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Tráfico internacional de pessoas.

A escravidão moderna fundada na vulnerabilidade da vítima

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23/09/2016 às 14:08
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3 A DIGNIDADE HUMANA E O TRÁFICO DE PESSOAS

No avanço dos anos, o princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o ponto central do amplo rol de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais que as Constituições e os instrumentos internacionais oferecem aos indivíduos e às coletividades.

É evidente que a dignidade humana adquiriu bastante força, tornando-se uma questão de grande polêmica e reivindicação, uma vez que esse termo pode ser observado nos mais diversos tipos de manifestações, sejam elas contra a fome, miséria, educação, saúde ou até mesmo moradia, enfim, em lutas que pleiteiam por direitos ainda não alcançados, ou retirados, por determinado grupo de pessoas.

Dentre os inúmeros direitos violados pelo tráfico de pessoas, encontra-se o princípio da dignidade humana que consiste, juridicamente, num aglomerado de direitos fundamentais que proporcionam ao ser humano uma proteção contra situações humilhantes e desumanas, assim como assegura ao indivíduo circunstâncias mínimas de subsistência, proporcionando-o, dessa forma, condições para que ele possa ter uma vida saudável e plena.

3.1 DIGNIDADE E DIREITOS HUMANOS

Existe uma ampla discussão acerca da dignidade da pessoa humana e os direitos humanos. A dignidade da pessoa humana é um direito e garantia individual estabelecida pela Constituição Brasileira Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, e é considerada a supremacia dos princípios constitucionais. Ela engloba uma diversidade de valores preservados pela sociedade, por isso a dignidade não deve ser analisada apenas no âmbito jurídico, mas também como um atributo pertinente a todo ser humano, como se fosse uma qualidade capaz de promover um maior reconhecimento moral e espiritual do indivíduo, a fim de que este preserve sua tranquilidade psicológica, fator essencial para o convívio harmônico da coletividade.

Sabendo-se que a dignidade humana, além de ser estabelecida constitucionalmente, é respaldada por valores universais, pode-se afirmar que ela constitui a soma dos direitos fundamentais com os direitos humanos. De acordo com os ensinamentos do renomado autor Sidney Guerra, “a terminologia “direitos humanos” é empregada para denominar os direitos positivados nas declarações e convenções internacionais”, portanto, possuem validade absoluta, posto que sua positivação independe da norma constitucional estabelecida pelos Estados.

Os direitos humanos adquiriram força e importância com a criação da Organização das Nações Unidas – ONU. Como ensina Francisco Rezek,“até a fundação das Nações Unidas, em 1945, não era seguro afirmar que houvesse, em direito internacional público, preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos”.

Ainda, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmada em 10 de Dezembro de 1948, evidenciou essa questão, afirmando os direitos básicos e liberdades fundamentais a que todos os seres humanos têm direito. Essa declaração teve, como alicerce, os sentimentos de humanidade e desprezo aos atos de atrocidade, despotismo e repressão, manifestados durante as guerras mundiais. Assim, seguindo os princípios da universalidade, inalienabilidade, interdependência e liberdade, os países acordaram, pela primeira vez, uma declaração abrangente de direitos humano.

No que concerne aos direitos fundamentais, o supracitado Sidney Guerra considera que “são aqueles aplicados diretamente, gozando de proteção especial nas Constituições dos Estados de Direito. São provenientes do amadurecimento da própria sociedade”. Tem-se, portanto, um âmbito de alcance menor, visto que eles são reconhecidos e positivados, apenas, na esfera de sua Constituição.

Sendo assim, tendo-se como exemplo o Brasil, uma vez alcançados os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, ao passo que esses são os direitos fundamentais estabelecidos pela nossaConstituição Federal de 1988 e, ainda, os direitos humanos estabelecidos, universalmente, o cidadão alcança o patamar da dignidade humana.

3.2 O TRÁFICO HUMANO E O DIREITO INTERNACIONAL

Em uma época de globalização do capital, informação e tecnologia, o tráfico internacional de pessoas funciona como uma indústria transnacional não contida por fronteiras nacionais.

O Direito Internacional caracteriza um poderoso mecanismo de combate ao tráfico internacional de pessoas. Atualmente, o mais respeitável e recente instrumento internacional, que estabelece como definir, prevenir e processar tráfico de seres humanos é a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado, também afamada como a Convenção de Palermo, e os seus Protocolos adicionais, principalmente, o Protocolo das Nações Unidas para Prevenir, Suprimir e Punir Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças.

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) é parte intrínseca da criação dessa Convenção, que hoje é a base principal do direito internacional na luta traçada contra o tráfico de pessoas. Com o escopo de complementar esse instrumento de combate, o UNODC, juntamente com outras organizações internacionais, estabeleceu a UN. GIFT, em março de 2007. Esta constitui uma estratégia global sobre esforços nacionais, instituindo metas a serem cumpridas por cada país, para pavimentar um caminho mais eficiente de combate a essa escravidão moderna.

