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Utilização das algemas pelos servidores da área de segurança pública

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17/10/2016 às 01:53
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No Brasil, o uso das algemas pelos Servidores da Área de Segurança Pública está devidamente regulamentado constitucional e infraconstitucionalmente?

Resumo: O tema deste trabalho é a utilização das algemas no ordenamento jurídico. Diante disso, surgiu a seguinte pergunta: no Brasil, o uso das algemas pelos Servidores da Área de Segurança Pública está devidamente regulamentado constitucional e infraconstitucionalmente? Assim, esta monografia tem como objetivo geral analisar a utilização do uso das algemas pelos servidores da área de segurança pública sob o enfoque constitucional e infraconstitucional, sendo utilizada a pesquisa exploratória e tendo como referência levantamentos bibliográficos como forma de humanizá-los aos designíos de um Estado Democrático de Direito. Por fim, conclui-se, que deve haver uma reflexão entre os estudiosos do direito, bem como de toda sociedade civil organizada a respeito do uso das algemas, isenta de paixões ou parcialidades, em prol de uma sociedade mais justa e solidária na busca de se recuperar o senso ético e moral como fonte basilar de um Estado em que se tem o Princípio da Dignidade Humana como célula mater de todo o sistema jurídico.

Palavras-chave: Algemas. Servidores da Área de Segurança Pública. Dignidade da Pessoa Humana.

Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Conceito, histórico, fundamentação jurídica e servidores de segurança pública no âmbito das algemas. 2.1 Conceito etimológico da palavra “algemas”. 2.2 Evolução histórico-legislativo do uso das algemas no Brasil. 2.3 Fundamentação jurídica do uso das algemas. 2.3.1 Do poder de polícia. 2.3.2 Dos atributos do poder de polícia. 2.3.2.1 Da discricionariedade. 2.3.2.2 Da autoexecutoriedade. 2.3.2.3 Da coercibilidade. 2.4 Servidores de segurança pública no âmbito das algemas. 3 Princípios e direitos fundamentais intrínsecos ao uso das algemas. 3.1 Princípios intrínsecos ao uso das algemas. 3.1.1 Do princípio da legalidade. 3.1.2 Do princípio da dignidade da pessoa humana. 3.1.3 Do princípio da presunção de inocência (não culpabilidade). 3.1.4 Do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. 3.2 Direitos balizadores sobre a utilização das algemas. 3.2.1 Do direito de imagem. 3.2.2 Do direito à proibição datortura. 3.2.3 Do abuso de autoridade. 4. Disciplina normativa sobre o uso das algemas. 4.1 Da lei de execução penal. 4.2 Do código de processo penal. 4.3 Do Código de Processo Penal Militar. 4.4 Do Estatuto da Criança e do Adolescente. 4.5 Das leis de segurança da água e do ar. 4.6 Das normas do estado de São Paulo. 4.7 Das regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil. 4.8 Da súmula vinculante nº 11, do supremo tribunal federal. 5 Considerações finais. Referências.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho monográfico analisa a utilização das algemas no ordenamento jurídico, uma vez que elas ainda são fontes de polêmica entre doutrinadores, juristas e sociedade em geral. Por isso, tem como problema: no Brasil, o uso das algemas pelos Servidores da Área de Segurança Pública está devidamente regulamentado constitucional e infraconstitucionalmente? .

Esse tema foi escolhido pelo fato de não existir uma lei específica regulamentando o uso das algemas no Brasil, entretanto existem algumas leis do ordenamento jurídico que podem nortear os servidores da área de segurança pública de forma a minimizar as incertezas, evitando-se, por conseguinte, abusos e arbitrariedades.

