3. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010
3.1. Separação antes da emenda constitucional n° 66/2010
A separação judicial era causa de dissolução da sociedade conjugal sem romper o vínculo matrimonial. Desta forma, nenhum dos consortes podia convolar novas núpcias. Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 143) afirma que a separação representa a abertura do caminho para a dissolução do vínculo matrimonial.
A separação judicial foi introduzida junto com o divórcio pela Lei 6.515/77, sendo apenas uma mudança de nomenclatura do que já se tinha por desquite.
Maria Helena Diniz (2014, p. 308) lembra que a separação judicial era uma medida preparatória da ação de divórcio, salvo quando havia separação de fato dentro do prazo previsto na Constituição. Ou nos dizeres de Orlando Gomes (1978, p. 295), um prelúdio do divórcio.
A separação judicial podia se dá de duas formas: a) consensual ou por mutuo consentimento dos cônjuges casados há mais de um ano, sem necessidade de apontar qualquer motivação; b) litigiosa ou não-consensual, efetivada por iniciativa da vontade unilateral de qualquer dos consortes, ante as causas previstas em lei.
A separação judicial dependia de sentença homologatória do juiz caso consensual e sentença decisória se litigiosa.
A legitimidade para propositura de ação de separação é personalíssima, só cabendo aos cônjuges movê-la, afinal ninguém mais do que eles têm capacidade de compreender o ato da separação. Todavia, em caso de incapacidade existe a possibilidade de a ação ser intentada por curador, ascendente ou irmão, que representasse legalmente o cônjuge.
A lei do divórcio, estatui que o órgão judicante deve promover todos os meios que estiverem ao seu alcance, para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo-as pessoal e separadamente, procurando aconselhá-las e remover suas objeções e, a seguir, poderá, se entender necessário, reuni-las em sua presença.
A sentença que homologava ou decretava a separação punha termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime de bens, mas enquanto perdurasse o processo de separação judicial, o cônjuge era obrigado a prestar alimentos ao outro, salvo em certas situações, porque subsiste o dever de sustento, um dos efeitos do matrimônio.
Venosa (2013, p. 158) afirma que a proposta de separação serve para “atribuir uma solução aos casais em dificuldade no matrimônio, hipótese em que o casamento pode ser retomado a qualquer tempo. Ademais, essa separação é útil para aqueles cujos escrúpulos não admitem o divórcio de plano”.
Desta feita, uma vez decretada a separação, além de pôr fim a alguns deveres matrimoniais, esta finda o regime matrimonial e permite a reconciliação simples ou a conversibilidade em divórcio.
Fachin (2003, p. 201) diz que “a separação é o meio do caminho entre a volta e o desligamento. A volta é a reconciliação, sem a necessidade de celebrar um novo casamento [...], como o vínculo não é atingido mas apenas a sociedade”.
3.1.1. Separação consensual
A separação consensual se dava por mutua intenção de romper o casamento. Nela não havia necessidade de apontar qualquer motivação, mas o casal só podia separar-se após o decurso de um ano do casamento. Para alcançarem o resultado, bastava que manifestassem o desejo de se separar.
Essa previsão de tempo mínimo estabelecida para os cônjuges separarem-se, a priori, parece uma forma de tentar preservar o casamento, vez que as dificuldades enfrentadas nos primeiros meses poderia ser superada nesse interstício.
Quanto ao período mínimo de um ano para os cônjuges requererem a separação por mútuo consentimento, Sílvio Rodrigues (2004) expõe:
“Tal medida visa evitar precipitações. É sabido que os primeiros tempos da vida de casado são os mais difíceis, por envolver uma penosa acomodação de um cônjuge ao outro. Por isso, para evitar que os desajustes superáveis sejam a causa de uma dissolução, decerto afastável com alguma transigência, o legislador impede a formulação do pedido de separação judicial consensual antes do transcurso desse prazo de um ano. Assim, tenta evitar pedidos levianos”.
Maria Berenice Dias (2009, p. 282) diz que alguns cônjuges, para abreviar o decreto de separação antes do prazo, acabavam protagonizando verdadeira farsa: simulavam uma separação litigiosa. Um, dizendo-se inocente, intentava ação de separação, imputando ao outro a responsabilidade pela ruptura do vínculo matrimonial. Ao pedido não se opunha o réu, que se quedava revel ou confessava a culpa, o que tornava indispensável a produção de provas. E não é difícil trazer as testemunhas necessárias para corroborar o afirmado na inicial.
