Introdução
Orlando Gomes comenta que o fundamento da indignidade encontra-se, para uns, na presumida vontade do de cujus, que excluiria o herdeiro se houvesse feito declaração de última vontade e para outros atribuir os efeitos da indignidade, previstos na lei, ao propósito de prevenir ou reprimir o ato ilícito, impondo uma pena civil ao transgressor, independentemente da sanção penal.
Na primeira corrente é válido lembrar a possibilidade de o autor da herança perdoar ou reabilitar o indigno, por testamento ou outro ato autêntico, afastando por sua exclusiva vontade a causa da exclusão.
Em verdade, porém, inspira-se o instituto da indignidade num princípio de ordem pública, uma vez que repugna à consciência social que uma pessoa suceda a outra, extraindo vantagem de seu patrimônio, depois de haver cometido contra esta atos lesivos de certa gravidade. Por essa razão, atinge tanto os herdeiros legítimos quanto os testamentários, e até mesmo os legatários.
Conceito
O vocábulo “indignidade” deriva do latim indigitas, indicando a falta de dignidade, a injuria afrontosa, o demérito. O indigno (indignus), portanto, é aquele sujeito assim qualificado em consequência da prática de atos vis, baixos, injuriosos ou desrespeitosos em relação aos bons costumes e a outras pessoas.
Na seara do direito sucessório, a indignidade praticada pelo sucessor o leva à perda do direito subjetivo de herdar, sendo excluído ou afastado da transmissão hereditária.
Assim, conceitua-se a indignidade como a privação do direito hereditário, determinada por lei, a quem voluntaria e antijuridicamente cometeu tipificados atos ofensivos ao defunto ou a membros de sua família.
Conceitua Maria Helena Diniz como Instituto bem próximo da incapacidade sucessória é o da exclusão do herdeiro ou do legatário, incurso em falta grave contra autor da herança e pessoas de sua família, que o impede de receber o acervo hereditário, dado que se tornou indigno.
Em suma, a indignidade seria uma incapacidade particular de suceder em determinada sucessão na qual o herdeiro fosse considerado indigno, mantendo a capacidade nos demais processos sucessórios em que eventualmente pudesse ser chamado.
José de Oliveira Ascensão sustenta que o caráter relativo da exclusão indicaria estarmos diante de uma ilegitimidade sucessória passiva, e não de uma incapacidade sucessória passiva, ou seja, embora capaz, o indigno seria considerado ilegítimo de suceder. Para tanto, a indignidade teria o condão de anular a vocação hereditária, ou seja, a legitimação, que qualificava o sujeito como herdeiro ou legatário do de cuiús.
Entretanto, não merece prosperar a ideia de que a indignidade seria uma ilegitimidade.
O excluído do processo sucessório possui capacidade e legitimação hereditária, mas, por ter sido considerado indigno, é privado do seu direito subjetivo. Ele adquire o acervo, mas é punido posteriormente com a sua perda. Trata-se, portanto, de um impedimento objetivo..
Em outros termos, como acentua Carvalho Santos, a incapacidade/ilegitimidade impede que nasça o direito de suceder, enquanto na indignidade o impedi- mento reside na conservação da herança ou do legado.
Portanto, é possível reafirmar que a indignidade sucessória constitui uma sanção, pois impõe a perda de um direito subjetivo (o de suceder causa mortis), é prevista em lei, e é privada porque, além de estar inserida na codificação civil, atua unicamente no âmbito da relação patrimonial, sem acarretar implicações penais, vindo a gerar a ineficácia da capacidade/legitimação hereditária do sucessor indigno, que herda, mas não retém.
É válido consignar que a indignidade não é absoluta uma vez que o indigno pode ser reabilitado.
De acordo com o Código Civil em seu artigo 1.818, aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.
Como elucida Maria Helena Diniz, o herdeiro que incorreu em indignidade poderá ser perdoado pelo ofendido, porque ninguém melhor do que ele para avaliar o grau da ofensa sofrida.
A lei exige que o perdão seja de forma expressa, ou outro ato autêntico, pois feita a concessão, terá caráter irretratável impedindo que os demais herdeiros reabram tal debate.
Caso o perdão não seja expresso, mas o indigno é contemplado em testamento, neste caso subentende-se que houve a reabilitação tácita do indigno fazendo com que o reabilitado suceda na medida da disposição testamentária.
Ação declaratória de Indignidade
Proclama o artigo 1815 do CC que a exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença.
Assim, não basta a simples prática contra a lei que leva o herdeiro ou legatário a ser excluído, pois esta não é automática e depende de reconhecimento da causa da indignidade em sentença proferida em ação própria.
