Polícia comunitária: estabelecendo um novo modelo de polícia

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4 ALTERAÇÕES QUE PODEM SER PERCEBIDAS NA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR EM DECORRÊNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO DA FILOSOFIA DA POLÍCIA COMUNITÁRIA NO BRASIL E AS POSSIBILIDADES AINDA EXISTENTES

4.1 POLICIAMENTO PREVENTIVO

Atualmente a atuação policial exclusivamente reativa vem sendo colocada em cheque, por isso cada vez mais as instituições policiais estão buscando novas formas de ação. A filosofia de polícia comunitária se destaca nesse cenário pela necessidade de atuação preventiva por parte das forças policiais, buscando não só a reprimir ações delitivas, mas evitar que elas aconteçam.

Neste sentido,

[...] o modelo preventivo de polícia baseia-se na premissa de que o policial deve atuar de modo a reduzir as situações e circunstancias que causam a prática delitiva. A filosofia de Polícia Comunitária é esta alternativa de polícia que resulta em prevenção de eventos delitivos, antes que alguém seja vitimado e precise de um agente de preservação da ordem pública para resgatar o estado de normalidade, por vezes com o risco da própria vida. (MARCINEIRO, 2009, p. 127)

A Filosofia de Polícia Comunitária vem se destacando por seus resultados positivos frente a sociedade, que já pode perceber diferenças nas ações policiais, muito mais voltadas para identificação dos problemas que podem vir a causar uma quebra da ordem pública. Percebe-se claramente que,

A Polícia Comunitária possui princípios diferentes do modelo tradicional de polícia, o modelo reativo, empregado por grande parte da polícia no Brasil. Trata-se de um modelo proativo que agirá buscando identificar problemas que posteriormente poderão acarretar na quebra da ordem pública. Não se trabalha buscando resolver as consequências do problema, e sim, agir direto na causa para evitar maiores danos. (MARCINEIRO, 2009, p. 145)

Dessa forma, fica evidente a tendência de uma atuação cada vez mais preventiva da polícia, objetivando não só a atuação pós delitiva, mas sim a anterior ao crime. O policiamento comunitário, representa a evolução no agir policial, muito mais próximo à comunidade, o que possibilita um contato direito entre o policial e o cidadão. Esta nova forma de fazer polícia, busca a construção de uma sociedade mais segura para todos.

4.2 IMPLANTAÇÃO DA FILOSFIA DE POLÍCIA COMUNITÁRIA

As instituições policiais são conhecidas por serem organizações que tradicionalmente são resistentes a mudanças. A necessidade de alteração na forma de pensar e atuar é evidente, contudo nem sempre elas são tratadas de forma positiva, e muitas vezes causam reações imediatas de aversão à inovação. Segundo Monet (2001, p. 155) “Pelo fato de ser redutora da incerteza, a reprodução do ‘eterno passado’ congela o universo policial em práticas rotineiras e bloqueia sua capacidade de se adaptar à mudança social”.

No entanto, as organizações criminosas estão cada vez mais complexas e atuando de forma cada vez mais racional e organizada, o que dificulta ainda mais a vida do Estado no exercício das suas funções relacionadas à segurança pública. Nesse contexto, intensifica-se a necessidade de se repensar a forma de atuação dos órgãos policiais, de modo que se priorize a atuação preventiva, próxima da comunidade, em detrimento do modelo clássico de atuação, em que a atividade policial é exercida de forma reativa, como resposta ao sinistro já ocorrido (LEHMKUHL; e CARLOS, 2010).

Nesse sentido surge a filosofia de polícia comunitária como uma alternativa e possível solução para os problemas relacionados à falta de proximidade e participação da comunidade nas atividades relacionadas à promoção da segurança pública.

A implementação da filosofia de polícia comunitária no âmbito das instituições policiais no país é tarefa bastante complicada, justamente porque envolve uma série de mudanças na forma de pensar e atuar dos próprios policiais que muitas vezes passaram boa parte da carreira doutrinados a desempenhar suas atividades com base no modelo clássico de atuação policial.

A filosofia de Polícia Comunitária surgiu originariamente no Canadá, Estados Unidos e outros países de língua inglesa nas décadas de 70 e 80. No Brasil, os primeiros estudos voltados para a implementação de projetos relacionados à reforma da polícia que envolviam a possível implementação do policiamento comunitário surgiram a partir do fim da década de 80, e somente a partir de 1996, por meio de um intercâmbio estabelecido com uma instituição de pesquisa da Universidade de Ottawa Canadá é que se vislumbrou um apoio governamental mais expressivo às ideias de reforma.