A legislação internacional é composta por instrumentos que lidam com o tráfico de seres humanos desde a época da abolição da escravidão como, por exemplo, a Convenção sobre a Escravatura, assinada em 25 de setembro de 1926, que extinguiu a escravidão e criou uma mobilização internacional de perseguição aos seus praticantes. Em 1956 ela foi suplementada pela Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, para que, dessa forma, não houvesse lacunas para as práticas de trabalho forçado ou servidão por dívidas, abolindo, por completo, o problema da escravidão. Ocorre que, lamentavelmente, as práticas degradantes dos exploradores passaram a se direcionar para o tráfico clandestino de mulheres, crianças e adolescentes, viabilizando a continuidade do trabalho escravo.

As Convenções destinadas ao combate do tráfico de pessoas existiam mesmo antes da Convenção sobre a Escravatura. Todavia, percebe-se que, a partir da abolição das práticas escravistas, iniciou-se uma maior e árdua batalha contra qualquer forma de atividade exploradora. Portanto, a partir de 1926 e, logo após, com a criação das Nações Unidas, em outubro de 1945, surgiram diversas outras ferramentas, respaldadas no direito internacional, incluindo segmentos contra o tráfico de pessoas, buscando alcançar a valorização da pessoa humana. Dentre os instrumentos já criados para o combate dessa criminalidade, podemos citar: Convenção para Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças; Convenção Internacional relativa à Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores; Declaração Universal dos Direitos Humanos; a Convenção para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio; os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Direitos Políticos; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres; Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores; Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos da Criança Relativos à Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantil; e, finalmente, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que será analisada mais adiante. Estes instrumentos representam os esforços internacionais, passados e contemporâneos, para a eliminação do tráfico.

O direito internacional, portanto, representa uma grande base para a reunião das nações no confronto contra o tráfico humano. Ele estimula, através de tratados e convenções, a cooperação, de forma harmônica, da sociedade, para que cada país tome as providências necessárias dentro de seu território, de modo a prevenir, reprimir e punir essa criminalidade.

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3.2.1 A Convenção de Palermo

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, mais conhecida como a Convenção de Palermo, é um instrumento universal basilar de combate as organização criminosas internacionais. Criada e aprovada pela Assembleia-Geral da ONU no ano de 2000, em Nova York, entrou em vigor em 29 de setembro de 2003 e possui, hoje, 178 Estados-Membros. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) considera que caracterizam o crime organizado transnacional, as seguintes atividades: “tráfico ilícito de drogas; contrabando de migrantes; tráfico de pessoas; lavagem de dinheiro; tráfico ilícito de armas de fogo, de vida selvagem e de bens culturais”.

Ao ratificar esse ato normativo, cada país signatário se compromete, automaticamente, à adoção de uma série de providências estabelecidas pela Convenção, que auxiliam na averiguação, precaução, administração e confronto à criminalidade organizada, garantindo, dessa forma, que os Estados ajam em conjunto e com mais discernimento, para que a segurança pública seja alcançada.

Com o intuito de aprimorar as intenções da Convenção e tornar mais eficaz as estratégias de combate ao crime organizado, foram adicionados a essa Convenção três Protocolos, sendo cada um deles constantes de matéria intrínseca para cada modalidade deste delito. São eles: o Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças; o Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e o Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições.

Sabendo-se que os Protocolos citados acima possuem a finalidade de proporcionar uma parceria internacional para travar uma árdua luta contra o crime organizado e, tendo em vista que o presente artigo trata do tráfico internacional de pessoas, cabe-nos aqui abordar com especificidade sobre o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças.

Esse documento suplementar a Convenção trata, exclusivamente, da questão do tráfico humano internacional, dando um maior enfoque para mulheres e crianças, uma vez que essas são as vítimas com maior índice de vulnerabilidade. É um Protocolo que possui uma linguagem global sobre a definição, prevenção e assistência às vítimas do tráfico de pessoas, protegendo os direitos humanos. Além disso, estabelece os parâmetros de cooperação judiciária e troca de informações entre os países. Seu propósito cinge-se em auxiliar o desenvolvimento de uma legislação nacional pertinente e eficaz, para que cada país signatário, num sistema internacional de cooperação, consiga hostilizar este crime.

A necessidade do Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, em orientar os seus Estados parceiros sobre uma legislação adequada, é aclarada pelas palavras de Joy Ngozi Ezeilo, advogada e professora universitária, escolhida pelo Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para examinar o tráfico global: “O tráfico de seres humanos requer uma resposta multilateral e multidisciplinar, e nenhum país ou entidade pode combatê-lo sozinho. O Governo tem a obrigação primária de proteger qualquer um dentro do seu território e jurisdição”. Percebe-se, dessa forma, a imprescindibilidade de uma ajuda mútua internacional, tendo em vista a dimensão que este crime transnacional apresenta.

É importante salientar que, para aderir a qualquer um dos Protocolos adicionais à Convenção de Palermo, o país interessado deve, obrigatoriamente, ratificar a Convenção. Sendo assim, o Estado que se tornar parte se responsabiliza pela criação de legislação pertinente para que, o disposto na Convenção, seja aplicado no âmbito doméstico.

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Sobre a autora
Maria Alice Medeiros

Advogada devidamente inscrita nos quadros da OAB/PB. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ (2014) e Pós-graduanda Lato Sensu em direito material e processual do trabalho pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba – ESMAT 13. Apaixonada por direitos humanos, constitucional e trabalhista.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Maria Alice. Tráfico internacional de pessoas.: A escravidão moderna fundada na vulnerabilidade da vítima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4832, 23 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52164. Acesso em: 18 dez. 2024.

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