Terrorismo e atavismo: há uma sequencia genética do mal?

27/09/2016 às 07:51
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Pesquisas indicam que hábitos da vida e o ambiente social em que uma pessoa está inserida podem modificar os seus genes. Desta forma, é possível que pessoas contemporâneas tenham herdado genes da violência de nossos antepassados.

                    

  A herança genética é a predisposição para adquirir características semelhantes à do organismo que o gerou. A variação biológica, necessária à evolução das espécies através da seleção natural, decorre da combinação entre códigos genéticos dos progenitores. Pesquisas recentes indicam que é possível a herança genética de lembranças e que fatores ambientais podem influenciar a biologia através de modificações “epigenéticas”, que alteram a expressão dos genes, mas são sua sequência de nucleotídeos. Assim, crianças concebidas em áreas de conflito tendem a herdar e transmitir genes responsáveis por sentimentos como medo ou outros traumas, sabendo-se que as modificações epigenéticas são importantes para processos como o desenvolvimento e a desativação de cópias de cromossomo X em mulheres.

Por outro lado, pesquisas também mostram que o DNA (ácido desoxirribonucleico) não tem a exclusividade de transmitir as características genéticas entre diferentes gerações. Características hereditárias também são transmitidas por proteínas celulares conhecidas como histonas. A epigenética são modificações do genoma que são herdadas pelas gerações futuras, mas que não alteram a sequência do DNA. Pesquisas indicam que hábitos da vida e o ambiente social em que uma pessoa está inserida podem modificar os seus genes. Partindo dessas comprovações científicas pode-se sugerir que nos dias atuais convivemos entre pessoas que carregam consigo características hereditárias comportamentais adquiridas de nossos antepassados mais remotos e que podem ter sido geradas por causas ambientais, como traumas extremos provocados por situação de conflitos bélicos ou opressões políticas.

Semeando a luz da ciência sobre as sombras tenebrosas do fanatismo, creio ser possível traçar um paralelo entre epigenética e as diretrizes do Califado proposto pelo líder radical islâmico, Abu al-Baghdadi, fundador do grupo terrorista Estado Islâmico. Para al-Baghdadi, a instituição de um Califado, sistema de governo iniciado logo após a morte do profeta Maomé, visa restabelecer a unidade árabe, sob a sua liderança, pois, segundo ele, a partir de um rastreamento genealógico descobriu-se que é um descendente na linhagem genética de Maomé. Por óbvio que essa afirmação está mais próxima de uma astúcia charlatanista, um expediente recorrente da grande maioria dos líderes religiosos, que se autoproclamam “enviados de Deus”. Todavia, analisando pelos métodos cruéis com que o Estado Islâmico elimina seus opositores – os reais e os imaginários, consequência de uma insanidade mórbida e fanatismo religioso – é possível, sim, retroceder à herança epigenética de alguns dos mais abomináveis antepassados que instituíram o terror na região do Oriente Médio. Antes, porém, é preciso esclarecer que essa região nem sempre foi vista como uma terra de incivilizados radicais ou fanáticos. No século VII, quando a civilização árabe começou a se expandir, encontrou um legado milenar de civilização e de cultura. Com isso, aproveitou para acrescentar a sua própria contribuição, fazendo avançar no campo das ciências, artes, filosofia, literatura e religião. Os califados eram ao mesmo tempo grandes administradores e construtores, além de protetores generosos das letras e artes. Suas cortes estavam sempre repletas de poetas, músicos, literatos, cientistas e artistas. A primeira tradução de Aristóteles teve seu peso pago em diamantes. Em 830 foi estabelecido em Bagdá a Casa da Sabedoria com academia científica, em observatório e uma biblioteca pública. Quanto Bagdá foi destruída pelos mongóis, havia 36 bibliotecas públicas. Esse patrimônio cultural foi transmitido ao Ocidente por intermédio da Espanha, impulsionando assim o renascimento das letras e das ciências na Europa.

