Resenha crítica sobre o filme “Amor por contrato” sob a ótica da legislação consumerista brasileira

01/09/2016 às 12:06
Leia nesta página:

O presente artigo tem por objetivo realizar análise crítica do filme “Amor por contrato” sob a ótica da defesa do consumidor.

Para responder ao referido questionamento, será realizado resumo do filme (alertando para a presença de spoiler), bem como a análise da estratégia de marketing adotada em face da legislação consumerista brasileira e discussão acerca da possibilidade de responsabilização do fornecedor quanto aos danos causados pela indução à adoção de hábitos consumistas.

2                 Resumo do filme “Amor por contrato”[1]:

A família Jones, formada pelo casal Kate e Steve, e pelos filhos Jenn e Mick, muda-se para uma pequena e próspera cidade. Na manhã seguinte, tomam café e comentam acerca da alta renda per capita do lugar, e sobre os planos para o dia. Os filhos vão para a nova escola. O pai vai ao campo de golfe da cidade, onde se encontra com o recém conhecido vizinho Larry, que o convida a jogar com seus amigos. A esposa vai ao salão de beleza, e logo inicia amizade com o cabeleireiro.

A família se reencontra à noite, e troca impressões sobre o dia, demonstrando pouca intimidade. No meio da noite, Jenn entra silenciosamente no quarto de Steve, e começa a acaricia-lo, quando é surpreendida por Kate, que a retira à força de lá. No dia seguinte, a família se reencontra no café. Contudo, em vez de uma discussão acerca de problemas no relacionamento familiar, o que se vê é uma advertência, por parte de Kate, sobre a necessidade de se cumprir regras, a fim de que se comportassem como uma família.

Mostrando-se externamente como uma família feliz e bem-sucedida, logo despertam admiração, e, por que não, inveja, em alguns dos vizinhos, que logo passam a comprar os produtos que eles exibem, e a se vestir como eles.

O arranjo familiar artificial é explicado quando chega KC, uma senhora elegante. Ao adentrar à casa, reúne a família Jones e começa a mostrar os resultados das vendas do mês, informando o que cada um vendeu a mais, sob a estratégia chamada “marketing oculto”.

A família Jones inicia uma rotina de promoção de festas e jantares em restaurantes caros, para os quais convidam vizinhos e amigos, dentro da estratégia de vender um estilo de vida. Aos poucos, nota-se que Steve se sente atraído de verdade por Kate. Jenn começa a se encontrar secretamente com Bayne, um homem casado. Enquanto isso, Mick se encontra com Naomi, filha de um casal amigo.

Kate finalmente cede às investidas de Steve, que a convida a deixar tudo e viajar com ele para o Arizona, mas ela se mostra relutante. Mick vai a uma festa com Naomi, mas a abandona e sai com um rapaz. Naomi, embriagada, segue-os, envolvendo-se em um acidente, sem maior gravidade. Mick não percebe o acidente, e, ao chegar à casa do rapaz, tenta beijá-lo, mas é repelido.

No dia seguinte, o vizinho Larry discute com a esposa, por ter deixado de pagar contas do mês anterior. Um detetive vai à casa da família Jones, e faz algumas perguntas a Steve e Kate, sobre o acidente ocorrido com Naomi na noite anterior, dizendo que eles teriam que se preparar, pois poderia haver responsabilização, pelo fato de que Mick teria oferecido bebidas a menores. A esposa de Baynes descobre que ele está tendo um caso com Jenn. Ao ser confrontada pela esposa, Jenn procura Baynes, e ele a rejeita, deixando-a arrasada.

O casal Jones comparece a uma festa oferecida por Larry e esposa, em que Steve nota que o anfitrião se mostra triste. Larry, então, confessa que as dívidas haviam se avolumado, e que iriam perder a casa, por pendência no pagamento da hipoteca. Steve sugere que Larry devolva algumas das coisas recentemente compradas. Larry, contudo, acusa Steve de inveja, e de querer sempre ser o centro das atenções.

