1. PARTICULARIDADE DOS AUTORES
Beat Walter Rechsteiner
Doutor em Direito pela Universidade de Zurich e mestre em Direito Internacional pela USP, atua em São Paulo como advogado. Foi diretor jurídico da Câmara de Comércio Suíço-Brasileira em São Paulo entre 1996 e 1999. Tem expressivo número de trabalhos publicados em conceituadas revistas especializadas no Brasil e no exterior.
Cândido Rangel Dinamarco
É Professor aposentado de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Advogado em São Paulo. É Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Foi procurador de Justiça do Estado. Especializou-se em Direito Processual Civil na Universidade Estatal de Milão, Itália, junto ao Prof. Enrico Tullio Liebman. Integrou a Comissão de Revista dos Códigos, do Ministério da Justiça.
Além dos artigos e colaborações em revistas jurídicas, no País e no estrangeiro, é autor dos seguintes livros: “Juizado Especial de Pequenas Causas” (1985), em cooperação; e “Manual das Pequenas Causas” (1985).
Patrícia Miranda Pizzol
A autora é mestre e doutora em Direito pela PUC-SP. É professora dos cursos de graduação, especialização e pós-graduação na PUC-SP e na Faculdade de Direito da Instituição Toleto de Ensino de Bauru (ITE). É autora de outras obras e artigos jurídicos. Advogada em São Paulo.
2. INTRODUÇÃO: JURISDIÇÃO E PODER
2.1. A jurisdição civil
2.1.1. Conceito: a jurisdição do poder estatal
O sistema processual é impulsionado por uma série de escopos em que o Estado tem a função de executá-los. É denominado jurisdição exercida através dos juízes e visam a solução de conflitos interindividuais ou supra individuais e aos demais escopos do sistema processual (atuação do direito material). Conceitua-se a jurisdição como função do Estado o qual soluciona de forma imperativa os conflitos mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos.
A atividade jurisdicional, pelo aspecto técnico, é sempre substitutiva das atividades dos sujeitos envolvidos no conflito, proibindo atos de autodefesa. Os atos são substituídos pela vontade do juiz que verifica se o sujeito tem ou não razão de forma serena e imparcial. Se a razão estiver com o réu, à resistência deste o Estado acrescenta a sua própria, vedando ao autor novos atos de tentativa de obter o bem (coisa julgada). De todo modo, dá-se sempre a substituição de todas as partes pela atividade jurisdicional do Estado.
Assim, a jurisdição e a legislação situam-se entre as atividades jurídicas do Estado. A jurisdição tem a presença de dois elementos essenciais, quais sejam o caráter substitutivo e os escopos a realizar.
2.1.2. Inevitabilidade
O poder estatal é exercido segundo os desígnios e decisões do próprio Estado. A relação de autoridade e sujeição é o fator legitimante da inevitabilidade do poder estatal e de seu exercício, manifestando em primeiro ato através da citação. São efeitos do processo da jurisdição que, uma vez instaurado o processo, independem da vontade dos litigantes e são impostos pelo juiz com fundamento no imperium de que está investido.
Inobstante o predicado de inevitabilidade possuir característica de autoridade e sujeição, não impõe a alguém a participação em um processo, na condição de demandante (autor ou exequente). O princípio democrático e constitucional de liberdade prescreve, na ordem processual, se fazendo o autor quem o quiser e, em demonstração dessa sua vontade, ajuizar uma demanda.
2.1.3. Definitividade (imunidade)
A jurisdição é a única dotada de Definitividade e segundo Cândido Rangel Dinamarco em sua preciosa lição na obra “Instituições de Direito Processual Civil vol. I”, coloca que é caracterizado também pela imunização dos efeitos dos atos realizados, na qual os primeiros destinatários são as próprias partes. Também não se exclui dessa regra o próprio Estado que podem ser revistos pelos juízes, mas o contrário é inadmissível.
