1 – INTRODUÇÃO:
O sistema tributário nacional é tratado pela Constituição Federal em seus artigos 145 a 162. De forma específica, o texto constitucional dispõe sobre os “princípios gerais” (arts. 145 a 149-A) e as “Limitações do Poder de Tributar” (arts. 150 a 152), bem como estabelece as competências dos entes federados para a instituição de impostos nos artigos 153 a 156 e, por fim, traça as regras relativas à “Repartição das Receitas Tributárias” nos artigos 157 a 162.
Como se vê, portanto, o sistema tributário nacional delineado pelo constituinte originário de 1988 tinha a pretensão de ser um sistema rígido e racional, com o claro estabelecimento das competências tributárias de cada ente, das normas relacionadas ao exercício e às limitações ao exercício de tais competências e das regras relativas à repartição do produto da arrecadação de alguns impostos. Contudo, a racionalidade jurídica e econômica do sistema acabou não prevalecendo na prática, à luz da jurisprudência do STF e tendo em vista as inúmeras modificações trazidas por uma grande quantidade de emendas ao texto constitucional original que mitigaram, pode-se assim dizer, com essa visão do sistema tributário como um todo racional e razoavelmente rígido. Uma clara evidência disso foi a EC 3/1993, a qual trouxe relevantes alterações no sistema originalmente estruturado, dentre as quais, por exemplo, a supressão de uma competência municipal e uma estadual para instituição de imposto e criação de uma competência federal para instituição do IPMF.
No plano infraconstitucional, sobre a matéria, destaca-se o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), o qual teve a maior parte dos seus dispositivos recepcionados pela CRFB/88, dada a compatibilidade material com seus preceitos e normas. É importante registrar que o CTN foi recepcionado com status de lei complementar, uma vez que o artigo 146 da Carta de 88 reservou à esta espécie normativa o tratamento das normas gerais tributárias.
É no artigo 3º do CTN que temos a definição de “tributo” como sendo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
No que diz respeito às espécies tributárias, o art. 5º do referido diploma estabelece que são tributos os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Entretanto, a partir da CRFB/88, o STF firmou entendimento de que são cinco as espécies tributárias que integram o sistema tributário nacional, não apenas três, posição essa que tem sido acolhida por grande parte da doutrina brasileira. Nesse sentido, o sistema tributário nacional seria integrado pelas seguintes espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições de melhorias (art. 145), empréstimos compulsórios (art. 148) e contribuições (art. 149).
O imposto é definido pelo CTN, em seu artigo 16, como sendo tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Trata-se, pois, de tributo que possui hipótese de incidência não-vinculadas, ou seja, nunca o fator gerador da obrigação de pagar um imposto será alguma atividade estatal específica.
Os impostos discriminados da União encontram-se arrolados no art. 153, dentre os quais está o Imposto sobre Exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), o qual será objeto do presente estudo, que procurará tratar de dois aspectos específicos e fundamentais para a compreensão e sistematização do referido tributo, quais sejam: sua base normativa e seu fato gerador,
2- BASE NORMATIVA E FATO GERADOR DO IE:
O Imposto de Exportação é um imposto federal previsto no art. 153, II da CRFB/88, o qual enuncia que compete à União instituir imposto sobre “exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados”.
No CTN, o referido imposto é regulado no Título III, Capítulo II, Seção II, que traz a estrutura básica do IE nos seguintes termos:
Art. 23. O imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.
Art. 24. A base de cálculo do imposto é:
I - quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária;
II - quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da exportação, em uma venda em condições de livre concorrência.
Parágrafo único. Para os efeitos do inciso II, considera-se a entrega como efetuada no porto ou lugar da saída do produto, deduzidos os tributos diretamente incidentes sobre a operação de exportação e, nas vendas efetuadas a prazo superior aos correntes no mercado internacional o custo do financiamento.
Art. 25. A lei pode adotar como base de cálculo a parcela do valor ou do preço, referidos no artigo anterior, excedente de valor básico, fixado de acordo com os critérios e dentro dos limites por ela estabelecidos.
