A percepção do dolo eventual ou culpa consciente nos acidentes de trânsito na visão do STF coíbe a violência no trânsito?

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O presente artigo pretende explorar quais os impactos advindos do posicionamento do STF acerca dos delitos de trânsito da expressão preventiva destas espécies de delito a posteriori.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca elucidar discussões palpitantes deflagradas no cenário jurídico-social ao deliberar acerca dos acidentes de trânsito envolvendo o binômio embriaguez/alta velocidade. Não é de hoje que esse tema gera debates, estudos e preocupações no meio social, tendo em vista o grande impacto causado no aumento dos números de acidentes e mortes no trânsito. Em 2014 o número de vítimas fatais no trânsito foi de 43.075, segundo dados do DATASUS. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, intitulada “Acidentes de transito nas Rodovias Federais Brasileiras: caracterização, tendências e custos para a sociedade”, constatou-se que o custo de um acidente de trânsito fatal tem um custo médio de 647 mil reais, enquanto o acidente com vítima gera custo de 90 mil.

No seio social muito se especula acerca dos motivos causadores desse volume de incidentes: falta de observância das regras de transito, alta velocidade, embriaguez, falta de sinalização, má conservação das vias, reforçadas pela a idéia de impunidade são algumas delas. O código de trânsito tem tentado acompanhar o clamor social por punições mais severas. Os tribunais superiores, em especial o STF, tem papel fundamente nessa realidade, tendo em vista o papel de guardião da constituição e interprete maior das leis.

Nesse sentido denota relevância explorar os aspectos conceituais de dolo ou culpa, problemática dos delitos de trânsito através do uso de bebida alcoólica/alta velocidade, o entendimento dos tribunais superiores, aferindo-se assim seus tipos e implicações práticas, tendo em vista o papel regulador e protetor do Direito Penal dos bens jurídicos essenciais.

O dolo encontra amparo legal no artigo 18 do Código Penal, inciso I que estatui: [...] “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. O dolo é à vontade e a consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador, o dolo é a junção da consciência e a vontade, segundo Greco (2015).

Existem quatro teorias a respeito do dolo: a teoria da vontade (quando o agente prevê o resultado e seleciona meios para executá-lo), teoria da representação, teoria da probabilidade e teoria do assentimento (quando o agente quer a conduta, prevê resultado, mas não o deseja, porém não se importa caso ocorra) sendo essa ultima em conjunto com a primeira, as adotadas pelo Código Penal Brasileiro. Respectivamente as teorias dão ensejo a dois tipos de dolo: o direto e dolo eventual, respectivamente.

A culpa também esta prevista no artigo 18, no seu inciso II que dispõe: [...] “culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência , negligência ou imperícia.” Necessário destacar que o legislador pátrio estabeleceu que ninguém deve ser punido por crimes culposos, salvo casos expressos em lei. Cunha (2016) considera o crime culposo uma  conduta voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsto e que podia ter sido evitado.

Importante destacar aqui quatro espécies de culpa: a) culpa consciente- é aquela culpa em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. b) culpa inconsciente- aqui o agente não prevê o que era previsível. c) culpa imprópria- é a culpa por extensão ou por equiparação é a culpa no erro do tipo inescusável d) culpa principal ou indireta- aqui o agente produz indiretamente o resultado a titulo de culpa.

O Código de Trânsito Brasileiro estabelece no capítulo XIX “dos crimes de transito”. No artigo 302 preceitua o homicídio culposo na condução de veiculo automotor, cominando penas de detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Greco (p. 2013) chama atenção para a dicotomia criada nas decisões entre dolo eventual e a culpa consciente, alertando que a questão não é tão simples quanto se pensa, já que o dolo eventual pressupõe que o agente vislumbre a possibilidade do resultado e mesmo não o desejando, não se importe com sua realização. O dolo eventual pode sim ser aplicado a casos de crime de trânsito fruto da formula embriaguez mais velocidade excessiva, porém quando observado caso concreto.

METODOLOGIA

Os dados foram obtidos por meio de pesquisa bibliográfica, na jurisprudência de casos envolvendo acidente de trânsito causado pela equação embriaguez ao volatante mais alta velocidade, bem como através da leitura de doutrina específica em Direito Penal. A escolha das jurisprudências se deu de forma a apontar as diversas decisões apararentemente conflitantes para uma mesma situação a fim de propiciar o leitor uma visão geral e real aplicabilidade do tema abordado nesse estudo. Ao final do texto trarei o entendimento firmado pelo STF.

