5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Emenda Constitucional n° 66/2010 foi, sem dúvida, um grande passo dado dentro do Direito de Família. Referida emenda, com certeza, foi responsável por uma mudança há muito aclamada e que representa a nova perspectiva com que o Direito Civil tem se apresentado, isto é, direcionado a garantir os valores constitucionalmente previstos.
A instituição do divórcio no Brasil foi conquistada vagarosamente e sempre atendendo aos anseios antidivorcistas, tanto que sempre esteve atrelado a prazos longínquos e institutos prévios, como a separação. Tudo isso para desestimular a procura pelo divórcio e garantir que casamentos, mesmo falidos, se mantivessem.
Vê-se que a interferência do Estado ao ser o responsável por “permitir” que os indivíduos se divorciem é fruto de um discurso de cunho religioso demasiadamente entranhado no seio social, revelando-se mais num atraso na vida dos que decidiram pôr fim ao casamento o que muitas vezes resulta no despertar de litígios que poderiam ser evitados se devidamente encaminhados sem adentrar na esfera judicial propriamente dita.
A Emenda Constitucional veio atender aos desejos e necessidades dos que desejam pôr termo ao casamento, agora sem qualquer disfarce, visando pura e simplesmente satisfazer a realidade onde o amor acaba e as pessoas buscam desfazer as relações fracassadas para, quem sabe, encontrar um novo vínculo onde possam realizar-se afetivamente.
Com a referida emenda, o §6° do artigo 226 da Constituição Federal passou a dispor que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, portanto, relegando qualquer prazo ou motivo para o divórcio.
Embora antidivorcistas pregassem que a facilitação ao divórcio o instigaria, estatísticas revelam que não foi o que aconteceu. Não é o fato de existir o divórcio que fará as pessoas o buscarem.
Por isso, também não é razoável estabelecer prazos para que as pessoas possam intentá- lo. Pelo contrário, uma vez atestado que os conflitos que conduzem ao divórcio são irremediáveis não há porque manter os indivíduos presos em um relacionamento fracassado.
Em que pese doutrinadores defendam a permanência do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico brasileiro, não há como se aceitar tal posição, pois seria aceitar que os cônjuges se submetam à duplicidade de procedimentos, requerendo por duas vezes a ruptura oficial do mesmo casamento.
A alegada reconciliação para justificar a permanência da separação também não tem vez porque ao buscarem a dissolução do vínculo, os cônjuges já refletiram bastante para intentá-lo, fora que são bastante reduzidas as recomposições desses pares quando rompem o vínculo conjugal.
A separação judicial, que funcionava como uma medida preparatória do divórcio, perdeu razão de existir. As pessoas podem buscar o divórcio direto sem passar pela dualidade de procedimentos, sem amargar na espera do prazo definido para separação além de não precisarem declinar motivos, por vezes, constrangedores.
Não há porque querer dar sobrevida a um instituto sem aplicação prática.
No entanto, é importante estabelecer que as pessoas separadas ao tempo da promulgação da emenda em epígrafe que não tenham buscado o divórcio não podem ser consideradas divorciadas.
Essas pessoas carregam consigo o status de separadas até que promovam o divórcio, e no caso, o divórcio direto, vez que não mais subsiste divórcio conversão em razão do falecimento da separação judicial, e, portanto, sem ter o que converter.
Em virtude de conservarem o estado de separadas, conservam alguns efeitos dele decorrentes como a possibilidade de reconciliarem-se por ato regular em juízo ou mediante escritura pública.
Uma vez assimilada a extinção da separação judicial é fácil perceber que também não subsiste qualquer prazo para promover o divórcio e muito menos motivos.
A análise de culpa não cabe quando da promoção do divórcio. Tal análise se dava no seio do processo de separação. Com a extinção da separação judicial, todos seus corolários falecem.
Reconhecer a extinção da análise da culpa é identificar o quão prejudicial isso era para os cônjuges e o quão benéfico é ao tornar o processo de divórcio mais célere e menos traumático.
Atribuir responsabilidades aos cônjuges pelo desfazimento da vida em comum não traz efeitos práticos, porque questões como alimentos, guarda de filhos, partilha de bens etc possuem disciplina própria que independe da culpa para serem fixadas.
