Redução da maioridade penal e política criminal

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08/08/2016 às 23:15
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Trata sobre as implicações da redução da maioridade penal no âmbito jurídico brasileiro.

2. HISTÓRICO, LEGISLAÇÃO E DIREITO COMPARADO

Inicialmente, é essencial que sejam analisados os aspectos históricos da maioridade penal no Brasil. Logo, é imprescindível que seja traçada a evolução histórica da previsão da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de que se possa compreender de maneira mais ampla e didática a atual previsão contida no texto constitucional, bem como, no Código Penal Brasileiro. Neste contexto, é necessário que seja feita uma análise histórica da forma como a maioridade penal fora expressa ou prevista nos códigos que já vigoraram no Brasil.

Em seguida, faz-se mister ressaltar os aspectos legais referentes à previsão da maioridade penal no Brasil. Neste sentido, devem ser lembradas as disposições presentes na Constituição Republicana, sobretudo, o artigo 228. Assim como, será estudada a previsão da maioridade penal no Código Criminal Brasileiro e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Após esse estudo inicial, não se esquecerá de analisar as diversas previsões da maioridade penal no Direito Comparado, para que se possa entender a maneira como os diferentes países lidam com essa questão.

2.1. Evolução Histórica da Maioridade Penal no Brasil

Antes da criação da primeira legislação penal brasileira, qual seja, o Código Criminal do Império, datado de 1830, vigoravam no Brasil as chamadas “Ordenações Filipinas”, que também regiam os portugueses. De acordo com este sistema de leis, a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos de idade, eximindo o menor da pena de morte e sendo concedida a redução de pena. Entre a faixa etária compreendida dos dezessete aos vinte e um anos, o indivíduo poderia, inclusive, ser condenado à pena de morte ou ter a sua pena diminuída, a depender das circunstâncias. Todavia, a imputabilidade penal plena ou absoluta estava direcionada aos maiores de vinte e um anos, a quem poderia ser aplicada a pena de morte.

Em 1830, após a Proclamação da Independência, o Brasil, antiga colônia portuguesa, procurou desvencilhar-se das influências jurídicas lusitanas e, dessa forma, editou o Código Criminal do Império, em 1830. Este código, inspirado no Código Penal Francês, de 1810, adotou o chamado “sistema do discernimento”, determinando a maioridade penal absoluta a partir dos 14 (catorze) anos de idade, salvo se o indivíduo tivesse atuado com discernimento acerca do crime que cometia. Nessas condições, deveria ser recolhido às “casas de correção”, pelo tempo determinado pelo juiz, desde que tal recolhimento não ultrapassasse a idade de dezessete anos do indivíduo. Neste contexto, percebe-se que o Código Criminal do Império adotou o critério biopsicológico para a punição de crianças e jovens entre sete e catorze anos de idade, pois se agissem com discernimento, poderiam ser considerados imputáveis, sendo recolhidos às “casas de correção”. 

O Código Penal Republicano, por sua vez, previa a inimputabilidade penal absoluta até os nove anos de idade completos, sendo que os maiores de nove e menores de catorze seriam submetidos à análise do discernimento para a prática de dada infração penal.

Todavia, conforme ressalta Basileu Garcia[1], o reconhecimento de possuir ou não o necessário discernimento para a prática do ilícito era uma tarefa árdua e difícil para o magistrado, que geralmente, decidia em favor do menor, determinando a ausência de discernimento.

Vale ressaltar que com o advento da Proclamação da República, as elites políticas, intelectuais e filantrópicas começaram a discutir o contexto social em que se encontravam submetidas as crianças e jovens brasileiros da época. Destarte, a questão social da criança e do jovem adquire uma dimensão política, alicerçada no pensamento republicano do período. Neste cenário, o mestre Aníbal Bruno[2] aponta que em fins do século XIX, surge o impulso de conduzir a criminalidade infanto-juvenil a um ponto de vista educativo e reformador, não apenas punitivo.

Dessa forma, o dispositivo que regulava a inimputabilidade penal presente no Código Republicano de 1830, fora revogado em 1921, pela Lei n°4.242, artigo 3°. Tal diploma legal permitiu ao Governo Federal organizar o serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente, visando a construção de abrigos e casas de preservação. Neste contexto, estabelecia o artigo 3°, § 2°:

“O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção, não será submetido a processo de espécie alguma e que o menor de 14 a 18 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção será submetido a processo especial”.

