Repartição de competências no federalismo brasileiro

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Resumo:


  • A Constituição de 1988 intensificou o caráter federativo no Brasil, incluindo os Municípios como entes federados.

  • A divisão de competências administrativas e legislativas entre os entes é essencial no federalismo brasileiro.

  • A existência de competências exclusivas da União, concorrentes e comuns entre os entes federativos é fundamental para o equilíbrio do sistema federativo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Federalismo brasileiro e repartição de competências. Metodologia de revisão de bibliografia. Federalismo consiste em uma forma de governo. É marcada pela descentralização de poder. Origem data de 1787, na Constituição dos Estados Unidos da América. O sistema tem como marcas a presença de Constituição, o não direito a secessão, a inexistência de hierarquia entre os entes, a autonomia dos mesmos e a divisão de funções. No Brasil, a Constituição de 1988 intensifica o caráter de federação. Adição do Município à esfera federal. Divisão de competências administrativas e legislativa entre os entes. As atribuições se dividem segundo o critério de quem pode exercê-la e de que forma fazer isso. Há possibilidade de intervenção entre os entes. Conclui-se que a divisão de competências do federalismo tem avançado, mas existem ressalvas quanto à sobrecarga de funções na União. O processo federativo é uma constante construção.

Palavras-chave: Federalismo. Competências. Divisão. Entes federativos. Constituição brasileira de 1988.

SKILLS DISTRIBUTION IN BRAZILIAN FEDERALISM

ABSTRACT

Brazilian federalism and skills distribution. Bibliography review methodology. Federalism is a way of government. It’s characterized for the power decentralization. Source in 1787, in United States of America’s Constitution. The system has as characteristics the Constitution existence, the no right to secession, the absence hierarchy between the beings, the beings’ autonomy and the skills distribution. In Brazil, the 1988 Constitution intensifies the character of federation. Addiction of county as part of power. Division of administratives and legislatives skills between the beings. Skills division according the criterion of who could exercise it e how could do it. There are possibilities of intervention between the beings. Concludes that the skills distribution is advanced, but there are caveats about overload functions in the Union. The federative process is an incessant build.

Key-words: Federalism. Skills. Division. Federative beings. Brazilian Constitution of 1988.


1 INTRODUÇÃO 

O federalismo é uma forma de governo pautada na descentralização de poder. A soberania é atribuída ao Estado, porém, há uma distribuição de poder entre os entes federativos da nação. É um fenômeno estritamente moderno; sua primeira ocorrência se deu na Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787.

O sistema federalista se diversifica de acordo com país onde está sendo aplicado. No Brasil, o processo federalista passou por avanços e retrocessos, haja vista que durante os governos ditatoriais a centralização de poder era elevada. A Constituição vigente desde 1988 explicitou de forma clara o caráter federalista da nação brasileira, bem como seus entes – União, Estados, Municípios e Distrito Federal –, os bens cada um, e principalmente, a divisão de competências entre os mesmo (característica essencial no federalismo).

Esta pesquisa tem com problemática dissertar a ocorrência da divisão de competências no federalismo brasileiro atual. Seu principal objetivo é elencar e qualificar quais atribuições são destinadas a cada ente. Além disso, empenha-se em conceituar o federalismo, descrever sua atuação como forma de governo no Brasil, apontar as possibilidades de intervenção entre os entes e analisar criticamente a divisão de competências.

A escolha desse tema se justifica por ser voltado para um aspecto fundamental na busca de um Estado democrático: a descentralização de poder. Entender o papel de cada membro da federação implica em reconhecer as responsabilidades dos mesmos em prol do bem-estar nacional. O presente trabalho está dividido em tópicos que comentam sobre a origem e conceito do federalismo, o federalismo no Brasil, a atual divisão de competências em as partes da federação e os apontamentos sobre tal divisão.


2 FEDERALISMO: ORIGEM, CONCEITO E CARACTERÍSTICAS 

Sob o ponto de vista epistemológico, federação provém do latim foedes, que significa aliança. Pode-se então conceituar o Estado federal como uma união de Estados. Tal forma de governo é um fenômeno moderno (DALLARI, 1998), não havendo precedentes na Antiguidade ou na Era Medieval. Segundo Hans Kelsen, “na escala de descentralização, o Estado federal encontra-se entre o Estado unitário e a união internacional de Estados.” (KELSEN, 1998, p. 451). Isso porque a centralização de poder na federação não é tão forte quanto no Estado unitário, nem tão difuso quanto na Confederação (onde coexistem as soberanias de cada Estado-membro).

