A atual Lei de Estágio e as Diretrizes da OIT

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Comparativo elaborado objetivando demonstrar harmonia jurídica entre as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho e as normas presentes na atual Lei de Estágio.

O presente estudo almeja destacar a acuidade do legislador ao elaborar a Nova Lei de Estágio[1] em consonância com os preceitos constitucionais atuais e também, com as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho[2].

Preliminarmente, é importante considerar que a OIT foi criada a partir de uma convicção de que a justiça social é fator essencial para se garantir, de modo permanente, a paz social (paz esta que deve ser destacada e objetivada sob diversos perfis). Portanto, a consecução de tal paradigma se reflete na contínua luta pela correta aplicação de sustentáculos da Organização retro, respaldada nos seguintes princípios: a) o trabalho não é uma mercadoria; b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um progresso ininterrupto; c) a penúria, seja onde for constitui um perigo para a prosperidade geral; e d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum[3].

O princípio laboral fundamental que preceitua não ser o trabalho uma mercadoria é expoente a se seguir no âmbito internacional (se ao trabalho não se propõe tal rótulo, muito menos se pode dizer quando o instituto em voga é o estágio), sem que se relativize a responsabilidade dos Estados dentro de seus ordenamentos jurídicos pátrios; isto porque, onde o direito ao trabalho (entenda-se ao estágio também) não for minimamente assegurado, como por exemplo, questões pertinentes ao respeito à integridade física e moral do trabalhador (ou estagiário) ou à contraprestação pecuniária mínima (ou auxílio-bolsa de estudos), não haverá dignidade humana que sobreviva (DELGADO, 2006). Portanto, é por meio do trabalho (sem mencionar e menosprezar seu aprendizado) que o indivíduo alcança desenvolvimento pessoal e moral, e, considerando essa dinâmica, que ele se realiza ao atingir seus ideais, via o exercício diário de seu ofício afim.

De acordo com a Nova Lei de Estágio, percebe-se que o legislador brasileiro reafirma os pilares da Constituição da OIT, pois, como o estágio é a via de aprendizado primário para competências exercidas em uma profissão, em um trabalho, ele não perde o caráter educativo e pedagógico, não se afasta do elo que o submete em respeito ao regramento laboral e faz expressa menção aos paradigmas da paz social e da dignidade da pessoa humana (fins máximos da OIT) ao prescrever em sua legislação específica que o estágio “(...) visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.” (art. 1º, § 2º da Lei n. 11.788/09).  E é nesta perspectiva, que se pode afirmar não ser o estágio também “uma mercadoria”, muito menos “mão-de-obra barata”.

O legislador acabou por garantir ao estagiário, o desenvolvimento de uma atividade voltada a sua escolha profissional, em um ambiente devidamente supervisionado, e que prime não só pela lisa consecução do viés ensino-aprendizado, mas também, que atenda a uma função social, qual seja: o desenvolvimento da unidade e do coletivo humano em uma comunidade (forjador dos vários perfis da paz social almejados por um Estado Democrático de Direito e expressos nas diretrizes da OIT).

E para que a interpretação retro não fique meramente por acirradas discussões em anais doutrinários, a atual lei de estágio foi transparente ao permitir que seu intérprete visualize sanções à concedente de estágio que não atender ou inobservar seus requisitos formais[4] e materiais[5]; a fórmula é simples perante tal situação vivenciada por um estagiário, ou seja, a concedente que transgredir as novas regras da Lei nº 11.788/2008 terá que arcar com todos os direitos trabalhistas e previdenciários próprios de uma relação laboral (ver seu art. 3º, §2º), vez que configurado estará o vínculo empregatício[6].

Nestes termos, o Professor Maurício Godinho Delgado (2004) afirma que:

Frustradas, entretanto, a causa e a destinação nobres do vínculo estagiário formado, transmutando-se sua prática real em simples utilização menos onerosa de força de trabalho, sem qualquer efetivo ganho educacional para o estudante, esvai-se o tratamento legal especialíssimo antes conferido, prevalecendo, em todos os seus termos, o reconhecimento do vínculo empregatício. (DELGADO, 2004, p. 324).

O autor ainda leciona que “o estágio (...) tem de ser correto, harmônico ao objeto educacional que residiu sua criação pelo Direito: sendo incorreto, irregular, trata-se de simples relação empregatícia dissimulada" (DELGADO, 2004). Ora, que melhor meio para se retirar do exercício prático do estágio qualquer mácula fraudulenta, que não o de torná-lo o estandarte que mais temem aqueles que alimentam a má-fé? Fazer do estágio irregular a incidente transmutação para a realidade empregatícia é também, realizar o bem comum, e por que não, atender consequentemente às diretrizes da Organização Internacional do Trabalho.

