Revista íntima do empregado

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23/09/2016 às 07:42
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O objetivo do presente estudo consistiu em discorrer sobre os entendimentos divergentes sobre a possibilidade ou não da Revista Íntima efetuada pelo empregador a seus empregados.

Resumo

O objetivo do presente estudo consistiu em discorrer sobre os entendimentos divergentes sobre a possibilidade ou não da Revista Íntima efetuada pelo empregador a seus empregados.  Neste prisma, este trabalho foi conduzido buscando apoio nos direitos constitucionais.O limite entre o direito e o poder aqui narrado, leva a uma superioridade extrema: a integridade física e moral do ser humano.Entender estes institutos e sua percepção no cotidiano dos empregados e prepostos dos empregadores e seus reflexos na sociedade são vislumbrados aqui.As fontes utilizadas são de dados primários, como legislações específicas da área de direito do trabalho e constitucional, e dados secundários como a análise da doutrina e jurisprudências do TST. Revista íntima é o poder de disciplinar que o empregador possui pelo poder diretivo que exerce e também pela função social que exerce no Estado. A revista vem sendo admitida, mas não pode ser íntima, cabendo assim indenização por danos morais. Não se admite situações discriminatórias, vexatórias e humilhantes. A revista deve ser impessoal, e o empregador deve utilizar de tecnologia e métodos alternados para que a revista aconteça de forma secundária. Realizando a revista com limites, sem ofender a dignidade da pessoa humana, não há violação dos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Empregado. Empregador. Revista Íntima.

Abstract

The aim of this study was to discuss the divergent views on whether or not the Intima Magazine made by the employer to their employees. In this light, this study was conducted for support in limit constitucionais.O rights between the right and the power here narrated, leads to extreme superiority: the physical and moral integrity of the humano.Entender these institutes and their perception in the daily lives of employees and representatives of employers and their effects on society are envisioned aqui.As sources used are of primary data, such as specific legislation of labor law and constitutional area, and secondary data and the analysis of the doctrine and jurisprudence of the TST. intimate journal is the power to discipline the employer has the power steering exercising and also by the social role it plays in the state. The magazine has been admitted, but can not be intimate, so fitting compensation for moral damages. There shall be no discriminatory situations, embarrassing and humiliating. The magazine should be impersonal, and the employer must use technology and alternate methods for the magazine happens secondarily. Realizing the magazine with limits without offending the dignity of the human person, there is no violation of fundamental rights.

Keywords: Fundamental Rights. Employee. Employer. Intimate Journal.

 

1 – Introdução

O presente artigo visa discorrer sobre os entendimentos divergentes sobre a possibilidade ou não da Revista Íntima efetuada pelo empregador a seus empregados.

Revista Íntima é o exercício do empregador de revistar seus empregados, sendo uma medida de segurança para proteção de seu patrimônio.

O procedimento de revista pessoal dos funcionários se enquadra no poder de controle do empregador, no entanto, discute-se os limites ao poder de fiscalização do empregador.

O legislador fez inserir na CLT o artigo 373-A inciso VI, o qual estabelece que é vedado “proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”, a dúvida permanece quanto ao que seja “revista íntima”.

Inobstante inexistirem no ordenamento jurídico brasileiro regras claras que disciplinem a revista pessoal de empregados, há regras e princípios gerais capazes de orientar sua aplicação no caso de situações concretas. Se de um lado tem-se os princípios constitucionais que legitimam a revista do empregado, em razão da defesa do patrimônio do empregador, como o direito de propriedade (art. 5º, XXII da CF) e da livre iniciativa (art. 170 da CF), de outro tem-se a intimidade do empregado (art. 5º X da CF) bem como o princípio constitucional de que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, da CF).

Fora consagrada a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental em nosso ordenamento após a efetiva promulgação da Constituição Federal de 1988 no artigo 1º, III, donde ainda pode-se observar a bem-vinda positivação dos direitos de personalidade da pessoa, efetivamente no seu artigo 5º (caput e incisos V e X). A Revista íntima violaria este direito.

