O conflito existente entre o exercício do direito de greve do servidor público e o princípio da continuidade dos serviços públicos

17/08/2016 às 18:10
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A greve dos servidores públicos é um direito constitucional, porém a grande polêmica existente acerca do exercício desse direito é a existência do aparente conflito com o princípio da continuidade dos serviços públicos.

A greve é um direito dos trabalhadores, garantido pela Constituição Federal, com natureza instrumental, tendo como finalidade a defesa ou obtenção de direitos, em face dos interesses coletivos da categoria envolvida.

De acordo com José Joaquim Gomes Canotilho, o direito de greve é um direito fundamental de titularidade individual, porém só terá efetividade quando exercido coletivamente.[1]

No caso dos servidores públicos, o exercício do direito de greve está previsto no artigo 37, VIII, da Constituição Federal, que condiciona sua existência à norma regulamentadora, senão vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.

A grande discussão que gira em torno do direito de greve dos servidores públicos concerne à eficácia e à aplicabilidade desse direito, uma vez que, apesar de sua previsão constitucional, o direito de greve não está regulamentado por lei específica.

Conforme leciona a Professora Regina Ferrari:

Na interpretação deste dispositivo duas correntes podem ser identificadas: a) aceita que o exercício do direito de greve pelos servidores públicos depende de lei, e, enquanto não for promulgada tal lei, a greve não pode ser permitida; b) sustenta que a Constituição Federal autoriza a greve dos servidores públicos, porque simplesmente aboliu a proibição anterior.[2]

A respeito da extensão desse direito, a jurisprudência foi sofrendo fortes alterações com o passar do tempo.

A Suprema Corte entendia que a greve dos servidores públicos não poderia ser exercida enquanto não houvesse lei que a disciplinasse, sob o argumento de que “o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve constituirá norma de eficácia limitada, desprovida de autoaplicabilidade.”.[3]

Contudo, o Supremo Tribunal Federal reconsiderou o seu posicionamento, no julgamento dos Mandados de Injunção Nº 670/ES, 708/DF e 712/PA, definindo a possibilidade do exercício do direito constitucional de greve pelos servidores públicos, aplicando-se, por analogia, os dispositivos da Lei nº 7.783/1089, que regulamenta a greve dos trabalhadores da iniciativa privada, enquanto não for disciplinada pelo Legislativo.

Desta forma, mostra-se legítimo o exercício do direito de greve pelos servidores públicos, mesmo diante da inexistência de lei específica.

Contudo, existe a polêmica existente sobre o aparente conflito entre o princípio da continuidade dos serviços públicos e o exercício do direito de greve.

Isso porque o referido princípio impõe a prestação ininterrupta dos serviços públicos, na medida em que a Administração Pública tem o dever de cumprir, regularmente, sem qualquer possibilidade de disposição ou análise de conveniência, a sua função administrativa.[4]

Nessa senda, o Ministro Eros Grau, no MI 712/PA, enfatizou a importância de conciliar o direito de greve do servidor público com a prestação continuada dos serviços públicos: “O que deve ser regulado (...) é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura.”.[5]

Portanto, para a solução do conflito entre o princípio da continuidade dos serviços públicos e o exercício do direito de greve pelos servidores públicos não é suficiente a declaração de invalidade, devendo haver, sim, a ponderação, no caso concreto, das características dos valores envolvidos, para poder ser atribuída maior importância a um ou a outro.


[1]  CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 424.    

[2] FERRAI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 270.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva: 2009. p. 1.265.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.29.ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 83

[5] STF - MI: 712 PA, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 25/10/2007,  Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03.


 

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Sobre a autora
Priscila Barrozo

Há cinco anos atuo na área jurídica. Sou graduada em Direito pelo Centro Universitário UniBrasil e atualmente inicio a especialização em Direito Administrativo pelo Instituto em Direito Romeu Felipe Bacellar.

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