O papel de Rui Barbosa na Constituição de 1891 e o exercício da competência normativa no Brasil contemporâneo

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Aborda-se o papel de Rui Barbosa no desenrolar da história do princípio da separação de poderes.

INTRODUÇÃO

A primeira constituição do Brasil foi outorgada em1824 pelo imperador Dom Pedro I, denominada como forma unitária de Estado, ou seja, qualquer unidade sub governamental poderia ser criada ou extinta e ter seus poderes modificados apenas pelo governo central. Visando transparecer um governo liberal, esta Constituição fundamentou a divisão dos poderes políticos existentes até hoje, sendo eles: Legislativo, Executivo e Judiciário. Entretanto, a mesma lei que separava essas esferas de poderes, aparentemente autônomos, também instituiu a criação do chamado Poder Moderador. Este poder era exercido unicamente pela figura do imperador, ele tinha a capacidade de desfazer e anular as decisões tomadas pelos outros poderes. Desse modo, o governo combinava ambíguos traços de liberalismo e absolutismo, fazendo da tirania sua principal característica.

Esta pesquisa teve como objetivos: estudar o modelo de Estado em que somos inseridos, suas delimitações, divisões e verificar como ocorreu a evolução das constituições e separação dos poderes estatais e, sobre tudo, apreciar a carreira de Rui Barbosa e como ele contribuiu para o avanço do país em termos de legislação; analisar a vida e ideias de Rui Barbosa, seus feitos em contribuição ao movimento republicano, ao processo de Proclamação da República (15 de novembro de 1889) e na formulação da Constituição de 1891. Apresentar um pouco do seu modo de pensar acerca da separação dos poderes estatais e seus princípios, como o de isonomia absoluta entre as pessoas e como nunca deixou esvair seus verdadeiros interesses e escrever a relação de Rui com os monarcas, a participação dele na montagem da constituição brasileira de 1891 e como atuou para que ocorresse a sucumbência do poder moderador, assim como apresentar suas obras, interesses, realizações, méritos entre outros e como ele passou de homem a mito.

A pesquisa foi desenvolvida a partir de recortes bibliográficos, análise de leis, jurisprudências, doutrinas e documentos que façam menção a evolução dos poderes e as competências normativas nas constituições brasileiras.

Foram observadas as ideias de doutrinadores como Celso Ribeiro Bastos, José Afonso da Silva, Fernando Capez, além de Jean Jaques Rousseau, Aristóteles e outros filósofos importantes, como também decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e o posicionamento da justiça brasileira em relação ao tema. Temos ainda auxílio de documentos antigos que já dispunham de textos acerca de Rui Barbosa, como neste livro de Antão de Moraes, de 1923, que cita:

 

Hodiernamente é notório e indiscutível que a Constituição Federal é o texto de maior importância social em que se asseguram e garantem certos direitos como liberdade, igualdade, entre outros e também como surge a ordem estatal. Porém, não há como não citar a importância dos poderes estatais que existiam desde a primeira constituição brasileira. Nas palavras de José Afonsa da Silva:

O poder político é fenômeno sociocultural indivisível e indelegável, razão pela qual se mostra tecnicamente questionável falar em divisão, separação ou mesmo delegação do poder. (1.999, págs. 110-11).

Antes haviam quatro poderes, em que um comandava as competências dos outros, mas hoje há apenas três poderes,  o qual são autônomos e independentes entre si, como disposto no artigo 2º da CF/88:

Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

O princípio da separação ou divisão dos Poderes foi sempre um princípio fundamental do ordenamento constitucional brasileiro e na atual constituição de 1988 está descrito expressamente no artigo 60, § 4º, III:

Art. 60, § 4º.Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(...) III- a separação dos Poderes.

Celso Ribeiro Bastos afirma certa incongruência de se pretender dividir o poder estatal e manifesta sua opinião dizendo que qualquer que seja a forma ou conteúdo dos atos do Estado eles serão frutos do mesmo poder, ou seja, supõe incorreto afirmar que há tripartição dos poderes estatais, pelo menos não ao pé da letra. O poder será um só e todas as manifestações de vontade em nome do Estado reportam-se a um querer único[1].

Essa tripartição das funções já havia sido estudada épocas atrás por Aristóteles, em sua obra ‘A Política’, onde o pensador vislumbrava a existência de três funções distintas exercidas pelo poder soberano. (Legislativo, Executivo e Judiciário).

