Ao aprofundar a análise do princípio da proteção atinge-se o âmago da discussão doutrinária acerca de seus desdobramentos dentro do direito do trabalho. A subdivisão deste princípio, individualiza o Princípio In Dúbio Pro Operário ou In Dubio Pro Misero sobre o qual pesa a maior divergência entre os operadores do direito.
De antemão, cabe esclarecer que o art. 761 da CLT resguarda ao julgador ampla liberdade na direção do processo, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento das causas. No mesmo sentido, o art. 161 do CPC garante a livre apreciação das provas pelo juiz, devendo sempre indicar os motivos que formaram seu convencimento.
Os dois artigos citados embasam o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz, segundo o qual se permite ao magistrado atribuir às provas produzidas ao longo do processo o valor que entender como o mais lógico e correto, desde que corresponda à realidade dos autos e sua decisão seja devidamente fundamentada.
Entretanto, algumas situações o magistrado se depara com uma dúvida razoável no campo das provas, também conhecida como prova empatada ou prova dividida. Nesse caso, de acordo com o princípio in dubio pro operario, o julgador deveria decidir em favor do empregado, quando hesitante entre duas soluções opostas.
Discute-se a influência do princípio na discricionariedade do magistrado na análise das provas arroladas, mesmo incidindo sobre uma parte hipossuficiente da relação.
Alguns autores entendem ser inaplicável o referido princípio, dentre eles Manoel Antonio Teixeira Filho1 segundo o qual:
[...] o princípio in dubio pro operario não incide em matéria de apreciação da prova [...]. Convém frisar: ou se prova ou não se prova. Se em determinado caso, entretanto, as provas forem insuficientes (de ambos os lados), o resultado do provimento jurisdicional deve ser desfavorável a quem incumbia o onus probandi.
Valentin Carrion 2 vai além, e sustenta que “o princípio in dubio pro misero não existe; o que há é proteção ao hipossuficiente pela própria norma legal, que para isso é posta. Menos ainda no direito processual. Busca-se o ônus da prova; quem o tinha, e não provou, será vencido na sentença.”
Determinadas jurisprudências acompanham o entendimento positivista:
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO. APLICABILIDADE. Não se aplica o princípio "in dubio pro misero" na valoração da matéria fática, se o empregado não se desincumbe do ônus que lhe compete, a teor do art. 818, da CLT. No magistério de Manoel Antônio Teixeira Filho, referido princípio tem aplicação apenas "em matéria de interpretação de norma legal, seja substancial ou processual, deve o Juiz decidir sempre que houver dúvida em prol do empregado, porque essa atitude estará perfeitamente cônsona com o caráter tuitivo que anima tais normas, notadamente as primeiras." [in "A prova no processo do trabalho", LTr Editora, 4a. ed., p. 106]. (TRT 3 Reg., RO – 9987/01, 5ª Turma, Rel.: Emerson José Alves Lage, Publicado em 15-09-2001)
PROVA - PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO MISERO" - INAPLICABILIDADE - Em se tratando de prova, não há falar em aplicação do princípio in dubio pro operario, mesmo porque, no processo, as partes ficam em situação de igualdade jurídica formal. (TRT 3ª Região, Oitava Turma, Processo nº. 01663-2005-053-03-00-3 RO, Publicação 19/08/2006, Relator: José Marlon de Freitas).
JUSTIÇA DO TRABALHO. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DO TRABALHADOR. ÔNUS DA PROVA. INAPLICABILIDADE. Na Justiça do Trabalho, o princípio da proteção ao trabalhador está restrito à interpretação das normas legais, não se aplicando, quanto à distribuição do ônus da prova, o preceito in dubio pro misero, sob pena de afronta ao dever de imparcialidade do juiz. (TRT 15ª Reg. 01027-2006-086-15-00-8 – RO, 2ª câmara, Rel. Eduardo Benedito De Oliveira Zanella, Publicado em 31/08/2007).
Percebe-se a dificuldade dos julgadores e doutrinadores em definir as situações de aplicabilidade do princípio em pauta, na medida em que Carrion3 atribui ao próprio ordenamento jurídico a função exercida pela regra do in dubio pro operário; d´outro modo, Antonio Teixeira Filho4, exclui somente da definição do dever de provar a influência do princípio.
Em crítica mais arraigada, Mauricio Godinho Delgado5 insiste que:
Tal princípio, entretanto, apresenta dois problemas: o primeiro, menos grave, essencialmente prático, consistente no fato de que ele abrange dimensão temática já acobertada por outro princípio justrabalhista específico (o da norma mais favorável). O segundo problema, muito grave, consistente no fato de que, no tocante à sua outra dimensão temática, ele entra em choque com o princípio jurídico geral da essência da civilização ocidental, hoje, e do Estado Democrático de Direito: o princípio do juiz natural.