Nesse sentido, é de suma importância identificar quais situações poderiam ensejar um algemamento correto e que não ferissem princípios e direitos previstos na Constituição Federal de 1988 como, por exemplo, dignidade da pessoa humana ou mesmo a imagem das pessoas, uma vez que tudo é transmitido de forma simples e rápida pelos meios de comunicação social (facebook, whatsapp, instagram, jornais, revistas) facilitando a divulgação das ocorrências envolvendo servidores de segurança pública que utilizam as algemas durante seu dia-a-dia. Com isso, a sociedade poderia participar mais ativamente no intuito de evitar arbitrariedades, bem como auxiliar quando necessário.

Tudo isso, nos mostra que essa celeuma não se encontra pacificada, mas que podem gerar consequências desastrosas quando utilizadas erroneamente, haja vista que as algemas é um instrumento essencial ao serviço de segurança pública, bem como visa à garantia da lei e da ordem, inclusive prevenindo fugas ou reações durante o transporte, ou mesmo quando for conduzido até à autoridade policial.

Assim, o objetivo geral deste trabalho é voltado a analisar a utilização do uso das algemas pelos servidores da área de segurança pública sob o enfoque constitucional e infraconstitucional e como objetivos específicos apresentar os aspectos que envolvem a utilização das algemas, tendo por base o histórico-legislativo, a fundamentação jurídica e os servidores de segurança pública, bem como discorrer sobre a amplitude do uso das algemas sob o enfoque dos princípios Constitucionais e dos direitos fundamentais e identificar a disciplina jurídico-normativa sobre o uso das algemas no ordenamento jurídico brasileiro.

A metodologia utilizada será a pesquisa exploratória que segundo Gil (2009, p.41) tem o objetivo “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito”, ou seja, sua finalidade é tornar mais fácil e prazeroso o aprimoramento das ideias ou o descobrimento de novos institutos que viabilize a pesquisa científica dos mais variados seguimentos.

Uma das formas de realizar essa pesquisa é tendo como base levantamentos bibliográficos, como bem afirma Lakatos e Marconi (2009, p.43) trata-se do “levantamento de toda bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita”, isto é, informações pertinentes de autores renomados advindos de artigos científicos, livros, revistas, jornais entre outros a fim de facilitar a compreensão sobre o estudo das algemas no ordenamento jurídico.

Diante dessas considerações iniciais, insta salientar que será abordado no Capítulo II o conceito de algemas, sua evolução histórico legislativo, bem como os fundamentos jurídicos que sedimentam a sua essência e quais servidores de segurança pública estão imbuídos na missão de realizar a segurança pública no Brasil.

No Capítulo III, serão elencados os mais importantes princípios basilares que nortearão os servidores da área de segurança pública na prática policial como Legalidade, Dignidade da Pessoa Humana, Presunção de Inocência, Razoabilidade e Proporcionalidade, como também os direitos que poderão ser violados caso haja excesso na atuação desses servidores e, por fim, termina com as considerações finais.

Portanto, para que as algemas sejam utilizadas de forma eficaz, necessita-se que os servidores da área de segurança pública estejam capacitados, a fim de garantir e efetivar os princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, bem como, atentos aos preceitos contidos na legislação infraconstitucional.


2. CONCEITO, HISTÓRICO, FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E SERVIDORES DE SEGURANÇA PÚBLICA NO ÂMBITO DAS ALGEMAS

O presente tópico analisará, inicialmente, o conceito etimológico da palavra “algemas”. Logo após, será apresentado à evolução histórico-legislativa sobre as algemas no Brasil, a fundamentação jurídica que serve de alicerce e legitimação e, por fim, quais os servidores da área de segurança pública estarão realizando esse tipo de procedimento.

2.1 Conceito Etimológico da Palavra “Algemas”

O significado da palavra algemas, segundo Bueno (1963, p. 166) “vem do Árabe al-jemme ou al-jemma, que significa pulseira”, isto é, um par de argolas metálicas cada qual com sua fechadura ligada entre si a fim de reduzir as possibilidades de fuga ou remoção.