E então Montesquieu, partindo deste pressuposto, aperfeiçoou a teoria de Aristóteles em sua obra “O Espírito das Leis” e contribuiu com o denominado sistema de freios e contrapesos onde um controla o outro e em que cada órgão exerce as suas competências. Este sistema de freios e contrapesos, adotado pela Constituição brasileira, pode ser acompanhado, por exemplo, no art. 84 do texto fundamental, onde permite ao Chefe do Executivo elaborar Decretos, invadindo a competência do Poder Legislativo, porém sem violá-la, uma vez que há previsão legal, ou seja, os órgãos podem realizar atividades atípicas.

O Estado Democrático de Direito é instituição voltada à realização de tarefas constitucionais e funda-se na garantia de uma jurisdição constitucional que não procure somente efetivar o teor dos textos fundamentais, mas que os molde de acordo com as possibilidades e necessidades das pessoas, especialmente em suas dimensões ligadas aos Direitos Fundamentais e a própria Separação de Poderes.

Voltando ao tema das desigualdades existentes na Constituição de 1824, tanta polêmica gerou intensas discussões políticas e revoltas que iam contra essa estrutura de poder fortemente centralizada. Foi então, que em 1891, a desesperança daquele povo tornou-se esperança pela primeira vez, Rui Barbosa de Oliveira era um defensor do princípio da isonomia, obteve diversos cargos importantes durante sua vida, e sua sede por igualdade lhe rendeu títulos como “O Águia de Haia”, caso em que atuou como delegado do Brasil na II Conferência da Paz, em Haia (1907), onde clamava pela igualdade dos estados.

Rui Barbosa ainda introduziu pela primeira vez em uma constituição o instituto do habeas corpus, que assim dispunha no art. 72, § 22:“Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que alguém soffrer ou se achar em imminente perigo de soffrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”. (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926). A Constituição de 1891 foi denominada como a melhor, mais realista, clara e objetiva que o Brasil já possuiu. De forma simples e direta, assegurava a autonomia dos estados, a isonomia legal dos cidadãos e a proteção das vidas.

1 RUI BARBOSA E SUAS PARTICIPAÇÕES NA POLÍTICA NACIONAL

Rui teve muitos cargos relevantes em sua passagem pela política brasileira, de estudante de direito tornou-se advogado, jurista, foi também jornalista, político, diplomata, ensaísta e orador. Nas palavras de Mario Brockmann Machado[2], Rui era tido como um trabalhador incansável, que dedicava-se ao Direito, à Política, ao Jornalismo e à Diplomacia com igual empenho durante toda sua vida.²

Fez curso jurídico em Recife, e em meados de 1868 transferiu-se para a Faculdade de Direito de São Paulo. Posteriormente, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua carreira na tribuna e na imprensa, abraçando como causa inicial a abolição da escravatura. Suas diretrizes prevaleceram nas principais reformas de leis e sua cultura modelou as linhas fundamentais da Carta Magna de 24 de fevereiro de 1891.

Em 1907, houve a 2ª Conferência da Paz, em Haia onde o papel de Barbosa foi de grande importância, pois rogava, sobretudo, pelo princípio da igualdade jurídica das nações soberanas, enfrentando irredutíveis preconceitos das chamadas grandes potências. Além de nomeado Presidente de Honra da Primeira Comissão, teve seu nome colocado entre os “Sete Sábios de Haia”. 

De fato, a persistente ação política de Rui Barbosa, conjugada com seus primorosos e pedagógicos discursos, em defesa da construção de uma sociedade politicamente livre e democrática, economicamente desenvolvida e socialmente justa, permanece exemplar, inspirando um número crescente de brasileiras e brasileiros. Como o próprio mestre dizia: “Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!”.

-  A extinção do poder moderador e a criação do instituto do Habeas Corpus

Como se sabe, no Brasil, desde o início, sempre houve a ligação direta da política e do direito, em que figuravam diferentes poderes estatais almejando melhorias sociais. Porém três destes poderes, como citados na introdução, eram comandados por um poder supremo, pertencente apenas pela autoridade máxima da época, neste caso, o imperador. O fato é que, por exemplo, se o Poder Legislativo criava uma lei que não agradava ao Imperador, ela era então extinta, ou seja, de nada adiantava ter um poder específico para aplicar leis se elas sempre dependeriam da vontade de outro poder, ficando submissas, de forma oculta, a figura do imperador. Até 1891 era assim que funcionava a política e o direito, mas, no referido ano Rui implantou novidades na constituição. Ele persistiu para que este poder fosse extinto, pois, de certa forma, violava qualquer direito do povo, quem ficava “sem voz”, já que o imperador sempre passaria por cima de todas as decisões tomadas por outros poderes. O então poder moderador foi extinto, restando apenas os três poderes com suas funções delimitadas.

