Teoria da imputação objetiva

16/10/2016 às 22:46
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O presente trabalho visa traçar um cenário geral acerca da teoria da imputação objetiva e de sua aplicabilidade no cenário jurídico brasileiro.

Contexto Geral

O conceito analítico de crime conceitua este como sendo um fato típico, ilícito e culpável. Ou seja, uma ação ou omissão, correspondente a uma conduta legalmente proibida, contrária ao direito e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor.

Fato típico é uma ação ou omissão do homem, e cuja hipótese está prevista em lei. É a subsunção do fato à norma. Já fato ilícito é aquele caracterizado por ser contrário à lei e ao que esta permite. Este é composto por 4 elementos: a) conduta (ação ou omissão); b) resultado; c) nexo causal; d) tipicidade. Como ressalta Mirabete, “Caso o fato concreto não apresente um desses elementos, não é fato típico e, portanto, não é crime. Excetua-se, no caso, a tentativa, em que não ocorre o resultado”. Por fim, o fato culpável é aquele no qual o agente pratica determinada ação visando seu resultado, ou, por agir de maneira imperícia, negligente ou imprudente, acaba por obter um resultado diverso do desejado.

Assim, para determinar se o fato em questão é penalmente relevante, o primeiro passo é submetê-lo ao tipo penal descrito na norma, para se encontrar a tipicidade. É indispensável ainda que a conduta do agente esteja ligada ao resultado pelo nexo causal (conduta + nexo + resultado).

Com base em tais definições, ressalta-se que o conceito de conduta mais adotado é o da teoria finalista, que determina que conduta é a ação ou omissão, voluntária e consciente, que implique em movimentação voluntária do corpo humano, voltado a uma finalidade. É esta conduta que deve dar causa ao resultado, formando assim o fato típico, uma vez que há a presença do nexo causal.

Assim, para determinar-se a referida relação de causalidade (nexo causal), o Código Penal Brasileiro adotou a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (“Conditio sine qua non”), que determina que todas as condições que componham a totalidade dos antecedentes ao fato, são causa do resultado, pois caso não ocorressem, a produção do evento também não seria possível. Porém, tal teoria é muito criticada, uma vez que defende a regressão ao infinito, colocando no nexo causal condutas que, dentro da lógica, são despropositadas.

Visando sanar a divergência acerca da determinação de quando a lesão de um interesse jurídico pode ser considerada “obra” de uma pessoa, outra teoria chamada de Imputação Objetiva, hoje dominante da Alemanha e bastante difundida na Espanha, tem ganhado fôlego no Brasil. Tal teoria tem por finalidade imputar ao agente a prática de um resultado delituoso apenas quando o seu comportamento tiver criado, realmente, um risco não tolerado, nem permitido, ao bem jurídico.

Teoria da Imputação Objetiva

Assim como aponta Guilherme de Souza Nucci, a Imputação Objetiva é uma teoria originária de Karl Larenz (1927) e, posteriormente, Richard Honig nos anos 30, que permaneceu adormecida por vários anos, na Alemanha, até obter o seu grande impulso, a partir da década se 70, pelas mãos de Claus Roxin – um dos seus principais teóricos na atualidade.

Luiz Regis Prado ressalta que, para Larenz, a imputação objetiva nada mais é do que a tentativa de delimitação entre fatos próprios do agente e acontecimentos puramente acidentais. Quando se diz que alguém causou determinado fato, afirma-se que esse acontecimento é obra sua, de sua vontade e não de um acontecimento acidental. Entendendo-se como causa um conjunto de condições, é impossível selecionar apenas uma delas e imputar-lhe o resultado.

Para ele, o conceito de finalidade não deve ser interpretado de um ponto de vista objetivo - não se imputa só o que era querido e conhecido pelo agente, mas também o que era conhecido e, portanto, passível de ser abarcado pela vontade.

Já Honig parte do princípio de que o decisivo para o ordenamento jurídico não é a constatação da relação de causalidade, mas de uma relação jurídica especial entre a ação e o resultado. Para ele, a questão da causalidade já está decidida quando se constata que a ação foi condição necessária para que o resultado ocorresse, não sendo ainda tal relação, suficiente para que determinado resultado seja atribuído a alguém. Assim, para este, verificar o significado dessa relação de causalidade com base em critérios fornecidos pelo ordenamento jurídico é precisamente a tarefa principal da imputação objetiva.

Prado ainda apresenta a concepção de Claus Roxin, que impulsionou tal teoria a partir da década de 70. Pra Roxin, só é imputável aquele resultado que pode ser finalmente previsto e dirigido pela vontade. Logo, os resultados que não forem previsíveis ou dirigíveis pela vontade não são típicos. Figura como princípio geral de imputação objetiva a criação pela ação humana que de um risco juridicamente desvalorado, consubstanciado em um resultado típico. Roxin elaborou ainda alguns critérios de imputação objetiva: diminuição do risco, criação ou não criação de um risco juridicamente relevante, aumento do risco permitido, âmbito de proteção da norma e a realização do plano do autor.