No mesmo sentido Tepedino (2008, p. 448):
Não havendo outra forma de desquite unilateral senão a litigiosa, avultavam, no passado, os pedidos de anulação de casamento ou de imputação de culpa como causa do desquite, em particular na hipótese de adultério, não raro forjado em circunstâncias ensejadoras de enorme constrangimento para os cônjuges e para os filhos.
Orlando Gomes (1978, p. 243) apud Maria Helena Diniz (2014, p. 309), entende que se deve considerar igualmente consensual a separação requerida por um dos cônjuges e aceita pelo outro. Trata-se da separação consensual6 que se opera no curso de uma separação litigiosa.
Sílvio Rodrigues (2004, p. 212) assevera que “não raro um dos cônjuges, ao ver o propósito de seu consorte de intentar a separação judicial, concorda com a dissolução por mútuo consentimento, para fugir à desagradável publicidade peculiar àquela demanda”.
Maria Berenice Dias (2009, p. 286) alega que “reserva-se o uso da expressão ‘separação judicial’ à ação de separação contenciosa. Quando se fala em ‘separação judicial’, se está fazendo referência à ação proposta por um cônjuge contra o outro. Vindo o réu anuir ao pedido, ocorre a ‘conversão da separação litigiosa em consensual’, que não subtrai a demanda do âmbito judicial.
Para alcançar a separação consensual, os cônjuges deviam requerê-la em petição assinada por ambos, por seus advogados ou por advogado escolhido de comum acordo, comunicando a deliberação de por termo a sociedade conjugal, sem a necessidade de expor seus motivos, convencionando as cláusulas e condições em que o faziam.
A petição devia ser instruída dos documentos indicados no artigo 1.121 do Código de Processo Civil: I - certidão de casamento (art. 1.574. do Código Civil) 7; II - o contrato antenupcial se houver; III - a descrição dos bens do casal e a respectiva partilha; IV - o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas; V - o valor da contribuição para criar e educar os filhos; VI - a pensão alimentícia do marido à mulher, se esta não possuir bens suficientes para se manter.
A partilha dos bens8 não é essencial para a homologação da separação, mas a descrição dos bens sim, que deve figurar na petição inicial. Washington de Barros e Regina Beatriz (2012, p. 379) advertem que a partilha pode se dá de modo desigual, pois os cônjuges são maiores e capazes, portanto, aptos a transigir.
A partilha dos bens pode ser feita em momento posterior, em juízo sucessivo, amigável ou contencioso.
O magistrado, verificando que a petição preenche todos os requisitos legais, ouvia as partes, separadamente9, esclarecendo-os, verificando que estavam plenamente convencidas de seus atos e das condições avençadas, sem hesitações, mandava reduzir a termo suas declarações e depois de ouvir o representante do Ministério Público10, no prazo de 5 dias, homologava o acordo para que produzisse efeitos jurídicos.
Quando da ouvida dos cônjuges, a lei impõe que o juiz deve promover por todos meios que as partes reconciliem ou transijam. “Difícil, porém, que o casal se reconcilie nessa fase, quando já ingressou com o pedido judicial, afinal, quando chegam às portas do judiciário, já pensaram e repensaram no ato.”
Caso o juiz não se convença do propósito das partes, marcará dia para ratificarem o pedido e se nenhum deles aparecer, arquivará o processo, mas se aparecerem o termo será lavrado.
O magistrado pode recusar a homologação e não decretar a separação se apurar que a convenção não preserva os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges, mas não tem o poder de alterar as condições estipuladas pelas partes se com elas não concordar.
Havia possibilidade de os cônjuges se retratarem, mas somente antes da sentença. Após a chancela judicial não cabe apelação, exceto em caso de erro procedimental ou vício de vontade.
Transitada em julgado, a decisão homologatória deveria ser averbada no Registro Civil competente, havendo imóveis, na circunscrição onde se acharem registrados.
A separação consensual só terá eficácia jurídica com a homologação judicial, que não é mero ato de chancela de um acordo, mas de fiscalização e controle da convenção firmada pelos cônjuges, visto que a separação do casal envolve também interesses da prole.