Daí pode-se perceber mais detalhadamente que algemas, de acordo com Camargo (2008, p. 6) são:

Normalmente fabricada com metal resistente, constituída de duas peças, unidas por uma corrente. Cada uma delas possui uma parte móvel, dentada, que ao ser introduzida no corpo da algema, passa por uma catraca que não permite que se abra, salvo por meio do uso de chave. Existem algemas de metal para dedos, pulsos e tornozelos, e há algumas delas descartáveis.

Diante disso, pode-se perceber que as algemas são geralmente fabricadas com um metal dotado de certa resistência e composto por duas peças móveis unidas por uma corrente, basicamente possui a finalidade de fazer com que o algemado não tenha condições de quebrá-la ou mesmo abri-la com facilidade, podendo ser utilizada tanto nos membros inferiores como superiores, ou ambos, por exemplo, pulsos, pés, inclusive dedos.

Vencido o conceito etimológico da palavra “algemas” da qual é possível depreender o seu verdadeiro sentido tão somente pelo seu significado, sendo de suma importância, nesse momento, compreender a evolução histórica legislativa do uso das algemas no território nacional.

2.2 Evolução Histórico-Legislativo do uso das Algemas no Brasil

É de grande relevância para o estudo sobre as algemas compreender a evolução histórico-legislativa, pois nela tem-se como descobrir, a princípio, sua real finalidade, mesmo sendo observada por muitos somente seu aspecto negativo, e compará-la com os princípios fundamentais da nossa Constituição Federal de 1988, mais conhecida por “Constituição Cidadã”.

No entender de Gomes (2012, p. 4) o uso das algemas no Brasil ocorreu no Século XVI onde:

Aplicava-se no Brasil o direito português, de tradição romano-germânica, em razão da colonização. Com a União Ibérica (o rei da Espanha era também rei de Portugal), vigoraram no Brasil as Ordenações Filipinas. Como a igualdade não era um princípio consagrado no início da idade Moderna, havia tratamento diferenciado para os filhos da nobreza ou para aqueles que ocupavam cargos importantes no Estado.

O Brasil no Século XVI era regido pelas Ordenações Filipinas, que teve o seu nascedouro no direito português porque nessa época era adotado o sistema de colônia hereditária. Assim, o poder estava centralizado na figura do rei, que também possuía a atribuição de inovar no ordenamento jurídico daquela época, não foi diferente quando ao uso das algemas, pois pessoas da alta nobreza como, por exemplo, filho do rei ou mesmo aqueles que ocupavam cargos importantes para o Estado não seriam algemados, enquanto outras pessoas poderia sofrer esta restrição sem ressalvas.

Cabe lembrar que antes das algemas propriamente dita existiam os grilhões, que à época, segundo Biderman (1998. p. 486) significa “corrente”. Ou seja, este instrumento servia para prender tantos os pulsos como os tornozelos, sendo ligada a barra metálica ou corrente, sendo sua finalidade primordial limitar o deslocamento ou a fuga, sendo esta prática assemelhada à tortura.

Nesse contexto, existia certa utilidade para os grilhões, pois eram mais difíceis de ser danificados ou removidos pelos escravos. Segundo Cerqueira (2011, p. 1) “os grilhões foram bem vindos, podiam ser usado nos pulsos e pés, e eram mais difíceis de serem removidos. Porém, tinham uma desvantagem, por não serem reguláveis, era preciso fabricar os grilhões de vários tamanhos”. Com isso, ficaria mais oneroso para o Estado ter que fabricar grilhões de todos os tipos, para se adequar as proporções corporais de cada pessoa.

Importante observação feita por Carnelutti (2013, p. 20) sobre a simbologia que representa as algemas para o direito, o qual define que:

As algemas são um símbolo do direito; quiçá, a pensar-se, o mais autêntico de seus símbolos, ainda mais expressivo que a balança e a espada. É necessário que o direito nos ate as mãos. E justamente as algemas servem para descobrir o valor do homem, que é, segundo um grande filósofo italiano, a razão e a função do direito.