Além dessas considerações, a referida Lei abandonava o sistema biopsicológico e estabeleceu um critério objetivo de imputabilidade penal. Neste sentido, a imputabilidade penal fora fixada em catorze anos de idade. 

Em 1927, fora promulgado o Código de Menores, conhecido como Código de Menores Mello Mattos. Por este diploma legal, fora prevista a impossibilidade de recolhimento à prisão do menor de dezoito anos que houvesse praticado qualquer ato infracional. O menor de catorze anos, conforme sua condição de exclusão e abandono, seria abrigado em casa de educação ou preservação ou confiado à guarda de pessoa idônea até a idade de vinte e um anos. O artigo 68, por sua vez, previa que o menor e,m situação de exclusão e delinqüência agia sempre sem discernimento.

O sistema de proteção e assistência do Código de Menores submetia qualquer criança ou jovem, desde que estivesse em situação de exclusão e pobreza, à ação da Justiça e Assistência.

Em 1940, fora promulgado o Código Penal, que vigora no ordenamentos jurídico brasileiro até os dias de hoje. Em seu artigo 27, o mencionado código prevê que “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Em 1969, emergiu a vontade do legislador de ver promulgado um novo Código Penal, sem obter o êxito desejado. O Código penal de 1969 buscou trazer de volta o critério do discernimento, que já estivera presente no ordenamento jurídico brasileiro em épocas passadas. De acordo com esse código, que não entrou em vigência, seria possibilitada a aplicação de pena ao maior de 16 e menor de 18 anos, com a pena reduzida de 1/3 a metade, desde que o mesmo entendesse o caráter ilícito do ato ou tivesse possibilidade de se portar de acordo com esse entendimento. Neste contexto, houve a frustrada tentativa de se reduzir a maioridade penal para dezesseis anos, devendo haver nesse caso, exame criminológico para a verificação da capacidade de entendimento e autodeterminação do menor infrator.

Dessa forma, a maioridade penal permaneceu nos moldes previstos pelo Código Penal de 1940, ou seja, dezoito anos de idade. O menor, por sua vez, ficaria sujeito à legislação especial, neste caso à Lei n° 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Todavia, é importante ressaltar que o Código Penal Militar filia-se ao critério biopsicológico ao fixar o limite penal em 18 anos, salvo se, já tendo o menor 16 anos, revelar discernimento para a prática da conduta delituosa.

2.2. Maioridade penal na legislação brasileira

Como já fora dito, a esmagadora maioria da sociedade brasileira anseia pela redução da maioridade penal para dezesseis anos, pois acredita que este é o mecanismo mais célere e eficaz para garantir a punição de jovens que praticam crimes. Contudo, a clamor da opinião pública esbarra no próprio arcabouço jurídico brasileiro, que prevê a maioridade penal em dezoito anos e estabelece uma série de dispositivos que asseguram a proteção do menor infrator, o que causa revolta na sociedade.

Dessa maneira, a Constituição Brasileira, em seu artigo 228, prevê: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Neste cenário, percebe-se que para ser atendido o anseio da maior parte da sociedade civil em ver reduzida a maioridade penal, é necessária uma complexa mudança legislativa. Dessa forma, conforme leciona Rogério Greco[3], a “única implicação prática da previsão da inimputabilidade penal no texto da Constituição é que, agora, somente por meio de emenda constitucional, a menoridade penal poderá ser reduzida”. Portanto, a redução da maioridade penal por meio de lei ordinária fica impossibilitada.

O Código Penal Brasileiro, por sua vez, deixa expresso em seu artigo 27: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. É o que se chama de inimputabilidade natural, segundo GRECO (2012, p. 388), Por questões de política criminal, o legislador brasileiro entendeu que os menores de dezoito anos não possuem o necessário discernimento ou capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de fato típico e ilícito.

De acordo com Aníbal Bruno[4], a lei não reconhece ao menor de dezoito anos uma maturidade mental concluída. Dessa forma, o ordenamento jurídico estruturou-se a fim de poupar o menor da ação perversora do cárcere. Rogério Greco[5] comunga do mesmo pensamento do eminente jurista citado.