Também fora consagrado no texto constitucional o direito de propriedade (artigo 5º, XXII), sendo este o fundamento legal encontrado pelo empregador para o exercício do seu poder de direção. Porém este exercício estaria sendo praticado abusivamente.

2. Antecedentes Históricos

Pertinente transcrever os ensinamentos de João Caupers, citando Legas (2008, p. 171), para quem “há um direito fundamental para o homem, base e condição de todos os outros: o direito de ser reconhecido sempre como pessoa humana”.

Sabe-se que para falar da história dos direitos fundamentais, deve necessariamente falar também da história da limitação do poder, na medida em que parece plausível que a evolução e reconhecimento jurídico do primeiro está logicamente ligado a relativização do segundo, embora há de se reconhecer que é possível haver poder e respeito aos direitos fundamentais concomitantemente num Estado efetivamente evoluído em termos democráticos.

Resumidamente pode-se posicionar os direitos das pessoas em quatro grandes diferenciações de compreensão e extensão, segundo os sucessivos períodos de formação.

A primeira consiste na distinção no que Jorge Miranda (2006, p.33) define como “liberdade dos antigos e liberdade dos modernos”, ou seja, na distinção entre a maneira de encarar a pessoa na Antiguidade e a maneira de encará-la a partir do Cristianismo. É que para os antigos, a liberdade é, antes de mais nada, participação na vida da cidade, sendo que para os modernos, é realização da vida pessoal.

Já a segunda refere-se à tutela dos direitos própria da Idade Média e do Estado estamental e a tutela dos direitos própria do Estado moderno, mais particularmente do Estado constitucional. Ali, direitos (privilégios, regalias, imunidades) de grupos, de corporações, de ordens, de categorias; aqui direitos comuns, ou universais, ligados a uma relação imediata com o Estado, direitos do homem e do cidadão (ainda que sem excluir alguns direitos de categorias particulares).

A terceira, contraposição, dá-se entre direitos, liberdades e garantias e direitos sociais e é patenteado nas grandes mudanças políticas, ideológicas e sociais observadas dos séculos XIX e XX. Sendo o Estado liberal caracterizado por relativa homogeneidade, o mesmo não ocorre com o Estado social, que recolhe concretizações e regimes completamente diferentes. Aqui neste particular, assevera Canotilho (2005) não parecer “oferecer grandes dúvidas que o patrimônio dos ‘direitos naturais’ foi comum a todos os movimentos do séc. XIX, desde os liberais aos republicanos, passando por algumas facções do socialismo nascente.

Por fim, a quarta e última distinção prende-se com a proteção interna e a proteção internacional dos direitos do homem. Até há cerca de seis décadas atrás, os direitos fundamentais, concebidos contra, diante ou através do Estado, só por este mesmo poderiam ser assegurados. Agora, como se pode verificar, também podem ser assegurados por meio de instâncias internacionais.

No período pós revolução industrial, alguns empregadores passaram a revistar seus empregados para assegurar-se de que estes não levassem para casa algumas matérias primas utilizadas na produção de alguns bens de consumo (roupas, alimentos e etc).

No Brasil a revista íntima existe incólume há décadas, somente ganhando notoriedade após a reafirmação e sublimação dos valores humanos depois da nossa constituição de 1988.

2.1 Fundamentos do Poder Diretivo do Empregador

O poder de direção do empregador encontra seu fundamento no direito de propriedade (CF, artigo 5º, XXII), sendo certo que a própria Constituição Federal também lhe impôs como limitação expressa o atendimento da função social (CF, artigo 5º, XXIII, e artigo 173, §1º, inciso I).

Também encontra seu fundamento no artigo 2º da CLT, na medida em que o empregador “dirige a prestação pessoal do serviço”.          

Sucede que detendo o empregador este poder diretivo (também chamado de poder de comando), lhe é permitido definir e gerir toda a forma de como a atividade do empregado deverá se realizar.

Para o professor Maurício Godinho Delgado (1996), o poder de direção é definido como sendo:

o conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador, para o exercício no contexto da relação de emprego. Pode ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços (DELGADO, 1996, p. 235).