O homem em um momento de inconsciência e fúria pode extrapolar os limites do senso comum, mas em alguns casos com a utilização das algemas pode o infrator da lei reaparecer saindo da escuridão e, tornando-se ao estado de consciência, pois a partir do momento em que o seu direito é cerceado e, que as atitudes nefastas desaparecem é justamente o ponto em que ocorre a mutação do horror, a compaixão.

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No Brasil império sob a égide do Decreto nº 4.824 de 22 de novembro de 1871, que regulamentava a Lei nº 2.033 de 24 de setembro do mesmo ano, minorava o uso das algemas no Brasil, entretanto, não era levado em conta o patamar social que o agente infrator da norma estava inserido, inclusive era prevista multa que deveria ser pago à autoridade, caso o condutor não justificasse a utilização das algemas.

Nesse sentido, o artigo 28 do Decreto nº 4.824/71 (p. 8-9) previa o seguinte:

Art.28, in verbis - Além do que está disposto nos arts. 12 e 13 da Lei, a autoridade que ordenar ou requisitar a prisão e o executor dela observarão o seguinte:

O preso não será conduzido com ferros, algemas ou cordas, salvo o caso extremo de segurança, que deverá ser justificado pelo condutor; e quando não justifique, além das penas em que incorrer, será multado na quantia de 10$000 a 50$000 pela autoridade a quem fôr apresentado o mesmo preso.

Sobre o artigo supracitado cabe verificar que o uso das algemas sofreu certa limitação, mostrando uma evolução a fim de garantir direitos do cidadão, pois o seu uso exige agora uma circunstância extrema que a legitime, inclusive que esse ato seja justificado pelo condutor, caso não seja encontrado motivos que a legitimem restará o arbitramento de uma multa pela autoridade que for apresentado o preso.

Outra mudança significativa dessa época fez surgir, Segundo Gomes (2012, p. 5) a “construção de muros nas prisões, bem como da própria estrutura das celas, era desnecessário que o condenado fosse acorrentado dentro de um espaço mínimo, tendo em vista a condição de vida no cárcere”. Com isso, resta demonstrado que o Estado, paulatinamente, vem se preocupando com a humanização das penas também durante a fase de execução da pena, inclusive na ressocialização do apenado.

Após a regulamentação do Decreto nº 4.824/71 e da Constituição da República de 1891 o uso das algemas ficou bastante limitado, pois os fins do Estado não visava apenas punir, mas também humanizar a pena de forma a garantir o retorno do apenado ao convívio social, Herbella (2014, p. 25) salienta que:

As algemas foram evoluindo, em sua forma, e sendo cada vez mais utilizadas por diversas outras sociedades. Desses grilhões foi se aperfeiçoando o instrumento contentor das mãos até os presentes modelos, modernos e sofisticados, das algemas, que passaram a ser usadas por todas as outras sociedades e estão presentes até a atualidade, sem qualquer indício de abolição.

As algemas foram se aperfeiçoando, mesmo de forma tardia, com o decorrer dos anos, sendo cada vez mais menos utilizados, uma vez que direitos fundamentais foram sendo reconhecidos pelo Estado. Com a promulgação da Carta Magna de 1988, em que teve como ponto central o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Presunção de Inocência, entre outros direitos que formam o sustentáculo de um Estado Democrático de Direito, como será visto mais adiante.

Antes disso, é bom ressaltar nesse momento sobre a fundamentação jurídica do uso das algemas, haja vista que é pressuposto para a sua legitimação e, que vincula, de certa forma, o ato praticado a possíveis abusos caso sejam desnecessários e reprováveis por parte do Estado.

2.3. Fundamentação Jurídica do uso das Algemas

Os fundamentos são a base que legítima o uso das algemas para que os servidores da área de segurança pública possam utilizá-la, conforme preconiza o mandamento legal. Tal atribuição tem o seu respaldo no Poder de Polícia e seus atributos.