Pelo menos nos últimos 30 anos, o Brasil melhorou e modificou suas relações entre a política, democracia e direitos sociais, mas a Carta Magna de 1891 foi o solavanco para o povo ganhar ainda mais espaço e participação ativa nas decisões de seu país, pois mais medidas igualitárias começaram a ocorrer e os traços de tirania do governo anterior já iam se apagando, isso graças às medidas que Rui Barbosa decidiu implantar.

O tradicional modelo de tripartição dos Poderes e de organização institucional do Estado proporcionou uma série de direitos e garantias fundamentais, mas manteve os que constavam nas Constituições anteriores, concebidos no século XVIII.

Sobre o instituto do habeas corpus, podemos dizer que era uma opção, sem fins onerosos, que tinha como finalidade proteger indivíduos que sentiam ter sua liberdade infringida. Era um direito do cidadão desde aquela época e até hoje está presente na Constituição brasileira. (Art. 5, LXVIII).

Este mecanismo foi criado no Brasil no final do século XIX, encabeçado diretamente por Rui que, tendo observado a carência de remédios constitucionais que garantissem os direitos dos cidadãos, propôs estender a hipótese de cabimento do Habeas Corpus para diversos casos, mas mantendo toda a redação que protegia o direito de ir, vir e permanecer, conforme a própria Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891, no § 22, do artigo 72: “dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder”.

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Além dessa corrente, havia pessoas que não concordavam com as medidas e em contraposição surgia a posição ortodoxa, segunda a qual o Habeas Corpus só seria cabível nas hipóteses correspondentes ao respeito ao direito de ir, vir e permanecer. Essa corrente foi introduzida por Pedro Lessa, que na época, era Ministro do STF. Ele sustentava a teses de que o Habeas Corpus apenas deveria ser concedido em casos que envolvessem a liberdade de ir, vir e permanecer, e que essa seria uma condição obrigatória para o exercício de outros direitos que poderiam ser protegidos pelo Habeas Corpus. Observados os elementos constitucionais, é determinado que nenhum direito pode ser exercido se não houver liberdade de locomoção pois ela é condição e meio para o exercício de inúmeros direitos.

2 PODERES ESTATAIS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO.

Hodiernamente o Brasil conta com medidas tomadas por três diferentes poderes, que agem de forma interligada. O Legislativo, o Executivo e o Judiciário, são poderes interdependentes, exercidos por órgãos correspondentes de forma harmônica e interdependente entre si.  Estes poderes são tidos como órgãos de manifestação do poder de soberania estatal, que é, também, uno e indivisível.  Porém, cada um possui uma esfera de atuação com  suas funções específicas, exercendo a totalidade do poder.

A função Legislativa  estabelece normas gerais e abstratas (leis) que regem a vida em sociedade, isso tudo através de manifestação de vontade que valida o fato como o que está descrito na norma. Exemplo: O fato de importar mercadoria gera pagamento de tributação, este é um tipo de lei. Já a Executiva  traduz num ato de vontade individualizado a exteriorização abstrata da norma. Exemplo: Cobrar de um  importador o tributo na quantidade prevista na lei é ato executivo. Por fim, a função Judiciária dirime as controvérsias que podem surgir durante a aplicação da lei.  Exemplo: Se um importador considera indevido o tributo cobrado surge uma lide a ser resolvida definitivamente pela função jurisdicional.

Immanuel Kant, filósofo alemão que aduzia sobre os Princípios Metafísicos da Teoria do Direito, acreditava que os poderes do Estado eram três proposições de um silogismo prático, em que a maior continha uma lei de vontade e a menor a ordem de conduzir-se de acordo com a lei e por fim a conclusão ou sentença, que decidiria o que é

o direito no caso de agir.  Estes três poderes são coordenados (completando-se) e subordinados (independentes). Podemos entender que o legislativo é irrepreensível, o executivo irresistível e o judiciário é inapelável. 