Tal entendimento tem revoltado boa parte da sociedade brasileira, que presencia com impressionante freqüência a prática de reiteradas condutas criminosas por parte de jovens menores de dezoito anos. É preciso, neste aspecto, levantar alguns questionamentos suscitados por esses setores da sociedade. Não seria uma contradição do própria legislador brasileiro não reduzir a maioridade penal para dezesseis anos, tendo em vista que o jovem maior de dezesseis e menor de dezoito anos pode, inclusive, votar? Logo, o jovem dessa faixa etária, que pode escolher os rumos de seu país, não teria maturidade para compreender o caráter ilícito de sua conduta criminosa? Isto não seria uma contradição? Estes são questionamentos feitos pelos setores da população brasileira revoltados com os crimes ou atos infracionais praticados pelos “menores infratores”.

Nesta conjuntura, segundo a previsão do Código penal, uma vez completados dezoito anos, o agente torna-se imputável, podendo ser a ele atribuída uma sanção de natureza penal.

Conforme a previsão do artigo 27 do Código Penal Brasileiro, os menores de dezoito anos ficarão sujeitos à legislação especial, caso cometam um fato típico e ilícito. Neste contexto, tais jovens encontram-se sujeitos à Lei n° 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste sentido, o artigo 104 do mencionado diploma legal preconiza: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medias previstas nesta Lei”, do mesmo modo que prevê ato infracional como a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Dessa maneira o Estatuto da Criança e do Adolescente visa em seu Título III (Da Prática de Ato Infracional) regulamentar os direitos individuais, garantias processuais e medidas socioeducativas referentes aos jovens menores de dezoito anos, que pratiquem um fato típico e ilícito. Neste contexto, são garantias processuais: I- pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II_ igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III- defesa técnica por advogado; IV- assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V- direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI- direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento. 

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O artigo 112 do mencionado Estatuto prevê as medidas socioeducativas a que estão sujeitos os “menores infratores, que são as seguintes: I- advertência; II- obrigação de reparar o dano; III- prestação de serviços à comunidade; IV- liberdade assistida; V- inserção em regime de semiliberdade; VI- internação em estabelecimento educacional; VII- qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI.

Contudo, um dispositivo do mencionado Estatuto que tem causado inúmeras discussões é o artigo 121, §3°, que prevê: “Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”. Muitos juristas e os setores da sociedade brasileira favoráveis à redução da idade penal afirmam que este dispositivo constitui-se em um incentivo para a prática de delitos penais (atos infracionais, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente), pois três anos de internação é um período deveras ínfimo e não poderia ser considerada uma punição justa e eficaz.

Neste contexto, é necessário ressaltar que a redução da maioridade penal não é um consenso entre os juristas da comissão que elaborou o anteprojeto de lei que atualiza o Código Penal. Dessa forma, os eminentes juristas empenhados na construção do texto que pretende atualizar o Código Penal, não chegaram a uma opinião comum se a medida fere ou não uma cláusula pétrea da Constituição Brasileira, logo, insuscetível de alteração.

Na opinião do eminente ministro Gilson Dipp[6], a idade fixada em 18 anos não se enquadra nas características de uma cláusula pétrea e, portanto, poderá ser modificada mediante emenda constitucional. Na avaliação do douto ministro, cláusulas pétreas dizem respeito ao Estado Brasileiro e não a questões de política criminal.

Contudo, na visão do renomado jurista Luiz Flávio Gomes[7], a maioridade penal é tema de cláusula pétrea. Ele explicou que diversos assuntos dessa categoria estão espalhados pela própria Constituição Republicana.

2.3. Maioridade penal no direito comparado 

Uma das mais frutíferas maneiras de analisar o Direito é procurar entender a forma como a ciência jurídica é construída nos diferentes países. Nesta conjuntura, é importante que se compare a maneira como a maioridade penal é estabelecida nos demais países. 

