A tipicidade conglobante foi primeiramente proposta por Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangieli, porém hoje é objeto de estudo de grande parte da doutrina.
Em sua obra “Manual de Direito Penal Brasileiro”, Zaffaroni e Pierangieli primeiramente se dedicam a explicar o que é a antinormatividade, dizem que esta é dada pela “[...] conduta que se adequa a um tipo penal será, necessariamente, contrária à norma que está anteposta ao tipo legal e afetará o bem jurídico tutelado.”, ou seja, a conduta adequada ao tipo penal será contrária ao que a norma estipula, afetando um bem jurídico, seja este a vida humana, o patrimônio, etc. Sendo assim, pelo fato de a conduta ser penalmente típica ela necessariamente também será antinormativa.
Os autores concluem tal tópico com a seguinte afirmação: “Tipicidade legal e tipicidade penal são a mesma coisa: a tipicidade penal pressupõe a legal, mas não a esgota; a tipicidade penal requer, além da tipicidade penal, a antinormatividade.”, portanto a tipicidade legal esta englobada na tipicidade penal, porém não é sua única componente, para formá-la deve unir-se a antinormatividade.
Após tal exposição começam a tratar da tipicidade conglobante propriamente dita. O exemplo dado é o de um oficial de justiça que recebeu uma ordem judicial de penhora e sequestro de um quadro, para tanto segue todos os preceitos legais e efetivamente sequestra a obra, colocando-a a disposição do juízo (tal conduta se enquadra no art. 23, III, do CP), aqui não existe crime pois tal conduta é antinormativa e não se pode permitir que no ordenamento jurídico uma norma ordene o que outra proíbe.
Logo conclui-se que quando se faz um juízo de tipicidade não se trata apenas da tipicidade legal em si, mas também da tipicidade conglobante, esta que consiste na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, considerada como parte integrante da ordem normativa. A tipicidade conglobante surge como um meio de correção à tipicidade legal, uma vez que pode excluir do âmbito típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas.
A conclusão final é que a tipicidade penal é formada pela união da tipicidade formal (individualização que a lei faz da conduta, mediante o conjunto dos elementos descritivos e normativos de que se vale o tipo legal) com a tipicidade conglobante (comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance da norma proibitiva conglobada com as restantes normas da ordem normativa).
Outro autor que tratou do tema foi Rogério Greco em sua obra “Curso de Direito Penal: Parte Geral”. Antes de tudo, este autor lembra que a tipicidade é parte integrante do fato típico, sendo ela o último elemento deste que deve ser analisado, os outros são: conduta, resultado e nexo causal.
Para explicar o que é tipicidade faz uso da explicação de Muñoz Conde: “é a adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na lei penal. Por imperativo do princípio da legalidade, em sua vertente do nullum crimen sine lege, só os fatos tipificados na lei penal como delitos podem ser considerados como tal”, sendo assim só se pode punir um crime que tenha um abarco na legislação anterior à prática do ato analisado.
Tal conceito explica a tipicidade formal, lembrando que a subsunção do fato à norma deve ser perfeita, caso contrário não se caracterizará um fato formalmente típico. Todavia este não é suficiente para explicar a tipicidade penal, sendo necessário que para tanto se conceitue também a tipicidade conglobante.
Além do exemplo já dado pelos autores anteriores (do oficial de justiça), para explicar a tipicidade conglobante Greco utiliza-se da figura do carrasco, este não tem a faculdade de matar o indivíduo julgado culpado, mas a obrigação de fazê-lo, portanto por mais que venha a praticar um homicídio sua conduta é antinormativa, pois existe uma norma que torna “legal” tal ato na presente circunstância.
Para que se possa falar em tipicidade conglobante é necessário que a conduta do agente seja antinormativa e que haja tipicidade material. A referida tipicidade entra em cena quando se comprava, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é antinormativa, isto é, contrária a lei penal, e não imposta ou fomentada por ela, além de ser ofensiva a bens relevantes para o direito penal.
Pelo fato de o ordenamento jurídico ser um sistema, antinomias não podem existir pois elas invalidariam o próprio sistema, portanto as antinomias existentes deverão ser solucionadas pelo próprio ordenamento.
Concluindo seu texto, Greco divide a tipicidade conglobante em antinormatividade e tipicidade material. É a esta última que cabe excluir dos tipos penais aqueles fatos reconhecidos como de bagatela, nos quais têm aplicação o princípio da insignificância. Ou seja, é através desta tipicidade que se afere a importância de um bem no caso concreto, a fim de saber se o bem em questão merece ou não ser tutelado pelo direito penal.
Da mesma maneira que Zaffaroni e Pierangieli, Greco termina o seu texto dizendo que para que exista a tipicidade penal é necessário que haja a união da tipicidade formal (legal) com a tipicidade conglobante (junção da antinormatividade e da tipicidade material).