3 RUI BARBOSA: O HOMEM E O MITO

Rui Barbosa sempre foi considerado como um acadêmico militante, sociável, cidadão integro e destemido, sempre integrado em grêmios e sociedades frequentadas por seus colegas, demonstrando sua paixão pela liberdade e a disposição de lutar pelo o que acreditava até o fim. Ainda muito jovem Rui já ocupava cargos importantes e seus conselhos sempre prevaleciam.

Discordando do golpe que levou Floriano Peixoto ao governo, Rui requereu habeas-corpus em favor dos cidadãos que haviam sido presos pelo governo ditatorial do próprio Peixoto. Abriu uma campanha contra a situação florianista e então, em 1893, foi obrigado a se exilar por força da ditadura vivida. Ficou um tempo em Buenos Aires, depois Lisboa e sucessivamente Londres. Em 1895 Barbosa regressou do exílio e tomou assento no Senado, destacando-se com os seus trabalhos na redação do Código Civil.

Em 1913, fundou o Partido Liberal, e foi indicado para a presidência da República, porém desistiu da mesma. Em 1919, foi novamente levantada sua candidatura à presidência, e ele visitou vários Estados fazendo sua campanha, porém tudo o que plantara com sua campanha foi anulado pela intervenção militar. Em 1921, foi eleito juiz da Corte Internacional de Justiça por maioria de votos, sendo diversamente homenageado no Brasil e em todo o mundo.

Rui, o diplomata da paz, sempre ressaltava:

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Depois disso, Rui ainda foi deputado e além de lutar incessantemente pelo fim da escravidão, ele foi o responsável pela redação final do texto da reforma eleitoral de 1881, assim como pela reforma do ensino jurídico (1882-83). Por fim, novamente mencionando o fato, vale citar sua invejável desenvoltura na conferência da Paz em Haia. Rui manteve-se no foco pelo princípio da igualdade jurídica das nações soberanas, e com essa tese enfrentou irredutíveis preconceitos das chamadas grandes potências. Porém, houve o mais inédito acontecimento, no qual ele foi nomeado Presidente de Honra da Primeira Comissão e teve seu nome colocado entre os “Sete Sábios de Haia”.

Além de todas essas conquistas, Rui Barbosa ainda foi membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, sucedendo Machado de Assis na presidência da casa e Patrono dos Advogados Brasileiros. Após uma brilhante carreira jurídica, Rui Barbosa morreu de paralisia pulmonar aos 1º de março de 1923 com 74 anos de idade. Além do magnífico legado para o direito constitucional brasileiro, deixou também uma obra profunda e abrangente no campo da política. O seu trabalho foi posteriormente consolidado através da criação da Fundação Casa de Rui Barbosa por Américo Jacobina Lacombe (1909-1993), com sede localizada em sua última residência, no tradicional bairro carioca de Botafogo. Rui foi um visionário que defendeu o abolicionismo numa era de escravocratas, o federalismo numa época de poder unitário, e o civilismo num país marcado pela visão autoritária do militarismo. Marcante foi especialmente a sua participação na elaboração da primeira constituição republicana, evitando deterioração ainda maior do quadro de legalidade existente. No limiar do centenário de sua participação na Segunda Conferência de Paz, nada mais justo do que prestar esta singela homenagem ao notável jurista brasileiro.

Em épocas mais recentes, por exemplo, 2007 onde comemorou-se o centenário da participação de Rui Barbosa (1849-1923) na Segunda Conferência de Paz de Haia, Holanda. Esta conferência significou a consagração definitiva do jurista brasileiro. O objetivo deste artigo é discutir a sua participação, bem como identificar a contribuição de Rui Barbosa para o desenvolvimento do constitucionalismo pátrio, mormente no tocante à sua luta incessante pela efetividade de direitos e garantias constitucionais. Em 1877, Rui elege-se aos 28 anos como deputado provincial da Bahia, com o apoio decisivo de Manuel Pinto de Sousa Dantas, o líder da ala progressista do Partido Liberal na província. Inicia-se aqui uma intensa carreira política, no ano seguinte impulsionada pela sua eleição para a Câmara dos Deputados do Parlamento Imperial.

Disse Rui:

“de bustos e estátuas não sou lá grande entusiasta. Um homem em metal ou pedra me parece duas vezes morto... Bem-aventurados os que a si mesmo se estatuaram em atos memoráveis, sem deixarem os seus retratos à posteridade, esquecediça ou desdenhosa, vivem a sua vida póstuma desinteressadamente pelos benefícios que lhe herdaram”.

