Flexibilização das normas trabalhistas

12/10/2016 às 14:32
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Este artigo apresenta uma singela abordagem sobre esse vasto tema, salientando conceitos, correntes doutrinárias e a classificação pertinente à flexibilização das normas laborais.

FLEXIBILIZAÇÃO

O Direito do Trabalho vem sofrendo diversas alterações ao longo do tempo. Modificações ocasionadas por crises econômicas e/ou políticas, inovações tecnológicas, desemprego, competitividade entre mercados e, também, pela globalização.

A partir das mudanças ou influências ocasionadas por esses fatores citados acima, surgem discussões sobre a flexibilização das normas trabalhistas, sendo definida por Arion Sayão Romita como:

Ao movimento de ideias que caracterizam o fenômeno típico da adaptação da rígida legislação trabalhista às novas exigências da economia e da revolução tecnológica convencionou-se denominar flexibilização da legislação trabalhista. [1]

Sérgio Pinto Martins aduz da seguinte forma:

A flexibilização visa assegurar um conjunto de regras mínimas ao trabalhador e em contrapartida sobrevivência da empresa, por meio da modificação de comandos legais, procurando outorgar aos trabalhadores certos direitos mínimos e ao empregador a possibilidade de adaptação de seu negócio, mormente em épocas de crise econômica. A participação do sindicato é de fundamental importância, no sentido de, nas negociações conduzir nos acordos ou à convenção coletiva, de modo a permitir também a continuidade do emprego do trabalhador e a sobrevivência da empresa assegurando um grau de lucro razoável à última e a certas garantias mínimas ao trabalhador.[2]

O empresariado tem solicitado de forma incisiva ao governo brasileiro a flexibilidade das normas trabalhistas, visando obter menores custos na produção, auferindo, consequentemente, mais lucro. Para tal, expressa que aumentar-se-á as ofertas de empregos, aquecendo a economia.

Há pessoas que defendem, também, a ideia da desregulamentação. Desse modo, urge frisar a diferença entre os institutos.

Rosani Portela Correia faz a seguinte diferenciação:

Posto isto, a flexibilização implica o abrandamento da tipicidade tuitiva, não a retirando por completo, como querem os adeptos da desregulação. Busca viabilizar hipóteses em que seria permitido abrir mão de certas garantias normativas, desde que autorizadas por lei.[3]

Na desregulamentação, há a extinção de normas que regulamentam determinada relação de trabalho. Já a flexibilização consiste em tornar menos rígida a legislação laboral. Exemplo: atualmente, é permitido fazer oito horas normais de trabalho, conforme expresso na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Com a desregulamentação não haveria lei que estabelecesse a carga horária diária permitida, já com a flexibilização poderia haver mudanças na carga horária, passando a ser 10 horas em determinados setores.

1.1 Classificação da flexibilização

Conforme o entendimento de alguns doutrinadores, a classificação da flexibilização das normas laborais, pode ser quanto aos fins, objeto e forma. Vejamos abaixo.

1.2 Flexibilização quanto aos fins

No que tange aos fins, a flexibilização pode ser de proteção, aquela que modifica os direitos a favor do obreiro, verbi gratia, Lei 11.770/2008, que estabelece a possibilidade de usufruir da licença-maternidade por até 180 dias.

Pode ter também o objetivo de adaptação, consistindo na adequação das normas rígidas a nova condição econômica, política ou social, sendo realizada por meio de negociação coletiva. Como por exemplo, redução de salário, por certo período, devido a crises na empresa. 

Por último, tem-se a flexibilização de desregulamentação, que visa a derrogação de benefícios trabalhistas.

1.3 Flexibilização quanto ao objeto

No que diz respeito à classificação quanto ao objeto, pode ser interna, acontecendo quando se transforma os aspectos de uma relação preexistente, verbi gratia, horário e jornada de trabalho; pode ser externa, acontecendo quando modifica, por meio de incentivos ou restrições, o acesso ou saída do mercado de trabalho.

1.4 Flexibilização quanto à forma

Por último, a flexibilização quanto à forma:  heterônoma, sendo aquela imposta pelo Estado; autônoma, aquela obtida por meio de negociações e a flexibilização hermenêutica, esta é produto da inteligência do juiz, que interpreta e aplica a norma.