A autoridade da coisa julgada material, que se restringe às sentenças de mérito (CPC, arts. 467, 468) tem o mais elevado grau de imunidade. A Constituição a assegura (art. 5º, XXXVI) como afirmação do poder estatal, não admitindo que atos de um poder soberano possam ser questionados por quem quer que seja. Nem outros órgãos estatais nem o legislador ou mesmo nenhum juiz, de qualquer grau de jurisdição, poderá rever os efeitos de uma sentença coberta pela coisa julgada e com isso alterar, o dano do vencedor, a situação concretamente declarada ou determinada por ela (CPC, art. 267, V e art. 301, VI). Daí ser ela uma garantia constitucional, outorgada ao vencedor em benefício da segurança das relações jurídicas e intangibilidade dos resultados do processo. Sem a coisa julgada, tais resultados poderiam ser revistos sucessivamente e muito menor seria a utilidade social da jurisdição porque deixaria sempre o caminho aberto para o reacender de conflitos.
A ordem jurídica outorga aos demais atoa de exercício da jurisdição uma imunização menos intensa. As sentenças terminativas, que decretam a extinção do processo sem julgamento do mérito (carência de ação, vício de representação, inépcia da petição inicial, desistência da ação etc.), não impedem que a demanda seja reproposta (arts. 28 e 268) nem que no novo processo o juiz decida a mesma questão de modo diferente (negando a carência de ação afirmada no processo anterior etc.); a entrega do bem, no fim do processo ou fase de execução, pode depois ser questionada mediante pedido de anulação desta (art. 486); etc. Mas por menor que seja a intensidade do grau de imunidade concedido a um ato jurisdicional, sempre é exclusivamente o Poder Judiciário quem poderá neutralizá-lo, ou desconstituí-lo.
2.1.4. Atividade secundária ou primária
A jurisdição só é uma atividade secundária quando exercida nos casos em que o demandado não satisfaz o direito do demandante. Isso se dá no campo do direito das obrigações para o restabelecimento de situações garantidas pelos direitos reais e no direito público.
A jurisdição será atividade primária em casos onde surgem conflitos capazes de angustiar pessoas ou grupos de pessoas e que geram a necessidade do exercício da jurisdição.
Há uma ressalva da substituição da jurisdição que é de caráter metodológico. Só se poder colocar a questão de o juiz realizar aquilo que o sujeito obrigado poderia realizar e não o fez ou o que ele não poderia realizar, nos casos em que o autor tivesse o direito alegado. Porém, toda essa construção cai no vazio, nesses casos a jurisdição não é primária nem secundária, constitui desdobramento do pensamento definido na locução processo civil do autor.
2.1.5. Dimensões da jurisdição
O vocábulo jurisdição é formado pela junção das palavras latinas juris (jus, juris = direito) e dictio (deriva do verbo dico, dicere = dizer). Juris-dictio é, etimologicamente, dicção ou pronuncia do direito. Seu significado semântico é muito mais amplo no direito moderno do que no romano clássico que continha o confinamento ao processo cognitivo.
No direito moderno a solução de conflitos pelo Estado inclui também os atos com que o juiz propicia ao credor a efetiva obtenção do bem sonegado. Na execução é substitutiva das atividades do credor e desenvolvimento segundo os escopos do sistema processual, em específico os de eliminar os conflitos e dar efetividade à lei.
Com a evolução foi atribuído ao juiz notável poder de coerção para o cumprimento das obrigações (CPC, art. 461, art. 84).
Por outro lado, a jurisdição abrange as espécies contenciosa e voluntária (ou graciosa), inobstante tradicionais lições no sentido de que esta não seria nem jurisdição nem voluntária.
2.1.6. Espécies de jurisdição
As classificações das espécies de jurisdição justificam-se pela utilidade didática e por serem úteis para o entendimento de uma série de problemas processuais, como a competência, graus de jurisdição, poderes, decisórios mais amplos do juiz em certos casos etc. São elas: a) segundo o modo como o juiz se comporta diante do conflito, em jurisdição contenciosa ou voluntária; b) segundo a matéria, em jurisdição civil ou penal; c) segundo a justiça competente, em jurisdição comum em especial; d) segundo as fontes formais do direitorelevantes para julgar em jurisdição de direito e de equidade; e) segundo a posição hierárquica do órgão julgador, em jurisdição inferior e superior.