Ainda que tenha praticado o ato mais grave dos mencionados no artigo anterior e que enseja maior repulsa, qual seja, o homicídio doloso, o herdeiro não será́ excluído da sucessão automaticamente, senão mediante ação declaratória intentada com o objetivo de excluí-lo por decisão judicial.
A Ação Declaratória de Indignidade é uma ação onde o herdeiro indigno tem a chance de apresentar sua defesa, por conta disso não há o que se falar aqui em princípio da presunção de inocência.
Como o próprio nome já diz, ela tem natureza declaratória, qual seja a de consolidar uma situação jurídica já existente que é a pratica de um crime contra a pessoa do autor da herança.
O art. 1.596 do Código Civil de 1916 estabelecia que a ação só́ podia ser movida por quem tivesse interesse na sucessão. Assim, por exemplo, um filho do falecido podia ajuizar a demanda para excluir seu irmão indigno e, desse modo, aumentar seu quinhão, bem como um parente colateral podia propor ação para afastar o cônjuge sobrevivente. Esta deveria seguir o rito ordinário.
No diploma de 2002, não consta expressamente que a ação de exclusão deva ser movida por quem tenha interesse, nem sobre o rito, mas aplica-se as regras processuais gerais como a do artigo 17 do Código de Processo Civil de 2015 que expressa que para postular em juízo é necessário interesse e legitimidade.
Quanto ao legítimo interesse para o ajuizamento da ação de exclusão do indigno, acentua Silvio Rodrigues que o interesse é privado, e não público, de sorte que só aqueles que se beneficiariam com a sucessão poderiam propor a exclusão do indigno.
Dessa forma, se o herdeiro seja ele legítimo ou testamentário assassinou o hereditando, mas as pessoas a quem sua exclusão se beneficiaria preferissem manter-se silentes, o assassino não perderia a condição de herdeiro e receberia bens da herança, não podendo a sociedade, através do Ministério Público, impedir tal solução.
A Ação Declaratória de Indignidade deve ser proposta no prazo máximo de quatro anos contados a partir da abertura da sucessão, passados os quatro anos ocorre a decadência do direito de demandar a indignidade.
Como elucida Giselda Hironaka, O prazo de quatro anos traçado pela lei é decadencial, já que o direito de requerer a exclusão do indigno, que nasce para o interessado no momento da abertura da sucessão, é o direito potestativo que a lei assegura, e é sabido que os direitos potestativos sujeitam sempre a prazos decadenciais para seu exercício.
Efeitos
O herdeiro não será excluído pela indignidade senão por sentença declaratória de maneira exclusiva, ou seja, o efeito da indignidade é pessoal.
O artigo 1.816 do Código Civil expressa que o herdeiro excluído pela indignidade será considerado com se morto fosse antes da abertura da sucessão cabendo o seu quinhão aos seus descendentes.
Se os descendentes forem incapazes, o herdeiro indigno não poderá ser o administrador nem terá direito ao usufruto, como está escrito no parágrafo único do artigo 1.816 do Código Civil dos bens que couberem a seus sucessores visto que a natureza jurídica da indignidade é de ser uma pena/sanção e não é considerado justo que aquele declarado indigno em decorrência de um fato imprevisível e superveniente venha a ter acesso aos bens que fora declarado não merecedor.
Em relação aos demais herdeiros, a sentença declaratória de indignidade tem efeito “ex tunc”, isto é, retroage a data da abertura da sucessão, portanto, como já discorrido a cima, serão chamados à suceder os herdeiros do indigno por não terem estes cometido atos considerados ofensivos.
Os herdeiros que substituírem o herdeiro indigno podem requerer perdas e danos sempre que constatarem prejuízo em razão da má administração do sucessor excluído feita antes da sentença declaratória, como demonstra o artigo 1.817 do Código Civil.
Outro efeito que pode ser encontrado também no artigo 1.817, agora no seu parágrafo único, é que os sucessores que vierem a se beneficiar da exclusão do indigno, fazem jus aos frutos e rendimentos que os bens produziram a época em que estiveram sob o cuidado do indigno.
Vale lembrar que o herdeiro indigno tem direito a indenização sobre as despesas empreendidas para a conservação dos bens, caso não haja indenização, configura-se o enriquecimento sem causa dos sucessores do indigno.
Quando se trata de aquisição de bem por terceiro de boa-fé a título oneroso, o negócio jurídico não poderá ser desfeito.
Essa determinação legal também do artigo 1.817 protege e privilegia a boa-fé daquele que, pensando ser o indigno realmente o herdeiro, efetua um negócio jurídico (perfeito) no sentido de este seja válido.
Dessa forma, preservado o negócio jurídico oneroso realizado sob a égide da boa-fé, poderão os sucessores prejudicados intentar perdas e danos em face do sucessor indigno.
Referências
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