Roxin ensina que segundo esta teoria, o injusto típico deixa de ser um acontecimento fundado no causalismo e finalismo, para buscar no âmbito do risco a razão de causa de algo não permitido. Fundamentando-se no chamado Princípio do Risco, este pensador cria uma teoria geral da imputação para os crimes de resultado, com quatro vertentes que impedirão a sua imputação objetiva:

a) a diminuição do risco: pelo critério da diminuição do risco, a conduta que reduz a probabilidade de uma lesão não se pode conceber como orientada de acordo com a finalidade de lesão da integridade corporal;

b) a criação de um risco juridicamente relevante: se a conduta do agente não é capaz de criar um risco juridicamente relevante, ou seja, se o resultado por ele pretendido não depender exclusivamente de sua vontade, caso este aconteça, deverá ser atribuído ao acaso;

c) o aumento do risco permitido: se a conduta do agente não houver, de alguma forma, aumentado o risco de ocorrência do resultado, este não lhe poderá ser imputado;

d) a esfera de proteção da norma como critério de imputação: somente haverá responsabilidade quando a conduta afrontar a finalidade protetiva da norma. Ex. A mata B e a mãe da vítima ao receber a notícia sofre um ataque nervoso e morre. Neste caso, A não pode ser responsabilizado pela morte da mãe de B.

Ainda na trilha de Roxin, Günther Jakobs busca dotar de coerência sistemática a imputação objetiva do resultado, entendendo-a como uma teoria do tipo objetivo. Para este autor, a imputação objetiva consiste na interpretação, enquanto ato de comunicação, de um comportamento. É necessário decidir, segundo este, quais dos conhecimentos individuais são relevantes para a imputação do sujeito, uma vez que para ele, na medida em que somo seres sociais que mantém relações sociais, o modo normativo da imputação objetiva deve levar em conta esses padrões de comportamento que orientam os membros de uma comunidade.

Jakobs traça quatro instituições que irão orientar a imputação sob sua perspectiva:

a) risco permitido: se cada um se comporta de acordo com um papel que lhe foi atribuído pela sociedade, mesmo que a conduta praticada importe na criação do risco de lesão ou perigo de lesão aos bens de terceira pessoa, se tal comportamento se mantiver dentro dos padrões aceitos e assimilados pela sociedade e se dessa conduta advier algum resultado lesivo, este será imputado ao acaso;

b) princípio da confiança: de acordo com este princípio, não se imputarão objetivamente os resultados produzidos por quem obrou confiando que os outros se manterão dentro dos limites do perigo permitido;

c) proibição de regresso: se determinada pessoa atuar de acordo com os limites de seu papel, a sua conduta, mesmo contribuindo para o sucesso da infração penal levada a efeito pelo agente, não poderá ser incriminada;

d) competência ou capacidade da vítima: se a vítima, por sua própria vontade, tiver se colocado na situação de risco, afasta a responsabilidade do agente produtor do resultado.

Para explicar esta teoria, Nucci ainda cita Chaves Camargo, que determina que a imputação objetiva tem por função a “limitação da responsabilidade penal”. Assim, segundo este autor, “a atribuição de um resultado a uma pessoa não é determinado pela relação de causalidade, mas é necessário um outro nexo, de modo que esteja presente a realização de um risco proibido pela norma”.

Ainda ressalta que, a adoção da teoria da imputação objetiva, segundo seus defensores, transcende o contexto do nexo causal, impondo-se como uma alternativa ao finalismo. Para ele, a imputação objetiva, em síntese, exige, para que alguém seja penalmente responsabilizado por conduta que desenvolveu, a criação ou incremento de um perigo juridicamente intolerável e não permitido ao bem jurídico protegido, bem como a concretização desse perigo em resultado típico.

Por fim, Damásio aponta que imputação objetiva significa atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico. Para ele, trata-se de um dos mais antigos problemas do Direito Penal, que seja, a determinação de quando a lesão de um interesse jurídico pode ser considerada “obra” de uma pessoa.

Damásio ainda define que a teoria da imputação objetiva não tem a pretensão de resolver a relação de causalidade, tampouco de substituir ou eliminar a função da teoria da conditio sine qua non; objetiva não mais que resolver, do ponto de vista normativo, a atribuição de um resultado penalmente relevante a uma conduta.

Risco Permitido e Risco Proibido

Já definida a imputação objetiva, faz-se necessário esclarecer o que seriam os riscos permitido e proibido, para melhor compreensão de tal conceito, uma vez que o risco tornou-se a principal diferença entre esta e as demais teorias do tipo penal.  

Risco permitido, de forma simples, pode-se dizer que é um risco aprovado, ou seja, um risco autorizado por lei. É o risco que, embora perigoso, é aceito pela sociedade, mesmo sabendo que pode vir a causar danos.

O risco proibido por sua vez, é aquele em que haverá uma desaprovação por parte da sociedade, de modo a não permitir a prática de qualquer conduta que possa eventualmente produzi-lo. Muitas vezes, pode ser que a conduta seja permitida, mas a conduta do agente a torna contrária à lei, tornando-se proibida, como por exemplo porte de arma não autorizado.