Diante disso, se vê que a separação judicial cedeu lugar única e exclusivamente ao divórcio que agora pode ser judicial litigioso ou consensual, ou, ainda, extrajudicial, obviamente consensual.
Inobstante se admita o divórcio litigioso, as questões que entram em discussão dizem respeito a alimentos, guarda dos filhos, partilha de bens etc, mas nada que envolva os motivos do divórcio ou qualquer prazo.
E o divórcio judicial consensual se mostra necessário quando não puderem se valer do extrajudicial por ter filhos menores, por exemplo.
Toda a evolução do instituto do divórcio releva que para sua decretação não é necessário nada mais que a falência da relação afetiva, não havendo que analisar lapso temporal ou perquirir culpa dos cônjuges.
Como bem observa Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 81) a partir de julho de 2010, a Constituição considera “que cada cônjuge é suficientemente capaz de saber se o amadurecimento de sua percepção acerca da experiência que está vivenciando lhe permite formular a vontade de nela não prosseguir” independentemente do tempo em que nela esteja e dos motivos pelos quais não pretende nela permanecer.
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1 A autora aduz que em razão de não haver lei revogando expressamente os artigos do Código Civil que tratam sobre o assunto, o instituto da separação judicial continua válido e vigente, apesar de fadado a desaparecer (DINIZ, 2014, p.273).
2 Constituição de 1934:
3 A emenda constitucional n° 9, de 28 de junho de 1977 foi aprovada em meio a suspensão do dispositivo que previa o quórum de 2/3 para alteração da Constituição, mediante a emenda n° 8 de 14 de abril de 1977, com base no Ato Institucional n.5, sendo necessário para tanto somente o pronunciamento da maioria. (DINIZ, 2014, p. 267)
4 O artigo 38 da Lei do Divórcio trazia essa previsão. Só que não o apresentou com a clareza devida, “por referir- se ao pedido de divórcio, fazendo supor que a proibição seria apenas da iniciativa do novo divórcio, não excluindo divórcios sucessivos desde que mediante requerimento do cônjuge não antes divorciado” (TEPEDINO, 2008, p. 449). Tepedino alerta, ainda, que esse dispositivo tinha o propósito de coibir o que os antidivorcistas chamavam de poligamia sucessiva.
5 É morte presumida quando, embora não se tenha acesso ao corpo, supõe-se morta a pessoa em determinados casos especificados em lei. Por exemplo: nas hipóteses do art. 7° do Código Civil, que admite a declaração da morte presumida, sem decretação de ausência, se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida, e se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o termino da guerra (LUZ, 2009, p. 53).
6 Rodrigo da Cunha Pereira (2013, p. 21) afirma que “quando a separação é consensual é possível colocar um ponto-final àquele amor que 'era vidro e se quebrou', sofrer menos e proteger mais os filhos das consequências, às vezes maléficas, da separação”.
7 A certidão de casamento destina-se a comprovar que os cônjuges estão casados efetivamente há mais de 1 ano.
8 “A partilha pode, destarte, ficar para um segundo tempo, quando se sujeitará então ao procedimento previsto para os inventários” (TAVARES DA SILVA; MONTEIRO, 2012, p. 379).
9 A lei não determina, mas é recomendável, pois a finalidade da audiência reside, precisamente, em saber se é livre a concordância com a separação e com todas as cláusulas do acordo. (DIAS, 2009, p. 284).
10 Compete ao Ministério Público intervir nas causas referentes ao estado das pessoas e ao casamento (art. 72, II, CPC). Desse modo, é obrigatória sua participação nas ações de separação, em todas as modalidades e em todas as instâncias, sob pena de nulidade.
11 Nesses casos seria indispensável a intervenção do Ministério Público para zelar a respeito de seus interesses, fato que certamente impossibilitaria o procedimento extrajudicial. (LUZ, 2009, p. 58)
12 Maria Berenice Dias (2009, p. 309) afirma que “tal exigência é dispensável”, porque a partilha de bens pode ser feita em momento posterior através da via judicial ou escritura de partilha de bens.
13 Lembrando que esta pode ser feita durante ou após o processo de divórcio judicial.