Análise crítica das principais alterações do juízo de admissibilidade recursal com a vigência do novo código de processo civil (lei 13.105/2015)

03/10/2016 às 17:50
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O presente artigo tem como escopo analisar as principais alterações do juízo de admissibilidade recursal, com a vigência do Novo Código de Processo Civil, e indagar sobre seus efeitos práticos. Buscou-se ainda examinar se tais alterações foram benéficas.

Sumário:

1 INTRODUÇÃO

2 ASPECTOS GERAIS DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL

3 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

4 CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO

Indubitavelmente a tutela recursal é de suma importância para a efetivação do Estado Democrático de Direito, garantindo ao recorrente o direito de questionar determinada decisão judicial, pleiteando-se um novo exame da matéria.

Dentre as garantias processuais previstas na Constituição da Federal – CF, a tutela recursal visa proteger com afinco o princípio do duplo grau de jurisdição, previsto no Art. 5º, LV, CF.

Tal princípio tem como motriz o dever do Estado de proporcionar aos que acionam o judiciário uma maior segurança jurídica vez que, em grande parte dos recursos, a matéria é reexaminada por um órgão colegiado e hierarquicamente superior.

Acontece que em contrapartida à busca da segurança jurídica, o exame recursal, acabou por se tornar um grande óbice à efetividade da justiça devido à grande morosidade.

Com o intuito de reduzir a quantidade de processos, e buscar uma resposta mais rápida à sociedade, os tribunais passaram a adotar uma “jurisprudência defensiva”, que na prática eram obstáculos para o não conhecimento dos recursos, utilizando-se de formalismos exacerbados e exigências desnecessárias.

Tais formalismos, além de violarem alguns princípios constitucionais como o da inafastabilidade da jurisdição e da legalidade, trouxeram como consequência negativa prática o não conhecimento de inúmeras questões jurídicas relevantes.

Com a entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015, denominada novo Código de Processo Civil, a perspectiva supracitada fora significativamente alterada, vez que muitas das modificações da matéria recursal tiveram como objetivo a apreciação do recurso no seu mérito, deixando de lado a rigidez excessiva da forma.

Além disso, houveram significativas alterações em alguns dos requisitos de admissibilidade, principalmente no cabimento, preparo, regularidade formal e tempestividade, que poderão gerar diversas repercussões práticas.

Destaca-se, portanto, no presente artigo, as principais alterações do juízo de admissibilidade recursal, buscando indagar se tais mudanças irão gerar repercussões benéficas ou prejudiciais à efetividade da justiça.

2 ASPECTOS GERAIS DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL

Quando do ato da interposição de qualquer recurso, antes de analisar o mérito, faz-se necessário uma análise pelo juízo competente de uma série de requisitos ou pressupostos de admissibilidade para que este seja conhecido. Este procedimento denomina-se juízo de admissibilidade recursal.

Segundo DIDIER JR “O juízo de admissibilidade é a decisão sobre a aptidão de um procedimento ter o seu mérito (objeto litigioso) examinado.” (DIDIER, 2016, p. 105)

Verifica-se, portanto, que o julgamento recursal é bipartido, ou seja, primeiro é julgado se este atende todos os requisitos necessários para que posteriormente possa ter seu conteúdo material apreciado pelo juiz ou órgão julgador.

Para MOREIRA, este primeiro exame “tem prioridade lógica, pois tal atividade [análise do conteúdo da postulação] só se há de desenvolver plenamente se concorrerem os requisitos indispensáveis para tornar legítimo o seu exercício”.

Conceituando os requisitos de admissibilidade, FRANZÉ os traduz como “obstáculos (condições) que devem ser superados para permitir o julgamento do mérito das razões recursais” (FRANZÉ, 2011, p. 147)”.

No que tange aos requisitos de admissibilidade, existem diversas classificações, entretanto a grande parte da doutrina prefere utilizar a conhecida classificação de Barbosa Moreira em 02 (dois) grupos:

  1. requisitos intrínsecos, que se referem à existência do direito de recorrer: cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer;
  2. requisitos extrínsecos, relativos ao modo de exercício do direito de recorrer: preparo, tempestividade e regularidade formal.

Analisaremos, portanto, a seguir, quais desses requisitos sofreram modificações significativas com a vigência do novo código de processo civil, e se tais modificações conseguirão cumprir o preceito de elaboração deste, que fora assinalado pelo Ministro FUX com o seguinte texto: “resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere”.

3 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

3.1 Cabimento

O cabimento é um requisito de admissibilidade que, segundo DIDIER JR “deve ser examinado em duas dimensões, que podem ser representadas por duas perguntas: a) a decisão é, em tese, recorrível? b) qual o recurso cabível contra esta decisão?” (DIDIER JR, 2016, p. 108).

No que se refere ao cabimento, o novo CPC manteve o princípio da taxatividade dos recursos, reconhecendo como recurso somente o que está previsto em lei, estando o rol previsto no Art. 994, da Lei 13.105/2015, conforme incisos: “I - apelação; II - agravo de instrumento; III - agravo interno; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário; VIII - agravo em recurso especial ou extraordinário; IX - embargos de divergência.”.