     Este poder de fiscalização se caracteriza pelo poder de controle num sentido amplo, ou seja, é o grupo de prerrogativas que detém o empregador para o acompanhamento eficaz e permanente das atividades executadas pelo empregado, incluída aí também certa vigilância necessária dentro das dependências da empresa, tais como o controle de acesso a internet, revistas íntimas, vigilância das portarias, monitoramento através de circuitos internos de televisão, etc.

3. A Legalidade da Revista Íntima

É certo que o empregador detém o poder de direção e deve exercê-los conjuntamente com os demais atos de gestão de seu negócio.

Também é certo que dentre os direitos fundamentais do empregado o indivíduo têm o direito à privacidade e a própria intimidade, ambos direitos consagrados no já citado artigo 5º, X, da Constituição Federal.

Ora, detendo o empregador o poder de direção cabe ao mesmo tornar eficaz toda e qualquer medida para que o risco de sua atividade seja efetivamente atenuado, sendo certo, porém, que este poder não se mostra absoluto, ou seja, há limitações.

Observa-se que várias empresas, sob a justificativa do aumento da produção, segurança do negócio, controle de estoque, fiscalização e comando dos empregados, têm monitorado os passos e atividades dos seus empregados, importando o fenômeno da revista íntima pessoal uma destas modalidades efetivamente adotadas para viabilização desse monitoramento.

Não sem razão, já que em alguns seguimentos a empresa tem o dever de fiscalização não só para com ela mesma e seus acionistas, mas também para com o Estado e com toda a sociedade. Trata-se de um dever social.

Alguns seguimentos do ramo farmacêutico têm dentre seus produtos industriais, determinadas drogas que, se o desvio não for eficazmente coibido, poderão ser objeto efetivo de comércio ilegal. Assim, a utilização de meios rigorosos para fiscalização com o objetivo de impedir a saída ilícita do medicamento da empresa é de certa forma uma obrigação. A empresa estaria obrigada a impedir (ou ao menos contribuir) para que não sejam estes medicamentos instrumentos de tráfico ilegal, já que a comercialização indiscriminada no mercado negro afeta significantemente a saúde pública.

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Esta seria uma hipótese cabível da institucionalização da revista íntima na empresa, que seria implantada em razão da empresa, por exemplo, manipular medicamentos psicotrópicos, chamados controlados, submetendo-se a fiscalizações severas de vários órgãos sanitários e até mesmo policiais.

Também na indústria de armamentos se justificaria a revista íntima para coibir o furto de armas e objetos que, obviamente, colocariam em risco a própria paz social.

Recentemente observa-se o caso do furto das provas do ENEM por três empregados da gráfica responsável pela impressão dos exames. Para evitar este tipo de ação e para cumprir condições contratuais de sigilosidade, poderia o empregador proceder a revistas dos empregados envolvidos no processo de impressão e transporte das referidas provas.

Importante salientar que estas medidas em nada se caracterizam como sendo discriminatórias.

Guilherme Machado Dray (2007) leciona que:

 não constituirão, pois, práticas discriminatórias, todas aquelas que se baseiem em convicções enraizadas na sociedade quanto ao reconhecimento da adequação social e ‘econômica’ de certos motivos de diferenciação, na medida, obviamente, em que tais convicções se revelem objetivamente adequadas ao tipo de atividade laboral que se visa desenvolver e desde que não se afigurem contrárias, como tal, à dignidade humana (DRAY, 2007, p. 110)

Assim a revista íntima, por si só, não é reprovada pelos Tribunais do Trabalho.

O próprio TST- Tribunal Superior do Trabalho tem admitido a revista íntima do empregado:

“RECURSO DE REVISTA. REVISTA NOS PERTENCES DO EMPREGADO (BOLSAS E SACOLAS). INEXISTÊNCIA DE DIREITO A DANO MORAL. A mera revista visual e geral nos pertences do empregado, como bolsas e sacolas, não configura, por si só, ofensa à intimidade da pessoa, constituindo, na realidade, exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder de direção e fiscalização. Recurso de revista conhecido e provido”. (Processo: RR - 2121700-69.2005.5.09.0029. Data de Julgamento: 07/04/2010, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 09/04/2010)

“RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL - REVISTA VISUAL DE BOLSAS E SACOLAS. A inspeção visual de bolsas, pastas e sacolas dos empregados, sem contato corporal ou necessidade de despimento, e ausente qualquer evidência de que o ato possua natureza discriminatória, não é suficiente para, por si só, ensejar reparação por dano moral. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido”. (Processo: RR - 1587500-13.2006.5.09.0012. Data de Julgamento: 17/03/2010, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 19/03/2010)

É que, conforme já salientado, isoladamente consideradas, as revistas, por si só, não têm o caráter de implicar em reconhecimento imediato de dano ou interferência na intimidade do empregado, conforme o já cita entendimento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho.

Jorge Miranda (2006, p. 34) assevera que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias “são ‘diretamente’ aplicáveis” e “nisto consiste aquilo a que pode chamar-se a revolução copernicana do Direito público europeu das últimas décadas”.

Canaris (2009) sustenta que “os direitos fundamentais devem ser aplicados a leis de direito privado como direito imediatamente vigente sendo que a vinculação do legislador de direito privado aos direitos fundamentais é ‘imediata’.

Esta é inclusive e efetivamente a linha doutrinária que defende que a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas é direta, já que a Constituição Federal está hierarquicamente em grau superior ao direito privado.

Outra corrente tem defendido justamente o contrário, ou seja, a teoria de que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas não pode ser efetivamente direta, mas indireta, eis que em plena vigência o princípio da autonomia da vontade no direito privado.

Mas este imediatismo na sua aplicação não significa caráter absoluto contra outras regras. Significa tão somente que a mesma independe de norma regulamentar, que colocaria em xeque a sua efetividade.

Não é absoluta quando conflitante com outras regras ou direitos também fundamentais, conforme a própria Constituição Federal previu no parágrafo único do mesmo artigo 5º:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (art. 5º CF, § 2º)

E isso em nada interfere nas chamadas ações afirmativas para concretização da norma fundamental, pois como já reiteradamente salientado, até os direitos fundamentais podem sofrer limitações quando conflitantes com outros.

3.1 A Derrogação do Direito a Revista Íntima

O freio legal ao poder fiscalizatório empresarial, tem origem no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988) e na regra constitucional da inviolabilidade da honra e intimidade das pessoas (art. 5º, X, do mesmo texto magno), e dá-se justamente no momento em que o exercício daquele direito do empregador colide diretamente com o do empregado, sendo o seu elemento divisor: o abuso do exercício.

Mauro Schiavi (2009, p.173), leciona que” o poder de fiscalização do empregador quando exercido com abuso, pode violar a intimidade dos empregados e causar-lhes prejuízo de ordem moral” (SCHIAVI, 2009, p. 173).

Guilherme Machado Dray (2007) leciona que o direito do trabalho, desde a célebre ‘Questão Social’, sempre avançou gradualmente no sentido da limitação das arbitrariedades e do poder de ‘direção’ do empregador, seja limitando a jornada, proibindo o trabalho infantil, protegendo as trabalhadoras grávidas ou protegendo o emprego e limitando o despedimento.

Agora, numa fase mais contemporânea, continua o jurista português, passa a atender a novos problemas, mais sofisticados, próprios da sociedade laboral hodierna, em que o exercícios dos poderes patronais lança mão da ciência e da tecnologia para efeitos de controlo e gestão da unidade produtiva.

E o vem fazendo muito bem, seja na esfera legal, doutrinária e na esfera jurisprudencial.

As limitações ao poder diretivo do empregador, quando abusivo, foram definidas em nossa Constituição Federal de 1988, especificamente nos artigos 1º, III (que encerra o princípio da dignidade da pessoa humana) e IV (valores sociais do trabalho), no artigo 5º, X (regra constitucional da inviolabilidade da honra e intimidade das pessoas) e nos artigos 5º, XXIII, e 173, §1º, inciso I (limitação expressa ao atendimento da função social).

