Os Direitos Humanos não são direitos para proteger bandidos.

12/09/2016 às 11:54
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As garantias constitucionais conceituadas como Direitos Humanos não são, portanto, “privilégios de bandidos”, elas são o resguardo à disposição de todo cidadão, protegendo-o contra os excessos de um poder ilimitado.Defender os direitos humanos não é defender um indivíduo isoladamente, é defender toda a sociedade.

                    

É comum aparecer algum vetusto policial vituperando contra os direitos humanos. Essa mistura de ignorância com índole propensa à pratica impune da violência contra a pessoa humana, principalmente as mais frágeis e indefesas, ganha adesão nos programas televisivos sensacionalistas - e muitas pessoas comuns repetem os jargões produzidos por algozes de todas as estirpes. As polícias, órgãos de imprensa e um considerável número de pessoas de todos os níveis sociais cometem infindáveis desatinos quando abrem a boca para falar sobre os Direitos Humanos, principalmente em situações de prisão de alguém acusado de crime de grande repercussão ou de maior repúdio social. As tolices mais comuns podem ser enumeradas assim: 1) “Direitos humanos só servem para proteger bandidos”.  Não é verdade. Direitos Humanos são um conjunto de garantias fundamentais à disposição de todos os seres humanos. São direitos conquistados ao longo da história das civilizações, frutos de árduas lutas do homem contra o poder opressivo e totalitário do Estado. São uma maneira de assegurar à qualquer pessoa um razoável equilíbrio entre a impotência do cidadão diante da força do Estado, através dos seus agentes públicos, notadamente diante daqueles que utilizam armas e são imbuídos da repressão penal, mais propensos à exacerbação e extrapolação de suas finalidades. O poder do Estado, com todo o seu aparato, tende a invadir e subjugar o cidadão afetando-o e oprimindo-o em sua dignidade como pessoa humana. O indivíduo, quando é preso como acusado de algum crime, não perde a condição de pessoa humana. Desta forma, deve ser submetido a um julgamento dentro das normas processuais, assegurando-lhe o direito de não ser submetido a tratamento desumano e cruel, como a prática de tortura para obtenção de confissão ou assumir autoria de crime que não cometeu. Caso não houvesse o mínimo de garantias, o poder do Estado seria ilimitado, fazendo-nos retroceder ao estágio de barbárie. Defender os direitos humanos não é defender um indivíduo, isoladamente, é defender toda a sociedade. Qualquer pessoa, mesmo inocente, poderá vir a ser perseguida injustamente pelos órgãos ou agentes do poder do Estado. As garantias constitucionais conceituadas como Direitos Humanos não são, portanto, “privilégios de bandidos”, elas são o resguardo à disposição de todo cidadão, protegendo-o contra os excessos de um poder ilimitado. São direitos herdados em decorrência do resultado de uma longa história. Foram debatidos ao longo dos séculos por filósofos, juristas, sociedade em geral e, por ser tão valioso para o progresso da humanidade, passou a integrar o rol de normas positivas de defesa do cidadão. Na Inglaterra, surgiu através da Carta Magna de 1215, dando garantias contra as arbitrariedades do Rei e influenciou o surgimento de outras garantais como o Acto Habeas Corpus, em 1679. A Declaração Americana da Independência, de 4 de julho de 1776, previu os direitos naturais do ser humano que o poder político deve respeitar. Esta Declaração foi inspirada na Declaração de Virgínia, proclamada em 12 de junho de 1776, na qual constava a noção de direitos individuais. Entretanto, foi a partir da Carta das Nações Unidas, de 20 de junho de 1945, que a noção de Direitos Humanos ganhou mais ênfase e abrangência ao estipular que as gerações devem “proclamar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana...” A partir dessas diretrizes, em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este documento histórico inspirou o surgimento de diversos instrumentos internacionais de proteção aos direitos e garantias inerentes à pessoa humana e serve de diretriz geral para a elaboração e resguardo dos direitos e garantias fundamentais do cidadão no âmbito das cartas políticas dos Estados. Em nível internacional podem ser citados, como exemplos de relevantes instrumentos de direitos humanos, a Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 4 de novembro de 1950 e a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969. Esta Convenção, dentre outros direitos civis e políticos, consagra o direito à vida, à integridade pessoal, o direito à liberdade, às garantais judiciais, à proteção da honra, à dignidade, à liberdade religiosa e de consciência, à liberdade de pensamento, de expressão e de livre associação. Além de tantos outros acordos internacionais de proteção aos direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário, temos, em nossa Constituição Federal, o artigo 5.º, e seus incisos, com extensa enumeração dos direitos e garantais da pessoa humana. 