Em relação à primeira dificuldade encontrada, o autor6 esclarece que:
No que tange a sua primeira debilidade, o princípio in dubio pro misero tornou-se redundante e, por conseqüência, inútil. De fato, uma das dimensões da velha diretriz é aquela que informa que o operador jurídico, em situações de confronto entre interpretações consistentes de certo preceito normativo, deve optar pela mais favorável ao trabalhador. Ora, essa dimensão do velho princípio é válida e importante, sem dúvida, mas já está, hoje, atendida com precisão, pelo princípio da norma mais favorável (que tem três dimensões, conforme sabido, sendo uma delas a interpretativa).
Esse não é o entendimento do professor Américo Plá Rodriguez, que individualiza os dois princípios, elucidando que ambos são originários do Princípio da Proteção.
Plá Rodriguez, na consagrada obra Princípios de Direito do Trabalho, identifica a existência de sete princípios informadores do Direito do Trabalho: (1) princípio de proteção; (2) princípio da irrenunciabilidade dos direitos; (3) princípio da continuidade da relação de emprego; (4) princípio da primazia da realidade; (5) princípio da razoabilidade; (6) princípio da boa-fé; e (7) princípio da não discriminação 7
Relativamente ao princípio da proteção, Plá Rodriguez afirma que pode se concretizar em três idéias: in dubio pro operario; regra da aplicação da norma mais favorável; e regra da condição mais benéfica. De um modo geral, todos os princípios propostos por Plá Rodriguez são auto-explicativos, a partir dos seus enunciados, sendo, por vezes, mais sutil a diferença entre uns e outros do que a apreensão da idéia central ou dos valores que lhes dão origem.
Nota-se que todos os princípios enunciados por Plá Rodriguez são decorrências ou formas de manifestação do primeiro, o da proteção. É que há evidente intuito protetivo em todos, e não somente nas três formas de manifestação do princípio da proteção a que se refere de Plá Rodriguez. O que, por vezes, diferencia uns dos outros, é a direção ou alvo da sua aplicação protetora, como ocorre com os princípios da prevalência da norma mais favorável e com o da irrenunciabilidade dos direitos (aplicáveis sempre em benefício do trabalhador) e não ocorre, por exemplo, com os da razoabilidade e da boa-fé, porque aplicáveis em ambos os sentidos.
Até mesmo o Superior Tribunal do Trabalho faz a diferenciação entre o princípio in dubio pro operario e o da norma mais favorável:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - HORAS EXTRAORDINÁRIAS - ADICIONAL - SALÁRIO POR PRODUÇÃO - INAPLICABILIDADE DA OJ Nº 235 DA SDI-1. A aplicação da OJ nº 235 da SBDI-1, foi afastada, em razão de ter sido adotado durante o contrato de trabalho do reclamante o procedimento de pagar as horas extraordinárias e o adicional quando aquele trabalhava em sobrejornada, premissa fática que não é disciplinada na referida orientação jurisprudencial. O princípio da proteção, desdobra-se em outros três, a saber: norma mais favorável, in dúbio pro operario e condição mais benéfica, este último determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, que foram ajustadas ainda que implicitamente durante o contrato de trabalho. Agravo de instrumento desprovido. (TST, 1ª T., AIRR - 143640-83.2007.5.06.0241, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 14/05/2010).
O princípio da norma mais favorável não engloba todo o campo de atuação do princípio in dubio pro misero, principalmente no domínio das provas. Por óbvio que existem normas capazes de orientar a definição do dever probandi, no entanto, a atuação do julgador vai além da aplicação da regra mais favorável, devendo estar atento ao caso prático sempre avaliando as provas, dirigido pelo princípio in dubio pro operario.
