RESUMO
O presente artigo analisa como a suprema corte Brasileira vem tecendo sua jurisprudência a respeito da perda do mandato eleitoral de deputados e senadores em decorrência da condenação criminal transitada em julgado, e trás um exemplo de caso real que permite a discussão sobre as diferentes leituras da Constituição Federal feita pelos poderes legislativo e judiciário brasileiro em relação a essa temática.
O Caso Donadon
O então atual deputado federal e também presidiário Natan Donadon, antes da sua diplomação como deputado federal, teria cometido crimes de desvios de recursos da Assembleia Legislativa de Rondônia enquanto diretor financeiro daquela casa; tal crime teve o seu processo remetido ao STF por conta de sua prerrogativa como deputado federal após diplomação. Na véspera do julgamento, ele renunciou ao mandato, entretanto a suprema corte decidiu julgá-lo e o condenou a pena de reclusão de treze anos, quatro meses e dez dias em regime inicialmente fechado, além de sessenta e seis dias- mútuas pelos crimes de formação de quadrilha e peculato.
Deputado e Presidiário
Conforme art. 55, inciso VI, a perda do mandato de deputado ou senador ocorrerá quando este sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado, mas neste mesmo artigo em seu § 2º ocorre a ressalta que neste inciso, a perda do mandato será decidida pela câmera dos deputados ou pelo senado federal por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional assegurada ampla defesa.
Ocorreu então que mesmo com a condenação em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal e estando este atualmente cumprindo pena em regime fechado no Presídio da Papuda a Câmera dos Deputados decidiu pela não cassação do Deputado Federal Natan Donadon. Observa-se então uma aparente antinomia entre o art. 55 e o art. 15 da Constituição Federal, pois este fala em seu inciso III que a condenação criminal transitada em julgado é causa suficiente para suspensão dos direitos políticos surgindo assim uma questão de embate entre o STF junto ao poder legislativo, pois aquele alega não ser possível alguém manter um cargo eletivo após suspensão de seus direitos políticos, cabendo assim ao poder legislativo fazer cumprir então sentença declaratória não cabendo a este decidir pela perda ou manutenção dos mandatos eletivos.
Jurisprudência do STF
Em julgamento ao RE 225. 019, o relator Ministro Nelson Jolbim, entendeu que o STF recebeu do Poder Constituinte originário a competência para processar e julgar os parlamentares federais acusados da prática de infrações penais comuns. Como consequência, é ao STF que compete a aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando presentes os requisitos legais para tanto. Diferentemente da Carta outorgada de 1969, nos termos da qual as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos deveriam ser disciplinadas por lei complementar (art. 149, § 3º), o que atribuía eficácia contida ao mencionado dispositivo constitucional, a atual Constituição estabeleceu os casos de perda ou suspensão dos direitos políticos em norma de eficácia plena (art. 15, III). Em consequência, o condenado criminalmente, por decisão transitada em julgado, tem seus direitos políticos suspensos pelo tempo que durarem os efeitos da condenação. A previsão contida no art. 92, I e II, do CP, é reflexo direto do disposto no art. 15, III, da CF. Assim, uma vez condenado criminalmente um réu detentor de mandato eletivo, caberá ao Poder Judiciário decidir, em definitivo, sobre a perda do mandato. Não cabe ao Poder Legislativo deliberar sobre aspectos de decisão condenatória criminal, emanada do Poder Judiciário, proferida em detrimento de membro do Congresso Nacional. A Constituição não submete a decisão do Poder Judiciário à complementação por ato de qualquer outro órgão ou Poder da República. Não há sentença jurisdicional cuja legitimidade ou eficácia esteja condicionada à aprovação pelos órgãos do Poder Político. A sentença condenatória não é a revelação do parecer de umas das projeções do poder estatal, mas a manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para sancionar, em caráter definitivo, as ações típicas, antijurídicas e culpáveis. Entendimento que se extrai do art. 15, III, c/c o art. 55, IV, § 3º, ambos da CR. Afastada a incidência do § 2º do art. 55 da Lei Maior, quando a perda do mandato parlamentar for decretada pelo Poder Judiciário, como um dos efeitos da condenação criminal transitada em julgado. Ao Poder Legislativo cabe, apenas, dar fiel execução à decisão da Justiça e declarar a perda do mandato, na forma preconizada na decisão jurisdicional. Repugna à nossa Constituição o exercício do mandato parlamentar quando recaia, sobre o seu titular, a reprovação penal definitiva do Estado, suspendendo-lhe o exercício de direitos políticos e decretando-lhe a perda do mandato eletivo.
