A injustiça no discurso da longevidade

12/10/2016 às 18:45
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Aumento da idade mínima para aposentadoria. Injustiça social. A previdência deve seguir seu papel de reposição de renda e ser ter como base dados reais.

O Brasil é um país de dimensões continentais, tem uma área territorial de 8.515.767 km². Para se ter uma mínima noção dessa dimensão, nossa vizinha hermana Argentina tem 2.791.810 km². E para apenas servir como mera comparação, a França tem 643.801 km², Holanda 41.543 km², Dinamarca 42.925 km², Suécia 450.295 km². O Brasil não é maior que Canadá e Estados Unidos, entretanto, é o maior país da América Latina, em dimensão territorial e em número de habitantes.
Nosso país registra uma desigualdade social absurda. São cinco regiões que registram números diferentes. E um dado chamou minha atenção, gerando uma série de dúvidas e porque não dizer, revolta com o discurso que hoje está se pregando no país.
Vamos lá. Com certeza é uma alegria saber que hoje temos possibilidade de viver mais que nossos avós. Segundos dados do IBGE, em 1900 o brasileiro vivia pouco mais de 30 anos, passando a viver 60 anos em 1980 e vai ultrapassar a casa dos 80 anos em 2100. A ciência avança, a cura do câncer vai chegar.
Agora analisando especialmente a situação do Brasil, no que se refere à expectativa de vida por regiões, segundo dados fornecidos pelo IBGE em 2014, me deparei com a seguinte projeção: em Santa Catarina, o estado brasileiro com maior expectativa de vida, o catarinense vive 78,4 (setenta e oito anos e quatro meses). Já no Maranhão, um dos estados brasileiros mais pobres, a expectativa de vida é a menor apresentada: 70 (setenta) anos. 
A primeira constatação: se por acaso fosse instituída idade mínima para aposentadoria de 70 anos no Brasil, o catarinense poderia usufruir de sua aposentadoria por 8 anos e 4 meses, já o maranhense... não teria esse direito. 
As perguntas então vieram aos borbotões na minha cabeça, que me causaram perplexidade. Apenas para ilustrar, menciono algumas. 1. É justo, num país de dimensões continentais e com índices de desigualdade social tão díspares, ter-se uma idade mínima para aposentadoria? 2. Onde o brasileiro vive menos? 3. Deve-se separar a revolução da longevidade por classes sociais, atendendo os índices da linha de pobreza? 4. Deve-se tomar por base diferentes categorias de trabalhadores? Um estivador vive o mesmo tanto que um magistrado? 5. Como seria feita a lógica da longevidade? 6. É certo e legitimo empregar um discurso factoide comparando o envelhecimento da população com países europeus, que além de terem uma realidade social completamente diferente, têm territórios muito menores, o que provavelmente os tornam mais homogêneos em relação aos seus povos?
Não sou contra o aumento da idade mínima, diga-se de passagem. A previdência tem que acompanhar a ciência, do contrário, não existirão sistemas sustentáveis. No entanto, não posso coadunar com injustiças. 
Quando comecei a estudar previdência (e já faz um bom tempo), ela vinha acompanhada indissociavelmente da palavra SOCIAL. Hoje, lendo as matérias sobre a reforma da previdência, não consigo ler a expressão PREVIDÊNCIA SOCIAL. Cortaram a palavra SOCIAL da expressão. Não consigo mais encontrá-la. Querem aumentar a idade mínima, certo. Mas porque devemos seguir com injustiças? Não se pode reformar corrigindo injustiças? Reforma é somente para aumentar as injustiças? Ora, todos devem ter direito a usufruir, algum dia, de aposentadoria, e não apenas um determinado grupo que por ter nascido em região mais próspera, tem mais recursos. Ou então, que nasceu numa situação financeira privilegiada.
Os dados da previdência devem ser pautados na linha de pobreza. Essa pobreza que a noite encobre, que somente conseguimos vê-la durante o dia, porque é o momento em que estamos tão ocupados, que não conseguimos nos incomodar com ela. Mas quando cai a noite e nos recolhemos para descansar, nossos olhos não conseguem alcançá-la, porque está escuro. Mas na escuridão, milhões de brasileiros estão com fome, estão desamparados, desprotegidos. E os governantes de hoje preferem simplesmente que permaneçam na escuridão, sem incomodá-los em seus descansos. 
A previdência social tem que cumprir com o seu papel fundamental, que é reposição de renda e não mascarar dados e situações, vista apenas pelo lado fiscal. Nesse momento nebuloso, é imperioso lutar, pela permanência da palavra SOCIAL do lado da PREVIDÊNCIA. Do contrário, a lógica será a continuação da desigualdade social. 
 

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Sobre a autora
Rosana Colen Moreno

Educadora, Professora, Instrutora, Palestrante, Consultora. Coordenadora da Comissão Internacional Avaliadora instituída pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO-UNESCO) e denominada “Desigualdades, Exclusão e Crises de Sustentabilidade dos Sistemas Previdenciários da América Latina e Caribe”, Procuradora de Estado, Advogada, ex-Diretora Jurídica da Alagoas Previdência. Diretora Nacional de Previdência Social da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) e da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB). Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires – UBA (a melhor da América Latina e a 51ª primeira do mundo), Especialista em Regimes Próprios de Previdência (Damásio Educacional). Autora do livro: Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção.

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