Doutrina da desconsideração da personalidade jurídica à luz do direito empresarial

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Neste artigo foi abordado sobre o tratamento direcionado a desconsideração da personalidade jurídica no direito empresarial. Ela é uma ferramenta importante para prevenir fraudes pelas empresas. Além disso, foram apontadas mudanças trazidas pelo novo CPC.

Resumo

            Neste artigo foi abordado sobre o tratamento direcionado a desconsideração da personalidade jurídica no direito empresarial. Essa é uma ferramenta importante para prevenir fraudes pelas empresas. Além disso, foram apontadas as importantes mudanças trazidas pelo novo CPC. Para isso, foram discorridos sobre o conceito de desconsideração da personalidade jurídica, seu contexto histórico, teorias, bem como inovações legislativas.

Palavras-chave: Desconsideração da personalidade jurídica, teorias, novo CPC.

 

Introdução

O presente artigo científico traz uma discussão acerca de um importante tema para a sociedade e, mais especificamente, para o direito empresarial. Trata-se de uma abordagem sobre os aspectos da desconsideração da personalidade jurídica a luz do direito empresarial.

            A desconsideração da personalidade jurídica é uma importante ferramenta utilizada para coibir fraudes envolvendo as sociedades empresarias e obriga-las a cumprir com os princípios gerais da atividade econômica que se encontram no artigo 170 da Constituição da República Federativa do Brasil.

            O presente artigo, além de analisar os princípios supracitados, faz uma abordagem sobre as principais teorias deste instituto, seu conteúdo histórico e, sobretudo, as inovações trazidas pelo novo CPC.

Conceito

            A desconsideração da personalidade jurídica consiste, logicamente, no mecanismo utilizado para coibir que os sócios utilizem a pessoa jurídica para cometer desvios, posto que através dela podem os sócios ser responsabilizados diretamente em algumas situações.

            Nesse sentido, Suzy Elizabeth Cavalcante Koury, conceitua desconsideração da personalidade jurídica da seguinte forma:

Consiste em subestimar os efeitos da personalidade jurídica, em casos concretos, mas ao mesmo tempo penetrar na sua estrutura formal, verificando-lhe o substrato, a fim de impedir que, delas se utilizando, simulações e fraudes alcancem suas finalidades [...], (Koury, 2003, pag. 86).

            É importante ainda destacar o entendimento da terceira turma do Supremo Tribunal de Justiça, acerca da desconsideração da personalidade jurídica:

A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional que reclama o atendimento de pressupostos específicos relacionado com a fraude ou abuso de direito em prejuízo de terceiros, o que deve ser demostrado sob o crivo do devido processo legal, (STJ, 3003).

            Cumpre ressaltar que despersonificação da pessoa jurídica não se confunde com despersonalização da personalidade jurídica. Neste, ocorre a anulação da personalidade jurídica, ao passo que, conforme se observou nos conceitos acima apresentados, isso não ocorre na despersonalização. Neste diapasão, tem-se que a despersonalização proporciona [...] “a anulação da personalidade jurídica, fazendo-se desaparecer a pessoa jurídica como sujeito autônomo por lhe faltar condições de existência, [...]” (Koury, 2003, pag. 48).

 Contexto histórico

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem sido aplicada em vários países, com as suas devidas peculiaridades.

            Há uma corrente que entende que tal teoria surgiu nos Estados Unidos no ano de 1809. Contudo, para a corrente majoritária, ela surgiu na Inglaterra no século XIX. [...] “registros doutrinários informam que o primeiro julgado em que foi aplicada a teoria da despersonificação da personalidade jurídica no conhecido episódio de Salomon V, ocorrido na Inglaterra no final no século XIX”. (Fiuza, 2004, pag. 143).

            No Brasil, o conceito de desconsideração da personalidade jurídica fora introduzido por Rubens Requião em uma aula sobre direito comercial. (Requião, 1975, pag. 12-27).

 Teorias

No que tange a desconsideração da personalidade jurídica, as duas teorias mais discutidas no campo doutrinário são a teoria maior, também chamada subjetiva, e a teoria menor de cunho objetivo.

            A teoria maior também é chamada de subjetiva porque, além de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade empresária, tem ela que estar insolvente e devem também os sócios estarem agindo com fraude no desempenho das suas funções de modo a desvirtuar os fins sociais e econômicos próprios das sociedades empresariais.

            Essa á a teoria geral adotada pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 50, o qual dispõe que:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, (CC, 2002, art. 50).

            Corroborando com tais apontamentos, Fabio Ulhoa Coelho descreve que a teoria maior [...] “elegeu como pressuposto para o afastamento da autonomia da sociedade empresaria o uso fraudulento ou abusivo do instituto”, (Coelho, 2002, pag. 44). Além disso, para esse a autor, a teoria maior [...] “cuida-se, desse modo, de uma formulação subjetiva, que dá destaque ao intuito do sócio ou administrador, voltado à frustração de legitimo interesse do credor”, (Coelho, 2002, pag. 44).

            Por outro lado, na teoria menor, praticamente não há aplicação do critério da subjetividade. Para esta teoria, basta a ocorrência do prejuízo do credor para se falar na possibilidade de afastamento da autonomia patrimonial, posto que não carece da análise da intenção fraudulenta, como ocorre na teoria maior da desconsideração.

            O eminente doutrinador, Cristiano Chaves de Farias, caracteriza a teoria menor como:

De outra banda a teoria menor trata como desconsideração da personalidade jurídica toda e qualquer hipótese de comprometimento do sócio por obrigação da empresa. Centra seu cerne no simples prejuízo do credor para afastar a autonomia patrimonial, (Farias, 2005, pag. 304).