RESULTADOS

Devido ao clamor popular diante do crescente número e brutalidade dos casos de trânsito, juízes e promotores passaram a ver crime de trânsito envolvendo velocidade excessiva e embriaguez ao volante como dolo eventual tendo em vista a parte do artigo 18 – I do CP “o agente assume o risco de produzir o resultado”, como uma via transversa de agravamento da lei penal. Nota-se o desejo, ao assumir posições como a do dolo eventual, de agravar as penas e gerar, portanto uma reprimenda mais severa ao injusto, tendo em vista que trazer a culpa em todas as situações pode caracterizar perante o seio social uma sensação de impunidade. Ora, como o poder judiciário, poderá extrair da consciência do réu, seu desejo delitivo? Como poderá avaliar se o agente se dirigiu de forma consciente a conduta ou assumiu o risco de produzir o resultado, bem como averiguar sua culpa?

As jurisprudências se manifestam de forma distinta. Em sentindo de responsabilização do indivíduo mais severa, a titulo de dolo eventual, temos:

RÉU ALCOOLIZADO, QUE DESENVOLVIA VELOCIDADE INADEQUADA. NÃO REDUÇÃO AO VER PESSOAS TENTANDO A TRAVESSIA. CONDUTA QUE EVIDENCIA O DOLO EVENTUAL. ASSUNÇÃO AO RISCO DE PRODUZI-LO. O VEÍCULO AUTOMOTOR, CADA VEZ MAIS SOFISTICADO E VELOZ, QUANDO ENTREGUE NAS MÃOS DE MOTORISTAS MENOS PREPARADOS, EM FACE DA EMBRIAGUEZ, PASSA A CONSTITUIR UMA ARMA PERIGOSA, IMPONDO GRANDE RISCO ÀS PESSOAS QUE SE ENCONTRAM NAS VIAS PÚBLICAS. ORA, AQUELES QUE USAM DESSA ARMA DE MODO INADEQUADO SE NÃO QUEREM O RESULTADO LESIVO, ASSUMEM, PELO MENOS, O RISCO DE PRODUZI-LO (TJSP: Rec. 189.655-3. Rel. Min. Silva Pinto – Bol.Jan.96/123).


De forma majoritária a doutrina e a jurisprudência relacionam a culpa consciente a esses crimes, tendo em vista o agente acreditar sinceramente na não ocorrência do resultado, ou seja, a questão centra-se no binômio indiferença ao bem jurídico e a assunção do risco.

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. HOMICÍDIO. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ. DOLO EVENTUAL. AFERIÇÃO AUTOMÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. 2. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em delitos de trânsito, não é possível a conclusão automática de ocorrência de dolo eventual apenas com base em embriaguez do agente. Sendo os crimes de trânsito em regra culposos, impõe-se a indicação de elementos concretos dos autos que indiquem o oposto, demonstrando que o agente tenha assumido o risco do advento do dano, em flagrante indiferença ao bem jurídico tutelado. 2. Ordem concedida para, reformando o acórdão impugnado, manter a decisão do magistrado de origem, que desclassificou o delito para homicídio culposo e determinou a remessa dos autos para o juízo comum (STJ: 58826 RS 2006/0099967-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 29/06/2009, T6 - SEXTA TURMA. Data de Publicação: DJe 08/09/2009).

EMBARGOS INFRINGENTES. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO. TRÂNSITO.DOLO EVENTUAL. INOCORRÊNCIA. CULPA CONSCIENTE. DESCLASSIFICAÇÃO. 1. Para que se conclua se o crime foi praticado com dolo eventual ou culpa consciente é necessário examinar as circunstâncias de cada caso, não sendo possível aplicar fórmulas pré-determinadas. 2. Inexistindo nos autos elementos suficientes para comprovar que o agente, com sua conduta, assumiu o risco de produzir o resultado morte, a desclassificação é medida que se impõe, reconhecendo-se a existência de culpa consciente e não de dolo eventual. TJ-MG - Emb Infring e de Nulidade 10481120070059002 MG (TJ-MG). Data de publicação: 03/07/2014.

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Sendo assim para que configurar dolo eventual ele necessitaria embriagar-se ou dirigir em alta velocidade com a intenção de realizar o resultado, o que na grande parte dos casos não ocorre, na culpa consciente, ao contrario, o agente acredita sinceramente que o evento não ocorrerá, contando com o acaso ou com a sorte. Greco (p. 2013) faz uma reflexão acerca do tema e diz que o clamor social não pode mudar a estrutura jurídica de nosso código, não se pode aplicar uma fórmula matemática quando necessário é análise no caso concreto. Porém não há como conceber que um bem jurídico tão importante como a vida, seja tutelada pela sorte ou acaso. O STF se pronunciou no informativo 639 optando pela culpa consciente, mesmo aquele agente que se embriagou voluntariamente, o Supremo entende que é necessária a apresentação de provas para considerar a intenção do réu de causar o dano.