2) “A vítima morreu, mas não se vê ninguém dos Direitos Humanos consolando a família”. Direitos humanos não são indivíduos, pessoas. Direitos Humanos, repita-se, são um conjunto de normas de proteção a qualquer cidadão contra a onipotência do Estado, definido por Thomas Hobbes como “o grande Leviatã”. O que existem são pessoas que militam, voluntariamente ou poder dever de ofício em defesa dos Direitos Humanos, prestando relevante serviço à toda a humanidade, no sentido de zelar pela eficácia e continuidade das normas de proteção à pessoa humana, normas estas que foram conquistadas às custas de muita luta, sangue, tendo tantas pessoas sucumbido, dedicando suas vidas para a construção de um mundo mais civilizado e melhor, ao longo da história das civilizações. Os militantes dos Direitos Humanos não existem para chorar em velório nem para consolar enlutados, eles atuam como vigilantes e contra o desrespeito às normas que são uma garantia de toda a sociedade. Os agentes do poder do Estado, mais comumente as polícias, não raramente empenham-se em se utilizarem de poder desmesurado e que legal e legitimamente não o possuem, fazendo uso da truculência e em desvio de suas finalidades. A pretexto de estarem combatendo a criminalidade, transformam-se em criminosos e tentam fazer letra morta das garantais fundamentais que protegem a pessoa humana. Muita gente da sociedade se diz contra os Direitos Humanos e defende a atuação truculenta e violenta das polícias quando se trata de criminoso pobre e de classe social distinta. Entretanto, é comum cada pessoa que se considera “insuspeita” ou “cidadão de bem” ter consigo contato ou proximidade de amizade com algum superior hierárquico das polícias a quem recorrem imediatamente quando são pegos em situações de delitos. Nessas ocasiões a elite social tem o hábito de reclamar do “atrevimento”, da “arbitrariedade” e, principalmente, do “despreparo” dos agentes policiais. As pessoas que lutam pela defesa e respeito aos Direitos Humanos não “defendem bandidos”. Elas defendem o direito de defesa e as garantais que todo acusado tem diante de um processo criminal. Os militantes ou defensores dos Direitos Humanos são, evidentemente, pessoas como qualquer outra. Desta forma, elas também são vítimas da insegurança, da violência e, por isso, desejam que os autores de crimes sejam exemplarmente julgados e punidos. Entretanto, para que o infrator seja punido, nem o Estado, nem a sociedade, precisa retroceder ao estado de barbárie e promover o linchamento público do acusado. Precisa e deve, sim, pautar-se por normas e garantias do devido processo legal. A humilhação, a tortura, bem como outros atos que atentem contra a dignidade da pessoa humana, ainda que seja contra um acusado de crimes atrozes, não é uma violência contra apenas o indivíduo; é uma violência e uma ameaça contra toda a sociedade. Permitir o desrespeito a uma pessoa, por ser ele acusado de um crime, constituirá no primeiro degrau do qual o Estado precisa para exercer os seus desmandos contra todos os cidadãos. Por outro lado, a mídia sensacionalista, quando esbraveja suas infâmias contra os defensores dos Direitos Humanos, ela o faz não por estar indignada com o crime e a violência. Ao contrário, ela sobrevive disso. Ela apenas segue uma lógica perversa de mercado, pois se nutre das desgraças alheias. Expor ao ridículo, ao anátema, uma pessoa suspeita de um crime, promovendo o linchamento público e a antecipação de penas, através da morte moral e social, sem direito de defesa, representa um espetáculo de lucro fácil. Trata-se de uma produção barata e de enredo pronto, promovida às custas da honra alheia, explorando suas tragédias. Ao final, cinicamente, dão a esse espectro macabro o nome de “jornalismo”. Essa perversidade só é permitida pela sociedade quando se trata de pessoas seletivamente escolhidas como “sem honra”, “sem dignidade”. Para estas, o espetáculo nefasto é um “direito à informação” ou, mais inescrupulosamente, “liberdade de imprensa”. As polícias, em uma simbiose abjeta com alguns órgãos de imprensa, ultrajam e vilipendiam os Direitos Humanos, principalmente através da exposição vexatória da imagem das pessoas, a grande maioria pobre e desinformada. Todavia, quando os criminosos usam fardas ou ostentam distintivos, aí sim, deve ser preservado o direito à imagem e demais normas de Direitos Humanos. Recentemente, em Goiânia (GO), diversos policiais foram presos e muitos condenados como sendo autores de crimes desprezíveis como roubo, tráfico de drogas, homicídio, estupro, mas não tiveram suas imagens divulgadas para que a população pudesse ter a oportunidade de identificá-los e, ao encontra-los pelas ruas, ao invés de buscar neles proteção, deles corressem para se proteger. Tanto a imprensa quanto as corregedorias os acobertam, alegando que isso fere o “direito à imagem” e a dignidade da pessoa humana. É verdade. Concordamos. Entretanto, é preciso lembrar: as garantias dos Direitos Humanos são um direito de todos perante à lei. Os Direitos Humanos não são para proteger bandidos, nem mesmo quando os bandidos agem infiltrados nas instituições públicas. De igual maneira, os Direitos Humanos não devem ser invocados apenas quando os bandidos usam fardas, ostentam distintivos e cometem crime utilizando-se dos recursos e das estruturas do Estado.

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Sobre o autor
Manoel L. Bezerra Rocha

Advogado Criminalista, professor de Direito Penal, Processo Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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