Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar uma análise perfunctória acerca da analogia na resolução de conflitos nas relações sociais cibernéticas, e a nova roupagem trazida pela legislação específica que regula a Internet em nosso país, sob uma perspectiva principiológica da dignidade da pessoa humana, com foco também na inviolabilidade do direito fundamental à vida privada, levando-se em consideração os atuais modelos de relacionamentos sociais que surgem das redes sociais. Pondera os posicionamentos jurisprudenciais dos nossos tribunais, os Princípios Constitucionais aplicáveis, bem como as disposições do Diploma Civil quanto aos conflitos gerados pelo dano moral a honra. Avalia os impactos dessas modificações na sociedade moderna, e a necessidade jurídica especifica da regularização de conflitos entre particulares, evidenciando os novos desafios frente à constitucionalização do direito privado.
Palavras-chave: Direito a Honra. Privacidade. Internet. Redes sociais. Nova Legislação. Vida Privada. Danos Morais. Diploma Civil.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos. 2.1. Do conceito e das disposições legais acerca dos Direitos Fundamentais. 2.2. Do conceito e das disposições do Código Civil sobre Privacidade. 2.3. Do conceito e das disposições normativas sobre Internet. 3. Aplicação dos Conceitos e Normas ao Caso Concreto: Quando há uma exposição da vida privada em redes sociais. Conclusão.
1. Introdução
O tema proposto no presente artigo merece destaque devido a importância das modificações no comportamento social advindas dos avanços tecnológicos e a real necessidade destas serem devidamente acompanhadas pelo ordenamento jurídico.
A atual regulamentação sobre o uso da internet, englobando uso de redes sociais, busca minimizar os riscos de conflitos inertes a inviolabilidade da vida privada, efetivando o seu proveito em favor da sociedade, a luz do principio constitucional em proteção a integridade moral, sendo privacidade elemento fundamental no vigente Estado Democrático de Direito.
Não há como compreender uma sociedade informatizada e democrática excluindo as possibilidades dos indivíduos manifestarem através da internet em suas redes sociais suas opiniões e pensamentos livremente, assim como, também a livre exposição da sua imagem-retrato.
Diante disso, o direito em sua aplicação teleológica, deve acompanhar as transformações sociais, visando encontrar soluções eficientes e práticas à realidade cibernética, acerca de possíveis novos conflitos sociais.
O Código Civil de 2002 é silente sobre previsões normativas para dirimir questões relativas às relações por meio virtual e à responsabilidade sobre estes atos.
Antes, era indispensável a analogia para aplicar o direito ao caso concreto nas relações advindas do mundo virtual, tudo por conta da ausência de regulamentação específica.
Com o advento da lei 12.965/2014, estabeleceu-se um marco civil da internet, a partir de então, as relações cibernéticas passaram a ser regulamentadas por diploma próprio, inclusive com previsão de reparação de danos causados por usuários da rede.
A experiência do Marco Civil da Internet é única: teve inspiração no Decálogo da Internet – dez princípios fundamentais, estabelecidos pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, para embasar as ações para o desenvolvimento da Internet em nosso país.
Deste modo, o presente trabalho objetiva as trazer uma breve análise legislativa, com destaque para as jurisprudenciais majoritárias anteriores sobre a responsabilidade civil no ambiente virtual e o que mudou com a entrada da “Constituição da Internet” em vigor.
Antes ainda de aprofundar a exposição do assunto proposto, para melhor compreensão, faz-se importante conceituar genericamente e fundamentar o respaldo no ordenamento jurídico de algumas expressões aqui utilizadas.
2. Conceitos
2.1. Do conceito e das disposições legais acerca dos Direitos Fundamentais
A Carta da República representa, sem dúvida, um marco histórico em nosso ordenamento jurídico, por representar a democracia com afinco e defender como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Vale bem notar que para além da proteção à dignidade humana, a Carta Magna estabeleceu em seu bojo que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (CF, art. 5º, caput).
Houve, pois, um incontestável avanço na consolidação das garantias fundamentais e na proteção da pessoa com o advento desta Lei Maior.