Corroborando com tais pensamentos, na ação penal 470, o então relator Joaquim Barbosa voltou pela perda do mandato eletivo dos réus parlamentares chegando a esta conclusão pela interpretação lógico sistemática da Constituição, que enuncia a cidadania, a capacidade para o exercício de direitos políticos e o preenchimento pleno das condições de elegibilidade como pressupostos sucessivos para a participação completa na formação da vontade e na condução da vida política do Estado. No caso, os réus parlamentares foram condenados pela prática, entre outros, de crimes contra a administração Pública. Conduta juridicamente incompatível com os deveres inerentes ao cargo. Circunstâncias que impõem a perda do mandato como medida adequada, necessária e proporcional. Decretada a suspensão dos direitos políticos de todos os réus, nos termos do art. 15, III, da CF.
Em posição contrária no mesmo caso de AP 470, o então revisor MIN. Ricardo Lewandowski destacou que sendo os réus eleitos em 2010 não poderiam em consequência de eventual inelegibilidade decorrente da lei complementar 135, perder de forma automática os respectivos mandatos a revelia das regras constitucionais que lhe são aplicáveis, sendo que a condenação criminal dos deputados no referido caso, depois de transito em julgado, configura apenas condição necessária mas não suficiente para perda dos mandatos, a qual depende do competente processo na câmera; tal condenação fora das hipóteses do texto da carta magna implicaria num sério agravo ao consagrado sistema constitucional de freios e contrapesos que preveem a convivência independente porém harmônica entre os três poderes.
Em relação as decisões proferidas pela suprema corte observa-se a não coerência de decisões em casos similares pois em decisão sobre a ação penal 470 tivemos a decisão por maioria apertada que a perda do mandato parlamentar dos três réus que são deputados federais e que sofreram condenação criminal transitada em julgado é decorrência automática da condenação criminal. Todavia, em recentíssimo julgamento (08 de agosto deste ano de 2013), o STF, ao condenar o Senador Ivo Cassol (PP/RO) pelo crime de fraude a licitações, praticado quando exerceu o cargo de Prefeito do Município de Rolim de Moura (RO), decidiu que a formalização da perda do seu mandato parlamentar deveria se submeter a deliberação plenária do Senado Federal, dependendo a decisão pela perda do mandato do voto da maioria absoluta.
Enquanto uma corrente de ministros do STF entende que a Constituição estabelece, com especificidade, que, no caso de parlamentar que sofrer condenação criminal transitada em julgado, a perda do mandato será decidida pela Casa Legislativa, por voto secreto e maioria absoluta, conforme dispõem os comandos normativos do Art. 55, inciso VI e seu § 2°. Outra corrente faz uma interpretação mais sistêmica da CF através de inferências logicas envolvendo o art. 15 e o art. 55 da constituição bem como princípios gerais de moralidade presentes em nossa carta magna .
CONCLUSÃO
A interpretação isolada do inciso VI do art.55 da CF tem sido feita de forma errônea por alguns ministros do STF e tem como consequência absurdos nefastos que depõe contra a própria força moral do poder judiciário ao termos como exemplo casos de deputados que cumprem pena em regime fechado e que ainda permanecem formalmente legítimos representantes do povo, tal interpretação , para o bem entendimento de nossa constituição , não poderá deixar de observar uma hermenêutica sistêmica e teleológica. Uma possível solução para esse impasse poderá ser a aprovação e tramite final no processo legislativo da PEC18/13 que prevê a perda automática de mandato de parlamentares condenados por crimes contra a administração pública ou por improbidade administrativa.
BIBLIOGRAFIA
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