2.1.7. Jurisdição voluntária
Existem situações conflituosas em que o juiz não é chamado a dirimir diretamente o conflito mas a criar situações novas capazes de dar proteção a um dos sujeitos ou a ambos como que administrando os interesses de um ou de todos, onde a doutrina inclui no quadro da administração pública de interesses privados. A jurisdição voluntária, opor-se-ia à jurisdição contenciosa, na qual um conflito existente entre os sujeitos é posto diante de juiz e dele recebe solução favorável a um dos sujeitos e desfavorável ao outro. O código de Processo Cível descreve em seu art, 1º manda que a segunda vertente de jurisdição se exerça segundo os atos, as formas e as garantias inerentes ao processo cível. Há procedimentos a observar, está presente o contraditório, as decisões e sentenças devem ser motivadas, opera o duplo grau de jurisdição etc.– enfim, prevalecem os ditados pela garantia do devido processo legal.
Em todos os casos nos quais o juiz é chamado a exercer a jurisdição voluntária existe sempre algum conflito e uma insatisfação que afligem pessoa e necessitam solução. Há casos em que o conflito é menos aparente, como nos processos de separação judicial consensual (arts. 1.120-1.124). O juiz é chamado apenas para negar a homologação quando certos requisitos mínimos não houverem sido cumpridos, salvo nos casos de separação por via administrativa (escritura pública lavrada perante o foro extrajudicial – CPC, art. 1.124-A, caput e §§1º a 3º), onde o conflito é resolvido em qualquer participação jurisdicional.
O que distingue a jurisdição da contenciosa e lhe dá autonomia é sua destinação a das tutela a um dos sujeitos de processo. Está bem claro no processo (de jurisdição voluntária – arts 1.177 ss, CPC) de interdição de pessoa sem condições psíquicas para a administração de sua própria pessoa e bens.
A jurisdição voluntária destina-se a pacificar pessoas mediante a tutela em casos de conflitos postos diante do juiz sem confronto entre possíveis direitos de um ou de outra.
2.1.8. Jurisdição civil ou penal
É um conjunto de normas e princípios de direitos público e tendo objeto próprio, assim a jurisdição não é civil ou penal. Acerta poréma conveniência prática dessa classificação, tem-se por jurisdicional civil a que se exerce para a solução de conflitos segundo preceito de direito não penal que julgam litígios fundados em direito civil, comercial, administrativos, tributários e constitucional.
2.1.9. Jurisdição comum ou especial
Essas subclassificações aproximam as normas jurídico – substanciais com base nas quais os conflitos serão julgados. Assim como o direito penal militar é direito especial em relação ao direito penal comum, também o direito do trabalho é especial em relação ao civil. Por isso existe uma jurisdição civil comum, exercida por órgãos da chamada justiça comum (Federal dos Estados e Distrito Federal), em contraposição à especial exercida por órgãos.
2.1.10. Jurisdição inferior ou superior
A distinção é feita segundo os graus em que é exercida, é inferior quando exercida pelos juízes de 1º grau (juízes federais e estaduais) e superior a jurisdição exercida pelos órgãos de competência recursal (Tribunais de Justiça ou Regionais Federais até ao STJ e ao STF).
2.1.11. Jurisdição de direito ou de equidade
Julgar por equidade é pautar-se por critérios não contidos em lei alguma e não apenas interpretar textos legais. Assim o juiz remonta ao valor do justo e à realidade humana, econômica, política, social ou familiar em que se insere o conflito para retirar daí os critérios com base nos quais julgará. A impessoalidade no julgamento é assegurada pelos mecanismos inerentes ao duplo grau de jurisdição, cumprindo aos Tribunais fazer a retificação de eventuais personalismos do juiz inferior.
As sentenças decididas por equidade são classificadas como dispositivos ou determinativas e continuam tendo caráter condenatório com efeitos de coisa julgada material.