Com isso, a Constituição da República instituiu normas dotadas de exigência e valores jurídicos relevantes, com reflexos em todas as demais normas de nosso ordenamento jurídico, as quais devem ser interpretadas e aplicadas em observância aos chamados Direitos Fundamentais.
Alguns juristas de forma exagerada nominaram o Marco Civil da Internet como a Constituição da internet.
O doutrinador Gilmar Mendes conceitua os direitos fundamentais - também conhecido como direitos personalíssimos ou direitos da pessoa, de modo didático para a teoria acadêmica e para a prática civilista:
“os direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões. Correm paralelas no tempo o reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico e a percepção de que os valores mais caros da existência humana merecem ser resguardados em documento jurídico com força vinculativa máxima, indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem." (MENDES, 2015, pag. 135)
Dentre todos os direitos fundamentais estabelecidos no diploma constitucional, importa destacar o quanto estabelecido em seu artigo 5º, inciso X, objeto de análise do presente trabalho:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (CF, 1988).
Esta proteção está presente também na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 217A, da III Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10.12.1948 e assinada pelo Brasil na mesma data.
Artigo 12º – Ninguém sofrerá intromissões arbitrarias na sua vida privada, na sua família, no seu domicilio ou na sua correspondência, nem ataques a sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à proteção da lei. (ONU, 2003).
Buscando a eficácia dos direitos estabelecidos na Constituição Federal, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais, o chamado Estado Constitucional de Direito passou a centralizar a Constituição, marcando-a com intensa carga valorativa, dotando-a de imperatividade, superioridade e centralidade, ou seja, todas as demais normas e interpretações deveriam ser, a partir de então, à luz da Constituição da República, subordinando toda a legislação ordinária.
Sob esta égide, todas as demais normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro passaram a ter na Constituição o seu sistema principiológico superior, estruturador da harmonia do conjunto, inclusive o Direito Civil, fenômeno este conhecido como Constitucionalização do Direito Privado.
Este Diploma Legal, por sua vez, responsável pela regulação das relações particulares, estabeleceu em seu artigo 21 que “A vida privada da pessoa natural é inviolável”.
Esta norma, pois, deve ser interpretada e aplicada em consonância com o quanto disposto no bojo do Diploma Maior, em atenção à força vinculativa das normas constitucionais.
2.2. Do conceito e das disposições do Código Civil sobre Privacidade
A palavra privacidade possui a sua raiz no latim privare.
Entende-se pela habilidade de uma pessoa em controlar a exposição e a disponibilidade de informações acerca de si.
A privacidade é componente essencial da pessoa em respeito a sua dignidade e se dá pelo limite ao que é exposto ou não sobre alguém, ou a quem se deseja revelar algo.
Mais do que meramente uma preferência ou capricho, define propriamente o desejo ou não de expor ante as pessoas algo sobre si, adequandose ao conceito de moral para cada individuo ante as suas relações sociais.
Não se confunde, portanto, com o direito a intimidade, o qual se refere às vivências e a história pessoal, ou seja, tudo o que se encontra no cotidiano de cada ser humano como ser individual, não importando aqui sua vontade de exposição.
O Capítulo II do Código Civil de 2002 traz a proteção aos direitos da personalidade, que são intransferíveis e irrenunciáveis, tratando de privacidade expressamente em seu artigo 21.
A vida privada da pessoa natural é também inviolável, ou seja, o indivíduo possui o direito de impedir a intromissão de pessoas estranhas em sua vida particular.
Nesse sentido, tem-se o Enunciado nº 404 da V Jornada de Direito Civil:
“art. 21. A tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratamento de informações que versem especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas." (Enunciado nº 404).
Infere-se, pois, da esteira legal seguida pela norma civilista, o reflexo da disposição constitucional de proteção à vida privada, que compreende, também, a proteção à intimidade, à honra e à imagem.
2.3. Do conceito e das disposições normativas sobre Internet
Num conceito genérico, Internet é qualquer conjunto de rede de computadores ligados entre si por um conjunto de protocolos padrões ao mundo inteiro.
