1. INTRODUÇÃO
As doenças mentais sempre existiram na sociedade. Ao longo do tempo foram tratadas das mais diversas formas. Em alguns momentos esses distúrbios foram tidos como positivas em outros como negativas em virtude da existência das mais diversas formas. Em cada época, em cada fase da civilização, variaram os conceitos dessas pessoas e da ocorrência de fatos sociais que as envolvia o direito penal passou a regulamentar essas questões. No entanto, questiona-se qual o tratamento dado aos doentes mentais e o que explica o fato dos mesmos serem considerados inimputáveis no ordenamento pátrio.
O objetivo principal deste artigo é analisar a questão da inimputabilidade dos doentes mentais. Para isso foram traçados alguns objetivos específicos tais como: apontar a evolução da inimputabilidade dos doentes mentais ao longo da história do Direito Penal brasileiro; identificar quem são os doentes mentais considerados inimputáveis para o direito pátrio; traçar as principais características dos psicopatas e verificar o tratamento dado pelo direito a esses indivíduos.
A importância de se realizar essa pesquisa deve-se, sobretudo, ao alto índice de criminalidade que a sociedade brasileira tem convivido. Muitos desses crimes são cometidos por pessoas portadoras de doenças mentais ou de transtornos de personalidades. A temática então se encontra estreitamente ligada aos interesses da sociedade, a qual busca sempre se proteger das investidas criminosas e do risco social. Deseja-se sempre a paz social.
Para o desenvolvimento do presente trabalho foi feito um estudo descritivo-analítico. Buscou-se descrever, explicar, classificar e esclarecer o problema apresentado. Para isso foi realizada uma pesquisa de caráter bibliográfico por meio de livros, revistas, artigos eletrônicos, dados oficiais publicados na internet.
O artigo foi subdividido em capítulos, que visam discutir o problema apresentado e esclarecer questões e conceitos importantes com o fim de obter um resultado satisfatório da pesquisa.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA INIMPUTABILIDADE DOS DOENTES MENTAIS NO DIREITO PENAL BRASILEIRO.
Ao analisar sob a perspectiva histórica as doenças mentais, pode-se chegar facilmente à conclusão de que elas fazem parte da humanidade desde os primórdios, tendo em vista que, desde que vivem em sociedade e compartilham experiências, os homens reconhecem, determinam e classificam aqueles comportamentos que eram comuns, levando em consideração também a cultura e os costumes. Sendo assim, aqueles que os seguem são ditas pessoas normais; e, aqueles que apresentavam comportamentos que iam de encontro às tradições, ou seja, ao padrão de comportamento que se costumava seguir, eram consideradas “anormais”.
Fazendo um breve retrospecto, a titulo exemplificativo, vale mencionar que esses comportamentos se apresentavam com definições diferentes (sinais positivos ou negativos) baseado no tempo e contexto histórico de cada época. Na antiguidade, a loucura era considerada como um sinal divino; no entanto, algum tempo após, devido à influência da igreja na sociedade, os mesmos passaram a ser observados como um sinal negativo, consideradas, dessa maneira, como manifestações demoníacas. Na idade média, os indivíduos que apresentavam comportamento desviante eram já considerados loucos, e, por representarem uma ameaça à integridade das pessoas normais eram isoladas, ficando, portanto, à margem da sociedade. Diante da evolução dos estudos e da medicina, todos esses estigmas em que as pessoas eram “aprisionadas” caíram por terra, e, hoje são tratadas com a compreensão devida.
É cediço que o Direito Penal além de ter por objeto o crime, a pena e os sujeitos do crime, está intimamente ligado à “mente criminosa” para desempenhar a sua função de tutelar os bens jurídicos fundamentais. Ou seja, junto à Psicologia Jurídica estuda as motivações do crime, a fim de melhor compreender a relação entre a doença mental e o delito.
Diante deste elo formado entre a Psicologia e Direito, onde há a o entrosamento das duas a fim de que se criasse, dentro do estatuto penal, dispositivos capazes de reger as atitudes delituosas desses indivíduos, vale fazer uma análise histórica de como, no Brasil, desde a vigência do Código Criminal do Império até o Código Penal de 1940(com a posterior reforma pela Lei 7.209/84) ocorria a intervenção penal dos doentes mentais.