Assim, será verificado o conceito de poder de polícia, bem como os seus atributos que são: discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade.

É de alto e bom tom que o uso das algemas não seja realizado de forma deliberada, devendo observância a determinados princípios e direitos que serão abordados em tópico separado.

2.3.1 Do Poder de Polícia

O Conceito de Poder de Polícia encontra-se positivado na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), em seu artigo 78 (p. 16-17), a saber:

Art. 78. In verbis. Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único – Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Como forma de garantir que os direitos sejam protegidos e, que se evitem irregularidades aos particulares é conferida ao Estado o poder de fiscalização e repressão de condutas que afrontem interesse coletivo seja limitando ou disciplinando bens jurídicos como higiene, ordem, costumes e outros a fim de manter a tranquilidade e a segurança jurídica entre os indivíduos. Adverte o dispositivo que o exercício do poder de polícia deve ser aplicado nos limites previstos pela norma, com observância do processo legal, sem abuso ou desvio de poder.

Nesse seguimento o conceito de poder de polícia adotado por Di Pietro (2012, p. 123) é considerado como a “atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”. Ou seja, o poder de polícia serve para garantir que os indivíduos não atentem contra bens e interesses de caráter coletivo como, por exemplo, saúde, meio ambiente, propriedade, segurança a fim de manter a paz e a tranquilidade social.

Nesse mesmo sentido de forma complementar Alexandrino e Paulo (2013, p. 243) afirma que existem duas acepções de poder de polícia uma ampla e outra restrita, a saber:

Alguns autores adotam uma acepção ampla de poder de polícia, abrangendo não só as atividades, exercidas pela administração pública, de execução e de regulamentação das leis em que ele se fundamenta, mas também a própria atividade de edição das leis, desempenhada pelo Poder Legislativo.

Em sentido estrito, o poder de polícia não inclui a atividade legislativa, mas tão somente, as atividades administrativas de regulamentação e de execução das leis que estabelecem normas primárias de polícia.

Nesse sentido, pode-se dizer que existem duas vertentes quanto se trata de poder de polícia, uma ampla e outra mais restrita, sendo a primeira (ampla) abrangida pela atividade de execução e de regulamentação das leis e a atividade de edição das leis; e a segunda (estrito) abrangendo somente a atividade de execução das leis. Assim sendo, a posição mais acertada seria pela mais restrita, uma vez que o poder de polícia tem como pressuposto o princípio da legalidade que orienta o legislador a estrita observância desse seguimento para que, ao impor uma limitação ou proibição, deverá atender tal princípio.

O poder de polícia pode ser dividido em dois seguimentos como bem afirma Di Pietro (2012, p. 124) ao dizer que “a principal diferença que se costuma apontar entre as duas está no caráter preventivo da polícia administrativa e no repressivo da polícia judiciária”. Ou seja, a polícia administrativa tem o fim de impedir que o crime aconteça (prevenir a incidência de infração penal), e a segunda, punir àqueles que já incorreram no delito (infração consumada).

Cabe ressaltar um ponto importante dado por Herbella (2014, p.129) no qual aduz o seguinte:

Embora muitos confundam, o Poder de polícia não se refere só às polícias judiciárias e militares, mas a elas também é conferido, enquanto órgãos integrantes da Administração Pública. Não resta dúvida de que o agente de autoridade, independentemente de sua natureza, quando procede ao ato de algemar, está exercendo o poder de polícia a ele conferido. O ato será então lícito quando a necessidade se fizer, com base, também, no parágrafo único do artigo supra-referido, que observa o desvio e o abuso de poder.

Nesse sentido, o poder de polícia pode ser atribuído, dentro dos parâmetros legais, a outros órgãos da Administração Pública além das polícias militares e judiciárias como, por exemplo, um agente da vigilância sanitária que poderá, no uso de suas atribuições, utilizar-se desse poder para fechar um estabelecimento caso não observe as normas aplicadas àquele setor. Por isso, a amplitude do poder de polícia paira sobre todas as condutas ou situações particulares que possam, direta ou indiretamente, afetar o interesse público.