            A teoria menor por ter um caráter mais objetivo, retirando o aspecto subjetivo de sua aplicação, é mais empregada no direito ambiental e consumerista, devido a suas necessidades de tratamento especial.

 Desconsideração da pessoa jurídica no contexto do novo CPC

            O novo Código de Processo Civil, trouxe importantes inovações a respeito da desconsideração da personalidade jurídica, posto que antes de sua vigência, não havia uma lei regulamentando esse procedimento, ficando essa tarefa para a doutrina e jurisprudência.

            O novo Código de Processo Civil, trata dessa matéria no título III (Da Intervenção de Terceiros), Capítulo IV, do artigo 133 ao 137. A desconsideração é tratada como um incidente processual, ou seja, quando surge uma questão prejudicial do mérito em um processo em curso.

            O artigo 133 do novo CPC, além de prover a possibilidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica, que segundo Fabio Ulhoa Coelho, consiste no [...] “afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio”, (Coelho, 1999, pag. 45). Estabelece também os legitimados para o incidente da desconsideração da personalidade jurídica, os quais as partes e o Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

            Já o artigo 134 menciona que a desconsideração será cabível nas fazes do processo de conhecimento, no cumprimento da sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Ademais, o parágrafo 2º do referido artigo diz que tal incidência, salvo quando o pedido na petição inicial suspenderá o processo.

            O artigo 135 estabelece o prazo de 15 dias para os sócios se defenderem, diante deste incidente. O artigo 136 cuida da hipótese de agravo interno, se o incidente for resolvido por relatar e prevê a possibilidade de decisão interlocutória. Por fim, o artigo 137 dispõe que: “acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou oneração de bens havida em fraude de execução será ineficaz em relação ao requerente”, (NCPC, 2015).

A desconsideração da personalidade jurídica e o artigo 170 da Constituiçãoda RepúblicaFederativa do Brasil.

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Percebe-se que a desconsideração da personalidade jurídica é um instituto que está em harmonia com os princípios gerais da atividade econômica elencados no artigo 170 da CRFB. Tal dispositivo legal dispõe que:

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I-soberania nacional; II-Propriedade privada; III-Função social da propriedade; IV-Livre concorrência; V-Defesa do consumidor; VI-Defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado [...]; VII-Redução das desigualdades regionais e sociais; VIII-Busca do pleno emprego; IX-Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte [...], parágrafo único- É assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica [...], (Constituição Federal, 1988).

Da leitura do artigo supracitado, percebe-se que a desconsideração da personalidade jurídica está relacionada principalmente com os princípios da função social da propriedade, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais e a busca pelo pleno emprego.

Não obstante, todos os princípios do artigo 170 da Constituição da República Federativa do Brasil, terem relação com a desconsideração da personalidade jurídica, o princípio da função social da empresa merece ser destacado, posto que conforme se observou, segundo a teoria geral da desconsideração, contida no Código Civil de 2002, esta é cabível quando os sócios desviam a finalidade da sociedade empresaria com o intuito de cometerem fraude.

Quando os sócios praticam essas condutas, estão agindo contrário aos princípios da função social da empresa, que segundo Bulgirell Apoud Almeida: “a função social da empresa deve ser entendida como o respeito aos direitos e interesses que situam em torno da empresa”, (Almeida, 2003, pag. 141).

Considerações finais

Diante do que fora exposto no presente artigo cientifico, percebe-se que a desconsideração da personalidade jurídica é considerada uma importante ferramenta do direito empresarial para fazer com que sejam cumpridos os princípios e as leis desse ramo.

            Além do mais, ficou demonstrado que com a vigência do novo Código de Processo Civil esse instituto ora analisado tende a ganhar mais força, porque sua regulamentação processual deixou de ficar somente a cargo da doutrina e da jurisprudência.

            Com isso, quem mais podem ser beneficiados são os empresários e a sociedade, já que a desconsideração proporciona uma maior confiabilidade nos investimentos.

 REFERÊNCIAS

AlMEIDA, Maria Cristina de, A função social da empresa na sociedade contemporânea. Prospetras. Perspectivas. Unimar, Marilia, V3, p. 100-151, 2003.

CIVIL, Código. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <www.planalto.gov.br/civil-03/leis/2002/l10406.htm.> Acesso em 01 de julho 2016.

CIVIL, Código de Processo. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: <www.planalto.gov.br/civil/03/ata2015-2018/2015/lei 13.105.htm.> Acesso em 01 de julho de 2016.

FEDERAL, Constituição. 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br/civil-03/constituiçaocompilado.htm.> Acesso em 02 de julho 2016.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil. Teoria Geral, 2.ed, Rio de Janeiro Ed. LumenJuri, 2005.

FIUZA, Cezar. Direito Civil. Curso Completo. 8º ed. Belo Horizonte-MG-Del Rey, 2004.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 5º ed. São Paulo: Saraiva, vol 1, 2004.

KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica.(disrayarddoctrine) e os grupos de empresa. 2º ed. Rio de Janeiro-RJ: Forense, 2003.

REQUIAO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Restia Tribunal, São Paulo, vol 477, julho 1975, p. 12-27.

STJ, Recurso Especial 347.524/SP, Terceira Turma, Relator: Ministro Cesar Rocha, data de julgamento 18 de fevereiro de 2003. Disponível em: stj.jusbrasil.com.br/jurisprudência/7424309/recursoespecial-resp-347524-sp. Acesso em 02 de julho de 2016.

VADE MECUM. 16º ed, São Paulo: Saraiva, 2013.

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Sobre os autores
Mac Eden Santos Neto

Acadêmico de Direito do 9º período da Universidade Estadual de Montes Calros (UNIMONTES).

Ricardo Rogério Costa da Silva

Acadêmico do 10º período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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