Ainda, entende-se por Internet a rede de computadores dispersos por todo o planeta que trocam dados e mensagens utilizando um protocolo comum, unindo usuários particulares, entidades de pesquisa, órgãos culturais, institutos militares, bibliotecas e empresas de toda envergadura (Dicionário Eletrônico Houaiss 3.0)
A contínua e maciça difusão advinda do acesso às novas tecnologias e à internet traz uma nova realidade no que tange ao comportamento social na forma de comunicação global.
Essa inovação chega com as chamadas redes sociais, assim denominadas por estruturas sociais virtuais compostas por pessoas conectadas em vários tipos de relações, compartilhando objetivos, valores e emoções através de postagens pessoais e imagem e pensamentos em paginas na rede.
A conexão fundamental entre as pessoas se perfaz através da identidade e do limite de expectativas, de confiança e lealdade, o qual é permanentemente mantido e renegociado pela rede de comunicações.
Muito além dos limites físicos, pessoas se relacionam e trocam informações sobre suas vidas privadas.
Esse novo instituto, como todas as relações sociais, não poderia passar despercebido pela legislação pátria, já que ao fazer parte do cotidiano social, a Internet passa a ser partícipe e contribuinte de diversos fatores que influenciam e designam comportamentos pessoais.
Assim, diante da necessidade contemporânea, viu-se forçosa a regulamentação da Internet nas relações sociais, o que fora efetivado recentemente através da Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, com aplicabilidade nas relações cíveis, tendo tratamento especial quando se trata de relações penais.
art. 1. Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.
Este diploma legislativo tem sido considerado por muitos como a “Constituição da Internet Brasileira”, já que estabelece, sem dúvida, um marco civil regulatório que contempla princípios, garantias, direitos e deveres civis para o uso da rede mundial de computadores no país.
3. Aplicação dos Conceitos e Normas ao Caso Concreto
Quando há uma exposição da vida privada em redes sociais Após a rápida exposição de informações relevantes ao tema, passa-se a analisar a aplicação das leis ao caso concreto, bem como o posicionamento dos tribunais brasileiros diante das novas relações privadas efetivadas através de redes sociais.
Por suas características, a internet inicialmente passa a errônea impressão de que a não há formas de vincular a identidade ao usuário.
Acredita-se, em regra, no anonimato da rede.
Todavia, muitos desconhecem que é possível estabelecer localização exata e identidade do computador através do IP (internet protocol) por ele utilizado.
A dificuldade real encontra-se em conhecer a autenticidade da identidade de um usuário específico, visto que ainda não há maneira eficaz de se reconhecer objetivamente indivíduos na rede, para que se efetive o controle e garanta a atuação do judiciário.
“Se não há uma maneira de saber quem alguém é, onde está, nem o que fez ou esta fazendo, o sistema jurídico- que é dependente dessas informações para exercer sua força coercitiva – parece perder a sua efetividade”. (LEONARDI, 2012, p. 157)
O que de fato pode ser observado é que a legislação brasileira é recente na regulação de atos jurídicos vinculados ao uso da internet, utilizando-se anteriormente da analogia para resolução de conflitos no âmbito civil.
Sendo uma matéria recente em todo o país, existem várias correntes doutrinarias sobre como se devem resolver os conflitos decorrentes do uso da internet, entretanto nenhum é tão eficaz quanto a que aborda a importância da associação entre o sistema judiciário e o conjunto de ‘arquitetura’ da internet para efetiva localização dos usuários.
As cláusulas gerais do Código Civil de 2002, somando-se a inevitável necessidade de regulamentação das novas tecnologias, fundamentaram a criação da norma, almejando, com isso, a paz social e o bem comum.
Assim, a recente lei de nº 12.965 de abril de 2014 , trouxe expressamente seu artigo 3º, inciso II, o direito à privacidade, complementado por seu artigo 7º, inciso I:
art. 7. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A criação de tais dispositivos passou a permitir juridicamente a responsabilidade civil pelos danos causados a outrem por intermédio das redes sociais.
Anteriormente à vigência da legislação em comento, aos casos levados ao judiciário era aplicado, analogicamente, o Código de Defesa do Consumidor e demais normas civilistas.