Em conclusão, a 1ª Turma deferiu, por maioria, habeas corpus para desclassificar o delito de homicídio doloso para culposo na direção de veículo automotor, descrito na revogada redação do art. 302, parágrafo único, V, da Lei 9.503/97 - CTB (“Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: ... Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: ... V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos”) — v. Informativo 629. Inicialmente, ressaltou-se que o exame da questão não demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório, mas apenas revaloração jurídica do que descrito nas instâncias inferiores. Em seguida, consignou-se que a aplicação da teoria da actio libera in causa somente seria admissível para justificar a imputação de crime doloso no caso de embriaguez preordenada quando ficasse comprovado que o agente teria se inebriado com o intuito de praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo, o que não ocorrera na espécie dos autos. Asseverou-se que, nas hipóteses em que o fato considerado doloso decorresse de mera presunção em virtude de embriaguez alcoólica eventual, prevaleceria a capitulação do homicídio como culposo na direção de veículo automotor em detrimento daquela descrita no art. 121 do CP. O Min. Marco Aurélio acrescentou que haveria norma especial a reger a matéria, com a peculiaridade da causa de aumento decorrente da embriaguez ao volante. Sublinhou que seria contraditória a prática generalizada de se vislumbrar o dolo eventual em qualquer desastre de veículo automotor com o resultado morte, porquanto se compreenderia que o autor do crime também submeteria a própria vida a risco. Vencida a Min. Cármen Lúcia, relatora, que denegava a ordem por reputar que a análise de ocorrência de culpa consciente ou de dolo eventual em processos de competência do tribunal do júri demandaria aprofundado revolvimento da prova produzida no âmbito da ação penal.
processo/verProcessoAndamento.asp?numero=107801&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M">HC 107801/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 6.9.2011. (HC-107801)

CONCLUSÕES

A jurisprudência majoritária tem aplicado à culpa consciente em grande parte desses casos (acidente de trânsito resultado da embriaguez/ velocidade excessiva), porém há decisões em sentido de aplicar o dolo eventual, considerando assim que o individuo assumiu o risco de causar lesão grave em alguém que pudesse ser atingido pelo veículo. Os dois encontram verdade a depender do caso concreto, não podendo apenas, aplicar uma fórmula onde sempre será admitida a culpa consciente ou o dolo eventual. Os crimes de trânsito em sua regra são culposos, porém tendo em vista alguns aspectos, poderá ser punido tendo em vista o dolo eventual do agente que associou grandes quantidades de bebida alcoólica e alta velocidade, assumindo de forma concreta, tendo em vista a senso do homem médio, o risco de matar ou casar lesão, conforme entendimento do STF apontado acima.



 

BIBLIOGRAFIA (ainda vou editar já que estou sem o acesso de alguns livros que usei)

 

A linha tênue que distingue o dolo eventual da culpa consciente nos homicídios de transito. Disponível: < http://jus.com.br/artigos/22800/a-linha-tenue-que-distingue-o-dolo-eventual-da-culpa-consciente-nos-homicidios-de-transito/3#ixzz3tTviLcvS>. Acesso em: 05 de dezembro de 2015.

BRASIL, Lei 9.503/1997. Código de Trânsito Brasileiro. Disponível < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm>. Acesso em: 05 de dezembro de 2015.

Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. – 15 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

Embriaguez e Dolo Eventual. Disponível: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/2509611/embriaguez-e-dolo-eventual>. Acesso: 05 de dezembro de 2015.

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Sobre as autoras
Semiramys Fernandes Tomé

Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Católica de Quixadá lecionando as disciplinas de de Prática Civil, Direito Penal II, Direito Penal IV, Direito Processual Penal I e Direito Civil VI (Sucessões) desde 2012.2. Docente convidada do Módulo de Direito Penal - Parte Especial do curso de pós-graduação em Direito e Processo Penal em 2014.2 da Faculdade Católica Rainha do Sertão - FCRS. Advogada atuante no Estado do Ceará, inscrita na OAB/CE sob o nº 22.066. É especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Vale do Acaraú- UVA (2010). Possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR (2009.1). Possui experiência na área de Direito, com ênfase em Direito e Processo do Trabalho e Direito e Processo Penal. Bolsista Funcap. Membro do grupo de pesquisa Mulheres e Política junto ao CNPQ. É autora de diversos artigos e capítulos de livro sobre temas de significativo relevo na área jurídica.

Gabriela Nobre Moreira

Graduada em assistência social, Discente do 4º semestre em direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá - Unicatólica

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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