Percebe-se, portanto, uma mudança no rol taxativo, sendo suprimidas algumas espécies de recurso, tais como o agravo retido, bem como os embargos infringentes.

A supressão do agravo retido foi uma alteração que veio apenas para corresponder sua pouca expressiva utilização durante a vigência do Código de 1973, ante a existência do agravo de instrumento, que possuía as mesmas hipóteses de cabimento, mas que tinha a remessa imediata à instância superior.

O agravo de instrumento continuou como uma espécie recursal vigente, sendo cabível ainda contra decisões interlocutórias, entretanto, o novo código limitou seu cabimento com um rol taxativo previsto no Art. 1.015, NCPC.

Com isso, passou-se a ter decisões interlocutórias agraváveis e não agraváveis (estas passaram a ser impugnáveis mediante preliminar de apelação, conforme previsto no Art. 1.009, §1º, NCPC).

Esta limitação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento vem sendo bastante criticada pelos doutrinadores vez que podem gerar algumas insatisfações, e buscas por outros meios de impugnação da decisão, como a impetração de mandado de segurança contra ato judicial, o que seria um grande retrocesso.

Quanto à supressão dos embargos infringentes, evidente também se verifica o retrocesso, vez que era um recurso de suma importância que tinha como escopo a sobrevida de votos divergentes em busca de uma consolidação jurisprudencial.

Com o intuito de minimizar a supressão dos embargos supracitados, o Art. 942, NCPC, inovou com uma nova técnica de julgamento quando o resultado da apelação não for unânime, prevendo o prosseguimento do julgamento com a presença de novos julgadores, porém sem natureza recursal.

Na prática esse novo procedimento está sendo de difícil adequação, principalmente nos tribunais com poucos desembargadores, vez que a exigência de novos julgadores compromete a produtividade, o que vai em contramão com a celeridade.

3.2 - Preparo

Trata-se o preparo de um pressuposto extrínseco de admissibilidade recursal que consiste no pagamento de todas as custas judiciais necessárias ao devido prosseguimento do recurso.

A nova lei processual manteve a exigência de comprovação do pagamento do preparo, inclusive porte de remessa e retorno, no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção.

Um grande avanço do novo código processual, no que diz respeito ao preparo, foi o Art. 1.007, §4º, NCPC, dispondo que “O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção.”.

O dispositivo supracitado veio mitigar a rigidez excessiva, quanto à comprovação do pagamento do preparo, vez que possibilita ao recorrente realizar a juntada no prazo de 05 (cinco) dias.

Há quem defenda que tal dispositivo possa comprometer a celeridade processual, mas entendemos que não oportunizar o recorrente de sanar este vício pode gerar muito mais prejuízos à efetividade da justiça.

Entretanto, o legislador previu uma espécie de sanção para este caso, devendo o recorrente recolher o preparo em dobro, medida esta importante para evitar que tais situações virem rotineiras.

3.3 - Tempestividade

A tempestividade, como requisito de admissibilidade extrínseco, manteve sua rigidez, vez que todo recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei. Ultrapassado o prazo, não há o que discutir, há preclusão.

Entretanto, houveram algumas alterações quanto ao prazo. A primeira delas é a homogeneização, vez que todos os recursos passaram a ter o prazo de 15 (quinze) dias, salvo os embargos de declaração, que mantiveram o prazo de 05 (cinco) dias.

No que tange ao prazo dos agravos, a nosso ver a dilação pode vir a prejudicar a produtividade dos tribunais vez que, por ser um recurso bastante utilizado, e com diversas hipóteses de cabimento, mais célere deveria ser sua apreciação, devendo possuir um prazo menor, como era com o antigo código.

Outra alteração significativa foi a contagem do prazo recursal em dias úteis. Entretanto, tal alteração não se aplica apenas aos recursos, mas a todos os prazos do processo, sendo esta vista como uma grande conquista aos operadores do direito, e que por si só não vemos como um prejuízo da celeridade processual, vez que o grande estorvo dos processos está no julgamento dos recursos.

Quanto às prerrogativas de prazo, estas foram mantidas, continuando com prazo em dobro para recorrer o Ministério Público (Art. 180, NCPC), a Defensoria Pública, (Art. 186, NCPC), a Fazenda Pública (Art. 183, NCPC), e os litisconsortes com procuradores distintos (Art.189).

Entendemos que a contagem do prazo em dias úteis já trouxe grandes benefícios aos operadores, não merecendo, a nosso ver, a necessidade de haver prerrogativas de prazos. Vemos, portanto, como um ponto de estagnação a continuidade do gozo de prerrogativas para as partes supracitadas, vez que a ineficiência do serviço público não merece ser acobertada pela lei.

Uma terceira alteração significativa, que contrapôs a “jurisprudência defensiva” dos tribunais superiores, foi o novo tratamento dado ao chamado recurso prematuro.

Antes da vigência do novo código, o STJ havia sumulado entendimento de ser inadmissível recurso especial interposto antes da publicação, conforme Súmula nº 418.