Inclusive, o Supremo Tribunal de Justiça, declinando sobre a matéria, entendeu que haveria a incidência do CDC independente da gratuidade ou não do serviço.
Definiu também a responsabilidade subjetiva por culpa in omittendo, quando o provedor deixar de adotar as providências que estiverem a seu alcance para individualização do usuário que tenha causado dano a outrem, passando o provedor a ser responsabilizado subsidiariamente.
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.
1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.
2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo "mediante remuneração" contido no art. 3º, § 2º, do CDC deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.
3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14. do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.
4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.
5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.
6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.
7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.
8. Recurso especial a que se nega provimento.”
(REsp 1193764/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 08/08/2011)
Em que pese o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais inferiores mantinham posicionamento divergente acerca da responsabilidade civil dos provedores de internet:
INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ORKUT. O prestador do serviço Orkut responde de forma objetiva pela criação de página ofensiva à honra e imagem da pessoa, porquanto abrangido pela doutrina do risco criado; decerto que, identificado o autor da obra maligna, contra ele pode se voltar, para reaver o que despendeu”
(TJMG. Apel. Cível nº 1.0701.08.221685-7/001. Relator: Des. Saldanha da Fonseca. J. 05/08/2009).
Segundo a Corte de Minas Gerais, lastreando seu posicionamento na Teoria do Risco, a responsabilidade civil do prestador de serviço dos sites de relacionamentos é objetiva no que se refere à criação de página ofensiva à honra e à imagem da pessoa, posto que abrangido pela doutrina do risco criado.
Foi decidido ainda que, apesar de não haver uma cobrança pelo serviço, as normas do Código de Defesa do Consumidor seriam as mais adequadas para reger a matéria.
Com o advento da legislação que regula a matéria, restou definida a questão da responsabilidade civil dos provedores de internet, o que está regulamentado no artigo 18 da Lei 12.965/2014:
art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Definida a questão da responsabilidade civil do provedor de internet, passa-se a analisar a questão da privacidade nas redes sociais e a inviolabilidade da imagem, da honra e do bom nome.
Bem, giza o Código Civil que aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.
No caso das redes sociais, o problema está em identificar os indivíduos, como dito, imputando-lhe a conduta lesiva.
O fato é que há, atualmente, uma superexposição do usuário na rede, inclusive com divulgação de informações íntimas e personalíssima, se fez comum a divulgação de fotos nas situações mais diversas e constrangedoras, inclusive fotos íntimas que expõe o usuário ao mundo, pois essa é a natureza da rede.
Não existe, genericamente falando, um senso de limite quando o assunto é exposição.
Sendo assim, algumas pessoas se esbarram no inconveniente de ter sua imagem ou seu nome vinculados de modo não autorizado, expondo sua integridade e sua vida privada nas redes sociais.
A exposição negativa da vida privada depende da discricionariedade do individuo em exibir ou não atos da sua intimidade, e, tendo em vista o reconhecimento de que a internet é um dos meios mais rápidos de colher ou expor informações sobre seus usuários, especialmente em redes sociais, é importante perceber a responsabilidade individual de quem publica nas redes no tocante a exposição da sua própria vida ou de terceiros.
É forçoso destacar que, ao divulgar dados pessoais, informações, fotos, ou até mesmo mensagens maliciosas, põe-se em risco alguns direitos fundamentais que, ao serem violados, enseja reparação.
Necessário se faz tomar pleno conhecimento das consequências que podem trazer o mal uso desses serviços, essencialmente porque embora seja difícil identificar um usuário autor de ato lesivo, não é impossível fazê-lo, pois, como dito, as informações são registradas e localizadas através do IP.
De acordo com a nova Lei, os aplicativos são obrigados a armazenar os dados dos usuários até o período de 1 ano.
Este fato corrobora para que as pessoas que se sintam lesadas pela divulgação de informações falsas por outros usuários do aplicativo, possam ter seus direitos resguardados.
