Da necessária organização da advocacia pública municipal em procuradoria

25/10/2016 às 14:25
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Trata-se de ensaio jurídico que aborda a necessidade de organizar a advocacia pública municipal em procuradoria, para conferir estrutura administrativa adequada ao exercício de suas funções, bem como prerrogativas que assegurem sua autonomia profissional.

Com a promulgação da Constituição cidadã, a advocacia pública foi fortalecida com a inserção de capítulo próprio, que evidenciou sua natureza permanente e o relevante papel institucional desempenhando pela Advocacia-Geral da União, Procuradoria dos Estados e do Distrito Federal. Todavia, inobstante o avanço trazido em 1988, sua positivação criou um “monstro” ao omitir do texto as Procuradorias dos Municípios, provocando desajustes no âmbito da administração pública municipal, dentre eles a inexistência de Procuradores em seus quadros.

Na prática, os reflexos da omissão constitucional repercutem efeitos em diversos municípios brasileiros, que optam pela contratação de escritórios de advocacia e nomeação de cargos em comissão para exercerem funções típicas de Procurador, colocando em xeque não somente a previsão do artigo 37, II, da Carta Magna, mas a própria qualidade do serviço público, mormente devido a incerteza da isenção profissional diante de temas com repercussão política.

Em que pese o advento da Lei nº 13.105/15 – Código de Processo Civil, que positivou a advocacia pública das três esferas como única legitimada a representar a Fazenda Pública em juízo, muitos problemas ainda desafiam a carreira no âmbito municipal, isto porque a citada omissão traz à baila teses absurdas como a possibilidade do Prefeito outorgar Procuração ad judicia a comissionados, sob o pretexto de que o artigo 75, III, NCPC, confere poderes para tal.

Cediço que o Judiciário tem enfrentado a questão com bastante firmeza e acurada atenção ao texto constitucional, superando a omissão das Procuradorias dos Municípios com fundamento no Princípio da Simetria Constitucional, que norteia e harmoniza a estrutura organizacional dos entes federativos. Todavia, o caminho da judicialização é bastante complexo e não possui o condão de resolver o cerne da vicissitude: a ausência de procuradorias organizadas e independentes.

Num universo de 5.570 municípios, a imensa maioria deles ainda não organiza a  Procuradoria, mediante Lei Orgânica que estruture a carreira e confira prerrogativas ao profissional para a escorreita defesa do erário, a manutenção do interesse público primário e, fundamentalmente, a prevenção da corrupção. Face à omissão constitucional a esse respeito, poucos administradores investiram na instituição das procuradorias, preferindo organizar a defesa dos municípios em Secretarias, muitas vezes, desprovidas de profissionais de carreira, especialização por matérias, mínimas condições de trabalho, respeito às prerrogativas etc.

Inequívoco que a Lei nº 8.906/94 - Estatuto da Advocacia estende efeitos aos advogados públicos, que mantém sua qualidade de advogado por força do registro na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, conferindo-lhes não apenas as prerrogativas comuns à classe, previstas no artigo 7º e 8° do aludido diploma legal, mas também aquelas disciplinadas nas súmulas aprovadas pelo Conselho Federal. [1]

Todavia, a ausência de disciplina própria, que regulamente direitos e deveres inerentes à carreira, tornam o exercício da advocacia pública municipal bastante tormentoso, mormente em razão das constantes ingerências de natureza política a que são submetidos, subtraindo-lhe a autonomia e a segurança para desempenhar suas atribuições e atividades cotidianas na defesa do erário e do interesse público.

Neste sentido, Cristiane da Costa Nery descreve com brilhantismo ímpar a importância das prerrogativas oriundas da organização da carreira em Procuradoria, in verbis:

A independência e autonomia no trabalho desenvolvido pelos advogados públicos, assim como nas demais carreiras de estado, como se vê, são fundamentais para que as políticas a serem implementadas o sejam com isenção e correção, pois legitimadas por profissionais com comprometimento técnico e orgânico, sem qualquer vinculação com compromissos político-partidários, mas sim com o serviço público, com políticas de estado. (…) s garantias de independência são a garantia da institucionalização do ente de Estado que ele representa, quer seja União, Estado, Município, pois torna efetiva a ação controladora sobre a juridicidade dos atos do Poder Público. E toda e qualquer usurpação das prerrogativas do cargo deve ser combatida, seja mediante ações judiciais, seja mediante a busca da independência e autonomia funcionais, o que deve ser a base da atuação da advocacia pública, haja vista a sua importância para a justiça e o Sistema Federativo Brasileiro. [2]

Nada obstante a insegurança e a ausência de apoio funcional, a desorganização e a falta de estrutura constituem marcas de considerável parte desses municípios, obrigando o profissional a exceder sua jornada ordinária de trabalho em razão da ausência de condições básicas de trabalho, tais como espaços inadequados para o exercício da atividade intelectual, ausência de quadro de apoio, sistemas de controle de prazos, livros para consulta, cursos voltados ao aprimoramento profissional etc.

Na prática, a desorganização leva a situações esdrúxulas, ao ponto de obrigar o Procurador a fazer iniciais, defesas, recursos e pareceres em minutos para atender ao volume de processos judiciais e administrativos que possui em carga, importando consideráveis prejuízos em suas manifestações. A situação se agrava ao considerar que a atividade-fim da advocacia pública é a defesa da coisa pública, direito indisponível, formada a partir do sacrifício dispendido pelo contribuinte a partir dos tributos que recolhe mensalmente aos cofres públicos.

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Neste contexto, a aprovação da PEC nº 17/2012 [3], que insere a Procuradoria do Município, no artigo 132 da Carta Magna, exsurge como passo definitivo para o avanço da advocacia pública municipal, pois permitirá adequada formação do quadro de procuradores, organizados em procuradorias voltadas à especialização por matérias, bem como prerrogativas que lhes assegurem garantias mínimas para o desempenho de suas atividades.

Noutras linhas, organizar a advocacia pública municipal em Procuradoria significa transformar o atual formato baseado numa advocacia de Governo para uma advocacia de Estado, organizada e independente, apta a desempenhar o que dela se espera: prevenir ilícitos no âmbito da administração pública.


NOTAS

[1] Súmulas em defesa da advocacia pública. Disponível em >>http://www.oab.org.br/noticia/24762/conselho-federal-traca-diretriz-em-defesa-da-advocacia-publica<<. Acesso em 23 out 2016.

[2] NERY, Cristiane da Costa. A constitucionalização da carreira do procurador Municipal – função essencial e típica do Estado. Interesse Público, Belo Horizonte, v. 12, p. 7, n. 60, mar. 2010.

[3] Proposta de Emenda Constitucional nº 17/2012 - Constitucionalização da carreira de Procurador do Município. Disponível em: >>http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/105021<<. Acesso em 23 out 2016.

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Sobre o autor
Richard Paes Lyra Junior

Procurador do Município de Limeira-SP. Especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito – EPD. Articulista em sítios jurídicos especializados na web.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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