Nesse sentido, vem à tona o segundo problema, enfatizado por Maurício Godinho Delgado8:
Trata-se, pois, de uma dimensão processual do princípio in dubio pro misero. Contudo, essa diretriz propositora de um desequilíbrio atávico ao processo de exame e valoração dos fatos trazidos à analise do intérprete e aplicador do Direito não passa pelo crivo de cientificidade que se considera fase rudimentar do Direito do Trabalho, em que esse ramo jurídico especializado ainda não havia conseguido incorporar um arsenal técnico-científico sofisticado no conjunto de suas normas, categorias e teorizações. Hoje, a teoria do ônus da prova sedimentada no Direito Processual do Trabalho, e o largo espectro de presunções que caracteriza esse ramo especializado do Direito já franqueam, pelo desequilíbrio de ônus probatório imposto às partes (em beneficio do prestador de serviços), possibilidades mais eficazes de reprodução, no processo, da verdade real. Em conseqüência, havendo dúvida do juiz em face do conjunto probatório existente e das presunções aplicáveis, ele deverá decidir em desfavor da parte que tenha o ônus da prova naquele tópico duvidoso, e não segundo a diretriz genérica in dubio pro operário. É o que o caráter democrático e igualitário do Direito do Trabalho conduz ao desequilíbrio inerente às suas normas jurídicas e à compatível sincronia que esse desequilíbrio tem com a teoria processual do ônus da prova e com as presunções sedimentadas características desse ramo jurídico. Não se estende, contudo, o mesmo desequilíbrio à figura do juiz e à função judicante – sob pena de comprometer a essência da própria noção de justiça. O que há de positivo, portanto, na velha diretriz (in dubio pro operario) – sua referência a um critério de interpretação de normas jurídica – já se manteve preservado no Direito do Trabalho (através do princípio da norma mais favorável), abandonando-se, contudo, a referência superada que o antigo aforismo fazia à função judicante de avaliação e valoração de fatos.
A partir daí se extrai que o autor acredita que o princípio em pauta era aplicado em uma fase rudimentar do Direito do Trabalho e que, na atual conjuntura do processo trabalhista, não mais seria necessário, posto que o papel anteriormente exercido pela regra acontece de forma “automática” em função de todo o substrato compensatório auferido pelo Direito do Trabalho com o passar do tempo. O doutrinador compreende ainda que o princípio deve ser afastado da figura do juiz e da função judicante “sob pena de comprometer a essência da própria noção de justiça”.
Mais uma vez denota-se o entendimento pelo fenecimento do princípio e a exacerbação do ordenamento jurídico como forma de proteção ao hipossuficiente. Ora, configura-se aí o mesmo pensamento positivista que exalta a “robotização” do julgador característico de toda a bancada doutrinária que deprecia a aplicação do princípio in dubio pro misero. O diferencial do último autor citado é a tentativa de maquiar a influência desta regra no fortalecimento do Direito do Trabalho e a sobreposição do princípio da norma mais favorável sobre o princípio in dubio pro operario.
Enfim, o julgado infratranscrito marca o extremismo a que pode chegar o operador do direito positivista, cego pela aplicação pura da legislação:
RELAÇÃO DE EMPREGO - AUTONOMIA - SITUAÇÕES SEMELHANTES, MAS DISTINTAS LEGALMENTE - Há relação de emprego em toda relação de trabalho pessoal, subordinada e onerosa. Há, muito próximo disto, o trabalho autônomo, também legalmente previsto em lei. As condições de uma e outra situações é que trarão um divisor de águas que imporá a coloração predominante para contrato de emprego ou autonomia. Se se admitir como princípio o in dubio pro misero estará automaticamente revogada a autonomia prevista na lei civil, pois que, como dito, a semelhança das situações concebidas pelo legislador conduzem à dúvida. Porém, misericórdia e direito não coabitam. Se o próprio recorrido, com uma honestidade impar, pinta o relacionamento com as cores da autonomia, não pode o julgador fundar-se em princípios eriçados em protecionismo injurídico para desviar os rumos traçados e firmados em honesta confissão em Juízo. (TRT 3ª Reg., RO – 22095/92, 1ª Turma, Rel. Antônio Miranda de Mendonça, Publicado em 15-10-1993)
Em um plano mediador, autores como Mozart Victor Russomano9, defendem a aplicação do princípio restrita ao preenchimento de alguns requisitos:
O princípio in dubio pro operario é muito amplo e deve ser aplicado sempre que o juiz se sentir em dúvida razoável. Não se trata de um gesto salomônico. É a saída natural aberta pelo Direito do Trabalho ao juiz, em face de sua complexidade.
Em que se pesem críticas opostas ao nosso entendimento, continuamos sustentando, frontalmente, que se deve decidir em favor do empregado sempre que o juiz estiver, com fundados motivos, hesitante entre duas soluções opostas. E que essa dúvida resulte da interpretação da lei, quer resulte da avaliação crítica da prova, a conclusão do magistrado deve ser a mesma.
Nem teria sentido outra solução. Se o princípio in dubio pro operário está embebido do espírito do Direito do Trabalho, esse mesmo espírito deve conduzir o juiz na exegese da norma ou na apreciação da prova.
