A responsabilidade tributária na cisão de sociedades

10/08/2016 às 12:27
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O texto trata da aplicação analógica do artigo 132 do Código Tributário Nacional para embasar a responsabilização tributária dos sucessores decorrente de atos de cisão de sociedades.

O presente estudo traz ao leitor o nosso posicionamento atual sobre a responsabilidade tributária dos sucessores decorrente de atos de cisão de sociedades, demonstrando a possibilidade de aplicação analógica do artigo 132 do Código Tributário Nacional. Portanto, trata-se de uma mudança de posicionamento em relação ao estudo divulgado no site conteúdo jurídido em 2010, sob o título "responsabilidade tributária na cisão".

Inicialmente deve-se buscar o significado do vocábulo responsabilidade, originário do latim respondere, e que compreende o ato de se responsabilizar, vir garantido, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que se praticou (DE PLÁCIDO SILVA. Vocabulário Jurídico, pág. 713). Obrigação e responsabilidade se distinguem, a primeira surge de diversas fontes e deve ser cumprida espontaneamente, a segunda nasce do inadimplemento da primeira. A responsabilidade, portanto, se caracteriza como a conseqüência jurídica patrimonial do descumprimento de determinada obrigação.

CARLOS ROBERTO GONÇALVES explica que “a distinção entre obrigação e responsabilidade começou a ser feita na Alemanha, discriminando-se, na relação obrigacional, dois momentos distintos: o do débito (Schuld), consistindo na obrigação de realizar a prestação e dependente de ação ou omissão do devedor, e o da responsabilidade (Haftung), em que se faculta ao credor atacar e executar o patrimônio do devedor a fim de obter o pagamento devido ou indenização pelos prejuízos causados em virtude do inadimplemento da obrigação originária na forma previamente estabelecida” (Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 3).

Para o direito tributário esta distinção não é tão clara, pois em muitos casos o responsável é colocado na situação de substituto do contribuinte (art. 128 do CTN) ou de obrigado solidário ao contribuinte (art. 121 c/c art. 124 e art. 134 do CTN), criando-se as figuras do substituto tributário e do responsável tributário solidário. A distinção apenas se torna clara nas hipóteses da chamada responsabilidade tributária subsidiária em que o terceiro somente responde quando o contribuinte descumpre a obrigação tributária.

O artigo 121 do Código Tributário Nacional (CTN) elenca dois tipos de sujeito passivo, quais sejam: o contribuinte, caracterizado como aquele que tem relação direta e pessoal com o fato gerador; e o responsável, como aquele que embora não tenha relação direta e pessoal com o fato gerador, é indicado por lei para cumprir a obrigação tributária. O artigo 128 do CTN, por sua vez dispõe sobre a substituição tributária, ao admitir que a lei possa atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

A solidariedade no Código Tributário Nacional está prevista no artigo 124, existindo dois critérios: a) o do interesse comum na situação que constitua o fato jurídico tributário e b) o da designação expressa em lei de outras pessoas como solidárias, que não tenham interesse comum no fato jurídico tributário.

Cabe ressaltar que a responsabilidade tributária e a solidariedade tributária são tratadas como institutos distintos pelo Código Tributário Nacional, sendo inclusive disciplinados em capítulos diversos, pois na solidariedade há mais de um sujeito passivo obrigado na relação jurídica tributária, podendo o fisco exigir de qualquer deles ou de ambos o cumprimento da obrigação, diferentemente do que ocorre na responsabilidade em que se inclui por disposição legal um terceiro na relação jurídica tributária para cumprimento da obrigação não satisfeita originariamente pelo contribuinte.

Ocorre que em muitos casos o legislador, por força da autorização contida no artigo 124 do Código Tributário Nacional, dispõe que determinada pessoa responde solidariamente com o contribuinte, criando a figura do responsável tributário solidário. Exemplo do que foi afirmado é o comando contido no próprio artigo 134 do CTN, que trata da responsabilidade de terceiros, e no § 1º do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.598/77, que trata do Imposto sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas, que será analisado mais adiante.