Depois do decreto de separação, nada obsta a alteração de algumas cláusulas do acordo, como alimentos e guarda dos filhos, no entanto não há que se cogitar alterações quanto a separação ou partilha de bens.
A sentença que decretava a separação, por possuir eficácia desconstitutiva, produzia efeitos a partir de seu trânsito em julgado, mas caso tenha havido separação de corpos os efeitos retroagem a sua concessão.
A Lei 11.441/07 trouxe a possibilidade de separação sem a apreciação do Poder Judiciário, sendo realizada em cartório. Para tanto, é necessário que os interesses dos cônjuges não conflitem e não haja interesse de incapaz11 em discussão. Para a feitura da separação extrajudicial é imprescindível a participação de advogado ou defensor.
Há quem defenda que quando atendidas as exigências para formular o pedido de separação em Cartório, esta deve ser feita obrigatoriamente ali sob fundamento de que os princípios da necessidade e adequação assim preconizam. Nesse sentido, Evangelista, Madeira e Guerra (2010, p. 176):
O poder judiciário não é local para discussão de questões possíveis de solução na esfera administrativa, logo, quando estivermos diante de um caso em que as partes são absolutamente capazes, não há interesse de incapaz envolvido e a separação é consensual, é obrigatória a via administrativa.
No entanto, há também quem entenda que a via extrajudicial é opcional, como Luz (2009, p. 57) que para tanto se vale da expressão poderão ser realizados por escritura pública que consta do art. 1.124-A do CPC. Nesse sentido a Resolução n. 35/2007 do CNJ.
Art. 2° - É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.
Ressalte-se que o tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de separação em caso de fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito.
Mas Rodrigo da Cunha Pereira (2013) defende que tal norma ofende os princípios da autonomia privada.
Se as partes são maiores e capazes, são responsáveis e devem ser responsabilizadas pelas suas escolhas e as consequências delas decorrentes. É até possível que um cônjuge, principalmente quando o amor acaba, queira enganar o outro. Mas até que ponto o Estado pode ou deve intervir nesta relação? Esta intervenção, a que atribuo excessiva, acaba funcionando e imprimindo uma desresponsabilização aos sujeitos, na medida em que o Estado (cartório) fique tutelando sua vida e suas escolhas (PEREIRA, R., 2013, p. 61).
3.1.2. Separação litigiosa
A separação litigiosa implicava conflito de interesses e ocorria a pedido de um dos cônjuges, independentemente do tempo de casamento, desde que presentes as hipóteses legais que tornam insuportável a vida em comum. Eram três as espécies de separação contenciosa: a) como sanção; b) como falência e; c) como remédio.
Maria Berenice Dias (2009) adverte que o cônjuge inocente era quem podia propor a ação de separação litigiosa, não tendo o culpado legitimidade para tanto.
3.1.2.1. Separação litigiosa como sanção
Maria Berenice Dias (2009, p. 289) afirma que o termo separação-sanção se deve em razão do caráter marcadamente punitivo e vingativo do processo.
A separação sanção se dava quando um dos cônjuges imputava ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres matrimoniais e torne insuportável a vida em comum.
Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.
A grave violação dos deveres do casamento autorizava o cônjuge que não concorreu para sua prática a requerer a separação, por se tornar insuportável a vida em comum.
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal;
III - mútua assistência;
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
V - respeito e consideração mútuos.
A sentença implicava a condenação do réu como cônjuge culpado.
Como a separação como sanção era a única hipótese em que se discutia a culpa, era também a única que admitia reconvenção (GONÇALVES, 2012, p. 171).
O artigo 1.573 traz um rol que pode caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência: I) adultério; II) tentativa de morte; III) sevícia ou injúria grave; IV) abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V) condenação por crime infamante; VI) conduta desonrosa.
O rol é meramente exemplificativo, pois o parágrafo único do referido dispositivo, trazendo uma cláusula geral, proclama que o juiz poderia considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.
Não bastava a prova de ato que importe grave violação dos deveres do casamento.
Era necessário que se demonstrasse que a sua prática tornou insuportável a vida em comum.
O adultério é infração ao dever recíproco de fidelidade, “desde que haja voluntariedade de ação e consumação da cópula carnal propriamente dita” (DINIZ, 2014, p. 323).
Gonçalves (2012, p. 173) assevera que “constitui este a mais grave das faltas, não só por representar ofensa moral ao consorte, mas também por infringir o regime monogâmico e colocar em risco a legitimidade dos filhos”.