Art. 26. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-los aos objetivos da política cambial e do comércio exterior.
Art. 27. Contribuinte do imposto é o exportador ou quem a lei a ele equiparar.
Art. 28. A receita líquida do imposto destina-se à formação de reservas monetárias, na forma da lei.
Aqui, é de grande relevância frisar o disposto no referido art. 28 do CTN, uma vez que evidencia a função extrafiscal do imposto de exportação, a exemplo do imposto de importação, uma vez que seu principal objetivo é servir como instrumento das políticas de comércio exterior e cambial do governo. É nesse sentido que, do mesmo modo como ocorre em relação ao Imposto de Importação, o IE também constitui “exceção à legalidade e à anterioridade, podendo ter alíquotas alteradas por ato do Poder Executivo, atendidos os limites e condições fixados em lei (art. 153, §1º CF/88)”. Vale dizer também que o art. 1º da Lei n. 5072/66, revogada pelo Decreto-lei n. 1.578/77, já enunciava no mesmo sentido: “o imposto de exportação é de caráter exclusivamente monetário e cambial e tem por finalidade disciplinar os efeitos monetários decorrentes da variação de preços no exterior e preservar as receitas de exportação”.
A normatização infraconstitucional do IE consta essencialmente do Decreto-lei 1.578/77, recepcionado pela CRFB/88 (que já sofreu diversas alterações levadas a cabo pela Lei 9.716/98 e pela MP 2.158-35/01, principalmente); trata-se, pois, do diploma básico do IE, responsável por instituí-lo, dispondo, inclusive sobre todos os elementos da sua hipótese de incidência.
Dentro da disciplina jurídica do imposto ora tratado, um elemento fundamental a ser analisado é o seu fato gerador. A importância deste Instituto é inquestionável e essencial, uma vez que para que ocorra o surgimento de uma relação jurídico-tributária, deflagrando uma obrigação tributária para o sujeito passivo, é necessário que ocorra um fato (fato gerador), um evento que coincida com uma hipótese prevista na lei que institui o tributo.
O art. 114 do CTN prevê que o fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
Na realidade, com precisão terminológica, fato gerador é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização que se opõe ao paradigma legal que o antecede; é quando ocorre a subsunção do fato à lei/norma criadora da hipótese de incidência do imposto.
Nesse sentido, o art. 23 do CTN estabelece que o imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.
Tal disposição é reproduzida pelo art. 1º do DL 1.578/77, com alterações das Leis 9.019/95 e 9.716/98: “O Imposto sobre a Exportação, para o estrangeiro, de produto nacional ou nacionalizado, tem como fato gerador a saída deste do território nacional”.
Percebe-se, pois, que o Legislador fixou, como fato gerador, o momento em que a mercadoria deixa o território nacional. Entretanto, a questão não é tão simples como aparenta, uma vez que que a saída do produto do território nacional, para fins de fixação/configuração do fator gerador, é um momento ficto, não se tratando, pois, do momento exato em que a mercadoria deixa o território pátrio, ou seja, o fato gerador é a saída do território, mas o momento (ficção jurídica) em que se materializa depende de outro elemento, o qual será analisado abaixo.
Nesse sentido, vejamos o que dispõe o Regulamento Aduaneiro (Dec. 6.759/2009) sobre tal questão:
Art. 213. O imposto de exportação tem como fato gerador a saída da mercadoria do território aduaneiro (Decreto Lei n. 1578/77, caput).
Parágrafo único. Para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador na data de registro do registro de exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).
O texto estabelece, no mesmo sentido do art. 23 do CTN acima citado, um critério geográfico claro para conceituação de exportação, ou seja, considera-se exportação a saída do território nacional, não se admitindo a tributação, por essa exação, de operações internas (o art. 2° do Decreto explica que “o território aduaneiro compreende todo o território nacional").
Por outro lado, o parágrafo único estabelece regra no sentido de que se considera ocorrido o fato gerador no momento do “registro da exportação” junto ao Sistema Integrado do Comércio Exterior, “uma vez que tal é o momento equivalente atual da expedição da antiga guia de exportação, conforme previsão no art. 1º, §1º do DL 1.578/77 e do art. 213 do Dec. 6.759/09” (PAULSEN, p. 302, 2014).
