A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 37, os princípios explícitos a serem seguidos pela Administração Pública brasileira, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Vejamos a seguir, a legislação pátria correlacionada para a efetivação dos referidos princípios, bem como a sua aplicação prática no âmbito da Administração Pública Municipal.
- DA AUTONOMIA DOS MUNICÍPIOS
Os municípios brasileiros, a partir da Constituição de 1988, tornaram-se dotados de autonomia política, administrativa e legislativa, bem como preceitua o artigo 18 da Carta Magna da República:
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”
Na concepção de Hely Lopes Meirelles, os seguintes princípios asseguram a mínima autonomia municipal:
a) poder de auto-organização (quando há a elaboração da lei orgânica própria);
b) poder de autogoverno (eleição do prefeito, vice-prefeito e vereadores);
c) poder normativo próprio ou autolegislação (elaboração de leis municipais de interesse local, conforme os limites impostos pela Constituição da República);
d) poder de auto-administração (administração própria, criando, mantendo e prestando os serviços de interesse local, bem como legislando sobre tributos e rendas).[5]
Destarte, a autonomia municipal limita-se diante de parâmetros constitucionais, com o objetivo de evitar abusos por parte dos administradores, surgiram leis para a consecução da efetivação dos princípios norteadores da Administração Pública, tais como as leis 8429/92, conhecida como Lei da improbidade administrativa; 8666/93, lei das licitações e contratos administrativos e a Lei Complementar 101/2000, lei de responsabilidade fiscal.
O administrador público, quando no exercício da prerrogativa da discricionariedade característica dos atos administrativos de um ente autônomo, deve zelar pela observância dos princípios constitucionais e das leis reguladoras dos atos da Administração Pública, portanto, analisaremos a seguir a correlação dos atos administrativos com algumas normas da legislação pertinente em vigor.
- Lei 8429/92 – Lei de Improbidade Administrativa
A Lei 8429/92, conforme ensinamento de Daniel Amorim, representa um verdadeiro marco na busca pela moralização da Administração, o que denota a importância do seu estudo no atual estágio de evolução do direito público.
Conforme os artigos 9º, 10 e 11 da retrocitada lei, cuja redação tipifica os atos de improbidade administrativa e as respectivas sanções, observamos que o objetivo não é somente a sanção ao agente desonesto no cometimento do enriquecimento ilícito, mas também ao agente desidioso, negligente ou ineficiente, causador de dano ao erário público ou desrespeitos aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Observemos os referidos artigos:
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.
XVI - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XIX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;
XX - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.
IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.
Destarte, o administrador público deve abster-se de condutas que propiciem vantagens econômicas para si ou para outrem, sob pena de ferir o artigo 9º da Lei 8429/92, bem como ferir a observância dos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência, previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal.
Ao observar o artigo 10 da Lei 8429/92, percebemos que a intenção do legislador é impedir que o administrador cometa dano ao erário público, independente de dolo ou culpa, pois, desta forma, além de infringir o artigo da Lei 8429/92, estaria deixando de observar o princípio da eficiência, previsto no texto constitucional.
O artigo 11, refere-se especificamente à violação dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, pois busca coibir atos negligente, desidiosos, ineficientes ou imorais, quando na função de gestor público.
III-
Esta lei correlaciona-se com todos os princípios previstos no texto constitucional, pois a sua finalidade é a observância dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e eficiência, por meio da efetivação dos princípios da legalidade e publicidade, como veremos no decorrer do capítulo.
Na lição de Hely Lopes Meireles, “ A licitação é o antecedente necessário do contrato administrativo; o contrato é o consequente lógico da licitação”.
Rafael Carvalho Rezende Oliveira conceitua licitação como “O processo administrativo utilizado pela Administração Pública e pelas demais pessoas indicadas pela lei com o objetivo de selecionar a melhor proposta, por meio de critérios objetivos e impessoais, para a celebração de contratos”.
Os objetivos da licitação estão elencados no artigo 3º da Lei 8.666/93, quais sejam, garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, correlacionado à impessoalidade e moralidade; seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, princípios da impessoalidade e eficiência; e promoção do desenvolvimento nacional sustentável, princípio da eficiência.
O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal prevê:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Observando os preceitos da Lei 8.666/93, os preceitos constitucionais pertinentes ao tema e o objetivo do legislador, verificamos a correlação entre a Lei de licitações e a Lei de improbidade administrativa, pois a inobservância daquela está tipificada no artigo 11 da Lei 8429/92 no seu caput, pois haveria a violação aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
IV-
A Lei de responsabilidade fiscal, Lei Complementar 101/2000, inovou no ordenamento jurídico brasileiro, pois o principal objetivo é a consecução da noção de responsabilidade na gestão das finanças públicas por parte dos gestores.
A Constituição Federal, em seu artigo 163 e incisos, prevê a edição de lei complementar para dispor sobre finanças públicas, dívida pública, concessão de garantias pelos entes públicos, emissão e resgate de títulos da dívida pública e fiscalização financeira da Administração Pública.
Desta forma, a gestão pública deverá estar pautada pela responsabilidade e prudência no trato da gestão dos recursos públicos, bem como em consonância com o princípio da responsabilidade fiscal, do planejamento, transparência e economicidade, buscando a adequação da necessidade e interesse público aos princípios basilares previstos no parágrafo 1º do artigo 1º da referida lei, que diz:
Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.
§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
Verificamos então, que o descumprimento da Lei de responsabilidade fiscal verifica-se quando não há diligência na gestão dos recursos públicos, o que poderá ocasionar, além de dano ao erário público, violação aos princípios constitucionais ou princípios previstos no diploma legal citado, portanto, flagrante tipificação nos artigos 10 ou 11 da Lei 8429/92, Lei de improbidade administrativa.
V-
Assim, verificamos que a conduta do administrador público, embora goze da discricionariedade nos atos administrativos e da autonomia do ente de 3º grau que é o município, há limitações e diretrizes legais a serem observadas, de tal forma que o ordenamento jurídico pátrio, em especial a Constituição Federal, Lei da improbidade administrativa, Lei de licitações e contratos e a Lei de responsabilidade fiscal, entrelaçam-se e coadunam-se para a consecução da efetivação de uma administração da coisa pública equilibrada, justa e consagradora dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, quando na finalidade de atingir o bem comum, necessidade e interesse públicos.