2.1 Código Criminal do Império (1830):
Após a proclamação da independência, e posterior promulgação da Constituição de 1824, foi elaborado e o Código Criminal do Império, em 1830. Este tinha por base, e alimentava a aplicação do Direito Penal sob a perspectiva protetiva e humanitária. Por se estruturar nos pilares da doutrina clássica, tinha por pressupostos a igualdade perante a lei, o caráter retributivo da pena e adequação do crime à sua definição na lei, além do livre arbítrio e do senso de responsabilidade. No entanto, quando um indivíduo que era acometido pela loucura praticava um delito, todos esses pilares eram colocados à prova, já que logo se questionava a sua responsabilidade diante do fato e a sua real situação diante dos sentidos que permitiam avaliar tal obrigação jurídica em seus atos.
Sendo assim, disciplinado tal fenômeno, o Código vigente, em seu artigo 10, § 2º previa que:
Art. 10. Também não se julgarão criminosos:
§2º Os loucos de todo o genero, salvo se tiverem lucidos intervallos, e nelles commetterem o crime.
Destarte, de tal dispositivo é possível extrair que esses indivíduos teriam, instantaneamente o diagnostico da sua loucura, não necessitando, para tanto, de um alienista, tendo em vista que esta era percebida, à época, sob um prisma objetivo, intelectualista.
"O juiz de direito (era) obrigado a formular quesito sobre o estado de loucura do réu, quando lhe for requerido" e o "exame" deveria ser feito diante do júri, "que é quem devia apreciá-lo para decisão ... . A circunstância da loucura, ainda que de notoriedade pública, só podia ser tomada em consideração pelo júri.” (FILGUEIRAS-JR., 1876, p. 12 apud PERES, M. F. T. e NERY FILHO,2002,p.3),
2.2 Código Penal da República (1890):
Logo após a Proclamação da República, e consequente abolição do estatuto anterior, entrou em vigor o Código Criminal da República. Este, observando as restrições impostas pela então contemporânea Constituição – pena de morte e prisão com caráter perpétuo – modificou o mecanismo de punição dos doentes mentais.
Em seu artigo 27, §§ 3º e 4º, fica clara tal modificação, a saber:
Art. 27. Não são criminosos:
§ 3º Os que por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de imputação;
§ 4º Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de intelligencia no acto de commetter o crime; (BRASIL, 1890)
.
À vista disso, é possível compreender que, diferentemente do entendimento acerca da doença mental tida no Código anterior, a loucura é observada como um fenômeno de ordem moral, ou seja, a loucura, antes um fator capaz de estigmatizar um indivíduo, não tinha mais esse poder cerceador, tendo em vista que não poderia ser fator determinado através de um simples olhar objetivo àqueles que se tornavam exceção à uma regra padrão de comportamento. Neste diapasão:
“Imputar, "significa atribuir a um sujeito como causa, uma ação, um fenômeno, como efeito ... “Imputabilidade (é) uma qualidade que tem em si uma ação ou um fenômeno qualquer que o torna atribuível àquela causa.” A imputação, ou imputabilidade, estabelece uma relação causal entre um sujeito e uma ação, no caso, uma ação delituosa. ... Os loucos, compreendidos no parágrafo 4 do artigo 27 entram, então, no campo da inimputabilidade: os atos por eles praticados não lhes são atribuídos. (PERES, M. F. T. e NERY FILHO, 2002, p.3).
Neste caso, diante do novo regime jurídico, o crime passa a ser compreendido através da relação da imputabilidade daquele que o pratica. Por consequência, uma vez considerados doentes mentais, não recairia sobre eles a sanção cominada em virtude da antijuricidade do ato cometido, ou seja, seriam, dessa maneira, considerados inimputáveis.
Além disso, tal artigo não limita esses indivíduos, já que prevê uma série de outros distúrbios que poderiam se encaixar dentro do conceito adotado de “loucura”, como o sonambulismo, a embriaguez completa, a epilepsia, dentre outros. Segundo afirma Pereira apud Soares, tal dispositivo referia-se ao "estado de inconsciência, seja qual for à causa".
Já em relação ao que dispunha o § 3º do artigo em questão, a imbecilidade se referia a uma situação de determinado individuo que não tinha alcançado o pleno desenvolvimento da sua mentalidade. Esta deficiência era causada, afirmavam os alienistas, por causas hereditárias. Além do mais, estes doentes mentais se figuravam como, segundo Peres e Nery Filho, “perigosos, selvagens e portadores de estigmas físicos”.