A Lei n.º 9.799, de 26.5.1999, por seu turno, incluiu o artigo 373-A na CLT, deixando expresso, em seus vários incisos, a intenção legislativa em limitar o poder diretivo do empregador, quando dispôs:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

_____________

VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”. (Lei 9.799)

E, mais recentemente, o Código Civil de 2002 assim prevê:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. (Código Civil, 2002)

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. (Código Civil, 2002)

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (Código Civil, 2002)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.(Código Civil, 2002)

Pode-se observar assim que as normas supra citadas apresentam um traço denominador bem comum, ou seja, visa-se garantir um justo e efetivo equilíbrio entre a manutenção na esfera jurídica do trabalhador dos direitos que lhe assistem enquanto cidadão e o princípio da liberdade de gestão empresarial.

3.2 Paradoxos Doutrinários e Jurisprudenciais

3.2.1 Esfera Doutrinária

Também na moderna doutrina brasileira, observa-se manifestações das mais valiosas no tocante ao tema em comento.

O poder diretivo do empregador é obviamente uma realidade e porque não dizer uma efetiva necessidade para garantia até mesmo da manutenção do negócio empresarial, mas também encontra eco na doutrina a defesa da necessidade de se criar e manter certas limitações a este poder diretivo do empregador.

O professor Amauri Mascaro Nascimento (2003) leciona com a grande propriedade que sempre lhe é peculiar que:

abre-se, no direito do trabalho, uma esfera de proteção que não pode ser deixada unicamente à autonomia individual nos contratos de trabalho e à economia de mercado. Pressupõe mecanismos de atuação interferentes porque se situa em um âmbito de ordem pública social tão significativo para as relações trabalhistas como são os direitos fundamentais da pessoa para o direito constitucional, como são os direitos de personalidade(NASCIMENTO, 2003, p. 112).

E continua afirmando que a fiscalização não é um poder ilimitado sob pena de transgressão do direito à privacidade (ex: abuso nos meios de revista do empregado na saída da fábrica).  

Sandra Lia Simon (2003) é menos comedida ao afirmar que :

as revistas íntimas pessoais não encontram fundamento no poder de direção do empregador, por privilegiarem um único direito, o de propriedade, em detrimento de diversos valores constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana do trabalhador, seus direitos de personalidade, o princípio da presunção de inocência, as garantias dos acusados, o monopólio estatal da segurança (SIMON, 2003, p. 77).

Entende-se não ser interessante certa inflexibilidade, principalmente em casos efetivamente excepcionais, como salientamos em linhas anteriores. Obviamente sem exageros de qualquer sorte.

Importa ressaltar que seria bem razoável (num mundo ideal) a prevalência, nos contratos de trabalho, da predominância da boa-fé bilateral entre as partes.

Nessa linha Barros (2009, p. 121) bem leciona que

é de todos sabido que o contrato de trabalho envolve um mínimo de fidúcia entre ambas as partes. Se ao empregador remanesce dúvida sobre a integridade moral do candidato ao emprego deve, então, recusar a contratação. Não há como conciliar uma confiança relativa com o contrato de trabalho variável conforme a natureza da atividade da empresa.

Schiavi (2009), de forma extremamente pertinente assevera que,em compasso com o princípio da função social da empresa, deve o empregador investir em tecnologias para fiscalização de seu patrimônio sem precisar recorrer a revistas pessoais que causem grande constrangimento ao empregado.

3.2.2 Esfera Jurisprudencial

Como já assevera em linhas anteriores, a revista íntima, por si só, não é reprovada pelos nossos Tribunais do Trabalho.

O TST-Tribunal Superior do Trabalho tem admitido a revista íntima do empregado quando feita sem contatos físicos, de forma superficial, meramente visual e sem discriminação.