Um terceiro autor ainda pode ser citado, este é Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, este, assim como os anteriores, entende a tipicidade conglobante como uma forma de correção da tipicidade formal.
Ele ainda coloca o seguinte: “[...] se as excludentes de antijuridicidade permitem excepcionalmente o que é a princípio proibido, não teria sentido, excepcionalmente, permitir o que a princípio não era proibido, ou seja, torna-se desnecessário apelar para as descriminantes quando a questão deve ser resolvida no âmbito da tipicidade. [...] dentro de tal raciocínio, seria dispensável a previsão legal das excludentes do exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal, pois as situações já seriam resolvidas pela tipicidade conglobante. “. O que se entende é que, para este autor, a tipicidade conglobante toma o lugar da excludente de ilicitude, ou seja, fatos como, intervenções cirúrgicas, práticas esportivas, mandado do oficial de justiça, não lhes seria excluída a ilicitude, mas sim a tipicidade, portanto, são aqui considerados fatos atípicos.
Por último pode-se citar Fernando Capez, este explica a tipicidade da seguinte maneira: “Tipicidade, portanto, exige para a ocorrência do fato típico (a) a correspondência formal entre o que esta escrito no tipo e o que foi praticado pelo agente no caso concreto (tipicidade legal ou formal) + (b) que a conduta seja anormal, ou seja, violadora da norma, entendida esta como o ordenamento jurídico como um todo, ou seja, o civil, o administrativo, o trabalhista, etc. (tipicidade conglobante).”, portanto Capez concorda com a afirmação feita pelos demais autores de que a tipicidade (ou tipicidade penal) nada mais é do que a junção da tipicidade formal com a tipicidade conglobante. O presente autor ainda explica a origem do nome tipicidade conglobante, dizendo que este decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em sua totalidade, e não apenas à sua parcela penal.
Todavia, Capez, em contrário a Junqueira, não entende que a tipicidade conglobante possa tomar o lugar do excludente de ilicitude, mas sim que ela acaba tangenciando este excludente, tentando tratar de causas que não lhe são próprias. Sendo assim acaba por deslocar para o tipo causas como o exercício regular de direito e o estrito cumprimento do dever legal, que são hipóteses de conduta autorizadas pelo ordenamento.
Mesmo afirmando que tal teoria seja válida, Capez entende que ela não é a melhor forma de se solucionar o problema da tipicidade. Concorda que a tipicidade formal não é suficiente, mas acredita que a tipicidade conglobante pode ser substituída pela exigência de que o fato típico, além de possuir correspondência legal, tenha conteúdo crime, assim trazendo conteúdo material ontológico ao tipo penal.
Como se pode perceber Capez é o único, dentre os mencionados autores, que traz uma crítica à tipicidade conglobante, e ainda vai além, propondo uma maneira de se solucionar a questão de maneira mais eficaz do que através da mesma.
Sob o meu ponto de vista, a solução dada por Capez é muito mais simplista do que a oferecida pela tipicidade conglobante, uma vez que esta além de tangenciar as causas de exclusão de ilicitude, traz a difícil tarefa de se analisar o sistema como um todo. É óbvio que para haver um sistema propriamente dito o mesmo deve ser coeso, porém analisar tal coesão é uma tarefa muito mais complexa na prática do que a teoria demonstra.
Concordo que a tipicidade formal em si, não resolve a questão, não basta apenas uma norma estar especificada no código penal para que seja típica, essa tipicidade virá com o caso concreto. Portanto, ao meu ver, a solução dada por Capez de dar conteúdo material ontológico ao tipo penal, trazendo a luz do mesmo os princípios constitucionais, é muito mais plausível e menos suscetível a erros e controvérsias do que a utilização da tipicidade conglobante. Sendo assim, o fato será considerado materialmente atípico sem que seja necessário recorrer a tipicidade conglobante.
Devo destacar, porém, que acredito na validade de ambas as teorias, acho que tanto a da tipicidade conglobante, quanto a solução de Capez resolvem a questão, o ponto é que, para mim, a segunda é mais plausível, pois trará menos conflitos e solucionará as questões de maneira mais simples e rápida, sem que se seja necessário analisar todo o ordenamento.
Bibliografia:
1. {C}CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, sexta edição, 2003, páginas 183 a 185
2. {C}JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Elementos do Direito. São Paulo: Editora Premier Máxima, quinta edição, 2005, páginas 63 e 64
3. {C}GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Volume I. Niterói: Editora Impetus, décima edição, 2008, páginas 156 a 160
4. {C}ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGIELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, Volume 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nona edição, 2011, páginas 398 a 400