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O processo judicial como instrumento de controle dos atos emanados pelos agentes dos Poderes da República

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03/05/2004 às 00:00
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A Importância do Processo no Estado Democrático de Direito

Verificamos que um dos itens necessários para a constituição e a manutenção de um Estado de Direito é que estejam assegurados direitos aos cidadãos. Todavia, de nada adiantará assegurar os direitos se não houver a previsão constitucional para apresentar instrumentos que possibilitem que o cidadão se oponha ao Estado, caso esses direitos sejam desrespeitados.

Daí que a caracterização desse Estado de Direito passa por quatro pilares importantíssimos que devem estar consagrados no texto constitucional (o que ocorre na Constituição brasileira): a) princípio da separação dos poderes; b) princípio da legalidade; c) princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional; e, d) indicação de instrumentos próprios para assegurar o respeito aos direitos dos cidadãos.

Ainda que de forma breve, necessária a explicação sobre cada um dos pilares que apontamos.

O poder é uno. A operação do poder, a sua funcionalidade é que pode e deve ser dividida. Assim, num Estado de Direito, o Poder deve ser realizado por pessoas distintas, daí a necessidade da separação dos poderes (tecnicamente entendemos correto o termo separação de funções).

Ponto fundamental para essa separação de poderes está na independência de cada um dos Poderes da República em relação aos demais, mas agindo de forma harmônica e dentro do sistema de freios e contrapesos. Não é nosso objetivo aqui analisar o sistema constitucional brasileiro de separação de poderes e o sistema correlato de freios e contrapesos. O nosso trabalho parte do pressuposto de que o texto constitucional aponta condições para a independência do Poder Judiciário (ainda que o órgão máximo desse Poder – o Supremo Tribunal Federal – seja todo ele indicado pelo Chefe do Poder Executivo da União).

Ora, o sistema constitucional proporciona que o Poder Judiciário julgue as ações ainda que contrariamente aos interesses dos demais Poderes, mas desde que em concordância com os ditames constitucionais.

E o exercício constante da requisição da tutela jurisdicional é fundamental para a manutenção do Estado de Direito.

Nesse sentido, as lições importantes de Geraldo Ataliba [14]:

Um velho provérbio chinês diz que, quanto mais usadas as escadas dos tribunais, tanto menos utilizadas serão as cadeias. Milenar sabedoria! Se todos levarmos nossas querelas, contendas e litígios ao Judiciário, todos ganharemos e o Direito esplenderá. Se, da perspectiva política, soubermos solucionar juridicamente – vale dizer: na conformidade da Constituição – as questões constitucionais, então estaremos sabendo dar eficácia à legalidade, à igualdade, à proteção aos direitos personalíssimos, às liberdades políticas, às condições de trabalho, exercício profissional e da livre empresa etc. E isso só o Judiciário pode serena e objetivamente garantir. Daí que ele deve ser forte, moral e culturalmente. Daí que seja preciso pedir, instar, postular, com confiança e com insistência.

Para, entretanto, que tais postulações não caiam no vazio é mister que os tribunais retomem plena consciência de que seu precípuo compromisso com o Direito está, em primeiro lugar, na fidelidade à Constituição.

Da lição acima já vislumbramos a correlação direta desse princípio – o da separação dos poderes – com o princípio da legalidade. O Poder Judiciário tem compromisso com a Constituição e com a lei e não com os interesses dos governantes ou legisladores.

Não há interesse público maior do que a defesa à Constituição e à lei! [15]

Por esse motivo o princípio da legalidade é pilar do Estado de Direito. O governo se dá por meio das leis que têm um processo próprio e democrático para a sua elaboração. Os agentes do Poder Executivos têm de se pautar na lei para realizar os atos de governo e os atos administrativos. E, quando houver dúvidas, discussões quanto à aplicação da lei ao caso concreto, ou, quando qualquer pessoa da sociedade verificar que a lei foi desrespeitada, caberá ao Judiciário, ser chamado para resolver a questão. Sempre pautado na lei!

Importante registrar, ainda, o terceiro pilar que indicamos, que é o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Ora, de nada adiantariam as duas garantias acima se algumas situações ficassem fora do alcance das decisões do Poder Judiciário.

Em razão da história brasileira, o legislador da Constituição de 1988, expressamente indicou no artigo 5º, inciso XXXV da CF que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito".

Como lembrado pelo Prof. Nelson Nery Junior [16] no passado tivemos restrição do acesso à justiça por meio do Ato Institucional n. 5 de 1968 que no seu artigo 11 determinou "excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos."