Todavia não tem tolerado de forma alguma as condutas abusivas dos empregadores que extrapolam do seu poder de direção, submetendo alguns empregados a tratamentos discriminatórios (elegendo os revistandos), humilhantes (revistas em público em roupas íntimas) e vexatórios (atacando a imagem ou a dignidade do empregado), conforme decisões atuais abaixo:

“...A Recorrente, em seu Apelo, sustenta que -as revistas, na forma como foram procedidas, não caracterizam ato ilícito ou passível de ofensa moral-, visto que apenas visavam à -proteção do patrimônio e salvaguardar a segurança das pessoas-. Afirma, ainda, que inexiste prova inequívoca quanto ao efetivo dano moral sofrido. O Recurso de Revista lastreia-se em afronta aos arts. 818 da CLT e 333, II, do CPC e em divergência jurisprudencial (a fls. 311/316). Não assiste razão à Recorrente. Inicialmente, afasta-se a discussão acerca do ônus da prova quanto ao dano moral, visto que a referida controvérsia não mereceu qualquer pronunciamento por parte da Corte de origem. Assim sendo, sob o referido enfoque, o Apelo encontra-se obstado pela Súmula n.º 297, I e II, deste Tribunal Superior. Por esta razão, inviável a constatação de afronta aos arts. 818 da CLT e 333, II, do CPC e de divergência jurisprudencial com os precedentes colacionados a fls. 314/316. De outro lado, o Regional, ao manter a condenação alusiva ao dano moral, lastreou-se na prova produzida no autos, que comprovaram as seguintes práticas por parte do empregador: a) os pertences dos empregados era revistados no início e no final da jornada de trabalho; b) os empregados sofriam revista junto às roupas que estavam vestindo; c) o procedimento de revista era discriminatório, visto que os empregados de hierarquia profissional superior não sofriam qualquer tipo de revista íntima. Assim sendo, constata-se que a revista íntima, além de ser feita de forma discriminatória, pois excluía os empregados de hierarquia superior, não era feita apenas nos pertences dos empregados, mas, também, junto às roupas que estavam vestindo. Inviável, por conseguinte, se reconhecer a especificidade com o aresto a fls. 313, pois o mesmo contempla hipótese em que a revista íntima era feita em empregados aleatoriamente escolhidos e sem qualquer excesso. Óbice da Súmula n.º 296, I, do TST.

Por fim, o paradigma a fls. 312 é oriundo de Turma do TST, hipótese não contemplada no art. 896,-a-,da CLT. Pelo exposto, não conheço do Recurso, no particular...” PROCESSO Nº TST-RR-1103100-85.2007.5.09.0016. ACÓRDÃO (Ac. 4.ª Turma).

As ementas abaixo colacionadas deixam patente e indiscutível este posicionamento:

“RECURSO DE REVISTA. NULIDADE DO JULGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Desfundamentado o recurso de revista, quando não indicado nenhum dos pressupostos de que trata o artigo 896, e alíneas, da CLT. Recurso de revista não conhecido. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VISTORIA DIÁRIA. EMPREGADOS EM ROUPAS ÍNTIMAS. A submissão de empregados a revistas apenas em roupa íntima juntamente com outros colegas de trabalho, cujo procedimento é repetido a cada vez que tivessem que entrar ou sair da empresa, configura prática vexatória e constrangedora, que fere a dignidade dos seus empregados, direito fundamental, irrenunciável, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido no tema. (...)”. (RR - 1388200-71.2004.5.09.0002 Data de Julgamento: 14/04/2010, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 23/04/2010).

“RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VISTORIA DIÁRIA. EMPREGADOS EM ROUPAS ÍNTIMAS OBRIGADOS A CAMINHAR EM FILA PARA SEREM VISTORIADOS. EVIDÊNCIA DE DANO MORAL.

 

4. Metodologia

Neste prisma este trabalho foi conduzido, buscando apoio nos direitos constitucionais.O limite entre o direito e o poder aqui narrado, leva a uma superioridade extrema: a integridade física e moral do ser humano.

Entender estes institutos e sua percepção no cotidiano dos empregados e prepostos dos empregadores e seus reflexos na sociedade são vislumbrados aqui.

As fontes utilizadas são de dados primários, como legislações específicas da área de direito do trabalho e constitucional, e dados secundários como a análise da doutrina e jurisprudências do TST.

4.1 Discussão dos Dados Encontrados

Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade objetiva do empregador em suas atividades encontra-se fundamentada em premissas circunstanciais.