2.3 Código Penal (1940):
Diante de inúmeras modificações do Código até então vigente, se fez necessário a edição de um novo a fim poder contemplar tais normas. Sendo assim, entra em vigor o Código Penal, em 1942, que estabelece o sistema penal básico do Brasil (sua parte geral foi reformulada pela lei 7.209/84).
Nesse novo código, a doença mental não é tratada como fator que enseja diretamente a inimputabilidade. Pelo fato de adotar o sistema biopsicológico, é necessário que se façam presentes alguns elementos, dentre eles: a ausência de vontade ou entendimento, diretamente relacionadas com um desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Segundo Sanches, sob essa perspectiva,
...considera-se inimputável aquele que, em razão da sua condição mental (por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado), era, ao tempo da conduta, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Ou seja, não é suficiente que o indivíduo seja apenas portador de uma doença mental, é preciso que haja consonância entre o crime e a situação psíquica do indivíduo, já que este elo é o que determina a exclusão de culpabilidade do sujeito ativo do delito. Por conseguinte, determina o artigo 26 do Código Penal:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 1940).
3. IMPUTABILIDADE PENAL
O Código Penal Brasileiro, em vigor desde 1940, Título III, trata da imputabilidade penal. Nos seus artigos 26 caput, 27 e 28 § 1º, o texto relaciona as hipóteses em que ocorre a exclusão de imputabilidade, ou causa dirimente.
Antes de entramos na discussão do que é inimputabilidade, cabe esclarecermos o conceito de imputabilidade.
De acordo com Fernando Capez (2007, pág. 76):
Imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento.
Pode-se perceber que, de regra, todo agente é imputável, mas de acordo com a jurisdição, em algumas situações ou condição, o agente pode ser classificado/ considerado inimputável, que quer dizer que, existem situações em que há possibilidade de que o agente de crime não seja punido da mesma forma que seria um imputável. Desse modo, inimputabilidade deve ser entendida como a incapacidade que tem o agente em responder por sua conduta delituosa, ou seja, o sujeito não é capaz de entender que o fato é ilícito e de agir conforme esse entendimento.
A Constituição Federal de 1988 no seu artigo 228 afirma que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial, legislação essa, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que afirma:
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato. (BRASIL, 1990)
Vejamos o artigo 26 do Código Penal vigente:
Art. 26- É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. ( Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Como se pode perceber, a diferença entre a incapacidade do caput e do parágrafo único reside no fato de que, neste, o agente não era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de autodeterminar-se de acordo com o entendimento, enquanto naquele o agente é totalmente incapaz.
Pois bem, temos no artigo supracitado, de acordo com o Código Penal, três causas que excluem a imputabilidade.
a) doença mental;
b) desenvolvimento mental incompleto;
c) desenvolvimento mental retardado;
d) embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior (art.28 §1º) e patológica.
Capez define doença mental como uma perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento.
Ao tratarmos de desenvolvimento mental incompleto, estamos incluindo os menores de 18 anos, visto que nesse caso temos o fator biológico que prepondera, a imaturidade mental.
No que tange ao desenvolvimento mental retardado pode-se perceber a incompatibilidade entre idade mental e a idade cronológica do indivíduo, no entanto, no caso em que ocorre embriaguez, o agente só será considerado inimputável em caso de embriaguez completa de modo acidental, fortuita ou involuntária, se incompleta, o agente responde pelo crime com diminuição de pena. E por fim, a embriaguez patológica.
4. A INIMPUTABILIDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Ao agente que pratica um fato típico, ilícito e não culpável dar-se-á absolvição mas cabe aplicar, por regra, descrita no Código Penal vigente, nos artigos 96 a 99, medida de segurança, que podemos compreender como uma perspectiva de cura ou tratamento daquele que praticou fato típico e ilícito. Nesse sentido, o agente que penalmente foi absolvido, mas que deve cumprir medida de segurança está inserido numa sentença absolutória imprópria.
Nos termos do artigo 96:
Art. 96. As medidas de segurança são:
I- Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;
II - sujeição a tratamento ambulatorial.
Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.
Nucci (2007, p. 479) afirma que medida de segurança é:
[...] uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.
