O tempo é hoje um dos maiores bens do ser humano, do qual não se pode dispor, uma vez que é ele quem veta ou viabiliza a concretização de tudo o que se objetiva realizar.
Somado à vida, um bem de valor insofismável, o tempo é o norteador de tudo e de todos, sendo irrefutável a afirmação de que aquele que desperdiça tempo, também desperdiça vida.
Por esta razão, o tempo é valorado judicialmente, nos casos em que se comprove a perda da vida, e entenda-se aqui a vida no seu sentido mais amplo, no que se refere à qualidade em que se dê e com a observância dos padrões mínimos de respeito à dignidade da pessoa humana.
Prova disso são os resultados dos julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que pacificou entendimento no sentido de que devem ser observadas e respeitadas duas teorias quando a questão for o entrelace entre vida e tempo: a da perda de uma chance e a da perda do tempo útil, senão vejamos:
A teoria da perda de uma chance pode ser resumida, de forma sucinta, na situação em que aquele que fez o outro perder uma chance de melhores condições de vida, em seu sentido mais amplo, deva ser responsabilizado por isso, como ocorre nos chamados casos de erros médicos ou odontológicos.
Já a teoria da perda do tempo útil, como o próprio nome diz, faz referência ao lapso temporal desprendido para que o que se objetiva, efetivamente se realize, como por exemplo, o tempo que se leva para se conseguir um atendimento ou para se realizar um exame.
Comprovada qualquer delas, o profissional que lhes deu causa será responsabilizado e arcará com o ônus do pagamento de uma indenização, destinada a ressarcir aquele que saiu prejudicado.
Estas situações muito comuns configuram o que é chamado pelos Tribunais de má prestação de serviços realizados por profissionais da área da saúde em geral.
Todavia, em respeito aos princípios basilares do sistema jurídico brasileiro, como o da igualdade, algumas reflexões devem ser feitas no sentido de que a perda do tempo útil e a perda de uma chance por inúmeras vezes ocorrem quando o paciente que agendou a consulta ou o exame, em nenhum deles compareceu, sem nenhuma justificativa.
Nestas situações de ausência, o próprio paciente acaba por inviabilizar um diagnóstico preciso, por atravancar as agendas dos profissionais, ocupando o lugar de outros que precisavam de atendimento e por causar a estes mesmos operadores da área da saúde prejuízos financeiros de monta incalculável, o que não é considerado sob nenhum aspecto quando das prolações das decisões judiciais.
Muito do que se vive decorre do fato de que o paciente é tido como hipossuficiente na relação entre ele e o prestador de serviços e da inexistência de normas que o reprimam a praticar ou a reiterar a prática de atos de ausência aos compromissos por ele assumidos quando da marcação de consultas ou de exames.
Indiscutível a questão de ser o paciente hipossuficiente, haja vista que assim lhe garante o ordenamento vigente, porém, a ausência de normas regulamentadoras ao seu comportamento furtivo aos compromissos por ele assumidos acaba por coadunar com a perpetuação de uma responsabilização única ao profissional de saúde, o que merece ser revisto.
Deve-se pensar, por exemplo, na criação de um cadastro dentro do convênio utilizado por cada paciente, registrando seu comparecimento ou sua ausência ao que foi por ele agendado, na imposição de multa em caso de sua ausência injustificada, multa esta a se fazer constar no contrato por ele firmado, num movimento das entidades de classe, a fim de que todos os envolvidos na questão se conscientizem a respeito da responsabilização solidária de todos os abarcados pelas questões relacionadas à saúde, dentre outras, a fim de que se amenizem os prejuízos e se salvaguarde a vida, em seu sentido mais amplo.
Empecilhos e contratempos fazem parte da vida, e por esta razão, são absolutamente justificáveis; falta de comprometimento e pensamentos de que nenhuma implicância terá a ausência de um paciente a um compromisso assumido por ele junto a um prestador de saúde, não.
Não há mais como prevalecer o entendimento de que somente os profissionais devem ser responsabilizados por fatos que muitas e muitas vezes decorreram de atitudes que lhes foram alheias e que decorreram única e exclusivamente do comportamento do próprio paciente.
A sociedade precisa rever seus atos e seus entendimentos para que os prestadores de serviços na área de saúde encontrem subsídios mínimos a atender seus objetivos: salvaguardar vidas dentro das mínimas condições humanas a que se propõem e se manterem em condições de economia suficiente para custear a própria sobrevivência.
Somente um trabalho em conjunto, em caráter de máxima urgência, levará a uma conscientização coletiva de que o tempo e a vida são bens de valor incalculável e de que os prejuízos decorrentes de suas perdas podem e devem ser atenuados.
Mudanças de comportamento e de consciência social viabilizarão a aplicação dos princípios norteadores do sistema jurídico vigente em condições mínimas de igualdade a todas às decisões que envolvam qualquer profissional na área da saúde, configurando-se, somente assim, a justiça a todas elas.
A necessidade de conscientização coletiva sobre a perda de uma chance e a perda do tempo útil.
Advogada, militante nas áreas do direito civil, família, criminal e saúde.
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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