Introdução
O presente trabalho tem por objetivo apurar a legitimidade do Ministério Público para propor e conduzir a ação de responsabilidade de que trata o art. 46 da Lei n. 6024/1974.
Primeiramente, cumpre esclarecer que, principalmente nos dias atuais, com a evidente crise econômico-financeira demonstrada, determinadas empresas podem não conseguir superar tal condição. Dessa forma, “resta instaurar procedimento de liquidação do patrimônio do empresário ou sociedade empresária insolvente, ou seja, realizar o seu patrimônio ativo e, com os valores apurados, saldar o patrimônio passivo, no que for possível.” (1). Tal procedimento corresponde à falência.
Desenvolvimento
Vejamos do que trata o art. 46 da Lei 6024/74:
Lei 6024/74
Art. 46 - A responsabilidade dos ex-administradores, definida nesta Lei, será apurada em ação própria, proposta no juízo da falência ou no que for para ela competente.
Parágrafo único. O órgão do Ministério Público, nos casos de intervenção e liquidação extrajudicial, proporá a ação obrigatoriamente dentro em trinta dias, a contar da realização do arresto, sob pena de responsabilidade e preclusão da sua iniciativa. Findo esse prazo ficarão os autos em cartório, à disposição de qualquer credor, que poderá iniciar a ação, nos quinze dias seguintes. Se neste último prazo ninguém o fizer, levantar-se-ão o arresto e a indisponibilidade, apensando-se os autos aos da falência, se for o caso.
No mesmo sentido segue o art. 7º, II, da Lei n. 9.447/97:
Art. 7º - A implementação das medidas previstas no artigo anterior e o encerramento, por qualquer forma, dos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária não prejudicarão:
II - a legitimidade do Ministério Público para prosseguir ou propor as ações previstas nos arts. 45 e 46 da Lei nº 6.024, de 1974.
Recentemente, houve provimento de Recurso Especial concedido pelo STJ, interposto pelo Ministério Público contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Tal acórdão seguiu a linha de que a cessação do regime de liquidação extrajudicial, disciplinado pela Lei n. 6024/74, implica a perda de legitimidade ativa do Ministério Público para atuar contra ex-administradores.
Em seu recurso, o Ministério Público justificou sua atuação pelos seguintes fundamentos:
Os arts. 45 e 46 da Lei n. 6024/74 consagram o encargo ao Ministério Público em propor demanda civil pública de ressarcimento dos danos apurados em instituição financeira ou em empresas que integram o sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais.
No que consiste inclusive nos dispositivos legais da própria Constituição Federal, versa a Carta Magna, em seu art. 129, inciso III:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
No caso em tela, se há ofensa a interesse difuso ou coletivo, tem o Ministério Público o dever moral e legal de agir.
Entendimento do STJ
O entendimento do STJ foi no sentido de que, em análise à jurisprudência recente, verificou-se que há legitimidade do Ministério Público para propor ação de responsabilidade contra ex-administradores de instituição financeira. Como base para tal entendimento, houve jurisprudência nesse sentido (2):
Em um trecho da decisão do Ministro João Otávio de Noronha (Quarta Turma, julgado em 14/6/2011, DJe 22/6/2011):
"DIREITO CIVIL E BANCÁRIO. REGIME DE ADMINISTRAÇÃO ESPECIAL TEMPORÁRIA (RAET). AÇÃO CIVIL DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA. LEI N. 6.024/1974, ARTS. 39 E 40. DECRETO-LEI N. 2.321/1987, ART. 15. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. OCORRÊNCIA EM TESE. INEXISTÊNCIA DE CREDORES INSATISFEITOS E DE PASSIVO A DESCOBERTO. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO ADESIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA A CARGO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CABIMENTO. 1. O art. 39 da Lei n. 6.024/1974 trata de hipótese de responsabilidade subjetiva dos administradores e conselheiros fiscais de instituição financeira submetida aos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial, falência e administração temporária. Respondem eles somente pelos atos que tiverem praticado ou omissões em que houverem incorrido com culpa ou dolo. 2. O art. 40 também cuida de responsabilidade subjetiva e apenas complementa o dispositivo anterior, estabelecendo a solidariedade entre os administradores culposos e a instituição financeira em relação às obrigações por esta assumidas durante a gestão daqueles, até que sejam cumpridas. 3. A Lei n. 6.024/1974, todavia, autoriza a inversão do ônus da prova, de modo que compete aos administradores da instituição demonstrar que atuaram o devido zelo, a fim de não serem responsabilizados pelos prejuízos causados. 4. O art. 15 do Decreto-Lei n. 2.321/1987 prevê, uma vez decretado o Regime de Administração Especial Temporária - RAET, a responsabilidade objetiva do controlador, que, solidariamente com os ex-administradores da instituição, responderá pelas obrigações por esta assumidas, até o montante do passivo a descoberto, apurado em balanço que terá por data-base o dia da decretação do RAET. 5. Controlador é a pessoa natural ou jurídica que detém parcela do capital votante que lhe possibilite exercer a administração de fato da companhia, não se confundindo, no caso das empresas estatais, com os agentes políticos que representam a pessoa de direito público titular dessas ações. 6. O Ministério Público é parte legítima para propor ação de responsabilidade contra administradores de instituições financeiras sujeitas ao regime de administração especial temporária. Poderá nela prosseguir, mesmo em caso de levantamento do regime especial, desde que remanesça interesse público a ser tutelado. 7. Falta-lhe, no entanto, interesse processual para propor ou prosseguir em ação de responsabilidade objetiva se comprovada a inexistência de credores não satisfeitos e de passivo a descoberto da instituição, caso em que a discussão a respeito da legitimidade ativa torna-se inócua. 8. O Ministério Público, em ação civil pública e suas subsidiárias, só pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios e despesas processuais em caso de comprovada má-fé. 9. Recurso especial desprovido. Recurso especial adesivo não conhecido."
Ora, podemos concluir que há decretação expressa da lei no que garante a atuação do Ministério Público no polo ativo como ente que promoverá ação de responsabilidade contra ex-administradores da empresa falida, tendo nossa corte superior pacificado entendimento nesse sentido.
(1) Falência e Recuperação de Empresas, fls. 212 – Gladston Mamede – 5ª edição, 2012.
(2) http://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/stj-reconhece-a-legitimidade-do-ministerio-publico-em-acao-contra-administradores-de-instituicao-financeira-cessado-o-regime-de-liquidacao-judicial#.V9xlG1QrLIU