2.1.12. Unidade da jurisdição e pluralidade dos órgãos que a exercem: competência
Unidade da jurisdição significa que, assim como não se concede que o Estado pudesse ter mais de uma capacidade de decidir e impor decisões, assim também inexistem duas ou várias capacidades de fazê-lo com o objetivo de solucionar conflitos.
A distribuição da jurisdição entre justiças e juízes pertencentes à mesma Justiça apresenta a competência ou medida da jurisdição, que conceitua-se como quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão.
Em cada país e levado em conta como se estruturam os órgãos de sua Magistratura. No Brasil é distribuído conforme a Constituição que institui várias Justiças diferentes e autônomas, sobrepondo a todas dois tribunais que não pertencem a nenhuma delas e estruturando-as em órgãos inferiores e superiores. A jurisdição cível é exercido pela justiça comum com recurso de superposição. Os critérios de escolha de competência levam em conta os elementos do litígio a ser ajuizado e à espécie de processo a instaurar, que no direito brasileiro são numerosíssimos e assédios a classificações muito precisas.
2.1.13. O Estado-juiz e os juízes no exercício da jurisdição
Haverá exercício da jurisdição quando os atos forem realizados por pessoa investida na condição de juiz (esteja seguindo as regras constitucionais e legais vigentes, tenha sido admitida à Magistratura, nomeada e empossada no cargo estando no exercício deste, caso contrário não se trata de um legítimo agente estatal exercente da jurisdição).
2.1.14. Impessoalidade, imparcialidade e indelegabilidade
O Juiz não é sujeito do processo, em nome próprio, ele ocupa o lugar mais importante dos sujeitos processuais, que é o Estado. Ativa nos escopos que motivam o Estado a assumir função jurisdicional, obedecendo às regras e princípios de justiça que ele mesmo consagrou em fórmulas residentes na Constituição e na lei, sendo inadmissível que um agente seu, mero ocupante passageiro de um cargo, pudesse sobrepor seus sentimentos e interesses.
2.1.15. Poderes e deveres do juiz
É exercido através da prática de atos segundo a técnica processual e opções políticas do legislador. Tem por objetivo suprir deficiências das partes e seus procuradores, impor o cumprimento das obrigações e garantir o contraditório.
2.1.16. Limitações à jurisdição e ao seu exercício – territorialidade
São regras de divisão judiciária do território nacional, a cada órgão judiciário só é lícitoexercer a jurisdição no âmbito geográfico do foro que lhe é atribuído à investidura do órgão cujo território haja sido invadido.
Externamente a jurisdição é limitada por certos fatores inerentes ao convívio entre Estados soberanos, que levam cada um destes a excluir sua própria jurisdição em muitos casos e a recusar a de outros Estados em outros. As regras da chamada competência internacional (CPC, arts.68-90) são limitativos da própria jurisdição, não meros critérios de distribuição do exercício da jurisdição entre juízes do mesmo país (competência). Em relação às causas excluídas da competência do juiz nacional, a jurisdição do país não se exerce porque o poder estatal é insuficiente para chegar até a elas. Por falta de competência internacional, o juiz nacional será carecedor de jurisdição. Não se trata de mera competência, como a locução poderia fazer crer. Tal é um sistema de limitação territoriais da própria jurisdição e não de seu exercício.
2.1.16.1. A jurisdição e as súmulas vinculantes
Visam superar controvérsias entre tribunais ou entre estes e a Administração em torno da “validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas” e terão a eficácia de afastar as graves inseguranças jurídicas que essas controvérsias produzem, bem como a desgastante “multiplicação de processos sobre questão idêntica”. Visa estabelecer confiança nas decisões judiciárias, mediante a eliminação dos efeitos perversos de variações jurisprudenciais, como ainda a poupar tempo. Elas impõem-se a todos tanto quanto as leis, indo além dos sujeitos das causas ou recursos dos quais houverem sido geradas e constituirá fundamento para reclamação ao STF o descumprimento de alguma súmula ou sua inadequada aplicação (art. 103-A, § 3º).