O dever de fidelidade se aplica a ambos os cônjuges e não sofre modificação durante a separação de fato, pois essa não rompe o casamento e, portanto, não desobriga os cônjuges do dever de fidelidade, ou seja, não os libera para convolar novas núpcias. Mas Luz (2009, p. 75) lembra que o dever de fidelidade pressupõe vida em comum, o que não existe quando há separação de fato.
Se um dos cônjuges infringe os deveres matrimoniais, nem por isso o outro passa a ter o direito de, impunemente, praticar o adultério, se o fizer, estará também dando causa a separação culposa.
A infração ao dever de mútua assistência pode caracterizar a sevícia e a injúria grave. A injúria grave também constitui infração ao dever de respeito a integridade física do outro cônjuge, com negação do dever de mútua assistência.
No elenco dos precedentes jurisprudenciais, figuram as mais variadas situações, em que o fato que se argúi como injúria grave é apreciado de conformidade com o nível educacional, cultural e social dos cônjuges, em confronto com as circunstâncias que o rodeiam. A publicidade não é imprescindível, pois inaceitável se tornaria que o cônjuge fosse obrigado a suportar a vida em comum apenas porque o outro escolhesse o recesso do lar ou da alcova, para as ofensas morais de que abusasse (BITTENCOURT, 2002, p. 94).
O abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo viola o dever de vida em comum no domicílio do casal. Maria Helena Diniz (2014, p. 324) assevera que no abandono nem sempre há mudança de domicílio por parte do consorte desertor. Deveras, pode haver abandono com a permanência do cônjuge no lar, mas de modo irregular com ausências maiores ou menores, com a recusa a coabitar, com o inadimplemento do debitum conjugale, com o fato de deixar o outro cônjuge e os filhos desamparados material e moralmente; com situações vexatórias que traduzem indiferença ou desprezo.
É importante, ainda, que o abandono seja voluntário e injustificável.
Vale destacar que duplicidade de domicílio não necessariamente conduz ao abandono, pois como assevera Cahali (2011, p. 29) “embora permaneçam os cônjuges sob tetos diferentes conserva-se íntegro o dever de coabitação no sentido de prestação de debitum conjugale, não se liberando o cônjuge do dever de fidelidade”.
A conduta desonrosa importa em violação do dever de respeito ao cônjuge. Washington de Barros e Regina Beatriz (2012, p. 356) sustentam que inúmeras são as formas pelas quais o indivíduo se afasta das leis da honra:
pela corrupção ou torpeza, pela vida desregrada ou criminosa, pelo vício da embriaguez ou pelo uso de entorpecentes, pelos atentados à moral e aos bons costumes, pela ociosidade, de mil maneiras, enfim, pode traduzir-se a conduta desonrosa, que autoriza o outro cônjuge a reclamar a separação judicial.
Evangelista, Madeira e Guerra (2010, p. 180) asseveram que “a insuportabilidade da vida em comum é descaracterizada em função de perdão (tácito ou expresso), o que ocorre, por exemplo, quando a cônjuge coabita (mantém relação sexual) após a ciência do adultério”.
Em virtude da culpa averiguada, a partir do descumprimento dos deveres conjugais e de atos que tornem insuportável a comunhão de vida, o cônjuge declarado culpado somente teria direito aos alimentos naturais (os necessários a sobrevivência).
Outro aspecto decorrente da análise da culpa era a possibilidade de perda do sobrenome pela mulher após a separação.
Não bastassem tais efeitos, o cônjuge culpado ainda perderia a guarda dos filhos conforme dispunha o artigo 10 da Lei do Divórcio:
Artigo 10 – Na separação judicial fundada no “caput” do art. 5º (separação fundada na culpa), os filhos menores ficarão com o cônjuge que a e não houver dado causa.
3.1.2.2. Separação litigiosa como falência
Efetivava-se quando qualquer dos cônjuges provocava a ruptura da vida em comum há mais de um ano e impossibilitava sua reconstituição, sendo, ainda, irrelevantes as causas. Era tão somente legalização de uma separação de fato. “Não importa sequer saber quem tomou a iniciativa da ruptura da união conjugal” (GONÇALVES, 2012, p. 183).