Uma das características mais marcantes da Carta de 1891 foi a adoção do sistema presidencialista. Muito embora considerasse que as liberdades básicas “não deveriam ser diminuídas nem pela força, nem pelas leis”, Rui por outro lado considerava que a efetividade da Carta de 1891 dependia do desenvolvimento de um “sentimento constitucional que vincula a legitimidade da Constituição”. Segundo ele, a ausência de sentimento constitucional haveria de provocar grave dano ao ideal liberal-republicano, pois que, em sua opinião, a ausência de eficácia de normas constitucionais resultaria na consagração definitiva da força bruta. Se fosse apenas pela vontade direta de militares positivistas que proclamaram a República, a Carta de 1891 não teria sequer entrado em vigor. Se entrasse em vigor, contudo, certamente não teria ela sido tão generosa no concernente aos direitos e garantias fundamentais. De fato, as principais articuladoras do golpe de 15 de novembro de 1889 eram lideranças militares seguidoras do positivismo comtiano. Possuíam, portanto, mentalidade ‘cientificista’ que aspirava a adoção de uma ditadura republicana.

4 COMPARATIVO CONSTITUCIONAL

1) Constituição de 1824: Neste ano, logo após a independência do Brasil, houve uma disputa entre as principais forças políticas pelo poder: a elite latifundiária escravista contra o poder imperial. Porém o imperador da época, Dom Pedro I, apoiado pelo partido português (ricos comerciantes portugueses e altos funcionários públicos), conseguiu impor seu próprio projeto de leis, que no mencionado ano se tornou nossa primeira constituição. O nome de nossa República antes era denominado como Império do Brasil e se tratava de uma carta outorgada (imposta) com um Estado centralizado e monarquia hereditária. Existiam também quatro poderes (Executivo/ Legislativo/ Judiciário/ Moderador) sendo que este último era exercido apenas pelo imperador. No ramo politico o mandato dos senadores era vitalício e o exercício do voto era só para os ricos. O catolicismo era mantido como religião oficial. Esta constituição foi a de maior vigência, sendo que teve uma duração média de 65 anos.

2) Constituição de 1891: Neste ano houve algumas mudanças principalmente relacionadas a governança do país. O poder moderador foi sucumbido e de forma simples e direta, promoveu um equilíbrio maior entre os cidadãos e seus governantes. O nome do país já era outro, denominado Estados Unidos do Brasil e era composto por apenas três poderes, onde Rui Barbosa auxiliou na promoção da extinção do poder moderador reivindicando isonomia. Nesta época o Brasil já era considerado um Estado Laico, ou seja, não tinha uma religião definida e era separado da Igreja.

3) Constituição de 1934: Os primeiros anos da Era de Vargas caracterizaram-se por um governo provisório em que não se tinha uma constituição definida. Somente no ano de 1933, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932 é que foi eleita a Assembleia Constituinte que redigiu uma nova constituição. Aqui o nome do país continuou o mesmo que no ano de 1891 e foi introduzida uma carta promulgada (feita legalmente) promovendo uma Reforma Eleitoral para introdução do voto secreto e do voto feminino. Neste ano também houve a Criação da Justiça do Trabalho e das Leis Trabalhistas (jornada de 8 horas diárias, repouso semanal, férias remuneradas, etc. Foi a constituição que teve a menor duração.

4) Constituição de 1937: Ano marcado pelo golpe militar exercido por Getúlio Vargas, que mostrou uma mistura de tirania, ambição e ganância. Vargas não queria perder seu posto de presidente e acabou por tornar-se um verdadeiro ditador. Usou como justificativa a necessidade de possuir poderes para proteger a sociedade brasileira de ameaças que existiam na época, mas tudo se tratava de um falso plano comunista inventado por seguidores de Getúlio. O regime implantado por este presidente ficou conhecido como Estado Novo e além de muitas mudanças que implantou ainda aboliu os partidos políticos e a liberdade de imprensa.

5) Constituição de 1946: Após a queda de Vargas fazia-se necessária uma nova ordem constitucional. A partir deste pressuposto o Congresso Nacional começou a assumir tarefas constituintes. Os Estados e municípios passaram a possuir uma ampla autonomia político-administrativa e o mandato presidencial passou a ser de 5 anos (quinquênio). O povo começou a ter direitos como: defesa da propriedade privada,
direito de greve e de livre associação sindical, liberdade de opinião e de expressão. 