Os direitos fundamentais incidem sobre as relações privadas, a dignidade da pessoa humana e a valoração do indivíduo regem com superioridade. Assim a  incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas não pode aniquilar princípios próprios do direito privados como a livre iniciativa e a autonomia da vontade.

5. Conclusão

O princípio da proporcionalidade tem sido acolhido pela doutrina para solução de conflitos entre princípios no âmbito das relações privadas. O artigo 927, p. único do CC se aplica no âmbito da responsabilidade civil do empregador em atividades de risco para a saúde do trabalhador, pois compatível com o sistema constitucional de melhoria da condição social do trabalhador (artigo 7º, “caput”, da CF).

A empresa, exercendo o seu poder diretivo e fiscalizador, pode proceder à revista de seus funcionários. No entanto, essa revista não pode ser íntima. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) prescreve no artigo 373-A que é vedado ao empregador ou preposto proceder a revistas íntimas das funcionárias. A Constituição Federal de 1988 não distingue homens e mulheres, portanto, a interpretação que vem sendo dada àquele dispositivo da lei específica se estende também aos homens.  

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende que se houver revista íntima, expondo o trabalhador a situação vexatória, cabe indenização por danos morais.

É possível, sim, a revista, mas com alguns cuidados e limites, sempre respeitando a intimidade, a honra e a imagem dos empregados. Antes de tudo, é necessário ter um motivo justo para tal ato, ou seja, que no estabelecimento ou setor haja bens suscetíveis de subtração e ocultação, com valor material, ou bens que tenham relevância para a atividade empresarial e para a segurança das pessoas.

Se for possível evitar a revista usando tecnologia (como os detectores de metal) ou vestimentas especiais (macacões sem bolso), deve ser priorizado o método alternativo. A revista, sempre, deve ser a última opção.

Em seguida, deve haver um ajuste prévio com a entidade sindical ou com o próprio empregado. O trabalhador deve ser avisado previamente que vai haver o procedimento. Em regra, nos instrumentos coletivos (acordos e convenções), são dispostas cláusulas tratando do assunto.

A revista deve ter, ainda, caráter geral e impessoal, utilizando critérios objetivos, com a menor publicidade possível, para não expor o empregado à situação vexatória. Só pode ser realizada no âmbito da empresa e de preferência ao término da jornada. Fora do estabelecimento, a competência é da autoridade policial.

Por fim, a revista deve ser discreta, com urbanidade e civilidade, sem expor o empregado a outros empregados ou ao público. Jamais poderá acontecer o despir de roupas ou mostrar partes íntimas do corpo e do vestuário. Homens revistam homens, mulheres revistam mulheres.

O objetivo da revista é uma medida para o controle maior do patrimônio empresarial, e se realizada de forma legal sem ofender a dignidade pessoa é eficaz e não viola os direitos fundamentais.

6. Referências

BARROS, Alice Monteiro. Direito de Privacidade e o poder diretivo. Disponível em: <www.revistadostribunais >. Acesso em 9 de ago 2016.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http:planalto.gov.br>.

CANOTILHO, José Joaquim. Os direitos fundamentais na Idade Média. Disponível em:< www.migalhas.com.br>. Acesso em 09  ago 2016.

CASTILHO, Auriluce Pereira; BORGES, Nara Rúbia Martins; TANÚS, Vânia. Manual de metodologia científica do ILES Itumbiara/GO / Itumbiara: ILES/ULBRA, 2014.

DELGADO, Maurício Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996.

DRAY, Guilherme Machado. Código do Trabalho Anotado. 5ª edição. Coimbra: Almedina, 2007.

MIRANDA, Jorge. In:  Escritos Vários sobre Direitos Fundamentais: Princípia Editora, 2006.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Princípios do direito do trabalho e direitos fundamentais do trabalhador. São Paulo: Revista LTr, 2003, vol. 67, n.º 08, agosto de 2003.

SIMON, Sandra Lia. Revistas pessoais: direito do empregador ou desrespeito aos direitos humanos fundamentais do empregado? Brasília: Revista do TST, vol. 69, n.º 02, jul/dez de 2003.

SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

_______, Código Civil (2002). Código Civil. in: VADE MECUM, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto.

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