O Código Penal Italiano fixa a inimputabilidade penal absoluta em catorze anos (artigo 97). O menor de dezoito anos só seria inimputável se fosse provado que o mesmo agiu com o necessário discernimento para a prática do fato típico e ilícito. A Ordenação Francesa de 1945, modificada pela Lei de 24 de maio de 1951, estabeleceu uma legislação especial para os menores de dezoito anos, mas permitiu que se proferisse condenação contra maiores de 13 anos, quando a personalidade do delinqüente assim exigir. Portanto, a lei francesa fixa o tempo máximo da inimputabilidade em 13 anos. De 18 a 21 anos no Sistema Alemão, admite-se o que se convencionou a chamar de sistema de jovens adultos, no qual mesmo após os 18 anos, a depender do discernimento podem ser aplicadas as regras do Sistema Juvenil. Após os 21 anos, a competência é exclusiva da jurisdição penal tradicional.

A Noruega fixa a maioridade penal em 14 anos. Neste país, contudo, não há punição na prática de menores de 16 anos e, antes dos 18 anos, se recorram a medidas socioeducativas.

É importante também ressaltar como alguns países sul-americanos dispõem sobre a maioridade penal. Neste cenário, a Argentina prevê que aos 16 anos, o indivíduo torna-se imputável. Todavia, assim como no Brasil, a Argentina enfrenta o dilema acerca da redução da maioridade penal. A diferença é que muitos argentinos desejam que a idade penal seja reduzida para 14 anos. De acordo com pesquisas, a insegurança é uma das maiores preocupações do povo argentino, o que leva a inúmeras pessoas a apoiarem a diminuição da idade penal nesse país. Assim como na Argentina, o Chile prevê a maioridade penal aos 16 anos. Por sua vez, Brasil, Colômbia e Peru estabelecem a maioridade penal aos 18 anos.

Por fim, cabe salientar a maneira como a legislação dos Estados Unidos prevê a maioridade penal. Nesse país, a idade penal varia conforme a legislação de cada Estado. Apenas 13 Estados fixaram idade mínima, a qual varia entre 6 e 12 anos. Na maioria dos Estados desse país, a legislação se baseia nos usos e costumes locais, dentro do chamado “direito consuetudinário” ou Common Law. 

Na China, por sua vez, país que vem crescendo em influência mundial nos últimos anos, admite-se a responsabilidade de 14 anos nos casos em que cometem crimes considerados violentos, como homicídio, estupro, roubo, tráfico de drogas, incêndio, envenenamento e outros. Nos demais casos, a responsabilidade penal se dará aos 16 anos.  No Japão, país asiático, assim como a China, a maioridade penal é fixada aos 21 anos de idade.

Portanto, como é perceptível, a maioridade penal é prevista de diversas maneiras nos demais países. Contudo, é importante destacar que a legislação penal de cada país encontra-se relacionada diretamente com a conjuntura socioeconômica local. Neste sentido, é imprescindível avaliar as circunstâncias violentas em que se acha inserida a sociedade brasileira, a fim de que se possa definir qual o melhor caminho a trilhar.

 

3. O PARADIGMA CONSTITUCIONAL DA MAIORIDADE PENAL FRENTE AO ECA

3.1. Considerações preliminares concernentes à imputabilidade penal

Antes de analisar os aspectos constitucionais que tangenciam a questão da redução da maioridade penal, é precípuo analisar o cerne da questão, qual seja, uma das excludentes da imputabilidade penal.

A culpabilidade, que consiste no terceiro substrato do crime (além da tipicidade e da ilicitude ou antijuridicidade), possui como elementos a exigibilidade de conduta diversa, a potencial consciência da ilicitude e a imputabilidade. Caso um desses elementos não esteja presente na conduta que desaguou na ocorrência do delito, a culpabilidade não restará provada.

A imputabilidade penal, de acordo com o entendimento de Rogério Sanches Cunha, consiste na capacidade de imputação; na possibilidade de se atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de determinada infração penal. Dessarte, pode-se concluir que esta é o conjunto de condições pessoais que confere ao sujeito ativo a capacidade de discernimento e compreensão para entender seus atos e posicionar-se conforme tal entendimento.