Deste modo, pode-se afirmar que o responsável tributário é o terceiro que por força de lei responde pelo cumprimento da obrigação tributária não adimplida pelo contribuinte, mesmo não tendo realizado o fato gerador. A intensidade do vínculo do terceiro com o fato gerador não pode chegar ao ponto de configurar relação pessoal e direta, pois estaríamos diante do contribuinte. Ressalte-se que, por força do disposto no artigo 121, inciso II, do CTN, corolário do princípio da legalidade, somente por lei pode ser atribuída responsabilidade tributária.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 88 (CRFB/88) dispôs que cabe a Lei Complementar tratar das normas gerais em matéria tributária, incluindo-se a responsabilidade tributária (art. 146, inc. III, al. a). O Código Tributário Nacional não trata em dispositivo específico acerca da responsabilidade tributária na cisão de sociedades, havendo uma lacuna que conduz a diversos caminhos interpretativos.

O artigo 132 do CTN disciplina a responsabilidade tributária dos sucessores nos casos de fusão, transformação ou incorporação, nada dispondo sobre a cisão. Isto se deu pelo fato de inexistir a figura da cisão na data da promulgação da Lei nº 5.172 (CTN), em 25/10/1966. Na época, os atos de transformação, incorporação e fusão eram disciplinados nos artigos 149 a 154 do Decreto-Lei nº 2.627/1940, que regulava as sociedades por ações, posteriormente revogado pela Lei nº 6.404/76. Transcrevemos o artigo 132 do CTN:

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

Para que se possa compreender o alcance do artigo 132 é necessário que se entenda os conceitos de fusão, transformação e incorporação presentes na Lei nº 6.404/76 (arts. 220 a 234) e no Código Civil (arts. 1.113 a 1.122), conforme determina o Código Tributário Nacional nos artigos 109 e 110. O caput do artigo 132 determina que a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação é responsável pelos tributos devidos até a data do ato (art. 129 do CTN) pela pessoa jurídica fusionada, transformada ou incorporada, porque com a fusão societária ocorre a extinção das sociedades fusionadas e com a incorporação societária ocorre a extinção das sociedades incorporadas, acarretando a sucessão universal da sociedade resultante de fusão e da incorporadora em decorrência da transferência do patrimônio das fusionadas e incorporadas. Na transformação, por sua vez, não há extinção da sociedade, mas sim a alteração do tipo societário, o que não obsta a cobrança do tributo.

O parágrafo único do artigo 132 do CTN trata da responsabilidade tributária dos sucessores quando ocorrer a extinção da pessoa jurídica com a continuidade das atividades exercidas pela sociedade extinta por algum dos ex-sócios, que participem de nova sociedade. A sucessão neste caso se explica, pois se inexistisse a referida regra os ex-sócios de uma sociedade extinta e que possuía débitos tributários poderia continuar na mesma atividade sem pagar as dívidas da sociedade extinta.

Mesmo que o sócio explore a atividade da sociedade extinta sem constituição regular ocorrerá a sucessão tributária, pois conforme dispõe o artigo 126, inciso III do Código Tributário Nacional, a capacidade tributária passiva independe de estar a pessoa jurídica constituída.

A responsabilidade tributária do artigo 132 do CTN se aplica tanto para os créditos constituídos na data dos atos de transformação, fusão ou incorporação, quanto aos créditos em via de serem constituídos e os que serão futuramente constituídos, desde que digam respeito a obrigações surgidas até a data da transformação, fusão ou incorporação de sociedades, conforme determina o artigo 129 do CTN (ALIOMAR BALEEIRO. Direito tributário brasileiro. 11ª ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pág. 744).

Diante da lacuna existente no Código Tributário Nacional surge a controvérsia doutrinária sobre a possibilidade de aplicação da responsabilidade tributária do artigo 132 do CTN também aos casos de cisão de sociedades, prevista no artigo 229 da Lei nº 6.404/76, mediante o emprego da analogia (art. 108, I, do CTN). Como dito anteriormente, deve-se entender o conceito de cisão utilizada no direito privado para que se possa solucionar a referida controvérsia.