Venosa (2013, p. 198) declara que “essa ruptura caracteriza-se pelo distanciamento físico dos cônjuges, cada um fixando residência em local diverso. Pode ocorrer, porém, que permaneçam sob o mesmo teto, mas em situação de ruptura, quer por motivos econômicos, quer para não agravar a situação familiar dos filhos”.
Sílvio Rodrigues (2004, p. 229) precisa que a separação falência se dava por circunstâncias e não por culpa. “Assim, a responsabilidade pela ruptura da vida em comum, ou seja, as razões que levaram à separação de fato, é totalmente irrelevante”.
3.1.2.3. Separação litigiosa como remédio
Ocorria quando o cônjuge, ante o fato de o outro estar acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que tornasse impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável, pedia a separação.
Evangelista, Madeira e Guerra (2010, p. 184) asseveram que “neste tipo de separação o cônjuge busca a sua felicidade individual a partir do momento em que considera um martírio o convívio com o consorte”.
Nos dizeres de Jander Brum (1997, p. 57) “forçar o cônjuge hígido na mantença do casamento, impedindo-o de se separar, certamente contribuirá para o desequilíbrio do ser humano ou uniões extramatrimoniais que são piores que a solução legal proposta pelo legislador”.
Washignton de Barros e Regina Beatriz (2012) professam que esse dispositivo é descaridoso, indicando egoísmo e hedonismo, esquecendo-se a lei que o casamento é para os bons e maus momentos. Mas é situação difícil, pois de um lado está a possibilidade de o cônjuge doente ficar a mercê e de outro a possibilidade de o cônjuge sadio ficar insatisfeito e infeliz, aprisionado no casamento.
A gravidade da doença mental era aferida pelo juiz, com base no parecer do perito nomeado e em consideração as condições pessoais do paciente, uma vez que lhe cabe decidir, in concreto, se ela pode ser assim considerada.
A enfermidade devia ser posterior ao casamento e realmente incurável.
Na busca de desestimular a separação remédio, a legislação estabelece que o cônjuge que tomar a iniciativa da separação por doença mental do outro cônjuge sofrerá uma sanção: o seu consorte tornar-se-á proprietário exclusivo dos bens que trouxe para o casamento e da meação dos adquiridos posteriormente, vez que “o regime de bens é modificado em seu favor [do cônjuge doente]” (TAVARES DA SILVA; MONTEIRO, 2012, p. 356).
Venosa (2013, p. 199) afirma que tal norma tem pouco alcance, pois dificilmente o cônjuge que pode pleitear o divórcio direto caso esteja separado de fato há mais de dois anos buscará a separação em razão de o outro cônjuge ter sido acometido por grave doença mental.
Nesse sentido, também preleciona Maria Berenice Dias (2009, p. 288):
O prazo para o pedido da separação coincide com o lapso temporal para a concessão do divórcio. Assim, estando os cônjuges separados de fato há dois anos, e sendo desnecessária a indicação de qualquer motivo para buscar a dissolução do vínculo conjugal, nenhuma razão haveria para propor a separação sob a alegação – que
necessita ser comprovada – de enfermidade de cura improvável, quando, em igual prazo, pode ser requerido diretamente o divórcio.
3.2. Divórcio antes da emenda constitucional n° 66/2010
O divórcio dissolve o casamento, o que a separação não é capaz de fazer. Assim, uma vez divorciado, o indivíduo pode convolar novas núpcias ao passo que o separado não. Caso o queira, era necessário que o separado buscasse a conversão da separação em divórcio.
Maria Berenice Dias (2009, p. 294) diz que “com o divórcio há a alteração do estado civil dos cônjuges, que de casados passam a ser divorciados. A morte de um dos ex-cônjuges não altera o estado civil do sobrevivente, que continua sendo o de divorciado, não passando à condição de viúvo”.
Havia basicamente 3 modalidades de divórcio: a) extrajudicial consensual; b) judicial indireto ou por conversão; e c) judicial direto
3.2.1. Divórcio extrajudicial consensual
Realizado por escritura pública desde que comprovado um ano de separação judicial (divórcio conversão extrajudicial) ou dois anos de separação de fato (divórcio direto extrajudicial).
A Lei 11.441/2007 permite tanto o divórcio direto quanto sua conversão na forma extrajudicial.
Para lavratura da escritura pública se faz necessário: a) certidão de casamento; b) documento de identidade oficial e CPF; c) pacto antenupcial, se houver; d) certidão de nascimento ou outro documento de identidade dos filhos absolutamente capazes, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver.