Um dos aplicativos mais famosos da atualidade, o Whatsapp, já foi objeto de demanda judicial no Brasil por vincular informações nocivas entre seus grupos, alguns desses com a finalidade única e exclusiva de repassar imagens de pessoas, assim como montagens de cunho pornográfico, as quais são postadas por usuários supostamente anônimos, que se sentem "protegidos" para cometer crimes de calúnia.
Em julgamento inédito, tendo por base legal a Lei 12.965/2014, ficou reconhecida a responsabilidade civil do Facebook em face do Whatsapp, cuja aquisição se deu no ano de 2014.
A 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 2114774-24.2014.8.26.0000, reconheceu que a responsabilidade pela gerência do Whatsapp no Brasil é do Facebook, tendo em vista a notória aquisição deste aplicativo.
RESPONSABILIDADE CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. Autora que pretende, com a presente medida, a exibição dos IP's dos perfis indicados na inicial e conversas promovidas pelo aplicativo Whatsapp dos grupos que também indica Deferimento 'Conversas' que apresentam conteúdo difamatório com relação à autora (inclusive montagem de fotografias de cunho pornográfico) Alegação da agravante de que não possui gerência sobre o Whatsapp (que, por seu turno, possui sede nos EUA) Descabimento Notória a aquisição, pelo FACEBOOK (ora agravante) do referido aplicativo (que no Brasil, conta com mais de 30 milhões de usuários) Alegação de que o Whatsapp não possui representação em território nacional não impede o ajuizamento da medida em face do FACEBOOK (pessoa jurídica que possui representação no país, com registro na JUCESP e, como já dito, adquiriu o aplicativo referido) Serviço do Whatsapp amplamente difundido no Brasil Medida que, ademais, se restringe ao fornecimento dos IP's dos perfis indicados pela autora, bem como o teor de conversas dos grupos (ATLÉTICA CHORUME e LIXO MACKENZISTA), no período indicado na inicial e relativos a notícias envolvendo a autora - Medida passível de cumprimento Obrigatoriedade de armazenamento dessas informações que decorre do art. 13. da Lei 12.965/14 Decisão mantida Recurso improvido.
(TJ-SP, Relator: Salles Rossi, Data de Julgamento: 01/09/2014, 8ª Câmara de Direito Privado)
Precioso destacar também que não há responsabilização quando a exposição é própria da vontade do indivíduo, já que se trata do direito de escolha, ou seja, não há como responsabilizar a viralização de uma imagem, por exemplo, publicada pelo próprio usuário, salvo se utilizadas para fins indevidos, em que cabe ao infrator, após reconhecida sua autoria, indenizar pelos danos causados nos termos da lei.
Outro fato também acerca da privacidade e inviolabilidade da vida privada diz respeito ao comportamento invasivo de empresas de publicidade que de algum modo “invadem” as informações pessoais dos usuários para ampliarem seu poder de venda, sua visibilidade e seu merchandising. É a chamada Correspondência Comercial ou Mala Direta.
“Com o avanço tecnológico, os atentos a intimidade e a vida privada, inclusive por meio de rede mundial de computadores, tornam-se muito comuns. Não raro, determinadas empresas obtém dados pessoais do usuário (profissão, renda mensal, hobbies), com o propósito de ofertar os seus produtos, vinculando a sua privacidade por meio dos indesejáveis spams, técnica, em nosso entendimento, ofensiva a intimidade e a vida privada.” (STOLZE, 2014. Pag. 234)
Trata-se, sem dúvida, de invasão à privacidade do usuário, que na maioria das vezes não autorizou/permitiu essa busca aberta sobre seus dados.
O elemento fundamental do direito à intimidade, manifestação primordial do direito à vida privada, é a exigibilidade de respeito ao isolamento de cada ser humano, que não pretende que certos aspectos de sua vida cheguem ao conhecimento de terceiros.
Mas em tempos de rede social, o chamado direito de estar só encontra-se cada vez mais relativizado, já que as relações sociais tem se utilizado cada vez mais desse instrumento tão poderoso quanto abrangente que é a internet.
Com a legislação especial em vigor que regule as relações sociais cibernéticas, a atuação do judiciário passou a ser mais incisiva, punindo de modo mais rigoroso usuários, crakers e hackers que se utilizam maliciosamente da rede mundial de computadores, praticando atos lesivos contra terceiros.