6) Constituição de 1967: Essa constituição na passagem do governo Castelo Branco para o Costa e Silva, contexto no qual predominavam o autoritarismo e o arbítrio político. Documento autoritário e constituição de 1967 foi largamente emendada em 1969, absorvendo instrumentos ditatoriais como os do AI-5 (ato institucional n 5) de 1968. Nome do país – República Federativa do Brasil Documento promulgado (foi aprovado por um Congresso Nacional mutilado pelas cassações) Confirmava os Atos Institucionais e os Atos Complementares do governo militar

7) Constituição de 1988: Atual carta magna da República Federativa do Brasil, esta constituição foi elaborada no espaço de 20 meses por 558 constituintes entre deputados e senadores à época, tratando-se da sétima na história do país desde sua independência. Foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988 e ganhou quase que imediatamente o apelido de constituição cidadã, por ser considerada a mais completa entre as constituições brasileiras, com destaque para os vários aspectos que garantem o acesso à cidadania. Houve reforma eleitoral (voto para analfabetos e para brasileiros de 16 e 17 anos), Combate ao racismo (sua prática constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão), garantia aos índios da posse de suas terras (a serem demarcadas).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A priori, a escolha do tema se deu em face da relevância e abrangência que ele traz consigo, visto que ainda é um tema atual que e que gera discussões desde muitas épocas atrás, pois resvala na polêmica delimitação de competências e até onde um poder estatal pode chegar. 

Discutir a separação dos poderes estatais é totalmente imprescindível, pois tal discussão afeta toda a população e ainda engloba a questão da determinação de competências dentro de um determinado setor. Uma visão clara é importante sobre o tema e vale observar que os poderes têm, ainda, funções atípicas, ou seja, funções de integração dos poderes, que eliminam hipóteses de isolamento entre os mesmos fazendo-os exercer outras funções. No entanto, nota-se que há uma divergência na separação prática e teórica dos poderes, desequilibrando as funções de cada um, ora prevista pela Constituição Federal. O Poder Executivo, por exemplo, cuida da administração da coisa pública, e também é responsável pela função de estado e de governo, porem, lhe são dadas algumas tarefas que o fazem cometer uma invasão indevida na esfera de atuação dos outros dois poderes da República. Podemos observar, a priori, no que diz respeito ao fato de ser do Presidente da República, o “trono” do Poder Executivo, por exemplo, a incumbência de indicar a totalidade dos ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal (STF). Este fato pode gerar um elo indevido entre o Presidente da República e o ministro do STF indicado, comprometendo, assim, a independência e imparcialidade destes ministros.

Fora este, ainda tem o poder legiferante exercido pelo Presidente da República através das medidas provisórias, como já mencionado acima. Em seu artigo 84, a constituição federal aduz que constitucionalmente o Presidente da República, quando presente os critérios da relevância e urgência, pode editar medidas provisórias, que terão “força de lei”. Este poder que é dado ao presidente, contudo, vem sendo utilizado de forma ilícita, desobstruindo sua função inicial. Tal conduta, quando praticada sem a devida atenção, acarreta em uma usurpação de função indevida, neste caso, contra o Legislativo, sendo por parte do Executivo, sabendo-se que o ato de legislar cabe ao primeiro mencionado e não a este que o faz.

Fatos assim acabam por tornar o Poder Executivo demasiadamente poderoso dentro dessa relação de modelo tripartite, fazendo com que este poder se sobressaia em relação aos outros.

Discutir sobre este assunto foi de suma importância, pois ajuda a verificar a eficácia da constituição e se essa separação de funções tem funcionado para o Estado, já que a própria constituição prevê a harmonia e interferência dos poderes.

Referências

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[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 2001, p. 351.

[2] MACHADO, Mario Brockmann, Pensamento e ação de Rui Barbosa, Brasília, 1999, cit pp 01 e 02.

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Sobre os autores
Luci Mendes de Melo Bonini

Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Professora de Filosofia e Pesquisadora no Mestrado em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes. Área de interesse: Direitos Humanos e Políticas Públicas.

Paulo Leandro Silva

Juiz Federal e Professor universitário

Natália de Carvalho ortega Torres

Estudante de Direito na Universidade de Mogi das Cruzes

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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