2.3.2 Dos Atributos do Poder de Polícia

Diante do conceito de poder de polícia já superado anteriormente, percebe-se que este poder apresenta algumas características peculiares ao seu exercício, dentre as quais se destacam: Discricionariedade, Autoexecutoriedade e Coercibilidade.

2.3.2.1 Da Discricionariedade

O atributo da discrionariedade é entendido, segundo Alexandrino e Paulo (2013, p.255 e 256) quanto à “administração, quanto aos atos a ele relacionados, regra geral, dispõe de uma razoável liberdade de atuação, podendo valorar a oportunidade e conveniência de sua prática”. Isso incorre no direito que o servidor da área de segurança pública dispõe para valorar, dependendo do caso concreto, a possibilidade ou não da utilização das algemas, pois o legislador ordinário não poderia elencar taxativamente as hipóteses em que se deva ou não utilizá-las diante da complexidade que a circunda.

Complementando este raciocínio Di Pietro (2012, p. 125) afirma que a Discricionariedade:

Embora esteja presente na maior parte das medidas de polícia, nem sempre isso ocorre. Às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de apreciação quanto a determinados elementos, como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis a exigir a atuação de polícia. Assim, em grande parte dos casos concretos, a Administração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal.

Diante disso, pode-se dizer que o ato que se funda o uso das algemas exige certa discricionariedade, pois as condições de tempo, lugar ou circunstância podem demonstrar a necessidade de sua utilização, isto é, como o legislador não tem o condão de prever todas as circunstâncias que podem ensejar o algemamento de qualquer pessoa, cabe sua valoração a depender do caso concreto a fim de melhor cumprir o mister.

2.3.2.2 Da Autoexecutoriedade

A autoexecutoriedade pode ser definida, segundo Meirelles (2011, p. 143) como a “faculdade de a Administração decidir e executar diretamente a sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do judiciário”. Nesse interregno, o atributo demonstra que não se exige autorização do Poder Judiciário para executar algum ato da Administração Pública, ou seja, não existe nesse caso a cláusula de reserva jurisdicional, isto é, que passe obrigatoriamente pelo crivo do poder judiciário para que o ato seja válido, bastando somente que o ato esteja conforme os ditames legais, tendo sempre a cautela de evitar excessos desnecessários.

Cabe a advertência de Herbella (2014, p.129) nesse sentido onde afirma que “para que seja coibido o abuso, por parte do poder estatal, exercido através das polícias, deverá haver um imenso aperfeiçoamento dos seus agentes, para que conheçam os limites da lei, a ser cumprida de forma consciente”. Dessa forma, fica claro que o Estado deverá agir contundentemente no aperfeiçoamento técnico e profissional para que os direitos e garantias não sejam violados evitando-se, por conseguinte, abusos imoderados por parte daqueles que atuam em nome do Estado.

No que tange a responsabilidade civil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, §6 (p.31) afirma que:

Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O artigo 37, §6 da Constituição da República atual fomenta que caso haja algum abuso por parte de qualquer servidor integrante dos órgãos públicos que acarretar em prejuízo a terceiros, o Estado será responsabilizado civilmente, sem prejuízo do direito de regresso aos responsáveis nas hipóteses de dolo ou culpa.

2.3.2.3 Da Coercibilidade

Para esse último atributo do Poder de Polícia cabe à definição dada por Alexandrino e Paulo (2013, p.258) no qual pontifica que o atributo da coercibilidade “traduz-se na possibilidade de as medidas adotadas pela administração pública serem impostas coativamente ao administrado, inclusive mediante o emprego da força”. Para um bom entendedor, esse atributo fortifica ainda mais a utilização das algemas nos casos em que o particular resista, desobedeça ou atente contra ato legal do Estado.

