Redescobrindo os juizados especiais:a caminhada continua

04/08/2016 às 15:03
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Os Juizados Especiais se revelam como o grande passo do acesso à justiça, pois proporcionam não só o acesso em si, mas a conscientização dos cidadãos sobre seus direitos e deveres.

O artigo 1º da Constituição de 1988 proclama o Estado Democrático de Direito. Neste sentido, conforme observa José Afonso da Silva, “democrático” qualifica o Estado irradiando os valores da democracia sobre todos os elementos que constituem o Estado, inclusive sobre a ordem jurídica.

O Estado Democrático de Direito se firma na soberania popular assim como no pluralismo de expressão e organização política democrática, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais – objetivando a materialização da democracia econômica, social, cultural e participativa.

O aspecto plural da democracia se destaca frente ao respeito à pluralidade de ideias, das diferentes culturas. Isso pressupõe um diálogo entre as diferentes formas de pensar de modo que se possibilite a melhor convivência social.

Há, portanto, a preocupação com algo além do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas o afastamento das formas de opressão e, de fato, a implantação de condições econômicas a fim de proporcionar o efetivo exercício da democracia em todos os seus aspectos, ou seja, condicionar a realização social profunda através da prática dos direitos sociais, concretizando-se, pois, um Estado de Justiça Social alavancado pela promoção e  consubstancialização da dignidade da pessoa humana.[1]

É neste aspecto que os Juizados Especiais[2] se revelam como o grande passo do acesso à justiça já que proporciona não só o acesso em si, mas a conscientização dos direitos e também deveres.  Tanto isso é verdade que se pode perceber o número crescente de proposição de demandas nos Juizados Especiais, sua democratização.

Ora, tem-se frequentemente discutido quanto ao aspecto negativo da conhecida denominação da “indústria do dano moral”[3]. Mas aqui não se pretende deslindar tal hipótese problemática, doutro modo, sim, enfatizar a importância da criação dos Juizados Especiais tanto em cumprimento específico da norma, seja o dispositivo constitucional inserto no artigo 98, inciso I, da Carta Magna de 1988, quanto à efetividade do acesso à justiça, tratada por Cappelletti como “igualdade de armas”.[4]

Em razão da própria constante construção da realidade histórica e cultural, da consequente transformação social, por certo que a efetividade[5] do acesso à justiça[6] se revela, muitas vezes, utópica no que se refere a sua realização plena.[7]

Porém, isso não retira a necessidade da sua contínua busca, pelo contrário, é pois tal utopia frente à constante mutação social a válvula difusora da necessidade de se buscar a efetividade do acesso à justiça. Aqui os contrapontos se convergem e se materializam nos princípios dos Juizados Especiais como indissociáveis do acesso à justiça.

Cappelletti denota que o acesso à justiça “pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.”.[8]

Muito embora os Juizados Especiais sofram diversas críticas, não se pode deixar de visualizar que, na verdade, o abarrotamento de processos é decorrente, na verdade, do aumento da procura pela população pelos seus direitos frente aos juizados especiais; é resultado do trabalho colocado à disposição dos jurisdicionados; é consequência própria de uma justiça efetiva e democrática.

Isto quer dizer que um dos grandes papéis dos Juizados Especiais é também educacional, de conscientização dos direitos e deveres dos cidadãos. Justamente por isso os juizados especiais cumprem seu papel.

A educação numa concepção de consciência de ser um sujeito de direitos e conduzir o cidadão a sair da esfera do comodismo, fazendo-o lutar por seus direitos, é consequência inafastável de todo o trabalho desenvolvido nos juizados especiais.

Logo, a problemática que se encontra nos juizados não se trata de falta de efetividade, muito pelo contrário. Tanto que a procura aumentou, a crescente demanda bem revela que as pessoas, de modo geral, estão mais atentas a seus direitos e isso é um ganho ímpar para uma sociedade democrática que busca o desenvolvimento contínuo e a realização da igualdade material.

O Jornal Gazeta do Povo, em 04 de abril de 2013, revelou alguns dados sobre os Juizados Especiais do Paraná que corrobora a ampliação do acesso à justiça[9]:

E é fácil explicar: por ser o juizado especial uma forma de acesso mais simples à justiça, já que prevê a resolução rápida e eficiente dos conflitos, gratuitamente e, ainda, sem a necessidade de assistência de um advogado na maioria dos casos, parte da população que não tinha acesso algum ao Judiciário passou a tê-lo.

Neste sentido a pesquisa[10] realizada pelo Conselho Nacional de Justiça:

A Constituição Federal de 1988 redimensionou o sistema de justiça brasileiro e demarcou as bases para o aperfeiçoamento dos instrumentos processuais já existentes e outros que foram, então, concebidos. Em pouco mais de 25 anos, parece evidente, pelo simples exame de notícias jornalísticas a respeito, que a população brasileira efetivamente socorre aos tribunais e é inquestionável a importância dos mesmos no contexto sociopolítico do país. Ao mesmo tempo, os dados hoje disponíveis sobre a Justiça brasileira indicam deficiências no funcionamento deste sistema: um volume crescente de processos judiciais e um intenso fluxo de entrada e saída que resulta em um congestionamento quase invencível1; estrutura física, de recursos humanos e financeiros insuficientes2 e, na percepção dos cidadãos, uma sensação generalizada de morosidade, insegurança e injustiça.