Em razão de indigitado AI 5 foram cometidas barbaridades em nossa Nação, sem que o Poder Judiciário pudesse se pronunciar, o que tornou o nosso Estado um Estado Polícia, um Estado Ditador.

Daí a preocupação do legislador constituinte em assegurar que toda lesão ou ameaça a direito poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário, pois, caso contrário, o
Estado de Direito não se sustenta.

E, caminhando para o quarto pilar indicado, há no texto constitucional, a indicação expressa de valiosos instrumentos para que o cidadão possa se insurgir contra atos dos agentes do Poder, garantindo assim o Estado de Direito.

No artigo 5º. incisos LXVIII a LXXIII da Constituição estão indicados importantes instrumentos processuais: o habeas corpus, o mandado de segurança individual, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, o habeas data e a ação popular.

Ao se analisar a união desses quatros fundamentos do Estado de Direito, verifica-se que o processo é um poderoso instrumento nas mãos dos cidadãos, posto que, sendo o Poder Judiciário um Poder independente que deve buscar, por meio de suas decisões, enaltecer a Constituição e dar cumprimento efetivo às suas disposições, além de pautar-se exclusivamente na lei.

Assim, concluímos pela inarredável importância do processo para a constituição e manutenção do Estado de Direito – e de um Estado Constitucional de Direito – e passamos a analisar alguns dos instrumentos citados, como ferramentas poderosas nas mãos dos cidadãos, com o objetivo de controlar os atos dos agentes dos poderes.


Breve análise dos principais instrumentos processuais que possibilitam ao cidadão o controle dos atos dos agentes dos poderes

A Constituição Federal aponta alguns instrumentos processuais que possibilitam que o cidadão de forma efetiva e por um caminho relativamente simples insurja-se contra atos emanados pelos agentes do poder que sejam ilegais, abusivos e atentatórios aos princípios e dispositivos constitucionais.

Dos instrumentos constitucionais citados podemos destacar: o mandado de segurança (individual e o coletivo) e a ação popular. Ainda citado na Constituição, dentre as atribuições do Ministério Público, há a indicação da ação civil pública [17] e, citamos também, a ação de improbidade administrativa. Esclarecemos, desde logo, que as duas últimas espécies de ações não podem ser propostas por cidadãos.

Apesar de apresentarmos dados da ação civil pública e da ação de improbidade administrativa, iremos nos centrar no mandado de segurança e na ação popular, visto que são aquelas ações que podem ser propostas diretamente pelos cidadãos, o que é o alvo de nosso trabalho.

Ação Popular

A ação popular ingressou no cenário jurídico por meio da Lei 4717 de 1965. Portanto, é um instrumento anterior à Constituição de 1967 e que ganhou status constitucional com o advento da Constituição de 1988 que em seu artigo 5º, inciso LXXIII determinou que:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Na clássica definição de Hely Lopes Meirelles [18], a ação popular:

É o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos.

Para nós a ação popular é o instrumento mais direto que o cidadão possui para insurgir-se contra os atos emanados por agentes públicos, fazendo com que os agentes públicos e as pessoas naturais ou jurídicas de direito privado que foram favorecidas com tais atos, respondam (no sentido de serem responsabilizadas) por tais atos, que poderão ser cancelados; e, aqueles que obtiveram benefícios com os mesmos, serão obrigados a ressarcir o erário público.

Alexandre de Moraes [19] indica dois requisitos para a propositura da ação popular. O requisito subjetivo, posto que somente o cidadão (no sentido técnico da palavra) tem legitimidade para propor tal ação; e, o requisito objetivo, visto que, somente serão passivos de controle pela via da ação popular os atos ou omissões do Poder Público que forem lesivos ao patrimônio público, pela via da ilegalidade ou da imoralidade.

Assim, em todos os casos em que os agentes do poder público agirem por ação ou omissão de forma a lesar o patrimônio público, o cidadão poderá se insurgir, por meio do processo judicial, buscando a nulidade do ato ou da omissão e as indenizações correspondentes às lesões ocasionadas por tal ato ou omissão.

Processualmente há muito que dispor e tratar acerca da ação popular; entretanto, em vista dos objetivos propostos nesse trabalho, a perspectiva da nossa análise é verificar se tal instrumento é utilizado, com freqüência, pelo cidadão e, se, tal ação, nos casos em que é utilizada atinge os seus objetivos.