Esse atributo também não exige autorização prévia do judiciário, pois pode este órgão verificar sua legalidade após o ato, sendo entendido como contraditório diferido e, se for o caso, pode causar a anulação, reparação ou indenização, sempre que o particular comprove o desvio ou excesso de poder (ALEXANDRINO; PAULO, 2013, p. 258-259).

Para se buscar uma melhor abrangência do estudo a que se propõe esta monografia é importante frisar também quais são os servidores da área de segurança pública que estarão imbuídos na utilização das algemas no território nacional e que fazem desse instrumento acessório obrigatório no seu dia a dia.

2.4 Servidores de Segurança Pública no Âmbito das Algemas

Nesse item serão identificados quais os atores principais da segurança pública, que utilizam as algemas no território nacional, uma vez que é suma importância, nos tempos de hoje, onde se busca ainda mais a concretização dos direitos e garantias fundamentais como forma de mitigar arbitrariedades e injustiças a fim de salvaguardar o Estado Democrático de direito.

Para Carvalho Filho (2014, p. 641) agentes públicos tem sentido abrangente e significa:

O conjunto de pessoas que, a qualquer título, exercem uma função pública como prepostos do Estado. Essa função, é mister que se diga, pode ser remunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica.

Nesse mesmo sentido o artigo 2º da Lei 8.429, de 2 de junho de 2002 (p.1), Lei de Improbidade Administrativa, estabelece que agente público é:

Todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Assim, todo aquele que pratique atos como representante do Estado, nos termos da lei, será considerado agente público, sujeito as sanções de cunho administrativo, civil ou penal caso atue com abuso de poder.

Para Mazza (2013, p.406) agentes públicos é gênero pelos quais comportam as seguintes espécies:

  • a) agentes políticos;

  • b) ocupantes de cargos em comissão;

  • c) contratados temporários;

  • d) agentes militares;

  • e) servidores públicos estatutários;

  • f) empregados públicos;

  • g) particulares em colaboração com a Administração (agentes honoríficos).

O conceito de agentes públicos é um tanto quanto abrangente, não poderia ser diferente, pois o simples fato exercer uma função vinculada a qualquer ente estatal seja da administração direta, indireta ou fundacional em quaisquer modalidades temporária ou permanente faz com que o agente atue como se Estado fosse, pois este se manifesta por meio de pessoas físicas e que, caso cometam algum ilícito, a responsabilidade acaba desaguando ao próprio Estado, pois agem em seu nome deste.

Nesse sentido, buscando uma melhor interpretação voltada aos órgãos de segurança pública elencados no artigo 144, da Constituição de 1988, onde o mais adequado é o uso termo servidor público, pois é regido por um estatuto.

Com isso, no entender de Meirelles (2011, p.463) se trata de:

subespécie dos agentes públicos administrativos, categoria que abrange a grande massa de prestadores de serviços à Administração e a ela vinculados por relações profissionais, em razão de investidura em cargos e funções, a título de emprego e com retribuição pecuniária.

Não é objeto desse trabalho monográfico explicar todos os conceitos a respeito de agentes públicos, mas apenas dos servidores públicos estatutários que integram a frente voltada à segurança pública, uma vez que exercem um vínculo com o ente estatal de forma profissional, não eventual e remunerada, bem como atuam com o viés de manter a paz social e preservar a incolumidade física das pessoas.

A partir disso, o artigo 144, da Constituição Federal de 1988 (p. 87 - 88) contido no Título V que trata da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas, elenca quais os órgãos que exercem a função precípua de realizar a segurança pública, a saber:

Art. 144. Segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Em apertada síntese, pode-se entender que os servidores da área de segurança pública são pessoas físicas que exercem os fins do Estado de forma vinculada, haja vista uma necessidade de preservação a ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio público, sendo exercidas pelos órgãos da polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. Umas exercendo o papel de polícia de segurança que tanto pode ser ostensiva (preventiva) que visa evitar o cometimento de infrações penais, por exemplo, Polícia Militar, e outras na forma de Polícia Judiciária (repressiva) atuando na investigação e apuração de infrações penais, por exemplo, a Polícia Civil.