Neste cenário é que destaco a novamente o jornal Gazeta do Povo:

E é fácil explicar: por ser o juizado especial uma forma de acesso mais simples à justiça, já que prevê a resolução rápida e eficiente dos conflitos, gratuitamente e, ainda, sem a necessidade de assistência de um advogado na maioria dos casos, parte da população que não tinha acesso algum ao Judiciário passou a tê-lo. “É uma lógica perversa. Na medida em que há uma democratização, aumenta o número de conflitos, e as pessoas percebem que o espaço para resolvê-lo é o Judiciário”, diz a pesquisadora e professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Luciana Gross Cunha.

Para ela, esse aumento na demanda se deve ao fato de a população ter adquirido mais conhecimento sobre os próprios direitos desde a criação dos juizados e também ao crescimento econômico e, consequentemente, de consumo no Brasil.[11]

Como bem salientado pela professora Luciana Gross Cunha, diante da democratização, do acesso à justiça, por óbvio, haverá o aumento na procura pelos juizados decorre justamente da aproximação da Justiça da população.

Não se nega a existência de problemática no funcionamento dos juizados. Mas essa questão se insurge em razão da democratização e é por ela que não se pode deixar de ver os aspectos positivos além, é claro, de continuar a caminhada donde surgirão dificuldades superáveis frente à grande positividade da resposta dos trabalhos impressos nos juizados especiais.

Ora, necessário se dizer que, sabidamente, a Carta Magna de 1988 imprimiu aos princípios norteadores dos juizados especiais nova vida, eis que através da leitura pelo prisma constitucional da Lei n. 9.099/95 o acesso à justiça se revelou com maior força desde então, sendo exatamente pelo que se deve primar.

Quem trabalha nos juizados especiais tem um contato especial com o jurisdicionado e tem, acima de tudo, o prazer de ver a ampliação do acesso à justiça frente aos olhos. Por isso e pela ampliação de democratização, acesso e efetividade da justiça é que se alcançou a grande parcela da população que outrora era tão distante de se ver como cidadãos de direitos e deles postulantes.

Portanto, os aspectos negativos decorrentes do aumento da demanda, que hoje se apresentam nos juizados especiais, são, na verdade, reflexo da própria caminhada trilhada sob seus princípios[12] em direção ao acesso à justiça efetiva.

Por essa justiça efetiva e democrática se busca a qualificação dos profissionais, visa-se alcançar metas, atender melhor a população e, principalmente, promover a conscientização e educação da população, já que a efetividade da justiça não está apenas no cumprimento das decisões, mas também em cumprir seu papel no Estado Democrático de Direito.

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REFERÊNCIAS

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant: Acesso à Justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris Editor, 1988.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

Lei n. 7.244/84 trata dos Juizados Especiais de Pequenas Causas e a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7244.htm

Perfil do acesso à justiça nos juizados especiais cíveis. Coord. Paulo Eduardo Alves da Silva [et al.]. – Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. 92 p. 1. Juizado Especial Cível, Brasil. 2. Acesso à justiça, Brasil. 3. I. Paulo Eduardo Alves da Silva (Coord.). VI. Conselho Nacional de Justiça.


Notas

[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

[2] Lei n. 7.244/84 trata dos Juizados Especiais de Pequenas Causas e a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7244.htm

[3] . Os pedidos de indenização por danos morais, cuja frequência e intensidade de uso pelas partes compõem uma polêmica à parte em torno dos juizados especiais cíveis (...) Perfil do acesso à justiça nos juizados especiais cíveis. Coord. Paulo Eduardo Alves da Silva [et al.]. – Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. 92 p. 1. Juizado Especial Cível, Brasil. 2. Acesso à justiça, Brasil. 3. I. Paulo Eduardo Alves da Silva (Coord.). VI. Conselho Nacional de Justiça.

[4] A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa “igualdade de armas” – (...) Essa perfeita igualdade, naturalmente, é utópica. As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant: Acesso à Justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris Editor, 1988.

[5] Idem ao 4.

[6] Artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988 - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; Disponível em http://www.planalto.gov.br

[7] (...) se todo cidadão tivesse exatamente a mesma ideia acerca do que é viver bem e, portanto, exatamente o mesmo esquema de preferências que todos os outros cidadãos, inclusive preferências entre a atividade produtiva de diferentes formas e o lazer, então o princípio da igualdade aproximada poderia ser satisfeito simplesmente pela igual distribuição de tudo a ser distribuído e por leis civis e criminais de aplicação universal. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

[8] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant: Acesso à Justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris Editor, 1988.

[9] BARAN, Katna.  Juizados Especiais não Desafogam a Justiça Comum. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-direito/juizados-especiais-nao-desafogam-a-justica-comum. Acessado em 11.09.2015.

[10] Este relatório sintetiza dados de uma pesquisa destinada a traçar o perfil de conflitos submetidos aos juizados especiais cíveis de cinco capitais brasileiras, localizadas em cada uma das regiões do país (...) Os trabalhos de investigação foram desenvolvidos entre junho de 2013 a agosto de 2014 (...) Perfil do acesso à justiça nos juizados especiais cíveis. Coord. Paulo Eduardo Alves da Silva [et al.]. – Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. 92 p. 1. Juizado Especial Cível, Brasil. 2. Acesso à justiça, Brasil. 3. I. Paulo Eduardo Alves da Silva (Coord.). VI. Conselho Nacional de Justiça.

[11] Idem ao 9.

[12] Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Lei n. 9.099/1995. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9099.htm

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Sobre a autora
Mel Torquato

Mais de sete anos trabalhando junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, atuando desde conciliadora até o presente como assessora de juiz substituto em 2º grau. Formada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná em 2011, com aprovação na Ordem dos Advogados do Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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