O Código Penal brasileiro define imputabilidade à ‘‘contrario sensu’’, ou seja, especificando as hipóteses de inimputabilidade (trata-se de um conceito negativo). Para que se possa depreender a essência da imputabilidade é imprescindível delimitar quais os critérios adotados pelo Estatuto Repressor. Três são os critérios básicos que estabelecem a imputabilidade, a saber, biológico, psicológico e biopsicológico. O critério biológico considera apenas o desenvolvimento mental do agente, independentemente se tinha, no momento da conduta, capacidade de entendimento e autodeterminação. O critério psicológico, por sua vez, analisa apenas se o agente, ao tempo da conduta, tinha capacidade de entendimento e autodeterminação, independentemente de sua condição mental. Por fim, o critério biopsicológico é uma junção dos critérios supracitados, tendo em vista que leva em conta tanto o desenvolvimento mental do agente como sua capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da conduta.

O Código Penal adotou tanto o critério biológico como o biopsicológico, para regular situações distintas. No que tange à imputabilidade penal em razão da idade do agente, o CP, em seu artigo 27[8], adotou o critério biológico. Logo, se um adolescente com 17 anos e 11 meses de idade cometer um estupro, pouco importará sua capacidade de entendimento e de autodeterminação, ou seja, é inimputável.

3.2. Natureza jurídica do artigo 228 da Constituição Federal

Feitas tais considerações, é de bom tom delinear os elementos constitucionais que abarcam a polêmica da redução da maioridade penal.

Um aspecto fundamental, nesta seara, consiste na divergência sobre a natureza jurídica do artigo 228 da Constituição Federal de 1988. Insta indagar se o mencionado artigo possui a mesma natureza das normas contidas no artigo 5º, CF, direito fundamental, constituindo verdadeira cláusula pétrea ou trata-se apenas de uma regra de política criminal, modulável com o desabrochar da sociedade.

Os direitos fundamentais possuem características que os diferenciam dos demais direitos, quais sejam: relatividade (não existe direito fundamental absoluto); irrenunciabilidade; imprescritibilidade (o fato de o titular de um direito fundamental não exercê-lo não implica na ocorrência de prescrição); indivisibilidade; aplicabilidade imediata (via de regra); universalidade e historicidade.

Caso a norma contida no artigo 228, CF/88 seja considerada como direito fundamental, aspecto que será enfrentado adiante, a redução da maioridade penal restaria por inconstitucional, a não ser que uma nova Constituição seja promulgada, tendo em vista que o poder constituinte originário é ilimitado juridicamente. Tal afirmação é tácita, em decorrência da disposição contida no artigo 60, parágrafo 4º, IV, da CF/88[9], haja vista que a partir de sua análise, as normas relativas aos direitos fundamentais só poderiam ser alteradas para otimizá-los, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

O posicionamento majoritário quanto ao tema é o de que o aludido artigo constitui apenas uma regra de política criminal, o que viabiliza uma possível alteração em sede de maioridade penal.

Para que se possa depreender com exatidão tal discussão, faz-se mister conceituar o que vem a ser política criminal. No ensinamento de Zaffaroni (ZAFFARONI, p. 132), esta é “a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”. Desta forma, pode-se inferir que toda conduta pública que seja tomada para evitar ou reprimir de forma mais satisfatória um delito integra a política criminal de determinado Estado.

Logo, entende-se que o dispositivo constitucional em comento é mera regra de política criminal, o que possibilita uma alteração fática quanto ao tema em tela. Até aqui analisa-se apenas a possibilidade jurídica e não o mérito ou possíveis implicações de uma futura redução.

Consoante o posicionamento do ilustre constitucionalista Pedro Lenza:

“Muito se cogita a respeito da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Para tanto, o instrumento necessário seria uma emenda à CF e, portanto, manifestação do poder constituinte derivado reformador, limitado juridicamente. Neste ponto resta saber: eventual EC que reduzisse, por exemplo, de 18 para 16 anos, a maioridade penal violaria a cláusula pétrea do direito e garantia individual? Embora parte da doutrina assim entenda, a nossa posição é no sentido de ser perfeitamente possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada.” (LENZA, p. 1321, 2013).

Portanto, na seara da possibilidade jurídica não existe óbice. Todavia o que se questiona com grande veemência na doutrina e nos meios midiáticos é o aspecto meritório da medida.

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