Em 13 de maio foi instituído pelo governo federal o Programa Nacional de Direitos Humanos, que concluiu pela necessidade da implementação de mudanças na maneira de atuar das instituições policias e recomendou aos estados da federação que desenvolvessem projetos voltados para a implementação do policiamento comunitário. Em 1997 foi criada uma comissão responsável por desenvolver estudos e avaliar o sistema republicano como um todo, algo que também resultou em recomendações relacionadas à reforma do sistema de segurança pública. Essas recomendações foram entregues ao Presidente da República e serviram como parâmetro para a elaboração de uma Política Nacional de Segurança Pública. Dentre as recomendações estava o apoio a projetos de policiamento comunitário nos estados da federação.

Com a criação principalmente da Secretaria Nacional da Segurança Pública e do Plano Nacional de Segurança Pública, a partir de 2000, foi possível identificar uma política de abrangência nacional direcionada para a promoção da segurança pública através do estímulo à participação da comunidade, o que deu origem ao Programa Nacional de Polícia Comunitária.

É possível perceber, ao longo do país todo, que uma série de programas, projetos e medidas foram implementadas com o objetivo de se instituir um modelo de atuação policial baseado na filosofia de policiamento comunitário, dentre os quais destacam-se o PROERD – Programa Educacional de Resistência às Drogas; o estímulo a criação, funcionamento e participação dos CONSEGs – Conselhos Comunitários de Segurança Pública; Protetor Ambiental Mirim.

A Polícia Militar tem exercido papel preponderante na implantação da filosofia de polícia comunitária, desenvolvendo programas sociais voltados para a prevenção de delitos, o que demonstra claramente a intenção da instituição de atuar de forma voltada para a solução do problema. Entre os principais programas desenvolvidos pela Polícia, pode-se citar o PROERD e o Programa Protetor Ambiental Mirim.

O PROERD, programa voltado para crianças do ensino fundamental exerce papel importante na formação de novo cidadãos. Com ensinamentos práticos e teóricos que ensinam as crianças a não entrarem no mundo das drogas e, consequentemente, do crime. Segundo dados a Polícia Militar, até o ano de 2015, mais de 1.000.000 (um milhão) de crianças já foram formadas por este importante instrumento de prevenção.

O Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD) é um desses instrumentos de promoção da cultura da paz. Como ele, vários outros programas são desenvolvidos pelas polícias nos diversos estados da federação, com o propósito de construir melhor convivência social. (MARCINEIRO, 2009, p. 130)

O Programa Protetor Ambiental, desenvolvido pela Polícia Militar Ambiental, também busca a prevenção de delitos, atuando na formação das futuras gerações. O público alvo do programa são os adolescentes, que passam por treinamento junto Polícia Militar Ambiental para que auxiliem nas atividades de educação ambiental. Tal programa, aproxima as futuras gerações da polícia e fomenta nesses jovens o espirito da proteção do meio ambiente, prevenindo, assim, a prática de ilícitos.

Ao discriminar ações preventivas da Polícia Militar, se faz elementar mencionar o trabalho que vem sendo feito com os CONSEGs (Conselhos Comunitários de Segurança), instituições importantes na aproximação da polícia com a comunidade. A Polícia Militar vem atuando em conjunto com estes órgãos, buscando a integração com a comunidade a fim de entender os anseios de cada localidade, para então atuar de forma preventiva. Deve-se procurar incentivar cada vez mais a participação nestes conselhos, tanto da população em geral, quanto dos policiais.

Todos estes esforços contribuem e se revelam instrumentos importantes para a implementação de uma nova mentalidade institucional voltada para a atuação policial mais próxima da comunidade, com ênfase na atividade preventiva e ao mesmo tempo proativa.

Entretanto, merece destaque a postura da Secretaria Nacional de Segurança Pública ao instituir a “Matriz Curricular Nacional para Formação em Segurança Pública”, documento que estabelece diretrizes básicas dedicadas a orientar o planejamento e execução dos cursos de formação de profissionais dos quadros de pessoal dos órgãos que compõem o sistema de segurança pública no país.

O documento prevê que os cursos devem ser organizados de modo a viabilizar a formação dos profissionais nas áreas dos direitos humanos e da polícia comunitária, como forma de promover a alteração de conceitos intrincados na cultura organizacional de instituições policiais, principalmente militares, inerentes ao modelo de policiamento repressivo. Além disso a inclusão de disciplinas voltadas para a formação dos profissionais nessas áreas objetiva desenvolver as habilidades necessárias para uma atuação policial proativa e mais próxima da comunidade, de acordo com o modelo proposto pela filosofia de polícia comunitária. 

A Matriz Curricular Nacional para Formação em Segurança Pública prevê como uma das disciplinas que devem integrar os cursos de formação profissional dos órgãos da segurança pública a matéria “Direitos Humanos”. Segundo o documento, ainda, uma das competências cognitivas que o policial deve ter, e que, portanto, o curso de buscar desenvolver tanto quanto possível é “Atuar de acordo com a filosofia do policiamento comunitário” (SENASP, 2014, p.22).

