Recentemente, a mídia veiculou que um membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), utilizou de ofensas e humilhações a uma adolescente de quatorze anos, que havia sido estuprada. O crime foi imputado ao pai da vítima.
Abstendo-se em realizar qualquer juízo de valor, o fato narrado se coaduna com a denominada vitimização secundária, concebida no estudo da criminologia.
Diferentemente da vitimização primária (que se caracteriza pela conduta do indivíduo consoante a prática de determinado delito previsto em lei), a vitimização secundária surge a partir da conduta do próprio Estado, ou seja, os órgãos encarregados da persecução penal que realizam a vitimização. As Políciais, o Ministério Público e/ou Poder Judiciário podem figurar como personagens de tais condutas.
Após a prática do delito pelo criminoso, a vítima é encaminhada para a delegacia de polícia. Em muitos casos não tem o tratamento adequado e não recebe amparo policial eficaz. Na maioria das unidades policiais no Brasil, sabe-se que o ambiente é insalubre e hostil. A vítima que se encontra psicologicamente abalada, aguarda mais de 12 (doze) horas para ser ouvida pela autoridade policial, sem a possibilidade de fazer as suas necessidades humanas básicas.
Constatada a ocorrência da vitimização secundária, tende-se ao surgimento das cifras negras ou ocultas. Pois, a vítima se entrega à incredulidade, vindo a desacreditar veementemente no sistema penal, assim, inexiste a reportação das práticas de crimes aos órgaos competentes, e por conseguinte, toda a sociedade fica ainda mais vulnerabilizada, devido ao desconhecimento de tais delitos pelo Estado.
Neste ínterim, pode-se inferir que a conduta do douto membro do MPRS, se amolda na vitimização secundária.
Assim, os órgãos que compoem o sistema penal (encarregados pela persecutio criminis), devem se abster na prática de quaisquer atos que objetivam desmoralizar as vítimas (ato atentatório contra a sua dignidade), principalmente, como ocorre constantemente nos delitos sexuais (no qual é imputado ao sujeito passivo a culpa pela prática do delito pelo autor).
O Estado deve evitar a ocorrência das cifras negras, por gerar incontestável instabilidade social e levar a míope análise do mapa do crime (por localidade). Portanto, a estratégica de combate à criminalidade em locais que demandam maior intervenção estatal fica extremamente prejudicada. Nesta linha, toda a sociedade passa a ser vítima dos criminosos, surgindo, assim, a chamada vitimização terciária, que será abordada em outra oportunidade.