FRAN MARTINS explica que “durante sua vida, as sociedades anônimas como aliás, os demais tipos de sociedades, podem sofrer modificações quanto à sua espécie, ora se transformando em outras sociedades, ora se incorporando ou sendo incorporadas, ora, finalmente, fundindo-se com sociedades semelhantes ou não. O Código Comercial não trata desses processos de modificações das sociedades, mas a Lei das Sociedades Anônimas traça regras que podem ser aplicadas a todas as sociedades. Essas modificações que os tipos sociais podem sofrer são a transformação, a incorporação e a fusão, a que a vigente lei sobre as sociedades por ações acresceu a cisão” (Curso de Direito Comercial. 28 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002, p. 317).

O Código Civil de 2002 (CC) trata dos atos de transformação, fusão e incorporação nos artigos 1.113 a 1.122, com aplicação para as sociedades personificadas com ressalva da sociedade em comandita por ações e da sociedade anônima que continuam submetidas a Lei nº 6.404/76. A cisão não teve disciplina no CC. Antes do advento do Código Civil de 2002, os dispositivos da Lei das S/A sobre os atos de transformação, incorporação, fusão e cisão (arts. 220 a 234) acabaram por ter aplicação aos demais tipos societários em razão do assunto não ter disciplina legal no Código Comercial (lei nº 556/1850) nem no Decreto nº 3708/1919, que regulava a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada.

O artigo 229 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) define a cisão como sendo “a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão”. Portanto, pode haver ou não a extinção da sociedade cindida, não sendo a cisão necessariamente causa de extinção de sociedade.

ARNOLD WALD destaca que “a cisão surgiu no direito contemporâneo como uma forma de transferência parcial ou total do patrimônio de uma sociedade para outra ou outras, na qual a sociedade que se divide desaparece, passando os seus bens e obrigações para novas empresas (no caso da cisão total), ou sofre redução do seu capital (cisão parcial), passando uma parte do seu patrimônio para outra empresa. É, assim, possível que haja a extinção da sociedade primitiva, com o surgimento de duas novas empresas (cisão total), ou que perdure a empresa antiga, com capital reduzido, ao lado de nova empresa (cisão parcial). A cisão também pode beneficiar empresas já existentes, operando-se então uma espécie de cisão-fusão. Trata-se de um procedimento de desconcentração da empresa, com a finalidade de reorganização industrial, de racionalização ou de especialização, sendo a sua estrutura simétrica à fusão, que o direito já consagra há muito tempo. Algumas legislações preferem denominar a cisão parcial de desincorporação (“scorporazione” no direito italiano). Teríamos, assim, respectiva e simetricamente a fusão e a cisão, a incorporação e a desincorporação, que a nova legislação brasileira preferiu denominar cisão parcial (A cisão parcial e a responsabilidade tributária (Interpretação do parágrafo único do art. 233 da lei nº 6.404-76. Revista de Informação legislativa, Brasília, a. 15, n. 57, jan/mar. 1978).

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A cisão, nada mais é do que a divisão do patrimônio de uma sociedade em duas ou mais partes, visando a constituição de uma nova ou novas sociedades, ou também para integrar o patrimônio de sociedade já existente. Desta forma, a cisão não implica necessariamente no desaparecimento da sociedade cindida (cisão parcial). Existem duas modalidades de cisão: a cisão total, quando ocorre versão de todo o patrimônio da cindida, que se extingue sem se dissolver (artigo 219, II), e a cisão parcial, quando há versão de parte do patrimônio da cindida , que se mantém com seu capital diminuído. Será simples a cisão quando apenas uma sociedade recebe o patrimônio transferido (cisão parcial). Será múltipla quando mais de uma sociedade recebe tal patrimônio. Quando a transferência do patrimônio se der em favor de sociedade já existente, considera-se como cisão imprópria, por sua vez quando for criada sociedade para absorver o patrimônio, tem-se a cisão própria (CARVALHOSA, MODESTO. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4º Vol. Tomo I. 4ª edição. São Paulo. Saraiva, 2009, pág. 301).

A cisão deve ser deliberada em assembléia ou em reunião de sócios, segundo o modelo peculiar do tipo societário envolvido. A legislação diferencia a cisão da incorporação (art. 227 da Lei nº 6.404/76 e art. 1.116 do Código Civil), pois na incorporação ocorre a extinção de forma integral da incorporada, sem desmembramento anterior da sociedade, ao passo que na cisão inicialmente ocorre o fracionamento da sociedade para depois ser adquirida. Por sua vez, distingue da fusão (art. 228 da Lei nº 6.404/76 e art. 1.119 do Código Civil) que representa a congregação de um ou mais patrimônios, ocasionando a extinção das sociedades para constituir uma nova.