1.5 Flexibilização heterônoma

A flexibilização heterônoma é atribuída unilateralmente pelo Estado, que edita lei ou decreto, modificando determinado direito ou benefício trabalhista.

Geralmente, em épocas de crises econômicas, o governo sempre faz uso desse tipo de flexibilização, alegando impedir que a crise agrave, mantendo o mercado aquecido, evitando demissões, verbi gratia, o projeto de lei 5.230/2013, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no dia 16/09/15.

O referido projeto visa promover a extinção dos vínculos empregatícios nos salões de beleza, estabelecendo o “profissional-parceiro”. Os donos dos estabelecimentos celebrariam uma parceria com o cabeleireiro, manicure, pedicure, barbeiro, depilador e maquiador.

De acordo com o projeto, o dono de salão, não precisaria contratar seguindo as regras da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Os “parceiros” iriam receber um percentual pelo serviço prestado e o dono do salão ficaria com a outra parte. O empresário adotaria o regime especial de tributação previsto no Estatuto da Micro e Pequena Empresa e o “profissional-parceiro” deverá ser enquadrado como Microempreendedor Individual - MEI.

Para formalizar essa relação de trabalho, seria elaborado um contrato de prestação de serviços, constando o percentual que o salão e o “parceiro” teriam direito.

Neste percentual, levar-se-ia em conta o aluguel pelo uso da infraestrutura e equipamentos do salão, além, é claro, da porcentagem do empresário(a); resumindo: o “parceiro” só receberá pela mão de obra desempenhada.

De acordo com esse projeto, o obreiro não teria férias remuneradas, décimo terceiro, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e seguro-desemprego, no caso venham de ficar desempregado, ou seja, conquistas históricas vão ser extirpadas, ferindo, amplamente, os direitos trabalhistas já consagrados.

1.6 Flexibilização autônoma

Esse tipo de flexibilização ocorre após o resultado de uma negociação coletiva entre sindicatos dos trabalhadores e grupo de empregadores ou sindicato de trabalhadores e uma ou mais empresas, ficando evidenciada, assim, a autonomia coletiva, que é expressa formalmente por meio de acordo ou convenção coletiva.

Conforme entendimento de Maurício Godinho Delgado:

A convenção coletiva resulta, pois, de negociações entabuladas por entidades sindicais, quer dos empregados, quer a dos respectivos empregadores. Envolve, portanto, o âmbito da categoria, seja a profissional (obreiros), seja a econômica (empregadores). Seu caráter coletivo e genérico é, assim, manifesto. As convenções coletivas, embora de origem privada, criam regras jurídicas (normas autônomas), isto é, preceitos gerais, abstratos e impessoais, dirigidos a normatizar situações ad futurum. Correspondem consequentemente, à noção de lei em sentido material, traduzindo ato-regra (Duguit) ou comando abstrato. São desse modo, do ponto de vista substantivo (ou seja, de seu conteúdo), diplomas desveladores de inquestionáveis regras jurídicas [...].[4]

Quanto ao acordo coletivo, o doutrinador José Cairo Júnior aduz:

O acordo coletivo constitui instrumento normativo decorrente de uma negociação coletiva efetivada entre o sindicato representativo da categoria profissional (grupo de trabalhadores) e uma ou algumas empresas. De igual forma, visa estabelecer condições de trabalho diversas daquelas previstas pela legislação estatal e, em regra, em benefício dos trabalhadores.[5]

A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, em seu artigo 611, normatiza:

Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. § 1º - É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrarem Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho. § 2º - As Federações e, na falta destas, as Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em sindicatos, no âmbito de suas representações.[6]

 Nota-se que a autonomia coletiva no direito do trabalho tem grande poder.

No ramo do Direito do Trabalho, a Constituição Federal, mesmo sendo norma superior, não tem prevalência hierárquica sobre as outras leis. Aplica-se no caso concreto, a norma que seja mais favorável ao empregado, não interessando a posição hierárquica no ordenamento jurídico, ou seja, nesse ramo do direito, prevalece o princípio da norma mais favorável em detrimento da norma menos favorável ao trabalhador, mesmo que a norma menos favorável seja a Constituição da República Federativa do Brasil.