Nesse sentido, estabelece também o Decreto-lei 1.578/77:
Art.1º - O Imposto sobre a Exportação, para o estrangeiro, de produto nacional ou nacionalizado tem como fato gerador a saída deste do território nacional.
§ 1º - Considera-se ocorrido o fato gerador no momento da expedição da Guia de Exportação ou documento equivalente.
Sobre o SISCOMEX:
O Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) foi criado pelo Decreto nº 660, de 25 de setembro de 1992, passando a operar em 1993 como uma interface eletrônica entre os exportadores e os diversos órgãos governamentais que intervêm no comércio exterior. Por meio da informatização de processos, buscava-se simplificar as operações brasileiras de exportação. Em 1997, o SISCOMEX foi ampliado com a criação de um novo módulo para as operações de importação.
Segundo o Decreto nº 660/1992, “o Siscomex é o instrumento administrativo que integra as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, mediante fluxo único, computadorizado, de informações”. O SISCOMEX foi, portanto, projetado para ser o instrumento pelo qual a legislação de comércio exterior seria executada. Todos as medidas administrativas incidentes sobre as importações e sobre as exportações deveriam, assim, ser implementadas mediante o SISCOMEX.
Conforme novas necessidades foram surgindo, novos sistemas foram sendo criados e integrados ao SISCOMEX, a exemplo do SISCOMEX Drawback Web, para a concessão dos regimes especiais de drawback, e do SISCOMEX Carga, destinado ao acompanhamento aduaneiro das cargas que ingressam no Brasil pela via marítima. Outros foram modernizados, como o SISCOMEX Exportação.
A importante iniciativa de criação do SISCOMEX fez com que o Brasil, na década de 1990, estivesse na vanguarda mundial em desenvolvimento de sistemas de comércio exterior. No entanto, apesar do sucesso de sua implementação, o sistema foi idealizado no contexto do comércio exterior brasileiro daquela época. Desde então, o comércio do Brasil com o Mundo aumentou expressivamente em seu fluxo e em sua complexidade. Aliada ao crescimento do comércio, tem-se também a constante necessidade de elaboração de novas políticas públicas voltadas ao desenvolvimento e à melhoria da condição de vida da população nas mais diversas áreas, como a saúde humana, a segurança alimentar, o meio ambiente, a segurança pública e a segurança do consumidor. Essas políticas são também implementadas mediante controles incidentes sobre operações de comércio exterior, que demandam a criação de instrumentos específicos adequados à sua implementação.
O desenvolvimento econômico pressupõe também aumento da eficiência do setor produtivo, o que somente é possível com um comércio exterior competitivo. Diante da realidade atual tão distinta daquela em que se deu a criação da presente estrutura de controle governamental do comércio exterior, mesmo com as constantes atualizações e modernizações feitas pelo governo em anos recentes, urge uma reformulação das ferramentas presentemente utilizadas. O Programa Portal Único de Comércio Exterior foi assim lançado com o objetivo de atender de forma mais eficiente a demanda do comércio exterior brasileiro de hoje e dos próximos anos, de modo a fazer com que o SISCOMEX se mantenha efetivo no cumprimento de seus objetivos simplificadores e integradores, conforme traçados no momento de sua criação. (Fonte: http://portal.siscomex.gov.br/conheca-o-portal/O_Portal_Siscomex).
Importante não confundir, para fins de configuração do fato gerador, o “registro da exportação” com o “registro de venda”, efetuado anteriormente à exportação. Sobre esta questão, o STJ já firmou entendimento no sentido de que:
O fato gerador do imposto de exportação é contado do registro de venda no Siscomex. O registro de venda do negócio jurídico celebrado que produz efeitos no exterior não se confunde com o registro de exportação, momento este em que a lei considera ocorrida a saída da mercadoria exportada. Aquele antecede a este e tem por finalidade apenas o exercício de controle fiscal. (REsp 964151, DJe 21.5.2008).