MODESTO CARVALHOSA ensina que “do ponto de vista da sociedade que irá dispor de seu patrimônio, a cisão constitui uma fusão às avessas, na medida em que neste negócio há uma congregação de dois ou mais patrimônios sociais, cujas sociedades respectivas extinguem-se para constituir uma nova. Na cisão, ao contrário, há o fracionamento do capital da cindida e não a soma para o efeito de constituição de duas ou mais sociedades. Com respeito à incorporação, a cisão também constitui o oposto. Naquele negócio, uma sociedade absorve o patrimônio de outra, aumentando o seu capital, e com a necessária extinção daquela. Na cisão, o movimento é contrário: desdobra-se o capital da cindida para formação ou aumento do capital de sociedade nova ou existente. Não há agregação, mas desagregação patrimonial, além de, no caso de cisão parcial, não ocorrer a extinção da cindida.” (Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4º Vol. Tomo I. pág.309).

A cisão é um negócio jurídico complexo, e deve ser avaliado tanto sob o ponto de vista das alterações patrimoniais como também do ponto de vista da situação dos sócios antes e depois da operação.

Vejamos o teor do artigo 229 da Lei nº 6.404/76 (Lei das SA):

Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo- se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

§ 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.

§ 2º Na cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade nova, a operação será deliberada pela assembléia-geral da companhia à vista de justificação que incluirá as informações de que tratam os números do artigo 224; a assembléia, se a aprovar, nomeará os peritos que avaliarão a parcela do patrimônio a ser transferida, e funcionará como assembléia de constituição da nova companhia.

§ 3º A cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente obedecerá às disposições sobre incorporação (artigo 227).

§ 4º Efetivada a cisão com extinção da companhia cindida, caberá aos administradores das sociedades que tiverem absorvido parcelas do seu patrimônio promover o arquivamento e publicação dos atos da operação; na cisão com versão parcial do patrimônio, esse dever caberá aos administradores da companhia cindida e da que absorver parcela do seu patrimônio.

§ 5º As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia cindida serão atribuídas a seus titulares, em substituição às extintas, na proporção das que possuíam; a atribuição em proporção diferente requer aprovação de todos os titulares, inclusive das ações sem direito a voto.

No caso de cisão total, as sociedades beneficiárias do patrimônio da cindida respondem por todos os direitos e obrigações da mesma. A lei impõe a solidariedade entre as novas ou existentes sociedades, beneficiárias do negócio, ocorrendo a sucessão e a solidariedade fundada na dispersão do patrimônio. É o que dispõe o artigo 233 da Lei nº 6.404/76:

Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.

Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da publicação dos atos da cisão.

O referido artigo veicula regra de garantia aos credores em caso de inadimplemento das obrigações anteriores a cisão. A definição dos devedores originários é tratada no artigo 229 da Lei das S/A. Contudo, apesar de haver previsão no parágrafo único do artigo 233 da Lei nº 6.404/76 para que no ato da cisão parcial possa ocorrer a exclusão da solidariedade (através de convenção particular entre as partes), respondendo as companhias receptoras apenas pelas obrigações que lhe forem transferidas, podendo qualquer credor se opor a isso, desde que notifique a sociedade no prazo de 90 dias a contar da data da publicação dos atos da cisão, para fins fiscais de nada valem as disposições estatutárias ou contratuais estipulando a responsabilidade tributária na sucessão empresarial se estas disposições estiverem em desacordo com o Código Tributário Nacional ou com a legislação tributária (art. 146, III, da CRFB/88 e do art. 123 do CTN).

A cisão se opera em três fases distintas: “a transmissão de parcelas do patrimônio da sociedade cindida a favor de sociedades novas ou existentes; a migração de todos os sócios ou acionistas da sociedade cindida para as sociedades beneficiárias, sem embargo de se manterem também sócios ou acionistas naquela sociedade cindida que permanecer com parte de seu patrimônio após a cisão; e, finalmente, a extinção ou não da sociedade cindida.” (CARVALHOSA, MODESTO. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4º Vol. Tomo I. pág. 309).