É necessário ainda que o casal não tenha filhos menores ou incapazes, sendo apresentada declaração para tanto, além da assistência dos cônjuges por advogado comum ou por advogados de cada um deles. Caso não tenham condições econômicas de contratar advogado, o tabelião deverá recomendar a Defensoria Pública.
Os atos notariais são gratuitos aos que se declararem pobres, mesmo que assistidos por advogado constituído.
Na escritura deve constar declaração das partes, afirmando que estão cientes das consequências do divórcio e clara recusa à reconciliação; disposições relativas à descrição e à partilha de bens comuns12.
O tabelião pode negar-se a lavrar a escritura caso se depare com indícios de prejuízos às partes ou dúvida quanto a declaração de vontades. Tal negativa deve ser fundamentada e fornecida por escrito.
Os cônjuges não precisam comparecer ao cartório para lavrar a escritura de divórcio, podendo fazer-se representar por procurador, desde que habilitado por escritura pública com poderes especiais. Será dispensado o instrumento de procuração no caso de o advogado comparecer juntamente com as partes ao ato de assinatura da escritura.
Concluída a escritura de divórcio, esta constitui título executivo extrajudicial, portanto independe de homologação e assume a qualidade de título hábil para o registro de imóveis e o registro civil, para transferência de bens e direitos, para levantamento ou transferências de numerários etc.
Cabe ao tabelião encaminhar a escritura ao Oficial de Registro Civil para a averbação necessária.
Esse procedimento extrajudicial é facultativo, razão pela qual não pode o juiz recusar-se a homologar o pedido feito em sede judicial. Mas é importante esclarecer que a possibilidade de realizar o divórcio por meio administrativo se fez justamente para desafogar o judiciário e o procedimento não requer homologação judicial nem participação do Ministério Público, pois os interesses em discussão são privados e disponíveis, o que não obsta as partes a buscarem a justiça no caso de conflito de interesses.
Evangelista, Madeira e Guerra (2010, p. 194) defendem que o procedimento extrajudicial é obrigatório quando preenchidos os requisitos, “vez que o poder judiciário somente deve processar e julgar demandas em que estejam presentes os princípios da necessidade e da adequação”.
3.2.2. Divórcio judicial indireto
A lei do divórcio determinava que a separação judicial poderia ser convertida em divórcio desde que decorridos três anos da decisão que decretou ou da que concedeu a medida cautelar correspondente.
A Constituição de 1988 trouxe redução desse prazo para um ano e finalmente o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.580 também se adequou.
Essa conversão podia ocorrer tanto consensualmente, mediante acordo entre as partes, homologado judicialmente, como pela modalidade litigiosa, com citação do outro cônjuge e sentença.
No pedido de conversão, firmado pelas partes e por advogado, deviam juntar cópia da sentença definitiva da separação judicial e comprovar o decurso de prazo superior a um ano, contado da decisão de separação ou da que concedeu a medida cautelar correspondente. Ainda que o prazo possa ser contado da separação de corpos, há necessidade de sentença de separação, que é essencial, pois o que se converte é a separação judicial e não a separação de corpos (VENOSA, 2013, p. 212).
A ação de conversão é imprescritível, sem prazo para ser intentada, portanto. Na verdade, a faculdade para requerer a dissolução do vínculo matrimonial, seja por separação, seja por divórcio, insere-se no rol dos direitos facultativos ou potestativos, cuja possibilidade de promover a ação persiste enquanto for mantida determinada situação jurídica.
Dessa forma, os cônjuges podem manter-se separados judicialmente por tempo indeterminado, podendo a qualquer tempo requerer a conversão. Venosa (2013, p. 212) lembra bem que o “divórcio não ocorre pelo simples decurso do tempo: há necessidade de sentença que o decrete”.
A ação de conversão era processo autônomo em relação à separação judicial, exigindo distribuição e correndo em autos apartados. A lei do divórcio falava em apensamento aos autos de separação, mas não prevenção, portanto, a conversão podia ser proposta em juízo diverso, caso em que o pedido era instruído com a certidão da sentença ou sua averbação no assento de casamento.
No pedido consensual, os cônjuges firmavam petição em comum, juntamente com o advogado, tal como na separação judicial e deviam mencionar se mantidas as cláusulas previstas nesta.