Relevância

A relevância da imputação objetiva está no fato de o resultado de uma ação poder ser analisado individualmente, dando a possibilidade de ações que, muitas vezes podem ser consideradas aceitáveis pela sociedade, serem analisadas minuciosamente antes de uma decisão final.

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É evidente que o Direito Penal não visa apenas proibir condutas, mas sim proteger bens jurídicos passíveis de serem ofendidos. Assim, com a adoção de tal teoria, busca-se uma maior garantia da atuação  do Direito Penal.

Aplicação

A teoria da imputação objetiva torna-se aplicável para seus idealizadores, no momento em que não se deve, como em alguns casos pela ótica naturalista e ou finalista, imputar a alguém um resultado lesivo ao bem jurídico levando-se em consideração apenas os fatores elementares do tipo impostos pelas teorias já existentes, tendo, contudo, de ser apreciado o risco causado pela ação e o resultado lesivo desta.

Porém, há de se ressaltar que há divergências doutrinárias acerca da teoria da imputação objetiva, sendo esta ainda, alvo de diversas críticas e discussões. Entretanto, esta teoria vem ganhando cada vez mais espaço no direito brasileiro. Deste modo, é possível afirmar que tal teoria ainda não é necessariamente aplicável, mas que possivelmente, em um futuro próximo, tal mecanismo de análise do resultado pode vir a ser adotado cada vez mais pela legislação penal brasileira.

 O Finalismo Bipartido

            Segundo o finalismo bipartido, a culpabilidade não deve ser analisada no conceito de crime. Tal corrente apresenta a ideia de que o dolo e a culpa estão na culpabilidade, retirando-os deste contexto para integrá-los ao fato típico, mais precisamente na conduta.

            Por conta da importação do dolo e da culpa para o fato típico, a culpabilidade acaba agindo somente como requisito para a aplicação da pena. Assim, para tal corrente o crime é um fato típico e ilícito. Este fato típico é composto por uma conduta, um resultado, um nexo causal e ser típico, ou seja, deve estar previsto em lei.

Deste modo, fica evidente que a teoria da imputação objetiva coexiste com o finalismo bipartido, na medida em que as duas se complementam. A primeira analisa a conduta criadora de risco juridicamente reprovado, característica esta, utilizada como base para o pensamento bipartido. Assim, ao invés de se oporem, tais teorias podem ser consideradas complementares.

Exemplos doutrinários

Se o sobrinho envia o tio ao bosque, em dia de tempestade, na esperança de que um raio o atinja, matando-o e dando margem para que lhe possa herdar os bens. Neste caso, sua conduta não seria considerada a causa do resultado, conforme a imputação objetiva, pois sua ação de induzir alguém a ir ao bosque é lícita. O que aconteceu na floresta, não lhe pode ser objetivamente imputado.

Se o inimigo de um condenado, acompanhando os momentos precedentes à sua execução pelo carrasco, saca um revolver e dispara contra o sentenciado, matando-o. Neste, não deve ser considerada sua conduta como causa do resultado, uma vez que a morte do primeiro ocorreria da mesma maneira. Segundo Damásio, haveria um curso causal hipotético impeditivo.

O funcionário de uma loja de armas, ao efetuar uma venda. A arma vendida acaba por ser instrumento de um homicídio. Neste caso, independentemente do que tenha pensando o vendedor – se haveria ou não a possibilidade de a arma ser utilizada para matar alguém – este não pode ser responsabilizado pelo homicídio, uma vez que a conduta por este praticada, de vender a arma, é lícita, não podendo esta ser considerada como causa do evento.

Conclusão

Vale dizer que a teoria da imputação objetiva recai sobre o aspecto objetivo normativo e não naturalístico. Sua principal inovação é sem dúvida a adoção da teoria do risco, que determina somente a imputação ao agente, de fatos que concretamente contribuíram para o aumento do risco juridicamente permitido. Com o risco permitido, a imputação objetiva da conduta é excluída. Salienta-se, ainda, que haverá o afastamento da imputação objetiva quando não houver correlação entre o risco ocorrido e o resultado jurídico. 

Tal teoria ainda encontra-se em desenvolvimento, e no Brasil ainda há extensas divergências acerca deste tema, que vem ganhando cada vez mais espaço na nossa sociedade. Tal concepção traria para a sociedade uma diminuição da punibilidade não deixando, porém, de punir os culpados, mas buscando superar as dificuldades de nosso sistema penal.

Bibliografia   

PARANHOS, Bruno dos Santos. Imputação Penal Objetiva.

JESUS, Damásio E. de. Imputação Objetiva , São Paulo, Editora Saraiva, 2002.

ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Rio de Janeiro e São Paulo.Renovar.2000

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal-Parte Geral. São Paulo-SP. Editora Atlas.1998.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo. Editora Atlas, 1998.p.101

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Editora Revista dos Tribunais, 13ª. Edição, 2014.

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de.Pequeno Passeio sobre a Imputação Objetiva.

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http://stm.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23060760/apelacao-ap-132520097120012-am-0000013-2520097120012-stm

http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112658869/recurso-crime-rc-71004180154-rs

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