O artigo 132 do CTN confere amparo legal para que a Administração Tributária cobre os tributos dos sucessores nos casos de extinção de sociedade. Embora a cisão se diferencie da incorporação e também da fusão, ocorrem semelhanças entres os institutos como, por exemplo, a cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente a qual se aplicam as normas da incorporação (art. 229, § 3º da Lei nº 6.404/76).

Os dispositivos do Código Civil e da Lei das Sociedades por Ações que tratam da responsabilidade decorrente dos atos de transformação, incorporação, fusão e cisão não são aplicáveis analogicamente para a responsabilidade tributária em razão da vedação contida no artigo 146, inc. III, da CRFB/88 e do artigo 123 do CTN, prevalecendo a aplicação analógica (art. 108, I, do CTN) do artigo 132 do Código Tributário Nacional aos casos de cisão societária, em razão do inter-relacionamento existente entre o ato de cisão e o ato de fusão e de incorporação conceituados na Lei das S/A (6.404/76).

Como exemplo, podemos citar a referida hipótese de cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente a qual se aplicam as disposições da incorporação contidas no artigo 227 da Lei nº 6.404/76. Ora, se o conceito de cisão neste caso atribuído pelo direito privado se assemelha ao de incorporação deve-se aplicar a responsabilidade tributária do artigo 132 do CTN, que prevê expressamente o ato de incorporação. Nas demais hipóteses de cisão deve se analisar sua proximidade com a incorporação ou a fusão para embasar a aplicação analógica do artigo 132.

Nos casos de cisão total em que há a extinção da pessoa jurídica de direito privado não há dúvida acerca da sucessão pelas sociedades que receberam o patrimônio societário da cindida, justificando a aplicação analógica do artigo 132 do CTN. Nas hipóteses de cisão parcial pode o legislador com apoio no artigo 124 do CTN instituir a solidariedade entre a cindida e as sociedades que receberam seu patrimônio, seja sociedade já existente ou sociedade constituída para receber o patrimônio da cindida.

O artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.598/77, que trata do Imposto sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas, institui a solidariedade (art. 124 do CTN) nos casos de cisão de sociedades que se diferencia da responsabilidade tributária dos sucessores do artigo 132 do CTN. O citado dispositivo legal não tem o condão de estabelecer normas gerais de Direito Tributário, mas somente de disciplinar a solidariedade nos atos de cisão no âmbito federal, ficando adstrito às normas do Código Tributário Nacional, pois tem o status de uma lei ordinária, tendo sido recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma vez que embora o instrumento legislativo não esteja previsto na atual Constituição a regulamentação da matéria está em consonância com as normas constitucionais vigentes. Transcreve-se:

Art 5º Respondem pelos tributos das pessoas jurídicas transformadas, extintas ou cindidas:

I a pessoa jurídica resultante da transformação de outra;

II a pessoa jurídica constituída pela fusão de outras, ou em decorrência de cisão de sociedade;

III a pessoa jurídica que incorporar outra ou parcela do patrimônio de sociedade cindida;

IV a pessoa física sócia da pessoa jurídica extinta mediante liquidação que continuar a exploração da atividade social, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual;

V os sócios com poderes de administração da pessoa jurídica que deixar de funcionar sem proceder à liquidação, ou sem apresentar a declaração de rendimentos no encerramento da liquidação.

§ 1º Respondem solidariamente pelos tributos da pessoa jurídica:

a) as sociedades que receberem parcelas do patrimônio da pessoa jurídica extinta por cisão;

b) a sociedade cindida e a sociedade que absorver parcela do seu patrimônio, no caso de cisão parcial;

c) os sócios com poderes de administração da pessoa extinta, no caso do item V.

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o tema, decidindo pela aplicação do artigo 132 do CTN aos casos de responsabilidade tributária decorrente dos atos de cisão de sociedades, por entender que as operações de reorganização societária constituem um só instituto para efeitos de responsabilização tributária, como podemos observar pelo teor dos acórdãos exarados no RESP nº 242.721/SC, no RESP nº 970.585/RS e no RESP nº 852.972/PR:

TRIBUTÁRIO ICMS COMERCIAL SOCIEDADE COMERCIAL TRANSFORMAÇÃO INCORPORAÇÃO FUSÃO CISÃO – FATO GERADOR INEXISTÊNCIA.

