgamento: 30/09/2014, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 01/10/2014)


CONCLUSÃO

Considerando as explanações supra, vê-se que é plenamente possível a contratação realizada por pessoas analfabetas, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto.

Como fenômeno atual, a massificação dos contratos exigem dos contratantes ainda mais a observância dos deveres de informação e boa fé.

Inobstante a inconteste capacidade plena das pessoas analfabetas, sabe-se que certos atos por elas firmados, para terem validade, devem atender a requisitos formais além daqueles previstos no art. 104, II, do CC (I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei).

O art. 595 do CC exige que, nos contratos de prestação de serviços em que a parte seja analfabeta, sua assinatura dê-se de forma hológrafa (a rogo), acompanhada de duas testemunhas. Dispõe, ainda, o art. 166, IV, do CC, que "é nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei".

Assim, restando incontroverso que um dos contratantes era analfabeto, não tendo sido observadas as formalidades mínimas necessárias à validade do negócio, a contratação deve ser considerada nula, restituindo-se às partes o estado anterior (art. 182 do CC), cabendo, ainda, a condenação em danos morais e materiais acaso ocorrido algum dano.


REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antônio Herman V.; et al. Manual de direito do consumidor. São Paulo: RT, 2014.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4.ed. rev. atual.e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

STOCO, RUI. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 232-233

TARTUCE, FLÁVIO. Manual de Direito Civil: volume único I 6. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado . São Paulo: Atlas, 20 1 3 .


Notas

1. PONTES DE MIRAN DA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: RT, 1 974. t. Ili, p. 1 5.

2 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República – vol. II – arts. 421 a 965, p. 325. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

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