A primeira ocorrência do federalismo na história se deu na Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787. Após a declaração de independência das treze colônias, em 1776, formaram-se novos Estados independentes. Em 1781, esses Estados constituíram uma Confederação, por meio da assinatura dos Artigos da Confederação; preservando os direitos à soberania, liberdade e independência de cada constituinte da união. Diante da fragilidade e ineficácia da experiência confederalista, os Estados se reuniram para rever os Artigos da Confederação; revisão essa que culminaria na ideia de um Estado federalista. Tal ideia, no entanto, necessitou de forte defesa, pois muitos temiam a perda de soberania e independência e a maior centralização do poder. Nesse sentido, fala Dalmo Dallari:

O melhor documento para a interpretação autêntica da Constituição norte-americana são os artigos escritos por ALEXANDER HAMILTON, JOHN JAY e JAMES MADISON, reunidos em volume sob o título O Federalista. Esses artigos foram publicados na imprensa de Nova York, todos assinados com o mesmo pseudônimo de Publius, visando a explicar ao povo a nova Constituição e obter o seu apoio para a ratificação que deveria ser feita pelo Estado. Trata-se, na realidade, da mais preciosa fonte para conhecimento das idéias e dos objetivos que inspiraram a formação dos Estados Unidos da América. A base jurídica do Estado Federal é uma Constituição, não um tratado. Baseando-se a união numa Constituição, todos os assuntos que possam interessar a qualquer dos componentes da federação devem ser conduzidos de acordo com as normas constitucionais. O tratado é mais limitado, porque só regula os assuntos nele previstos expressamente, além de ser possível sua denúncia por qualquer dos contratantes, o que não acontece com a Constituição. (DALLARI, 1998, p. 92).

De tal afirmação se pode extrair uma das características comuns às formas de federalismo atualmente existentes: a existência de uma Constituição. Mais que isso, tal instrumento é quem garante a ordem e a divisão de funções entre as unidades da federação. O sistema federalista deve ser garantido como cláusula pétrea constitucional. Também é inerente ao federalismo a necessidade dos entes possuírem renda própria. É válido ressaltar ainda, a inexistência de hierarquia entre os mesmo, cada parte federada atua de forma autônoma e coesa, coerente com as definições da Carta Maior. O federalismo não permite a secessão, ou seja, é indissolúvel o vínculo formado na sua origem. Por fim, perante possíveis conflitos entre os componentes da federação, faz-se necessário um órgão neutro para sanar tais divergências.

O federalismo pode ser classificado segundo aspectos de sua configuração e características estruturais. Um Estado federal, por exemplo, pode se formar por desagregação (oriundo de um antigo Estado unitário, que se divide em Estados-membros) ou por agregação (união de Estados que eram até então independentes). O federalismo norte-americano segue uma classificação clássica ou dual, na qual são consideradas duas esferas de poder (União e Estados-membros); característica essa que não se manteve em outros países, como no Brasil, uma federação com três esferas de poder.

Quanto à representação, o federalismo pode ser simétrico, ou seja, havendo homogeneidade cultural e econômica entre os Estados-membros, todos tem o mesmo número de representantes no Senado. A compreensão das desigualdades socioeconômicas e das dimensões territoriais entre os entes federados como um ponto essencial pra a eficácia do sistema (ZIMMERMANN, 1999); o que justifica o federalismo assimétrico, aquele que considera tais aspectos de desnível para a determinação do número de representantes de cada Estado-membro.


3 FEDERALISMO NO BRASIL 

Os ideais federalistas já existiam no Brasil desde a época imperial, chegando a serem discutidos na assembleia constituinte de 1823. Porém, apenas com a implantação da República que os foram efetivados, na Constituição de 1891. Seu artigo 1º diz “A nação brasileira adota como forma de governo, sob regime representativo, a República Federativa [...], e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel de suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil” (BRASIL, 1891, não paginado). A organização dos municípios era submissa aos Estados. Nessa fase primária de federalismo, nota-se um grande controle do Governo federal e o mau uso dos Estados-membros da sua autonomia, o que propiciou o surgimento dos governos oligárquicos.

A Revolução de 1930 levou à nomeação de interventores para os Estados, causando a diminuição da autonomia. A Constituição de 1934 trouxe a centralização do poder no Governo federal, aumentando as competências da União. Em 1937, o regime de intervenção intensificou tal caráter centralizador, não se podendo falar em autonomia dos entes. O federalismo volta com a Constituição de 1946 e é novamente enfraquecido pelo golpe militar em 1964. Diante disto, fala Celso Ribeiro Bastos:

O primeiro ponto que se pode ter por certo é que o Brasil não tem acentuadas tradições federativas, como seria o caso, por exemplo, dos EUA. Tivemos um período monárquico em que vigorava o Estado unitário, e após a independência o grau de autonomia dos Estados-Membros nunca assumiu proporções equiparáveis às existentes nos Estados de federalismo mais desenvolvido. Contudo, é forçoso reconhecer que nada obstante o inegável fortalecimento do poder central em detrimento das autonomias locais, o modelo jurídico vigente no Brasil ainda é o de um Estado federal. (BASTOS, 1990, p. 257).