Magalhães Noronha (1987, p. 298) entende que:
Como a pena, é a medida de segurança sanção penal. Bem sabemos que esta concepção não é pacífica, mas ontologicamente, para nós, elas não apresentam distinção. São outras diferenças que as caracterizam, e de natureza quantitativa antes que de qualidade. Na pena prevalece o cunho repressivo, ao passo que na medida de segurança predomina o fim preventivo; porém, como já se fez sentir, a prevenção também não é estranha à pena.
De acordo com o Código Penal, as medidas de segurança devem ser cumpridas em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico ou em estabelecimento similar.
A partir dessa perspectiva Mirabette diz (2005, p. 369):
A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico representa, a rigor, a fusão de medidas de segurança previstas na legislação anterior internação em manicômio judiciário e internação em casa em casa de custódia e tratamento. Estabeleceu-se uma medida idêntica para os inimputáveis e semi-inimputáveis, que deverão ser submetidos a tratamento, assegurada a custódia dos internados.
Conforme Mirabete (2007, p. 377), no tocante à aplicação da medida de segurança:
[...] a lei presume a periculosidade dos inimputáveis, determinando a aplicação da medida de segurança àquele que cometeu o ilícito e se apresenta nas condições do art. 26 (art. 97). Nesse caso, a aplicação da medida de segurança é obrigatória, não podendo ser dispensada apenas porque o agente já está sendo voluntária e particularmente submetido a tratamento. No que diz respeito ao semi-imputável, a periculosidade pode ser reconhecida pelo juiz, que, em vez de aplicar a pena, a substitui pela medida de segurança.
É certo que os infratores menores de 18 anos precisam estar amparados ao Estatuto da Criança e do Adolescente- Lei 8.069/90- visto que segundo o texto, seu objetivo maior é proteger a criança e ao adolescente, sendo este a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Ato infracional é o ato condenável, de desrespeito às leis, à ordem pública, aos direitos dos cidadãos ou ao patrimônio, cometido por crianças ou adolescentes. Só há ato infracional se àquela conduta corresponder a uma hipótese legal que determine sanções ao seu autor. No caso de ato infracional cometido por criança (até 12 anos), aplicam-se as medidas de proteção. Nesse caso, o órgão responsável pelo atendimento é o Conselho Tutelar. Já o ato infracional cometido por adolescente deve ser apurado pela Delegacia da Criança e do Adolescente a quem cabe encaminhar o caso ao Promotor de Justiça que poderá aplicar uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90 (doravante ECA) (Revista Jurídica Consulex, n° 193, p. 40).
Diante do exposto, e verificada a prática do ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
5. OS DOENTES MENTAIS PARA O DIREITO PENAL
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o chamado DSM-V, na década de 80, propôs a substituição do termo doença mental pelo termo transtorno, distúrbio ou desordem mental.
Vejamos um conceito de transtorno
“Um transtorno mental é uma” síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. (DSM-5, 2014; p.20)
Visto desse ponto, podemos perceber que os transtornos mentais podem ser tanto temporários quanto permanentes e sua origem pode ser congênita, hereditária ou causada por algum tipo de choque ou trauma.
Mas para o Direito Penal interessa observar se o agente, no momento da prática da ação ou omissão gozava ou não da integridade de suas faculdades mentais.
O réu será submetido a um exame técnico e ficará em observação por 45 dias. Se o exame constatar que o réu era incapaz no momento da prática da prática de uma conduta considerada como crime, o juiz irá proferir uma sentença absolutória (que por impor uma privação ou restrição da liberdade do réu recebe o nome de absolutória imprópria) e lhe impor uma medida de segurança. Se for semi-imputável, o juiz irá proferir uma sentença condenatória, podendo reduzir sua pena ou substituí-la por medida de segurança. Se durante o cumprimento da pena sobrevier ao réu uma doença mental, este deverá ser transferido ao estabelecimento adequado para seu devido tratamento (BRITO 2006, p. 292/293).
Dentre esses transtornos mentais do Código, podemos citar:
ESQUIZOFRENIA- ela é bem discutida no direito penal, porque o infrator conhecido como esquizofrênico é considerado tanto como inimputável, quanto como semi-imputável. O doente mental tem que ser diagnosticado por ser uma doença psiquiátrica, identificando um quadro de alta desorganização cerebral. Essa doença não existe cura.
O esquizofrênico perde o contato totalmente com a realidade, tendo esta realidade sendo distorcida, perdendo a coerência nas associações das coisas.
