Indignidade sucessória

21/09/2016 às 10:39
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Uma das formas da exclusão do herdeiro da sucessão é por meio do instituto da indignidade sucessória. O presente artigo tem o fito de apresentar as causas e fundamentos da indignidade bem como os procedimentos necessários para a sua efetivação.

Introdução

Orlando Gomes comenta que o fundamento da indignidade encontra-se, para uns, na presumida vontade do de cujus, que excluiria o herdeiro se houvesse feito declaração de última vontade e para outros atribuir os efeitos da indignidade, previstos na lei, ao propósito de prevenir ou reprimir o ato ilícito, impondo uma pena civil ao transgressor, independentemente da sanção penal.

Na primeira corrente é válido lembrar a possibilidade de o autor da herança perdoar ou reabilitar o indigno, por testamento ou outro ato autêntico, afastando por sua exclusiva vontade a causa da exclusão.

Em verdade, porém, inspira-se o instituto da indignidade num princípio de ordem pública, uma vez que repugna à consciência social que uma pessoa suceda a outra, extraindo vantagem de seu patrimônio, depois de haver cometido contra esta atos lesivos de certa gravidade. Por essa razão, atinge tanto os herdeiros legítimos quanto os testamentários, e até mesmo os legatários.

Conceito

O vocábulo “indignidade” deriva do latim indigitas, indicando a falta de dignidade, a injuria afrontosa, o demérito. O indigno (indignus), portanto, é aquele sujeito assim qualificado em consequência da prática de atos vis, baixos, injuriosos ou desrespeitosos em relação aos bons costumes e a outras pessoas.

Na seara do direito sucessório, a indignidade praticada pelo sucessor o leva à perda do direito subjetivo de herdar, sendo excluído ou afastado da transmissão hereditária.

Assim, conceitua-se a indignidade como a privação do direito hereditário, determinada por lei, a quem voluntaria e antijuridicamente cometeu tipificados atos ofensivos ao defunto ou a membros de sua família.

Conceitua Maria Helena Diniz como Instituto bem próximo da incapacidade sucessória é o da exclusão do herdeiro ou do legatário, incurso em falta grave contra autor da herança e pessoas de sua família, que o impede de receber o acervo hereditário, dado que se tornou indigno.

Em suma, a indignidade seria uma incapacidade particular de suceder em determinada sucessão na qual o herdeiro fosse considerado indigno, mantendo a capacidade nos demais processos sucessórios em que eventualmente pudesse ser chamado.

José de Oliveira Ascensão sustenta que o caráter relativo da exclusão indicaria estarmos diante de uma ilegitimidade sucessória passiva, e não de uma incapacidade sucessória passiva, ou seja, embora capaz, o indigno seria considerado ilegítimo de suceder. Para tanto, a indignidade teria o condão de anular a vocação hereditária, ou seja, a legitimação, que qualificava o sujeito como herdeiro ou legatário do de cuiús.

Entretanto, não merece prosperar a ideia de que a indignidade seria uma ilegitimidade.

O excluído do processo sucessório possui capacidade e legitimação hereditária, mas, por ter sido considerado indigno, é privado do seu direito subjetivo. Ele adquire o acervo, mas é punido posteriormente com a sua perda. Trata-se, portanto, de um impedimento objetivo..

Em outros termos, como acentua Carvalho Santos, a incapacidade/ilegitimidade impede que nasça o direito de suceder, enquanto na indignidade o impedi- mento reside na conservação da herança ou do legado.

Portanto, é possível reafirmar que a indignidade sucessória constitui uma sanção, pois impõe a perda de um direito subjetivo (o de suceder causa mortis), é prevista em lei, e é privada porque, além de estar inserida na codificação civil, atua unicamente no âmbito da relação patrimonial, sem acarretar implicações penais, vindo a gerar a ineficácia da capacidade/legitimação hereditária do sucessor indigno, que herda, mas não retém.

É válido consignar que a indignidade não é absoluta uma vez que o indigno pode ser reabilitado.

De acordo com o Código Civil em seu artigo 1.818, aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.

Como elucida Maria Helena Diniz, o herdeiro que incorreu em indignidade poderá ser perdoado pelo ofendido, porque ninguém melhor do que ele para avaliar o grau da ofensa sofrida.

A lei exige que o perdão seja de forma expressa, ou outro ato autêntico, pois feita a concessão, terá caráter irretratável impedindo que os demais herdeiros reabram tal debate.

Caso o perdão não seja expresso, mas o indigno é contemplado em testamento, neste caso subentende-se que houve a reabilitação tácita do indigno fazendo com que o reabilitado suceda na medida da disposição testamentária.

Ação declaratória de Indignidade

Proclama o artigo 1815 do CC que a exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença.

Assim, não basta a simples prática contra a lei que leva o herdeiro ou legatário a ser excluído, pois esta não é automática e depende de reconhecimento da causa da indignidade em sentença proferida em ação própria.

Ainda que tenha praticado o ato mais grave dos mencionados no artigo anterior e que enseja maior repulsa, qual seja, o homicídio doloso, o herdeiro não será́ excluído da sucessão automaticamente, senão mediante ação declaratória intentada com o objetivo de excluí-lo por decisão judicial.