A Constituição de 1988 define em seu artigo 1º a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal como entes federados, promovendo uma inovação ao incluir a esfera de poder municipal. Esse artigo também reforça o aspecto indissolúvel da federação; assim como o artigo 60, parágrafo 4º assegura como cláusula pétrea a forma federativa de Estado.

Pode-se caracterizar o federalismo brasileiro como de agregação, pois se originou um Estado unitário, além de tricotômico, por possuir três esferas de poder. Apesar de ser oficialmente simétrico, o federalismo no Brasil abre espaço para uma forma mais assimétrica, haja vista que são notórias as desigualdades socioeconômicas existentes. A cooperação mútua por meio de subsídios e transferência de receitas dá ao federalismo brasileiro o caráter de federalismo cooperativo, que visa o melhor cumprimento das funções de cada ente.

3.1 Os entes federativos 

Segundo a Constituição de 1988, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são as partes componentes do Estado federal brasileiro. A todos é vedado constitucionalmente, pelo artigo 19, a declaração de uma religião oficial, a recusa da fé de documentos públicos e a distinção entre os brasileiros.

A União é uma pessoa jurídica de Direito Público interno. Porém, é importante ressaltar a ambiguidade inerente ao termo:

Desde logo, contudo, é preciso alertar para o sentido dúbio do termo. Poder-se-ia imaginar que a União nada mais é do que uma conjunção de Estados, Distrito Federal e Municípios. Ou seja, União no sentido da associação dos referidos entes federativos. Corroboraria esse entendimento a leitura isolada e literal do disposto no art. 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal”. Contudo, no art. 18º, a Constituição esclarece, peremptoriamente, que a República Federativa do Brasil compreende “a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos”. Portanto, a União não se confunde com o Brasil, sendo apenas um dos entes federativos que compõem o Estado Federal brasileiro. (TAVARES, 2008, p. 1009).

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A União, apesar de ser pessoa jurídica de Direito Público interno, representa o Estado federal no âmbito internacional. No entanto, mesmo representando a nação internacionalmente, não se pode afirmar que a União exerce a soberania, pois esta pertence apenas ao Estado brasileiro.

Os bens da União estão descritos nos incisos do artigo 20 da Constituição:

Art. 20. São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;

II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

VI - o mar territorial;

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. (BRASIL, 1988, não paginado).

Os Estados-federados (ou Estados-membros) são partes essenciais para a constituição do federalismo. Não se deve confundi-los com o Estado federal, pois este consiste na pessoa jurídica de Direito Público externo e único possuidor de soberania. São constitucionalmente garantidos aos Estados-membros os direitos à auto-organização e normatização própria (caput do artigo 25), ao autogoverno (possuírem Poder Legislativo, Executivo e Judiciário próprios, como versam os artigos 27, 28 e 125, respectivamente, da CF), à autoadministração (existência de órgãos e servidores próprios) e à autonomia tributária e financeira (tributos e orçamento próprios). É assegurada também a possibilidade de mudança na delineação dos Estados, por processos de fusão, cisão ou desdobramentos dos mesmos. Para tal, é necessário que ocorra plebiscito da população diretamente afetada, oitiva da Assembleia Legislativa afetada e Lei Complementar editada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente. O artigo 26 da Constituição enumera os bens dos Estados:

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;

III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;

IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

A Constituição Federal de 1988 acrescentou os Municípios como entes federados, garantindo-lhes, a exemplo dos Estados, o direito à auto-organização, autogoverno, autoadministração e autonomia tributária e financeira. Essas medidas facilitam ainda mais a eficiência da descentralização do poder, bem como aumentam as chances de participação politica dos cidadãos, favorecendo o processo democrático (TAVARES, 2008). O caput do artigo 29 da CF prevê o poder constitucional proveniente do legislativo municipal – a Lei Orgânica Municipal – cuja matéria é referente à auto-organização dos Municípios. Para a formação de Municípios, faz-se necessária lei complementar que dite o período possível para ocorrer a alteração, publicação legal do estudo de viabilidade da alteração, realização de plebiscito e, caso este seja favorável, lei ordinária complementar criando o Município e definindo seus limites.

O Distrito Federal, onde é situada a Capital Federal, é um componente da federação, mas não deve ser confundido com um Estado ou Município, pois é uma “unidade federada com autonomia parcialmente tutelada” (SILVA, 1999, p. 629). Sua auto-organização e autogoverno são, partes, limitados, pois entidade como Defensoria Pública, Ministério Público e Poder Judiciário são competências da União. Já o Executivo e o Legislativo são próprios do Distrito Federal. É vedado a esse ente federado o direito de subdivisão em Municípios.

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Sobre os autores
João Vitor de Paiva Muniz Ferreira

Aluno do 2º período, graduandos em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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