PARANOIA- Se caracteriza pela desconfiança exagerada e injustificada do indivíduo e a falta de adaptação social que o afasta da sociedade devido ao seu exagerado egocentrismo.
PSICOSE ALCOÓLICA- Para iniciarmos, se faz necessário um breve esclarecimento sobre a psicose. Essa doença é conhecida por ser um transtorno mental grave como várias que existem, que afeta a forma em que os indivíduos conseguem lidar com os seus pensamentos, modo de agir, comportamento e seus sentimentos e como a esquizofrenia, o agente não sabe distinguir a fantasia de realidade, e tem como característica também o delírio e alucinação.
Podemos agora explicar o conceito de psicose alcoólica, que diz respeito a uma psicose secundária. Existe pelo fato do elevado e longo período de consumo de álcool ou abstinência. Isso porque o álcool contém uma neurotoxina que corrompe o cérebro de forma complexa. Essa doença predomina 5 (cinco) vezes mais em homens do que nas mulheres, levando em conta que pelo menos 10% desses alcoólatras já tiveram algum episódio de psicose alcoólica.
Tendo por base esse conceito pode ser citado os sintomas mais frequentes causada pelo alcoolismo gerando um psicose alcoólica. A alucinação é um dos sintomas, sendo esse predominante pelo menos em cerca de 3% das pessoas que sofrem dessa doença. As alucinações ocorrem nos casos dever coisas aleatórias, coisas e animais de formas irreais e também ouvir somos nada favoráveis à elas, também.
Outro sintoma é que os seus cinco sentidos não funcionam normalmente, ficam distorcidos ou simplesmente não funcionam. Terceiro sintoma é a decepção, podendo ser identificado de duas formas, o primeiro quando o doente fica com um falso medo pela vida contra pessoas ou bens, já a segunda maneira é quando a pessoa pensa que está sobre posse de algo superiormente e depois descobre que não é verdade e o último sintoma, se percebe que o indivíduo fala tudo sem nexo, em relação ao assunto principal da conversa.
Enfim, não são todos esses sintomas que ocorrem sempre com esses indivíduos ou simultaneamente, são casos e casos. Cada um reage e tem o sintoma de uma forma a depender do grau que ocorrer essa psicose alcoólica.
O tratamento para esta doença só ocorre com a desintoxicação do álcool, suspendendo o álcool e com um tratamento longe prazo com medicamentos anti-psicóticos. Porém, alguns pacientes tem apresentado o colapso devido aos sintomas dentro de algumas semanas de abstinência, tendo também que ser acompanhado por profissionais da saúde, devido ao uso desses remédios, que são bastante fortes.
PARALISIA PROGRESSIVA-Essa doença se manifesta bem devagar e depois tende a piorar, por isso o nome progressivo, já o nome paralisia tem como significado fraqueza por dando em algumas regiões do cérebro, logo dos núcleos que controlam movimentos oculares. Essa doença causa alterações mórbidas a saúde mental, é uma perturbação do psiquismo que fundamenta a incapacidade de inteligência e de querer determinante da inimputabilidade sendo ela uma doença orgânica. Não existe nenhum tratamento atualmente para tal doença, entretanto alguns cientistas procuram formas de amenizar a doença. Um dos fatores que complicam o tratamento é por que a fala, a visão e a deglutição normalmente são afetados e os remédios não respondem essas funções.
6. A PSICOPATIA VERSUS AS DOENÇAS MENTAIS
No capítulo anterior ficou claro que o direito brasileiro não penaliza o doente mental uma vez que estes não tem aptidão de entender a sua atitude criminosa. A imputabilidade refere-se ao ato de conferir ao agente a responsabilidade do ato por ele praticado de forma consciente. Além disso, o agente precisa ter consciência da ilicitude de sua conduta. Ele precisa saber que seu comportamento é contrário às normas jurídicas vigentes. Dessa forma o agente será considerado inimputável quando ele não tiver capacidade de ser responsabilizado por sua conduta.
O número de crimes bárbaros cometidos por psicopatas tem-se intensificado. A capacidade destes indivíduos de manipular e ganhar a confiança das suas vítimas é imensurável. Cabe ao direito, por meio das suas normas, regular esse fato social que está evidente em nossa sociedade. O direito, contudo, tem tido dificuldade em repreender da maneira mais adequada as condutas criminosas desses indivíduos. Isso ocorre porque para os psiquiatras os psicopatas não se enquadram no perfil de doente mental, os quais são considerados inimputáveis para o nosso Código Penal, mas também não podem ser considerados como seres completamente normais.