Mandado de Segurança

O Mandado de Segurança é um instrumento processual que surgiu em nosso ordenamento jurídico na Constituição de 1934 que já trazia em seu artigo 113, item 33 [20] a possibilidade da utilização dessa via processual para resguardar os cidadãos frente a atos ilegais emanados dos agentes públicos.

A Lei 1533/51 tratou especificamente da ação. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXIX, dispôs que:

Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público.

A Constituição de 1988 ainda inovou ao trazer a figura do Mandado de Segurança Coletivo que pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída há mais de um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. [21]

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Novamente Hely Lopes Meirelles traz um conceito clássico ao instituto jurídico processual em comento [22], ao dispor que o mandado de segurança é:

O meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, mas não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

Desse conceito já se destaca a grande função do mandado de segurança, qual seja, a de possibilitar que qualquer pessoa ingresse em Juízo para ver resguardado um direito líquido e certo seu (isto já demonstra que nesse tipo de processo não há possibilidade de dilação probatória) que foi lesado ou que está ameaçado de ser lesado por ato ilegal ou com abuso de poder.

Naturalmente já se verifica que tanto o mandado de segurança individual como o coletivo têm por objetivo a desconstituição de ato emanado por um agente público que lhe atinge diretamente, o que já o diferencia da ação popular, posto que, neste caso (da ação popular) o ato ou a omissão que se visa a anular atinge o patrimônio público. Entretanto, essa característica do mandado de segurança permite, por seu turno, que os cidadãos se insurjam contra as ilegalidades e os abusos de poder que ocorrem no dia-a-dia, diminuindo a sua dignidade e os seus direitos. E, insurgindo-se contra tais ilegalidades, fortalecem o Estado de Direito e legitimam o Estado Constitucional de Direito.

Os exemplos que serão trazidos à colação no tópico seguinte são importantes demonstrações dessa assertiva.

Ação Civil Pública

A ação civil pública tem menção constitucional dentre as atribuições do Ministério Público, consoante dispõe o artigo 129, inciso III da Constituição Federal, nos seguintes termos:

Art. 129 São funções institucionais do Ministério Público:

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

A lei 7347/85 trata dessa espécie de ação que, como indicamos anteriormente, somente pode ser proposta pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios, autarquias, empresas públicas, fundação, sociedade de economia mista e associação, desde que esteja constituída há pelo menos um ano e que inclua, dentre as suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

E, nos termos da legislação aplicável, a ação civil pública terá por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, em razão de ações de agentes públicos ou particulares que causem danos ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Os entes competentes para propor tal ação agem, dentre outros motivos, movidos pela solicitação popular, em especial naqueles atos que causam danos ao consumidor e ao meio ambiente. Além do mais, por própria disposição legal, a ação civil pública não substitui a ação popular e vice-versa, de tal forma que, o cidadão, pela via da ação popular, sempre poderá questionar os atos dos agentes públicos lesivos ao patrimônio público.

Evidentemente que a participação do cidadão nessa espécie de ação é secundária e indireta, mas, a nosso ver, tem um papel relevante, posto que todas as vezes que o cidadão denuncia, exige os seus direitos, ainda que em forma de petição, reclamação, informação junto ao Ministério Público ou órgão de classe ou associações, ele, indiretamente, ajuda a contribuir para que todos respeitem a lei.

Há muitos exemplos de ações civis públicas que trouxeram muitos benefícios à população, o que verificaremos no item seguinte.

Ação de Improbidade Administrativa

A lei 8429/92 trouxe um importante instrumento para o controle dos atos dos governantes. Tal lei "dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências."

De acordo com o artigo 14 da referida lei "qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade"; contudo, a propositura da ação cabe ao Ministério Público, apesar de existir decisões que alargam tal competência para as mesmas pessoas que têm legitimidade para a propositura da ação civil pública.

Não há empecilho legal para que sobre o objeto da ação de improbidade também seja proposta a ação popular.

Entendemos que da mesma forma que, na ação civil pública, na ação de improbidade administrativa, não há legitimidade do cidadão para propor tal ação; entretanto, poderá contribuir, representando junto à autoridade competente sempre que tiver conhecimento de supostos atos de improbidade administrativa, cometidos pelos agentes públicos.

É também um meio importante de controle dos governantes.

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Sobre a autora
Susy Gomes Hoffmann

Advogada em Campinas, Mestre e Doutora em Direito do Estado pela PUC-SP, Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito da PUC-Campinas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HOFFMANN, Susy Gomes. O processo judicial como instrumento de controle dos atos emanados pelos agentes dos Poderes da República. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 300, 3 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5188. Acesso em: 17 mai. 2024.

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