Sem fugir do contexto narrado, e ratificando todos os ideais apresentados, o Direito do Trabalho pátrio, através da CLT (art. 9º), é reto ao impor que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na (...) Consolidação.”. É a prevalência do princípio da primazia da realidade sobre a forma (também denominado princípio do contrato realidade[7]), via interpretação extensiva e analógica ao contrato de estágio, constituindo assim, instrumento que transpõem a prática irregular, habitual e cotidiana de estágio, à caracterização do trabalho realizado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação.

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Outro fato importante, é que a Constituição da Organização Internacional do Trabalho também afirma que: “(...) a paz para ser duradoura, deve assentar sobre a justiça social.”.[8] E ainda completa:   

a) todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas possibilidades;

Ao considerar os preceitos acima pontuados, uma das interpretações a que se pode chegar, quando o assunto é a Lei 11.788/08, diz respeito à noção de valor dado a prática de estágio, intimamente vinculado à condição humana daquele que o exerce. Os artigos deste texto normativo estão norteados por direitos e deveres que garantem a proteção ao estagiário, ou seja, estão amparados pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Veja, por exemplo, o art. 14: ele demonstra proteção relacionada à saúde e segurança no local da prática de estágio. Outro exemplo é percebido na obrigação da concedente em providenciar para o estagiário um seguro contra acidentes pessoais (art. 9º, IV). O fato é que a nova Lei de Estágio assegura ao estudante o aprendizado de suas competências próprias, através da prática de estágio obrigatório ou não obrigatório, proporcionando aprimoramento e capacitação, com justiça social.

 Deste modo, pode-se concluir que a atual lei de estágio asseverou as orientações da OIT, pois, além de trazer alterações substanciais em relação ao instituto regulador anterior[9], inovando na paridade trabalho-estágio, propiciou a realização da pacificação social para um instituto até então carente de maiores proteções do poder público. Esta nova realidade para a prática de estágio não permite aos seus personagens uma fuga dos ideais de harmonia para esse tipo de relação jurídica, muito menos da consecução do bem comum.

O estágio passa a ser corretamente entendido como um ato educativo, e, como tal, torna-se reflexo da acuidade do legislador frente à formação do estagiário em consonância com a justiça social, do respeito às garantias fundamentais constitucionais atuais e da sintonia legislativa pátria com as diretrizes da OIT. 

Destarte, seja via CRFB/88, CLT ou nova Lei de Estágio, o legislador pátrio ao se fazer sensível frente às orientações da OIT, reprimiu qualquer forma ilegal de trabalho ou de formação profissional. Vale lembrar que a experiência do primeiro estágio, devidamente regular e supervisionado (uma inserção no mercado de trabalho que explore corretamente seus fins educacionais), como já dizia o brocado, é algo “que não tem preço”.


Referências Bibliográficas

*BRASIL, Lei n. 11.788, de 25 set. 2008. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11788.htm. Acesso em 01/09/2009.

*Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e seu anexo (Declaração de Filadélfia). Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/info/download/constituicao_oit.pdf. Acesso em 01/09/2009.

*Declaração dos princípios fundamentais (Declaração da OIT dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento – 1998. http://www.oitbrasil.org.br/info/download/declaracao_da_oit_sobre_principio_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 01/09/2009.

*DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 207.

*DELGADO, Maurício Goginho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 323- 328.

*MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006,  p. 69-76.


Notas

[1] Lei nº 11.788, promulgada em 25 de setembro de 2008.

[2] Constituição da Organização Internacional do Trabalho de 1946.

[3] Declaração de Filadélfia de 1944.

[4] Artigo 3º da Lei n. 11.788/08.

[5] Artigo 9º da Lei n. 11.788/08.

[6] Artigo 15 da Lei n. 11.788/08.

[7] DELGADO, Maúricio Godinho. São Paulo: LTr, 2004, 2ª ed., p. 102.

[8] Declaração de Filadélfia, item II. 

[9] Lei n. 6.494, de 07 de dezembro de 1977.

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Sobre os autores
Leonardo Ferreira Vilaça

Professor Universitário Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos Mestre em Direito Internacional e Comunitário pela PUC Minas Especialista em Coordenação Pedagógica pela PUC Minas Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Itaúna-MG Atual membro da Comissão de Direito Empresarial da 34ª Subseção da OABMG Ex-Membro do Conselho Jurídico da ACMinas e da Comissão de Estágio da OAB/MG - Belo Horizonte.

Renata Kelly Rodrigues Pinto Vilaça

Advogada nas áreas trabalhista e previdenciária - Especialista em Docência e Gestão pela PUC/MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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