I Transformação, incorporação, fusão e cisão constituem várias facetas de um só instituto: a transformação das sociedades. Todos eles são fenômenos de natureza civil, envolvendo apenas as sociedades objeto da metamorfose e os respectivos donos de cotas ou ações. Em todo o encadeamento da transformação não ocorre qualquer operação comercial.

II A sociedade comercial pessoa jurídica corporativa pode ser considerada um condomínio de patrimônios ao qual a ordem jurídica confere direitos e obrigações diferentes daqueles relativos aos condôminos (Kelsen).

III Os cotistas de sociedade comercial não são, necessariamente, comerciantes. Por igual, o relacionamento entre a sociedade e seus cotistas é de natureza civil.

IV A transformação em qualquer de suas facetas das sociedades não é fato gerador de ICMS.

RESP 242.721/SC

TRIBUTÁRIO. DISTRIBUIÇÃO DISFARÇADA DE LUCRO. PRESUNÇÃO. EMPRÉSTIMO A VICEPRESIDENTE DA EMPRESA.

1. A empresa resultante de cisão que incorpora parte do patrimônio da outra responde solidariamente pelos débitos da empresa cindida. Irrelevância da vinculação direta do sucessor do fato gerador da obrigação.

2. Empréstimo concedido a Vice-Presidente da empresa com taxa de juros superior às utilizadas pelo mercado. Lucro apurado pela empresa no exercício. Três contratos de mútuo firmados. Distribuição disfarçada de lucro.

3. Não há comprovação na lide de que a estipulação de juros e correção monetária tenha sido contratada nas condições usuais do mercado financeiro.

4. Não influência da sentença transitada em julgado que apreciou a natureza do negócio jurídico efetuado pelo favorecido, especialmente, porque o acórdão recorrido está baseado em fatos apurados no curso da instrução processual. Não repercussão das conclusões da mencionada sentença.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, na parte conhecida, não provido.

RESP 970.585/RS

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. CISÃO DE EMPRESA. HIPÓTESE DE SUCESSÃO, NÃO PREVISTA NO ART. 132 DO CTN. REDIRECIONAMENTO A SÓCIO GERENTE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE FRAUDE.

1. O recurso especial não reúne condições de admissibilidade no tocante à alegação de que restaria configurada, na hipótese, a prescrição intercorrente, pois não indica qualquer dispositivo de lei tido por violado, o que atrai a incidência analógica da Súmula 284 do STF, que diz ser "inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia".

2. Embora não conste expressamente do rol do art. 132 do CTN, a cisão da sociedade é modalidade de mutação empresarial sujeita, para efeito de responsabilidade tributária, ao mesmo tratamento jurídico conferido às demais espécies de sucessão (REsp 970.585/RS, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJe de 07/04/2008).

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.

RESP 852.972/PR

Ademais, a regra inscrita no artigo 132 do CTN além de determinar a responsabilidade dos sucessores por dívidas tributárias tem também o objetivo de impedir que os atos de reestruturação societária sirvam como instrumentos fraudulentos para o não cumprimento das obrigações tributárias, com a extinção de uma pessoa jurídica com dívidas fiscais e a continuidade da atividade mediante a constituição de uma nova pessoa jurídica, ou de transferência de parcelas do patrimônio ou de todo o patrimônio para outra pessoa jurídica. Deste modo, coibi-se o abuso na constituição de sociedades para fins de escapar da responsabilização tributária.

Deste modo, enquanto não houver disposição legal tratando da responsabilidade tributária decorrente dos atos de cisão de sociedades, o melhor entendimento é o de aplicar o artigo 132 do CTN por analogia, a fim de proporcionar a justiça fiscal, nada obstante possa o legislador federal, estadual e municipal instituir a solidariedade (art. 124 do CTN) entre a sociedade cindida e as sociedades que absorveram parcelas de seu patrimônio pelo pagamento dos tributos devidos até a data da cisão, como fez o Decreto-Lei nº 1.598/77 (art. 5º).

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Sobre o autor
Raphael Funchal Carneiro

Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pós graduado em direito tributário

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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