Todavia, o NCPC põe fim a essa controvérsia, dispondo no artigo 218, § 4º que qualquer ato processual (e não apenas quanto aos recursos) praticado antes do início do respectivo prazo será considerado tempestivo.

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Evidente é, que se uma parte protocolou um recurso, é porque já tomou ciência da decisão da qual está impugnando. A positivação desse dispositivo nada mais é do que a transcrição do que era para ser óbvio, mas que não era o entendimento dos tribunais. Mostra-se, portanto, como um avanço processual.

3.4 - Regularidade Formal

Para que o recurso seja conhecido, também é necessário que este cumpra alguns requisitos formais, estabelecidos em lei, que observe “a forma segundo a qual o recurso deve revestir-se” (NERY JR, 2001, p. 314.).

Quanto à regularidade formal, as alterações mais significativas foram quanto aos documentos obrigatórios que devem compor o Agravo de Instrumento, dispostas no Art. 1.017, I, NCPC.

Houve uma ampliação no rol taxativo, sendo acrescentadas as cópias da petição inicial, da contestação e da petição que ensejou a decisão agravada. Tal acréscimo veio a contribuir para uma maior segurança do juízo “ad quem”, que pode ter acesso a mais informações do processo, vez que nesta espécie recursal os autos do processo permanecem no juízo “ad quo”.

No que tange à “certidão de intimação”, prevista no texto do código de 1973, o novo código realizou um grande avanço ao complementar o dispositivo legal supracitado com o seguinte “ou outro documento oficial que comprove a tempestividade”. Diante disso, o advogado poderá juntar ao agravo outros documentos que comprovem a tempestividade do recurso, tais como edital de publicação ou cópia da sentença, o que desembaraça a necessidade de solicitar uma certidão.

Ainda no caso de inexistência de qualquer dos documentos previstos no dispositivo, o novo código previu também a possibilidade do advogado juntar uma declaração de inexistência, evitando as antigas complicações para se conseguir certidões junto às secretarias.

Mesmo com as alterações benéficas supracitadas, que visaram combater mais uma vez o rigor excessivo, o novo código foi além, possibilitando um prazo de 05 (cinco) dias para a complementação da documentação, quando faltante, ou que seja sanado qualquer vício que comprometa sua inadmissibilidade, conforme texto do Art, 1.017, §3º, NCPC.

Quanto à adequação ao processo eletrônico, o novo código previu a dispensa da juntada da cópia dos documentos obrigatórios, conforme previsto no Art. 1.017, §5º. Inovação bastante pertinente ao tipo de tramitação do processo, vez que nos autos eletrônicos o relator poderá ter acesso a qualquer documento que precisar, não havendo necessidade de cópias.

4 - CONCLUSÃO

A reforma do Código de Processo Civil buscou esclarecer algumas questões controvertidas que não estavam previstas no Código de 1973, e algumas realidades que não existiam há época, como o processo eletrônico.

Buscou ainda aprimorar a questão do acesso à justiça, procurando utilizar-se de princípios e ferramentas que visaram melhorar a celeridade processual, e a uniformização jurisprudencial.

Quanto a material recursal, significativas foram as suas alterações quanto ao juízo de admissibilidade, vez que alguns requisitos de admissibilidade, que antes eram rígidos, foram relativizados remetendo o foco à apreciação do mérito do recurso.

Dos avanços obtidos, entendemos que a possibilidade do recorrente de poder sanar alguns vícios de ordem formal, tais como a complementação de documentos obrigatórios no agravo de instrumento, e a juntada posterior do preparo, quando ausente, foram de suma importância para evitar que uma simples rigidez na forma possa precluir o direito do recorrente.

Quanto aos pontos que vieram para retroceder no juízo de admissibilidade recursal, vislumbramos o prolongamento dos prazos do agravo como um grande óbice a celeridade processual; e a supressão dos embargos infringentes como uma medida retrógrada ao arejamento da jurisprudência.

No que se refere ao mantimento das prerrogativas de prazos, vemos como uma grande estagnação, vez que além de irem a contramão a celeridade, continuaram a proteger a ineficiência do serviço público.

Ademais, verificamos que a reforma do Código de Processo Civil trouxe importantes modificações quanto ao juízo de admissibilidade recursal. Algumas dessas alterações só poderão ter seus efeitos verificados na prática, e que ainda serão passíveis de diversas discussões jurisprudenciais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

_______. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 10 dez 2015.

________. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.º418. É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.

FRANZÉ, Luís Henrique Barbante Franzé. Direito fundamental a duração do processo por prazo razoável.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, lia ed., v. 5, cit., p. 261. "Así hablamos no de demanda válida, si cumple Ias formalidades, sino admisible". (VESCOVI, Enrique. Teoria general dei proceso. 2 ed. Bogotá: Editorial Temis, 1999, p. 222).

NERY JR., Nelson. Teoria Geral dos Recursos - Princípios fundamentais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 314

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Sobre o autor
André Severo Chaves

Advogado. Sócio da banca Borges e Chaves – Consultores e Advogados. Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Especializando em Direito Processual Civil pela Devry Brasil. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI. Membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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