Pode-se citar, como exemplo de flexibilização autônoma, a diminuição do salário do obreiro, que é protegida pelo princípio da irredutibilidade salarial, podendo ser realizada por meio do acordo ou convenção coletiva, como expresso no artigo 7º, VI, da Constituição da República Federativa do Brasil, o que implica prejuízo ao obreiro.

Fica evidenciado, assim, que, nesse tipo de flexibilização, os próprios interessados, patrão e empregado, regulamentam sua atividade laborativa, por meio de acordo ou convenção coletiva, que constitui uma das fontes autônomas do Direito do Trabalho.

1.7 Flexibilização hermenêutica

Esse tipo de flexibilização é produto da inteligência do magistrado, que, ao dar solução ao caso concreto, faz uso da hermenêutica, princípios e normas, solucionando o conflito entre as partes envolvidas na lide.

A hermenêutica é definida por Carlos Maximiliano da seguinte forma:[7]

A hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito. [...] para [aplicar o direito] se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executar extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar.

O magistrado deve compreender, adequadamente, o verdadeiro sentindo do texto, compreendendo valores, que as normas visam proteger de determinadas ações ou omissões, ou seja, o jurista amplia a capacidade intelectiva concernente a compreensão da norma, podendo fazer interpretações extensivas ou restritivas, mudando determinado direito, havendo, assim, a flexibilização da norma, em determinado caso concreto.

É importante trazer à baila julgado do Tribunal Superior do Trabalho, enfatizando sobre a prescrição.

RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DO TRABALHO. DANOS MORAIS. AÇÃO AJUIZADA ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. APLICAÇÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS DE DIREITO CIVIL. Sobre o tema, o c. TST firmou entendimento no sentido de que se aplicam os prazos prescricionais previstos na legislação civil às ações de dano moral decorrentes da relação de trabalho ajuizadas antes da Emenda Constitucional 45/2004. Na hipótese vertente, o TRT notícia que o acidente de trabalho ocorreu em 1989, enquanto a ação fora ajuizada na justiça comum em 19/02/2001; ou seja, ambos os eventos ocorreram antes da EC 45/04 e na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo prescricional de vinte anos para as ações de indenização por danos morais. Constatado que na data do ajuizamento da ação havia transcorrido menos de 13 anos do acidente sofrido, não há prescrição a ser declarada. “Recurso de revista conhecido e provido.” (RR-628/2005-012-21-00.3, Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, 6ª Turma, DEJT 24/04/2009).[8]

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O juiz de primeira instância limitou o direito do obreiro, estabelecendo um período menor para a prescrição, ou seja, flexibilizou o direito do obreiro, fazendo-o não ter direito ao bem pretendido, nessa instância, obrigando-o a recorrer, pois, caso não o fizesse, teria seu direito mitigado. 

Em síntese, a flexibilização hermenêutica é extremamente utilizada pelos magistrados, estando expressa nas mais diversas sentenças.  Geralmente, o obreiro tem seu direito restringido, sendo, assim, prejudicado.


2.  CORRENTES INERENTES A FLEXIBILIZAÇÃO

Hodiernamente, existem três correntes doutrinárias no âmbito da flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil: correntes favorável, desfavorável e moderada

2.1 Corrente favorável

Os adeptos da corrente favorável aduzem que as medidas adotadas pela flexibilização são favoráveis à sociedade, pois aumentam a quantidade de postos de trabalho e, quanto mais pessoas empregadas, mais a economia aquecerá.

Asseveram que o Estado deve ser liberal e que as convenções coletivas de trabalho deveriam estabelecer cláusulas, in melius e in pejus, a depender da tendência do mercado capitalista, ou seja, se a economia estivesse boa, estabeleceria normas favoráveis aos trabalhadores; ao contrário, não.

Nota-se que os adeptos dessa corrente não priorizam princípios como o da proibição do retrocesso social e o protetivo. Uma vez os direitos do obreiro reduzidos, dificilmente o empregador voltará atrás, pois representaria perdas de capital.