No dia seguinte, Larry é encontrado morto na piscina, aparentemente tendo se suicidado por afogamento. Steve se aproxima do local, onde já se encontra uma aglomeração de pessoas. Desolado, diz às pessoas que, na verdade, os Jones formam uma família de mentira, enganando as pessoas para que estas consumam produtos. Kate, ao ver a atitude de Steve, volta para casa, faz as malas e se retira. Um policial colhe depoimento do Steve, que confirma o que disse. KC aparece, e diz a Steve que é hora de ir, e que os demais aceitaram recolocação em outras famílias. Diz a ele que, se quisesse, poderia também ser recolocado em outra família. Contudo, Steve recusa.

Algum tempo depois, já recolocada em outra família, durante um jantar oferecido a novos amigos, Kate se dirige à cozinha, quando a porta dos fundos se abre, e Steve aparece. Pede a Kate que ela retorne com ele para o mundo real. Kate parece ficar balançada, mas pede a Steve que vá embora. Mais tarde, enquanto Steve caminha à beira da estrada, Kate o alcança de carro, e abre a porta. Ele pergunta para onde eles devem ir, e ela diz que é para o Arizona.

3                 Análise crítica:

Trata-se de um filme que se desenrola como uma previsível comédia romântica, e que acaba resvalando um pouco pelo moralismo. Mas se utiliza de premissa interessante, ao tratar da discutível estratégia do marketing oculto, ou invisível, e dos males do consumismo.

Conforme o dicionário Aurélio, marketing tem, entre outras acepções, o significado de “conjunto de estratégias e ações que visam a aumentar a aceitação e fortalecer a imagem de pessoa, ideia, empresa, produto, serviço, etc., pelo público em geral, ou por determinado segmento desse público”.[2]

No caso em tela, a estratégia denominada “marketing oculto” se caracteriza pela montagem de famílias artificiais, aparentemente perfeitas no ponto de vista do estilo de vida americano, que expõem uma imagem de riqueza e sucesso, a fim de provocar nos vizinhos o desejo de repetir os seus comportamentos, comprando os mesmos produtos e serviços por eles ostentados.

Verifica-se que, na vida real, mesmo que não o percebam, as pessoas realizam indicação de produtos de que gostam ou não. O caso do filme, contudo, diferencia-se, pois não se trata de verdadeiros consumidores, mas de vendedores dissimulados.

Além disso, determinadas pessoas públicas com grande destaque na mídia e em redes sociais, a exemplo de jogadores, atores e cantores, muitas vezes, ao comparecerem a eventos públicos e entrevistas, ou postarem fotos e vídeos nas redes sociais, ostentam vestimentas e acessórios de diversas marcas de grife, indicam produtos alimentares e cosméticos, entre outros, algumas vezes patrocinados pelas empresas fornecedoras, cujos contratos de patrocínio nem sempre são devidamente de conhecimento do público.

Outra estratégia que se aproxima de certa maneira do marketing oculto é o merchandising, estratégia de inserção de marcas em novelas, eventos esportivos e outros programas exibidos em horário nobre, tais como carros, produtos de beleza e bebidas. Conforme Rizzatto Nunes,[3] com a técnica do merchandising, “muitos produtos são veiculados sem que os consumidores se deem conta de que o que eles estão assistindo significa uma prática publicitária, mesmo nos casos mais evidentes”.

Consoante Walter Ceneviva,[4] “o merchandising tem pontos de contato com a propaganda subliminar, que é, todavia, mais sutil”. A propaganda subliminar opera abaixo do nível do consciente, de modo tão disfarçado que nem é percebida.

A situação verificada no filme configura manipulação do consumidor, que, muitas vezes sem perceber, passa a ter uma opinião favorável ao produto, assemelhando-se à propaganda subliminar. Pode-se alegar a ocorrência de restrição ao direito de escolha e informação do consumidor.