O Oriente Médio vinha sendo, assim, a fonte de civilizações brilhantes e sucessivas por mais de 40 séculos. Entretanto, por volta do século XII, os bárbaros iniciaram as suas invasões pela região. Estes, porém, pareciam civilizados se comparados com os assassinos frios que partiram do centro da Ásia, semeando a destruição por oito séculos nas terras iluminadas do Oriente Médio. Esses criminosos cruéis foram Genghis-Khan e seus tártaros, Tamerlão e seus mongóis, Osmam e seus turcomanos. Genghis Khan conquistou o império mais vasto da história, do Mar Negro ao Mar da China. Nenhuma fé, nenhum ideal o guiava; mas, tão somente, o desejo de destruir e matar. Nas cidades ocupadas, os prisioneiros eram jogados em caldeiras cheias de água fervente ou cortados aos pedaços ou serrados em dois ou enterrados vivos. Muitas dessas práticas são atualmente utilizadas pelos integrantes do Estado Islâmico, como as decapitações e o enterramento de mulheres e crianças curdas, após serem estupradas. O sadismo de Genghis-Khan foi superado pela crueldade de Tamerlão. No cerco de Sivas, fez esmagar sob os cavalos mil crianças que os cercados enviaram para tentarem sensibilizá-los. Atualmente, o Estado Islâmico massacra as crianças cristãs, inclusive, conforme imagens divulgadas, muitos deles se divertem chutando recém-nascidos como se fossem um jogo de futebol. Os loucos sanguinários de Tamerlão foram sucedidos pelos turcomanos. Eram ferozes até mesmo entre os integrantes da própria família. Salim I fez massacrar, por receio de rivalidade, dois irmãos e vários primos. Salim II fez executar dois filhos. Amurat III mandou assassinar cinco irmãos. A crueldade dos turcomanos sobrevivi até os dias de hoje, como se constata nas agressões contra os povos curdos. A partir dessas incursões e destruições o Oriente Médio nunca mais se restabeleceu, tendo seguido em novas invasões de colonizadores europeus, a partir da Primeira Guerra Mundial, até os dias atuais.

Atualmente, os conflitos que se sucederam à primeira invasão do Iraque pelas forças de coalizão lideradas pelos Estados Unidos, após a invasão do Kuwait por Saddam Houssein, têm adquirido proporções que, pelos métodos empregados, remetem às narrativas históricas dos períodos das invasões de Genghis-Khan e de Tamerlão. A frieza e a crueldade do grupo Estado Islâmico só são explicadas sob uma abordagem de herança atávica que os remete a antepassados de gerações que remontam ao primitivismo humano. Desafortunadamente, no mesmo terreno em que se desenvolve esse teatro dos horrores, onde, ao que parece, os homens agem de acordo com suas heranças genéticas de ancestrais cruéis e sanguinários, é, ao mesmo tempo, reinventado um novo ambiente de traumas para as futuras gerações. As crianças que hoje sobrevivem em áreas de conflito, como Iraque e Síria, estão submetidas ao trauma extremo do medo e do pavor capazes de extrair-lhes quaisquer possibilidades de sentimento de solidariedade, altruísmo, compaixão, afeto, sociabilidade. Esses fatores ambientais, em um cenário de morte, dor, pavor, fome, sede, enfermidades, são potencialmente propícios a influenciarem na formação biopsicológica através de modificações epigenéticas.

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É sempre salutar acreditar na possibilidade de um mundo melhor, por intermédio da melhoria do ser humano com o seu potencial criador e transformador. Todavia, é preciso superar as barreiras que nos impelem a retrocedermos aos nossos mais remotos e iniciais estágios de vida. Talvez, em um breve futuro, a ciência seja capaz de corrigir esse gene da maldade que insiste em nos acompanhar, através de sucessivas gerações, e que faz dos seres humanos criaturas tão desumanas.

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