Asseveram, também, que o modelo vigente sobrecarrega as empresas, pois há cargas tributárias altíssimas, o que inibe a contratação de funcionários e o crescimento da empresa, que, consequentemente, estagna a economia do país.      

2.2 Corrente desfavorável

O adepto dessa corrente aduz que a flexibilização deve ser evitada, pois constitui um meio de reduzir os direitos dos obreiros, que foram conquistados através de muitas lutas, e as leis trabalhistas vigentes, já criam mecanismos de flexibilizar a relação de trabalho. Alude que só pode haver mudanças nas leis em sentido in melius, respeitando-se, assim, os princípios da proibição do retrocesso social e protetivo, ou seja, deve-se buscar melhorias para a classe trabalhadora, com a ampliação dos seus direitos, jamais o contrário.

2.3 Corrente moderada

A última corrente é a moderada. Essa prioriza a força das convenções e acordos coletivos, respeitando a autonomia privada coletiva, deixando livre para as partes acordarem o que acharem conveniente, flexibilizando direitos, respeitando, tão somente, algumas regras essenciais.

Os defensores alegam que faz parte da evolução do Direito do Trabalho flexibilizar as normas trabalhistas, diminuindo a carga tributária sobre as empresas, consequentemente, aumentar-se-iam as possibilidades de contratação de empregados.

O doutrinador Sérgio Pinto Martins enfatiza sobre essa corrente, como se percebe, abaixo:

Com a globalização da economia e com ideologia neoliberal em curso, as normas de proteção ao trabalhador vêm sendo consideradas economicamente “pesadas” e “inflexíveis”, fator que, segundo os empresários, aumenta o “custo” da produção, inviabilizando a competitividade das empresas e a própria manutenção dos postos formais de trabalho, dada a suposta “alta” carga tributária e para-fiscal. Assim, os defensores da flexibilização alegam que a negociação entre as partes sobre os termos do contrato faria aumentar o número de posto de trabalho e ainda diminuiria o risco de eventuais demissões. Aduzem que a maioria dos países desenvolvidos, especialmente os europeus, já aderiu o movimento flexibilizado, com sucesso. Defendem que as mudanças democratizam as relações de trabalho, uma vez que quem decidirá os acordos serão os próprios trabalhadores e não o Estado.[9] 

            Vólia Bonfim Cassar aduz:

A flexibilização é possível e necessária, desde que as normas por ela estabelecidas através das convenções ou acordos coletivos, como previsto na Constituição, ou na forma que a lei determinar, seja analisada sob duplo aspecto: respeito à dignidade do ser humano que trabalha para a manutenção do emprego e redução dos direitos apenas em caso de comprovada necessidade econômica, quando destinada a sobrevivência da empresa. Não alcançando este objetivo mínimo conquistado arduamente ao longo da história pelo trabalhador, o acordo ou convenção coletiva deverão ser considerados inconstitucionais, uma vez que valores maiores são aqueles protegidos pelos direitos fundamentais, afinal, os princípios norteiam a aplicação do direito.[10]


3. Considerações finais

Em síntese, infere-se que o desenvolvimento da tecnologia, da globalização, crises econômicas, seguidas pelo discurso neoliberal, aliado a busca incessante pelo lucro, que é a essência do capitalismo proporcionar graves problemas sociais, como a exclusão social, a precarização da mão de obra, a não formalização dos postos de trabalho e o crescente aumento do desemprego.

Tais problemas constituem uma novidade dentro da atual conjuntura mundial, exigindo novas soluções para que a sociedade se adapte a essa contrastante realidade de desenvolvimento tecnológico, desemprego e exclusão social, devendo todos os setores sociais acumular esforços em busca de soluções que atenuem esse problema.

Diante desse cenário surge a flexibilização. Ao trabalhador, flexibilizar as leis trabalhistas, será ruim, pois significa reduzir direitos. Já para o empresariado, a flexibilização significa menos gastos econômicos com direitos trabalhistas e, consequentemente, mais lucros.

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Sobre o autor
André Johns

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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