A fim de atender à previsão expressa na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso XXXII, em função da vulnerabilidade em que o consumidor se encontra perante o fornecedor, foi instituído o Código de Defesa do Consumidor (CDC), mediante a Lei 8.078/1990. Compulsando a legislação consumerista, vê-se que há diversos dispositivos que buscam proteger o consumidor contra a falta de transparência, vícios do produto ou serviço, bem como fatos do produto ou serviço.

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Consoante art. 36 do Código de Defesa do Consumidor, “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. Na situação ocorrida no filme em questão, observa-se que os vizinhos, consumidores em potencial, não sabem que a família Jones é composta por vendedores, de modo que não estão cientes de aquilo se trata de propaganda.

Além disso, pelo fato de a propaganda ser oculta, torna-se abusiva e enganosa, o que é vedado pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme seu art. 37.

Conforme Herman Benjamin,[5] “a publicidade só é lícita quando o consumidor puder identifica-la”, sendo que a “publicidade que não quer assumir a sua qualidade é atividade que, de uma forma ou de outra, tenta enganar o consumidor”, e tal engano, como visto, é repudiado pelo CDC.

O CDC traz, ainda, em seu art. 6º, os direitos básicos do consumidor, entre os quais se incluem a transparência e a boa-fé objetiva, que determinam que o fornecedor deve transmitir todas as informações para a escolha entre consumir ou não um produto ou serviço. Veda, ainda, a adoção de métodos comerciais desleais pelo fornecedor.

No art. 4º, inciso IV, do CDC, também é elencado como princípio que rege a relação de consumo a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo”.

A ideia de fomentar o consumo estimulando a repetição de padrões de comportamento, a fim de fazer o consumidor se sentir parte de um grupo de pessoas aparentemente felizes e bem-sucedidas, infelizmente, é bastante comum. Contudo, é de se concluir, à luz da legislação consumerista, que não há um vale tudo para divulgar e incentivar o consumo de produtos e serviços.

É de se indagar acerca da responsabilidade da empresa tratada no filme, bem como seus vendedores, sobre os comportamentos que podem induzir nos seus clientes. Trata-se não apenas de limites legais do marketing, mas, também, éticos, tendo em vista os malefícios que podem ser causados a pessoas pródigas ou vulneráveis ao envolvimento com a marginalidade, que podem trazer transtornos a si mesmos, à família e à sociedade, na busca de obter recursos necessários para a aquisição de tais produtos e serviços.

4                 Conclusão:

Portanto, à vista da legislação consumerista brasileira, tal estratégia de marketing agressivo, além de ofender direitos do consumidor, também não atende à necessidade de se promover a sua educação e a informação, a fim de que possa exercer dignamente, com saúde e segurança, sua liberdade de escolha.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMOR POR CONTRATO. Título Original “The Joneses”. Direção e roteiro: Derrick Borte, EUA, 2009, DVD (96 min.), colorido. Gênero: drama. Distribuidora: Califórnia Filmes.

BENJAMIN, Antonio Herman V. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 20 mai. 2016.

_______. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 12 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 20 mai. 2016.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999

OLIVEIRA, James Eduardo. Código de Defesa do Consumidor: anotado e comentado – doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

RIZZATO NUNES, Luis Antonio. Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.


[1] AMOR POR CONTRATO. Título Original “The Joneses”. Direção e roteiro: Derrick Borte, EUA, 2009, DVD (96 min.), colorido. Gênero: drama. Distribuidora: Califórnia Filmes.

[2] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

[3] RIZZATO NUNES, Luis Antonio. Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 544.

[4] apud OLIVEIRA, James Eduardo. Código de Defesa do Consumidor: anotado e comentado – doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 444.

[5] BENJAMIN, Antonio Herman V. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2013. p. 199.

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Sobre o autor
Alysson Rodrigues de Queiroz

Auditor Federal de Controle Externo - Tribunal de Contas da União, Graduado em Ciências Contábeis - Universidade de Brasília (UnB) e em Direito - Centro Universitário de Brasília (UniCeub)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado como requisito para aprovação na Disciplina Direito do Consumidor - Uniceub

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