Maria Helena Diniz (2014, p. 373) apontava como única distinção entre o divórcio consensual indireto e o divórcio litigioso indireto o consenso ou dissenso dos cônjuges.
Venosa (2013, p. 213) afirma que no pedido de conversão litigioso, a contestação, quanto ao mérito, devia se restringir ao aspecto do lapso temporal necessário. Assim, o juiz não pode entrar no mérito do pedido, nem mesmo negá-lo, de maneira que a conversão tem caráter obrigatório (DINIZ, 2014, p. 374).
3.2.3. Divórcio judicial direto
A ação de divórcio pode ser consensual ou litigiosa e tem como único fundamento a cessação da vida em comum por mais de dois anos. É chamada de divórcio direto, para distinguir-se da ação de conversão da separação em divórcio. A culpa não integra a demanda, não cabe ser alegada, discutida ou muito menos reconhecida na sentença.
Na espécie contenciosa, a única defesa possível era a alegação de falta do decurso do prazo de dois anos da separação de fato (DIAS, 2009, p. 294). Uma vez este prazo suprido no curso da demanda, era possível sua decretação. As pessoas se separavam de fato, o que revela a falência da sociedade conjugal e o reconhecimento jurídico serve apenas para o atestar essa ruptura (FACHIN, 2003, p. 207).
No Brasil, a separação de fato por mais de dois anos constituiu-se em pré-requisito do divórcio direto consensual, e se ambos os consortes anuíssem na dissolução do liame matrimonial, e do divórcio direto litigioso, se um deles não concordasse a respeito de uma das causas arroladas no artigo 5° e §§ 1° e 2 ° da Lei 6.515/77 (DINIZ, 2014, p. 377), mas com a revogação de tal dispositivo, não se exigia mais a especificação da causa da separação de fato. Na demanda contenciosa, como se trata de ação de estado, o réu deve ser citado pessoalmente. Encontrando-se em lugar incerto e não sabido, a citação pode ocorrer por edital. Ainda que o autor afirme não saber do paradeiro do réu, o juiz deve diligenciar sua localização antes de determinar sua citação editalícia. Citado por edital, às claras que a audiência conciliatória resta prejudicada, mas descabe a aplicação dos efeitos da revelia. Mister a prova do fim da convivência pelo prazo legal.
Apesar de a lei fazer referência somente ao divórcio consensual, também na ação proposta por um dos cônjuges mister a realização de audiência, principalmente se existirem filhos menores ou se for declarada a existência de bens comuns. Na ausência de interesse dos filhos, pode ser dispensada a solenidade, principalmente quando um dos cônjuges se encontre em lugar de deslocamento difícil, more em estado distante ou em outro país.
Não havendo prova documental do rompimento do vínculo é necessária a ouvida de testemunhas. No entanto, vem sendo admitida declaração escrita das testemunhas e dispensada sua ouvida em audiência.
Não é necessário, mas é de todo recomendável que na ação fiquem solvidas as questões patrimoniais. Assim, conveniente que com a inicial venha a descrição dos bens e a pretensão de partilha para ser homologada com a sentença. De qualquer sorte, havendo consenso quanto ao divórcio, cabe ser decretado, prosseguindo a ação quanto aos alimentos, partilha de bens etc.
3.2.4. Efeitos do divórcio
A sentença que decreta ou homologa o divórcio possui eficácia ex nunc, não atingindo ou suprimindo os efeitos produzidos pelo casamento antes de seu pronunciamento.
O principal efeito advindo com o divórcio é dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, com seus corolários, principalmente a separação de corpos e a extinção dos demais deveres conjugais, possibilitando a convolação de novas núpcias.
Há também, com o divórcio, a queda do regime de bens, provocando sua partilha13, a cessação dos efeitos civis de casamento religioso, de impedimento resultante de casamento; perda do direito a sucessão; impossibilidade de reconciliação simples.
Ainda que seja litigioso o divórcio, os cônjuges poderão de comum acordo elaborar proposta submetida à homologação do juiz, que não precisa observar rigorosa igualdade ou as regras do regime de bens adotado, em virtude da prevalência da autonomia da vontade. Se não houver acordo, os pedidos individuais de partilha serão decididos pelo juiz que considerará, em princípio, as regras aplicáveis ao regime de bens do casal (LOBO, 2011, p.160).