Muitas vezes associamos os psicopatas a pessoas frias, sem limites, ardilosas e cruéis. Os psicopatas no geral apresentam uma indiferença afetiva, uma insensibilidade e não conseguem desenvolver empatia. Apresenta ainda um comportamento sedutor, um alto padrão intelectual e se revestem como sujeito de boa índole. Os psicopatas ao contrario dos doentes mentais tem total consciência dos seus atos. É o que assegura a psiquiatra brasileira Ana Beatriz Barbosa Silva:
No entanto, em termos médicos-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação. Também não sofrem delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo). Ao contrário disso, seus atos criminosos não provêm de mentes adoecidas, mas sim de um raciocínio frio e calculista combinado com a total incapacidade de tratar as outras pessoas como serem humanos pensantes e com sentimentos.
A Classificação Internacional de Doenças (CID10) conceitua os transtornos de personalidades como “consistentes em perturbação grave da constituição caracteriológica e das tendências comportamentais do indivíduo, usualmente envolvendo várias áreas da personalidade, sendo quase sempre associada à ruptura pessoal e social". Os portadores de transtorno de personalidade não possui aptidão para estabelecer relacionamentos pessoais, não sendo por isso considerado doença, mas uma perturbação da saúde mental. Para a psiquiatria os portadores de transtornos de personalidade, psicopatia, não estão completamente afastados dos fatos a ponto de não responder por seus atos criminosos.
Robert Hare é um dos psiquiatras mais respeitados do mundo. Para o mesmo os psicopatas tem plena consciência de seus atos. É certo que determinadas áreas de seu cérebro apresentam carências, disfunções. No entanto isso não os torna doentes mentais, mas sim portadores de transtornos de personalidade. A psicopatia não provoca qualquer alteração na capacidade psíquica do agente.
Diante do que foi explicitado ficou evidenciado que os psicopatas não são considerados doentes mentais e por esse motivo não são inimputáveis. Assim de maneira geral as cortes brasileiras condenam os agentes considerados psicopatas. No entanto tendem, na fase de dosimetria da pena, a aplicar a redução da pena em face do reconhecimento de causa especial de diminuição de pena relativa a semi-imputabilidade.
De acordo com Mirabete e Fabbrinni,
Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter ilícito do fato. A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento, acarretando sua submissão ao art. 26, paragrafo único. (MIRABETE; FABBRINI, 2010, p. 199)
Inúmeras críticas têm sido feita ao fato dos psicopatas serem considerados imputáveis. Elas decorrem principalmente do fato dos mesmos cumprirem penas privativas de liberdade e não medidas de segurança. Além disso, as penas são cumpridas nos mesmos estabelecimentos prisionais dos presos comuns.
Sabe-se que a principal função da pena, do encarceramento, é a ressocialização. Porém tem-se visto que são altos os índices de reincidência delituosa dos psicopatas. Isso só comprova a falta de compaixão que eles têm pelos demais seres humanos e o quanto a prisão não é capaz de ressocializá-los.
7. CONCLUSÃO
A inimputabilidade penal, tema esse, foco dos nossos estudos é um assunto que indissociado do crime nos levou a diversas possibilidades de aplicação. Apontamos no decorrer dos capítulos quem são os doentes mentais da época do Código Criminal do Brasil Império até os dias atuais. Esclarecemos as hipóteses em que o indivíduo é considerado inimputável, descrevemos alguns transtornos mentais que mais afetam a população atualmente e apresentamos suas principais características. Por fim, verificamos como a sociedade e o Direito Penal lida com os inimputáveis e que tratamento lhe são oferecidos. Ao construirmos esse artigo, tivemos a oportunidade de aprofundarmos nossos conhecimentos no Direito Penal Brasileiro em todas suas épocas. Adentrarmos nas áreas de Saúde, sendo elas a Psiquiatria e a Psicologia, matérias essas que nos aproximou da realidade dos indivíduos que possuem transtornos, distúrbios ou alguma desordem mental.
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ORIENTADORA: Taiana Levinne ( docente da matéria de Direito Penal IV) da Faculdade de Ilhéus- CESUPI