A jurisprudência do STF segue a mesma linha, a saber:
AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO. AÇÚCAR. INCLUSÃO NA LISTA DE INCIDÊNCIA DO IE POR RESOLUÇÕES DO CMN/BACEN. POSSIBILIDADE. FATO GERADOR: REGISTRO DA EXPORTAÇÃO NO SISCOMEX. VALIDADE DAS RESOLUÇÕES NºS. 2.112/94 E 2.136/94.MOTIVAÇÃO DECORRENTE DA POLÍTICA DE EXPORTAÇÃO E ABASTECIMENTO DO PAÍS. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E IRRETROATIVIDADE. PRECEDENTES. IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO. - Somente a instituição ou majoração de tributo há que observar o princípio da estrita legalidade (art. 150, I, CF). Não a alteração de alíquotas dos impostos expressos, nos termos do permissivo contido no art. 153, § 1º, CF. Validade das Resoluções nºs. 2.112/94 e 2.136/94, do CMN/BACEN.- O fato gerador do Imposto de Exportação é o Registro de Exportação no SISCOMEX, não o Registro de Venda. Precedentes do STF, STJ e TRF 5ª Região” (fl. 205).Sustenta a recorrente violação dos artigos 150, incisos I e III, alínea “a”, e 153, § 1º, da Constituição Federal, uma vez que “é manifesta a inconstitucionalidade da inclusão do açúcar na lista de produtos sujeitos à incidência do imposto de exportação” (fl. 213).Sem contrarrazões (fl. 226v), o recurso extraordinário (fls. 207 a 221) foi admitido (fl. 228).Opina o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira, pelo desprovimento do recurso extraordinário.Decido.Anote-se, primeiramente, que o acórdão recorrido foi publicado em 4/6/03, como expresso na certidão de folha 206, não sendo exigível, conforme decidido na Questão de Ordem no AI nº 664.567, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07, a demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário.A irresignação não merece prosperar.O acórdão recorrido dispôs que:“ o fato gerador do imposto de exportação ocorre quando do Registro de Exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX, não do mero Registro de Venda. Por fim, não se confirma o desrespeito ao princípio da irretroatividade tributária, vez que os fatos geradores na hipótese ocorreram a partir de 27.10.94, durante a vigência das Resoluções nº. 2112/94 e 2136/96, devendo, pois incidir as alíquotas nelas estabelecidas. Entende o Supremo Tribunal Federal que fato gerador do Imposto de Exportação não ocorre com o registro de venda, mas somente com o registro de exportação junto ao SISCOMEX. (...) (STF - RE: 430760 PE, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 24/03/2010, Data de Publicação: DJe-068 DIVULG 16/04/2010 PUBLIC 19/04/2010) (Grifo nosso).
O imposto incide sobre a saída de "produtos", conceito que abrange tanto mercadorias como outros bens, além do que abrange tanto os produtos da ação humana como os da própria natureza (produtos primários), nacionais ou nacionalizados. Vale ressaltar que o art. 213 do Regulamento Aduaneiro acima citado, diferentemente do CTN e do Decreto-Lei 11578/77, não faz uso da expressão “produto”, mas sim “mercadoria”. Sobre esta opção terminológica, ensina Guimar Coelho (apud SABBAG, p. 2590, 2014):
Considerando-se que mercadoria é uma espécie do gênero produto, quiseram os legisladores, ao elaborarem o Código Tributário Nacional e o Decreto-Lei, ser mais abrangente, uma vez que mercadoria é todo bem objeto de mercancia, enquanto produto é todo bem produzido pelo homem ou pela natureza
Por produtos "nacionais” deve-se entender aqueles produzidos no próprio país, ou seja, dentro do território nacional; e produtos "nacionalizados" são os produtos fora do país e que foram importados para o território nacional, de maneira definitiva, para uso industrial, comercial ou consumo. Nesse sentido, o Decreto n. 91.030/85 preconiza, em seu art. 221, §1º, que “considera-se nacionalizada a mercadoria estrangeira i portada a título definitivo”.
Referências:
SABBAG. Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6ª ed. Saraiva: São Paulo, 2014.