Segundo Bulos (2014, p.1454) a segurança pública seria praticamente a “manutenção da ordem pública interna do Estado. A ordem pública interna é o inverso da desordem, do caos, da desarmonia social, porque visa preservar a incolumidade da pessoa e do patrimônio”. Ou seja, a segurança pública visa manter a uma sensação tranquilidade e paz social entre as pessoas, proporcionando uma convivência tranquila e harmônica. Noutro giro, pode-se dizer também que está intrínseca a característica de reprimir a prática de delitos, uma vez que é comum a incidência de pessoas desvirtuadas que buscam burlar o sistema normativo.

Os parágrafos do artigo 144 da Constituição Federal de 1988 (p.88) indicam que:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39.

§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:

I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e

II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.

Pode-se dizer que a Polícia Federal órgão permanente assume atribuição importante no combate e repressão aos crimes que afrontem os interesses, serviços, bens ou entidades autárquicas, inclusive empresas públicas pertencentes à União, bem como outras infrações previstas em lei como, por exemplo, nos dias atuais, os crimes de corrupção, lavagem de capitais entre outros no cenário político brasileiro.

A Polícia Rodoviária Federal (§2º) é órgão permanente e mantido pela União e estruturado em carreira, tem a finalidade de exercer o patrulhamento ostensivo nas rodovias federais do Brasil. Essa função encontra respaldo na Lei nº 9.654, de 2 de junho de 1998.

A Polícia Ferroviária Federal (§3º) também é órgão permanente e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais, na forma da lei. Entretanto, não existe de fato este modelo de polícia, pois não há um órgão fisicamente formado e não existe quadro de funcionários. Segundo o precedente do STF, por meio do MI 627, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ de 7-2-2003, a previsão constitucional de uma Polícia Ferroviária Federal, por si só, não legitima a investidura nos cargos referentes a tal carreira; é necessário que ela seja primeiro, estruturada (BULOS, 2014, p.1455).

O §4º, por sua vez, informa que às Polícias Civis deverão ser geridas por “delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto das infrações militares”. Assim, a polícia civil compete à atribuição de apurar as infrações de forma residual, uma vez que não incidindo a competência da União nem da alçada dos militares, resta a Polícia Civil a função precípua de realizar a devida investigação a fim de subsidiar a opinião do titular da ação penal.

No que tange a Polícia Militar cabe à missão de realizar o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, ao passo que aos Corpos de Bombeiros Militares incumbem o exercício da atividade de defesa civil, sendo estes órgãos, mais a Polícia Civil, subordinadas aos Governadores de Estado, Distrito Federal e dos Territórios.

Conforme o entendimento de Cunha Junior e Novelino (2013, p.651) “as guardas municipais, conquanto referidas no art. 144 (§8), não são órgãos de segurança pública”, uma vez que se trata de órgão administrativo facultado ao município a sua criação a fim de proteger seus bens, instalações e serviços, conforme os preceitos legais. Com isso, pode-se dizer que o artigo 144, da Constituição Federal de 1988 demonstra que seu rol é taxativo quando elenca quais os órgãos imbuídos em realizar a segurança pública no país.

Por fim, é de salutar importância que se entenda que segurança pública não é só questão de polícia, sendo una e exclusivamente exercida pelos órgãos ora elencados, mas também por toda a sociedade que assume a responsabilidade de forma conjunta com o fito de preservar direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição.

Sabendo quais os servidores públicos e os seus respectivos órgãos, serão estudados no próximo capítulo os princípios e direitos fundamentais mais importantes que norteiam a utilização das algemas no ordenamento jurídico.

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Sobre o autor
Otávio Alves Cardoso Neto

formado em Direito pela Faculdade de Direito de Garanhuns-PE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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