3. A JURISDIÇÃO E OS DEMAIS ESTADOS: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
3.1. Autolimitação do poder por normas de direito interno
Inexistindo uma ordem jurídica supranacional capaz de centralizar decisões e impor eficazmente limitações ao poder de cada um dos Estados, é cada um destes quem estabelece os limites da competência internacional. É feito pela impossibilidade ou dificuldade para cumprir em território estrangeiro decisões dos juízes nacionais; a irrelevância de muitos conflitos em face dos interesses que ao Estado compete preservar e a conveniência política de se manter certos padrões de recíproco respeito em relação aos outros Estados. A conveniência do exercício da jurisdição e a violabilidade da efetivação de seus resultados são os critérios fundamentais norteadores das normas de direito interno sobre competência internacional.
O sistema direto, adotado no Brasil, não dita exclusões explicitas, É o que se dá art. 88 do CPC, que ao definir os casos de competência concorrente do juiz brasileiro, não faz a ressalva da competência exclusiva de outros países. Ele não acrescenta que, ainda ocorrendo uma das hipóteses indicadas (por exemplo, réu domiciliado no Brasil), o juiz brasileiro não será internacionalmente competente quando incorrer alguma norma de competência internacional contida em lei do país onde a sentença se destina a produzir efeito (por exemplo, imóvel ali situado).
3.2. Exclusão por inviabilidade
A exclusão da competência internacional da autoridade judiciária de um país por inviabilidade de execução constitui o reverso da exclusividade da competência internacional dos juízes de outro país. A ressalva da inviabilidade constitui elemento indispensável à interpretação da lei interna do país – entendendo-se p.ex., que o juiz brasileiro será competente para as causas em que o réu for domiciliado (art. 88, I, CPC), a menos que o objeto do litígio seja um imóvel situado em outro país etc.
3.3. Exclusão por desinteresse
Será insensato que um Estado exercesse seu poder a todo conflito de qualquer lugar do mundo, pois o escopo do processo objetiva a paz social ao solucionar conflitos, interferindo assim em sua própria ordem pública.
3.4. Exclusão por razões de convivência internacional
As regras de boa convivência internacional aconselham que o Estado vá além no respeito à soberania alheia, abstendo de exercer a jurisdição sobre bens e interesses de outro Estados soberanos, de seus agentes diplomáticos e de certas entidades internacionais, como a ONU o Mercosul ou a Comunidade Europeia.
Nos casos de imunidade à jurisdição são regulados em tratados e costumes internacionais.
Segundo a autora Patrícia Miranda Pizzol na obra “A competência no processo civil” o qual classifica a competência internacional em exclusiva ou privativa, expõe que o art.89, CPC que a ação processada e julgada no exterior não produz efeito em nosso território, ou seja, não poderá ser homologada pelo STJ. As hipóteses arroladas no artigo são:
a) Imóveis situados no Brasil. (A lei não dispõe acerca da natureza da ação, logo, pode ser ela pessoal ou real, assim toda ação, inclusive de falência, relativa a imóvel situado no Brasil, é de competência exclusiva de autoridade brasileira, como exclusão de qualquer outra).
b) Inventário e partilha de bens. (A lei não faz distinção entre bens, móveis ou imóveis, logo não pode o interprete fazê-lo; o conceito de bens no artigo é amplo, abrangendo imóveis, semoventes, móveis. Assim, incluí qualquer espécie dessa última classe como títulos ambientais, depósitos bancários, dinheiro em moeda, ações, direitos de crédito em geral etc.).