As agendas sobre formação e capacitação do profissional da segurança pública orientam para a necessidade de que os currículos dos cursos de formação desses profissionais tratem, dentre outros, dos seguintes aspectos (SENASP, 2014, p.15):

  • Atuação a partir de metodologias que orientem o enfoque comunitário, a colaboração e integração das ações de justiça e segurança; e
  • Desenvolvimento de competências e habilidades que favoreçam um perfil profissional que seja capaz de: comunicar-se de forma efetiva; relacionar-se com a comunidade; mediar conflitos; atuar proativamente pautado nos princípios dos Direitos.

Outra disciplina proposta na Matriz Curricular é a de Sistemas, Instituições e Gestão Integrada em Segurança Pública, em que um dos temas cuja matriz sugere o desenvolvimento é “A filosofia e os modelos de policiamento comunitário.”

Todas essas orientações contidas na Matriz Curricular Nacional para Formação em Segurança Pública demonstram a postura dos órgãos públicos competentes em relação ao estabelecimento de políticas públicas voltadas para a efetiva implementação de mudanças no modelo de atuação policial, através do desenvolvimento das habilidades conceituais e operacionais necessárias para uma atuação preventiva e ao mesmo tempo proativa.

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4.3OS PRÓXIMOS PASSOS PARA A FILOSOFIA DE POLÍCIA COMUNITÁRIA

Percebe-se através de todas as medidas que têm sido implantadas pelo país, principalmente no que diz respeito a políticas públicas de segurança voltadas para a adoção da filosofia de polícia comunitária, que aos poucos tem se desenvolvido a consciência da necessidade de adoção de um modelo de policiamento preventivo e proativo.

Entretanto muito pode ser feito ainda, principalmente se compararmos o atual sistema de atuação policial adotado no país e os modelos adotados em outros países, referenciais no que diz respeito ao desenvolvimento da filosofia de polícia comunitária.

Um dos maiores desafios nesse aspecto é o de se chegar no nível de participação social atingido pelo “governo informal” instituído nos bairros japoneses, em que as pessoas criaram o habito de contribuir com a segurança pública (a não contribuição submete à pressão social), ao invés de ato normativos que estabeleçam deveres formais de colaborar. (SKOLNICK, 2002)

Autores como Marcineiro (2009) apontam como os principais desafios a serem enfrentados rumo à evolução da atuação policial comunitária a falta de planejamento e a necessidade de mudanças de crenças e paradigmas tanto individuais como corporativos, conforme se observa por meio dos trechos da sua obra abaixo transcritos.

Um dos grandes problemas para a evolução da filosofia da Polícia Comunitária é a falta de planejamento das ações que levarão a esta evolução dentro de cada comunidade e corporação [...] (MARCINEIRO, 2009, p. 151)

(...)

A evolução para a filosofia da Polícia comunitária depende da mudança cultural e, portanto, depende da aceitação das pessoas. Não é possível uma nova prática se não houver a mudança de crenças e valores paradigmáticos dos indivíduos das organizações o que, no somatório das partes, formam a cultura institucional. Aplica-se o ditado que diz que a mudança é uma porta que só se abre por dentro. (MARCINEIRO, 2009, p. 212)

Ao passo em que a filosofia de Polícia Comunitária estabelece diretrizes acerca do trabalho policial, de modo harmônico em relação aos princípios democráticos e de cidadania, demonstra-se cada vez mais clara a necessidade de adoção de uma metodologia voltada para a identificação, análise e definição de estratégias para a solução dos problemas que a comunidade enfrenta, com o principal objetivo de construir uma sociedade segura e harmônica com o respeito aos valores eleitos pela comunidade como bens jurídicos importantes (MARCINEIRO, 2009).

 

Segundo, ainda, Marcineiro e Pacheco (2005, p.94), qualquer trabalho que envolva identificação das causas de eventos delitivos requer profundo conhecimento da comunidade em que eles ocorrem. Nesse sentido, “a participação comunitária contribuirá decisivamente para a resolução de problemas, firmando laços de confiança e facilitando troas de informações em outras áreas de interesse social, além da segurança pública.” (MARCINEIRO; PACHECO 2005, p.94).

Por fim, além de acreditarmos que as instituições policiais são capazes de efetivamente promover melhoria na qualidade de vida das pessoas, o sucesso ou fracasso do policiamento comunitário depende da efetiva crença na bondade das pessoas, e no fato de que os problemas sociais devem ser constantemente prevenidos, a partir de uma atuação proativa de todos os interessados e possíveis beneficiários de uma comunidade segura. Afinal, segundo Trojanowicz (1994, p. 312-313) se “reconhecermos que estamos todos juntos neste ‘barco’, o policiamento comunitário fornecerá uma nova maneira para ajudar a nos congregarmos”.

 

Sobre os autores
Robson Joubert

Cadete da Polícia Militar de Santa Catarina, Bacharel em Direito, e Bacharelando em Ciências Policiais – [email protected];

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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