Contudo, ainda há o principal desafio, que é identificar precisamente o usuário infrator.
De qualquer modo, na ausência deste, o provedor de internet se torna civilmente responsável por reparar os danos causados.
4. CONCLUSÃO
No presente trabalho buscamos estudar a ponderação e limitação de direitos constitucionais específicos e o uso indevido de redes sociais.
O dever Direito, no Estado Democrático de Direito, é buscar a compatibilização de valores, às necessidades sociais em um processo de compressão de um determinado princípio em função da expansão doutro, galgando sua finalidade na paz social.
A internet, por intermédio de redes sociais digitais, dá expansão às relações pelo mundo e acarretam aparecimento de novos fatos jurídicos.
São então, meio que facilita a obtenção de informações consideradas pessoais de seus usuários, trazem novas abordagens aos casos concretos, e uma necessidade de serem alcançados pelo ordenamento jurídico.
A gratuidade de acesso a sites por seus utentes, levam de modo indiscriminado as mais diversas informações sobre os indivíduos pelo ciclo vicioso crescente no atual contexto da sociedade.
Atentando a esse aspecto se faz importante reforçar o entendimento de que há responsabilidade pessoal em ter ou não nossas vidas, e informações privadas, expostas em redes sociais vinculadas a internet.
Ser ainda cientes de que expor alguns direitos fundamentais tem essencialmente seu risco de violação aumentados; como o direito à privacidade, à honra, à intimidade e à imagem.
Assim sendo, quão maior for a quantidade de informações expostas, maior o risco de violação.
Por fim, a regulação das relações por meio da internet ainda é um assunto bastante complexo e recente no que tange à identificação precisa daqueles que atingem o bem de outrem por meio de invasão e publicação de sua privacidade, e, como vimos anteriormente, o Brasil já deu passos bastante efetivos pra esta regulamentação, garantindo a vigência dos princípios constitucionais e no tocante ao bem comum.
Com efeito, o ambiente virtual nada mais é do que a mera extensão do ambiente físico, cujo comportamento exige solidariedade social, respeito à dignidade e a vida privada.
REFERÊNCIAS
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Código Civil Brasileiro e Legislação Correlata. Brasilia: Senado, 2002.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. Ed. 10. São Paulo: Saraiva, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Vol I. Ed. 16. São Paulo: Saraiva, 2014.
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PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil : Introdução ao Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de serviços de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.
PEREIRA, Marcelo Cardoso. Direito à intimidade na internet. Curitiba: Juruá, 2006.
Sites:
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www.profissionaisti.com.br/2011/11/invasao-de-privacidade-em-redes-sociais. Acesso em abril 2015
www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6398/Uma-reflexao-sobre-o-direito-a-intimidadea-vida-privada-a-honra-e-a-imagem-das-pessoas-nas-redes-sociais-da-internet. Acesso em abril de 2015
www.academia.edu/4265460/Falsos_perfis_nas_redes_sociais_virtuais_direito_a_id entidade_Revista_Jus_Navigandi_Doutrina_e_Pecas. Acesso em abril de 2015
Resumen: : Este artículo tiene como objetivo presentar un análisis superficial de la analogía en la resolución de conflictos en las relaciones sociales cibernéticos, y la nueva imagen traída por una legislación específica que regule la Internet en nuestro país, bajo una perspectiva de principios de la dignidad humana, centrándose también la inviolabilidad del derecho fundamental a la intimidad, teniendo en cuenta los modelos actuales de las relaciones sociales que se derivan de las redes sociales. Pondera las posiciones jurisprudenciales de nuestros tribunales, principios constitucionales y las disposiciones del Diploma Civil sobre los conflictos generados por el daño moral del honor. Evalúa los impactos de estos cambios en la sociedad moderna y la necesidad legal especifica la resolución de conflictos entre particulares, mostrando los nuevos retos de la constitucionalización del derecho privado.
Palabras clave: Derecho al Honor. Privacidad. Internet. Redes sociales. Nueva Legislación. Vida Privada. Daño moral. Diploma Civil.