A inconstitucionalidade quanto à utilização da conduta social e personalidade do agente como circunstâncias judiciais para aplicação da pena

25/10/2016 às 14:13
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A utilização das circunstâncias judicias (conduta social e personalidade do agente), apresentam duvidosa constitucionalidade. O juiz ao utilizar de tais circunstâncias (por não possuir formação específica) decidiria conforme a sua consciência?

O Código Penal (decreto-lei nº 2.848 de 1940), elencam as denominadas circunstâncias judiciais, que devem ser utilizadas pelo magistrado, consoante a aplicação da pena (art. 59, CP).

Neste ínterim, destacam-se a conduta social e a personalidade do agente.

Segundo Rogério Greco, a conduta social refere-se ao “comportamento do agente perante a sociedade. Verifica-se o seu relacionamento com seus pares, procura-se descobrir o seu temperamento, se calmo ou agressivo, se possui algum vício, exemplo de jogos ou bebidas, enfim, tenta-se saber como é o seu comportamento social, que poderá ou não ter influenciado no cometimento da infração penal.”

Em contrapartida, a personalidade do agente segundo Ney Moura Teles “não é um conceito jurídico, mas do âmbito de outras ciências - da psicologia, psiquiatria, antropologia - e deve ser entendida como um complexo de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito."

Assim, o juiz possui capacidade técnica/científica necessária para aferição da conduta social e da personalidade do agente?

A resposta só pode ser negativa.

O magistrado (bacharel em direito), não possui formação específica, em psicologia e/ou psiquiatria, sendo que, somente profissionais da saúde poderiam realizar análise científica apropriada.

Outrossim, a análise das supramencionadas circunstanciais judiciais, revelam-se a invocação do direito penal  do autor, no qual preleciona Eugenio Raul Zaffaroni:

"Seja qual for à perspectiva a partir de que se queira fundamentar o direito penal de autor (culpabilidade de autor ou periculosidade), o certo é que um direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o 'ser' de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana."

Portanto, a utilização do direito penal do autor deve ser rechaçada, pois, visa à avaliação ontológica do indivíduo, ou seja, trata-se em afastar a análise da conduta criminosa em si (o que o agente fez), todavia, busca-se avaliar efetivamente, que o agente é (ser), no que tange a aplicação da pena. Em muitos casos, tal situação é realizada pelo arbítrio do julgador (instantaneamente no momento do julgamento).    

O direito penal do autor diferencia-se, em verdade, do direito penal do fato, que deve ser aplicado, conforme preleciona o garantismo penal proposto por Luigi Ferrajoli. Pois, no direito penal do fato, teleologicamente, analisa-se a conduta praticada pelo agente. Sobre o tema, Rogério Grego afirma que “no direito penal do fato analisa-se o fato praticado pelo agente, e não o agente do fato.”

Os tribunais superiores entendem que os critérios acima, são necessários a individualização da pena.

Em outro prisma, tem-se as chamadas testemunhas de beatificação (que são aquelas testemunhas que são arroladas para falar da boa reputação do agente no seio social). Igualmente, como ocorre com a utilização de tais circunstâncias pelo magistrado (sem quaisquer critérios científicos seguros), a utilização de testemunhas de beatificação também é temerária. Portanto, o ideal seria a retirada das circunstâncias do artigo 59 do CP (personalidade e conduta soicial), pela inferência do direito penal do autor e pela gritante inconstitucionalidade. 

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), infere-se que na dosimetria da pena, somente os fatos anteriores ao crime que podem ser utilizados como fundamento para valorar negativamente, a personalidade e a conduta social do agente, conforme o informativo 535 do STJ, in verbis:

“DIREITO PENAL. CONDENAÇÕES POR FATOS POSTERIORES AO CRIME EM JULGAMENTO. Na dosimetria da pena, os fatos posteriores ao crime em julgamento não podem ser utilizados como fundamento para valorar negativamente a culpabilidade, a personalidade e a conduta social do réu. Precedentes citados: HC 268.762-SC, Quinta Turma, DJe 29/10/2013 e HC 210.787-RJ, Quinta Turma, DJe 16/9/2013. HC 189.385-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/2/2014.”

Acertadamente, o STJ entendeu que “o uso de entorpecente pelo réu, por si só, não pode ser considerado como má-conduta social para o aumento da pena-base”. Conforme o informativo 490, do STJ, abaixo:

“DOSIMETRIA DA PENA. USO DE ENTORPECENTE. MÁ-CONDUTA SOCIAL. REFORMATIO IN PEJUS. Na hipótese, o juiz de primeiro grau fixou a pena-base acima do mínimo legal com o argumento de que o acusado seria usuário de drogas. Apresentado recurso da defesa, o Tribunal de origem manteve a decisão de primeiro grau e agregou novas fundamentações à decisão recorrida. Nesse contexto, a Turma reiterou o entendimento de que o uso de entorpecente pelo réu, por si só, não pode ser considerado como má-conduta social para o aumento da pena-base. Além disso, o colegiado confirmou o entendimento de que não pode haver agravamento da situação do réu em julgamento de recurso apresentado exclusivamente pela defesa, por caracterizar reformatio in pejus. Assim, a pena foi reduzida ao mínimo legal previsto e foi fixado o regime aberto para o cumprimento de pena. HC 201.453-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 2/2/2012. “

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Portanto, a utilização das circunstâncias judiciais consubstanciada no artigo 59 do CP (conduta social e personalidade do agente), evidenciam a invocação do direito penal do autor, portanto, carece de constitucionalidade.

Deve-se superar a visão sacerdotal dos magistrados, que persiste na relação jurídica processual no Brasil.

Segundo o professor Fabrício Veiga Costa, “o modelo autocrático de processo vigente no Brasil, estampado nos Códigos e Legislações Processuais, legitima a autuação soberana do julgador, permitindo-lhe decidir com base em fundamentos de cunho metajurídico, axiologizante e pessoal.”

Em suma, o magistrado não possui capacidade científica para a devida aferição das mencionadas circunstâncias. Nestas situações, o que se tem é a utilização da própria consciência e percepção pessoal do magistrado nas decisões judiciais. O juiz valora subjetivamente, situações que carregam alta complexidade científica (psicológica e psiquiátrica), o que coloca o réu em condição de subserviência, enaltecendo o arbítrio daquele, ou seja, o que temos são os chamados decisionismos conforme a consciência do magistrado.

O Direito (que para alguns é concebido como ciência), deve possuir critérios seguros e objetivos, desprovido de quaisquer arbitrariedades (julgar de acordo com a consciencia) ou acientífico (utilização de analise que deveriam ser realizadas por outro ramo do conhecimento). 

REFERÊNCIAS

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2002. 302-402 p.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8 Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

TELES, Ney Moura. Direito penal- Parte geral, v. 11.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2003, 205 p.  

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual :derecho penalParte general. 

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Sobre o autor
Paulo Henrique Ribeiro Gomes

Possui pós-graduação em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduação em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (Seção Minas Gerais). Membro do Instituto de Ciências Penais (ICP).

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