c) Situado no Brasil. (É homologável, com restrição quanto aos bens situados no Brasil, a sentença estrangeira de divórcio estrangeiro; é homologável a sentença estrangeira que homologa acordo de separação e de partilha dos bens do casal, ainda que situados no Brasil; Não é homologável sentença estrangeira que decide sobre imóveis no Brasil, em contrariedade ao disposto no art. 89, I, CPC, bem assim aos arts. 1.676 e 1.677, CC; Não se pode homologar sentença estrangeira que em processo relativo a sucessão mortis causa, dispõe sobre bem imóvel situado no Brasil; Partilhados os bens deixados em herança no estrangeiro, segundo a lei sucessória da situação, descabe à Justiça brasileira computá-los na cota hereditária a ser partilhada no País, em detrimento do princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, previstos no art.89, II, CPC. O juízo do inventário e partilha não se deve, no Brasil, cogitar de imóveis sitos no estrangeiro), ainda que autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional (A lei não exige que o falecido tenha residido no Brasil). Se o falecido possuir bens em vários países, deverão ser realizados tantos inventários quantos sejam necessários (O inventário relativo a esses escapa à jurisdição brasileira, e naturalmente serão inventariados e partilhados em separado, em outro país).
Patrícia relembra também o preceito contido no art. 12, § 1, LICC: “Só a autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil”. (Não ocorrendo as hipóteses do art. 89, I e II, CPC, a circunstância de a requerida ter domicílio no Brasil não a impede de submeter-se, como se submeteu, a juízo arbitral no exterior, e, consequentemente, à homologação de sua decisão pelo Tribunal competente do país em que ocorreu a arbitragem). Trata-se de competência absoluta.
3.5. A competência do juiz brasileiro
Os arts. 88 e 89 do CPC estabelecem a competência do juiz brasileiro, fazendo-o com atenção aos bens e valores inerentes ao Estado brasileiro (território, população e instituições) e o interesse na solução de conflitos.
3.6. Competência internacional concorrente
Dispõe o art. 88, CPC acerca da competência concorrente ou cumulativa da autoridade judiciária brasileira. Diz-se concorrente uma vez que não fica excluída a competência da autoridade judiciária estrangeira. As hipóteses são as seguintes:
a) Réu domiciliado no Brasil (Inversamente a Justiça brasileira é incompetente para conhecer de ação contra pessoa domiciliada fora do país, ressalvado o disposto nos incisos II e III; É incompetente internacionalmente o Judiciário brasileiro para dissolução de sociedade conjugal estabelecida no estrangeiro, onde o réu e ocorridos os fatos alegados na inicial, conforme dispõem os arts. 7º e 12, LICC e 88, CPC, ainda que posteriormente a autora tenha fixado domicilio no Brasil; E, se a hipótese for de litisconsórcio e apenas um dos réus tiver domicílio no Brasil, a jurisdição brasileira atuará desde que proposta a ação, aqui, contra ele e os demais, invoca-se, in casu, o princípio da prevenção).
b) Obrigação que tiver de ser cumprida no Brasil (Para a incidência do presente inciso, não tem relevância o local em que a obrigação foi contraída; e ocorre sempre que a lide originar-se de ato ou fato praticado no Brasil).
c) Fato ocorrido ou praticado no Brasil (Para a incidência do presente inciso, é levado em consideração o local em que o fato ocorreu ou foi praticado. É intrinsecamente necessário que deva ter acontecido em território brasileiro para que então o Brasil possa aplicar a jurisdição).
3.7. Competência internacional exclusiva
De acordo com o § 1º do artigo 12 da Lei de Introdução ao Código Civil: “Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das açõesrelativas à imóveis situados no Brasil”. Juntamente com o artigo 89 do Código de Processo Civil que dispõe:“Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional” é formada a competência internacional exclusiva.
Este tipo de competência versa sobre os casos referentes a imóveis situados no Brasil e que deverão ser julgados exclusivamente pela jurisdição brasileira, sejam estas não apenas ações reais imobiliárias, mas qualquer caso que envolva questão relacionada à um imóvel brasileiro, e também aquelas que dizem respeito à inventários e partilhas, ainda que sejam os autores domiciliados ou residentes em outros Estados.
É importante ressaltar que esse tipo de competência não poderá de forma alguma ser alterada pelas partes mesmo que as duas concordem com a mudança de competência.
Numa última observação, se o litígio envolver um bem móvel, o juízo competente para conhecê-lo será o do domicílio do réu, assim como o disposto no artigo 94 do Código de Processo Civil. Caso o bem seja deslocado do local, continuará competente o juízo em que a demanda foi proposta, de acordo com o artigo 87 do mesmo diploma legal.