A Ação Declaratória de Indignidade é uma ação onde o herdeiro indigno tem a chance de apresentar sua defesa, por conta disso não há o que se falar aqui em princípio da presunção de inocência.

Como o próprio nome já diz, ela tem natureza declaratória, qual seja a de consolidar uma situação jurídica já existente que é a pratica de um crime contra a pessoa do autor da herança.

O art. 1.596 do Código Civil de 1916 estabelecia que a ação só́ podia ser movida por quem tivesse interesse na sucessão. Assim, por exemplo, um filho do falecido podia ajuizar a demanda para excluir seu irmão indigno e, desse modo, aumentar seu quinhão, bem como um parente colateral podia propor ação para afastar o cônjuge sobrevivente. Esta deveria seguir o rito ordinário.

No diploma de 2002, não consta expressamente que a ação de exclusão deva ser movida por quem tenha interesse, nem sobre o rito, mas aplica-se as regras processuais gerais como a do artigo 17 do Código de Processo Civil de 2015 que expressa que para postular em juízo é necessário interesse e legitimidade.

Quanto ao legítimo interesse para o ajuizamento da ação de exclusão do indigno, acentua Silvio Rodrigues que o interesse é privado, e não público, de sorte que só aqueles que se beneficiariam com a sucessão poderiam propor a exclusão do indigno.

Dessa forma, se o herdeiro seja ele legítimo ou testamentário assassinou o hereditando, mas as pessoas a quem sua exclusão se beneficiaria preferissem manter-se silentes, o assassino não perderia a condição de herdeiro e receberia bens da herança, não podendo a sociedade, através do Ministério Público, impedir tal solução.

A Ação Declaratória de Indignidade deve ser proposta no prazo máximo de quatro anos contados a partir da abertura da sucessão, passados os quatro anos ocorre a decadência do direito de demandar a indignidade.

Como elucida Giselda Hironaka, O prazo de quatro anos traçado pela lei é decadencial, já que o direito de requerer a exclusão do indigno, que nasce para o interessado no momento da abertura da sucessão, é o direito potestativo que a lei assegura, e é sabido que os direitos potestativos sujeitam sempre a prazos decadenciais para seu exercício.

Efeitos

O herdeiro não será excluído pela indignidade senão por sentença declaratória de maneira exclusiva, ou seja, o efeito da indignidade é pessoal.

O artigo 1.816 do Código Civil expressa que o herdeiro excluído pela indignidade será considerado com se morto fosse antes da abertura da sucessão cabendo o seu quinhão aos seus descendentes.

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Se os descendentes forem incapazes, o herdeiro indigno não poderá ser o administrador nem terá direito ao usufruto, como está escrito no parágrafo único do artigo 1.816 do Código Civil dos bens que couberem a seus sucessores visto que a natureza jurídica da indignidade é de ser uma pena/sanção e não é considerado justo que aquele declarado indigno em decorrência de um fato imprevisível e superveniente venha a ter acesso aos bens que fora declarado não merecedor.

Em relação aos demais herdeiros, a sentença declaratória de indignidade tem efeito “ex tunc”, isto é, retroage a data da abertura da sucessão, portanto, como já discorrido a cima, serão chamados à suceder os herdeiros do indigno por não terem estes cometido atos considerados ofensivos.

Os herdeiros que substituírem o herdeiro indigno podem requerer perdas e danos sempre que constatarem prejuízo em razão da má administração do sucessor excluído feita antes da sentença declaratória, como demonstra o artigo 1.817 do Código Civil.

Outro efeito que pode ser encontrado também no artigo 1.817, agora no seu parágrafo único, é que os sucessores que vierem a se beneficiar da exclusão do indigno, fazem jus aos frutos e rendimentos que os bens produziram a época em que estiveram sob o cuidado do indigno.

Vale lembrar que o herdeiro indigno tem direito a indenização sobre as despesas empreendidas para a conservação dos bens, caso não haja indenização, configura-se o enriquecimento sem causa dos sucessores do indigno.

Quando se trata de aquisição de bem por terceiro de boa-fé a título oneroso, o negócio jurídico não poderá ser desfeito.

Essa determinação legal também do artigo 1.817 protege e privilegia a boa-fé daquele que, pensando ser o indigno realmente o herdeiro, efetua um negócio jurídico (perfeito) no sentido de este seja válido.

Dessa forma, preservado o negócio jurídico oneroso realizado sob a égide da boa-fé, poderão os sucessores prejudicados intentar perdas e danos em face do sucessor indigno.

Referências

ASCENSÃO José de Oliveira. Direito Civil: sucessões. 3. ed. São Paulo: Saraiva,2010.

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GOMES, Orlando ; Atualizador Mario Roberto Carvalho de Faria. Sucessões. 16. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2015.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, ed. 10. São Paulo: Saraiva. 2013.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Parte Especial do Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva. 2003,

POLETTO,  Carlos Eduardo Minozzo. Indignidade secessória e deserdação. ed. 1. Saraiva. 2012.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 26. ed. Atv. Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva, 2003 .

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 27. Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006. .

SANTOS. João Manoel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 13. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das sucessões. 26. ed. Atv. Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva, 2003.

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