3.8. Prorrogação da competência internacional
O Código de Processo Civil regula, em seus artigos 102 a 111 e 114, a influência da conexão, da continência e da eleição de foro sobre a fixação da competência. O artigo 114 dispõe que ocorrerá a prorrogação da competência se a parte não opuser a exceção declinatória de foro ou de juízo.
Diz Cândido Dinamarco que a "prorrogação da competência é modificação desta: o órgão judiciário, ordinariamente incompetente para determinado processo, passa a sê-lo em virtude de algum fenômeno a que o direito dá essa eficácia. Ordinariamente, pertencem-lhe os processos que se situam dentro de determinada esfera (que é a sua competência), mas quando ocorre um desses fenômenos essa esfera se alarga (prorroga-se), para abranger um processo que estava fora. A prorrogação não é, assim, mais um critério para a determinação da esfera de competência dos juízes -, mas um motivo de alteração, em casos concretos, dessa esfera (esse é um ensinamento cediço, quase unânime, da doutrina)."
Existem dois tipos de prorrogação, são elas a prorrogação legal (derivada de imposição da lei, e havendo conflito será observado qual juiz despachou primeiro, e caso seja conflito de território, qual o local da primeira citação válida), e a prorrogação convencional (ocorre por convenção entre as partes ou por não oposição de nenhuma delas).
Ressalta-se ainda que a conexão (duas os mais causas com o mesmo pedido e causa de pedir) e a continência (duas ou mais ações tiverem as mesmas partes e causa de pedir, porém objetos distintos) são hipóteses de prorrogação legal.
3.9. Litispendência estrangeira
O artigo 90 do Código de Processo Civil, impede o reconhecimento da litispendência ou conexão entre as demandas ajuizadas no Brasil e perante um
tribunal estrangeiro em qualquer hipótese.
A litispendência ocorre quando são propostas duas ou mais ações que são idênticas quanto às partes, pedidos, e causas de pedir. Verificada, a litispendência de um processo no Brasil e no exterior, nas hipóteses da Competência Internacional Concorrente, impede o artigo 90 do Código de Processo Civil que se extinga a ação que tramita no Brasil.
Se caso ocorrer a litispendência ou a conexão nos casos de Competência Internacional Exclusiva, será a demanda estrangeira de pronto descartada, pois como já visto anteriormente, cabe apenas ao Judiciário Brasileiro julgar esse tipo de ação.
4. CONCLUSÃO
A competência internacional é tratada nos artigos 88 a 90 do CPC, sendo estes sobre a competência concorrente, a competência exclusiva, e a competência absoluta.
Sempre que há uma relação internacional deve-se descobrir qual é a jurisdição e a competência para, dessa maneira, verificar a quem pertence a competência de julgar o caso. Ao exemplo do Brasil, para se averiguar a competência internacional devem ser observados o domicílio do réu, os efeitos extraterritoriais das obrigações e a situação da coisa.
Em razão da globalização ficará cada vez mais frequente casos que envolvam as relações internacionais, e no caso do trabalho apresentado a ligação entre estas relações e o Direito Processual Civil.
É de suma importância que sempre sejam observadas todas as questões referentes ao Direito Internacional, às relações estrangeiras, e à Legislação Brasileira para que da melhor forma possível sempre haja a lei em conformidade com cada caso concreto para então resolvê-lo da maneira justa concebendo as partes o que lhes é de direito.
REFERÊNCIAS
Dinamarco, Cândido Rangel
Instituições de Direito Processual Civil, volume I – 7ª edição / Cândido Rangel Dinamarco. – São Paulo : Editora Malheiros, 2015
Rechsteiner, Beat Walter
Direito internacional privado : teoria e prática / Beat Walter Rechsteiner. – 15. Editora revista e atualizada – São Paulo : Saraiva, 2015.
Pizzol, Patrícia Miranda
A competência no processo civil / Patrícia Miranda Pizzol. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003. – (Coleção estudos de direito de processo Enrico TullioLiebman ; v. 55)