Coqueijo Costa10 e Alfredo J. Ruprecht11 também defendem a adoção do princípio, este último menciona que “O princípio só é aplicável quando intervém dúvida sobre os alcances da prova; de maneira alguma pode ter andamento quando falta ou é insuficiente. Nestas últimas situações, o princípio é inteiramente inaplicável.”
A aplicação do princípio foge ao campo doutrinário e tem sido aplicado em diversos tribunais, inclusive tornando-se jurisprudência iterativa e notória do Tribunal Superior do Trabalho:
RECURSO DE REVISTA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A teor da Orientação Jurisprudencial nº. 115 da SDI-1 desta Corte, -o conhecimento do recurso de revista ou de embargos, quanto à preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, supõe indicação de violação do art. 832 da CLT, do art. 458 do CPC ou do art. 93, IX, da CF/1988-. Revista não conhecida. NORMA COLETIVA. INTERPRETAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL DA PARCELA -COMPENSAÇÃO ORGÂNICA-. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO. REGRA HERMENÊUTICA -IN DUBIO PRO OPERARIO-. Há fundada dúvida a respeito do alcance da norma coletiva. Nesse caso, tem aplicação o princípio do in dubio pro operario, corolário do princípio da proteção. Assim, comportando a norma examinada mais de uma interpretação, há de se adotar aquela mais benéfica ao trabalhador, do que exsurge a natureza salarial que se reconhece à parcela -compensação orgânica-. Recurso de revista conhecido e provido, no tema. (TST, 3ª T., E-RR - 128900-24.2003.5.04.0013, Relª. Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DEJT 28/11/2008)
INTERVALO INTRAJORNADA - VIGIA. Decisão que entende não ser aplicável ao vigia o intervalo intrajornada implica ofensa à norma do art. 71, § 4º, da CLT. De outro lado, a concessão ao final da jornada de trabalho, esvaziaria o intento do legislador, pois não preservaria a higidez física e mental do trabalhador. Dessarte, se o legislador não restringiu, tampouco cabe ao intérprete fazê-lo, até porque na dúvida de interpretação de uma norma de direito material do trabalho deve-se usar a regra in dúbio pro operario, como manifestação do princípio protetivo. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, 5ª T., RR - 6121000-52.2002.5.12.0900, Rel. Min. Emmanoel Pereira, DJ 22/08/2008)
ÔNUS DA PROVA. REGRA INTERPRETATIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO OPERARIO. O chamado “empate” de prova quando as testemunhas arroladas pelas partes confirmam, cada qual, o fato objeto da prova, leva o julgador à busca de meios que auxiliem na obtenção da verdade. Para a análise e valoração da prova, acata-se no processo trabalhista o princípio in dubio pro operario, quando notória a inferioridade do empregado perante o empregador, quer seja pela diversidade de situação econômica, quer seja pela desigualdade resultante da subordinação. (TRT 3ª Reg., 4° T., RO 3.772/94, Relª. Juíza Deoclécia Amorelli Dias, DJMG 2.7.94)
RELAÇÃO DE EMPREGO - "BÓIAS FRIAS" - EXISTÊNCIA - Presentes os pressupostos caracterizadores dos arts. 2o. e 3o. consolidados, mister reconhecer existência de vínculo empregatício entre as partes litigantes, já que, em se tratando de relação de trabalho, o importante é pesquisar a realidade fática. Há que prevalecer a essência em detrimento da forma, em virtude do princípio de primazia da realidade. Havendo dúvida quanto às repercussões sociais da decisão, impera a regra "in dubio, pro misero". DECISÃO: A Turma, unanimemente, deu provimento ao recurso para reconhecer o liame obreiro, determinando o retorno dos autos à MM. Junta, para apreciação das demais questões de mérito, como entender de direito. (TRT 3 Reg., RO – 7298/96, 2ª Turma, Rel.: Michelângelo Liotti Raphael, Publicado em 31-01-1997).
Assim, compreende-se que a aplicação do princípio in dubio pro operario na interpretação da norma mais favorável, apesar da desavença doutrinária, na prática, trata-se de matéria já consolidada. Se a divergência quanto a esta aplicação é marcante, imagine-se quando se volta o princípio para o campo das provas.
Por isso, seguindo a linha de raciocínio de Américo Plá Rodriguez12:
[...] as mesmas razões de desigualdade compensatória que deram origem à aplicação deste princípio, justifica que se estenda à análise dos fatos já que, em geral, o trabalhador tem muito maior dificuldade do que o empregador para provar certos fatos ou trazer certos dados ou obter certas informações ou documentos.
Assim, é imperiosa a aplicação do princípio in dubio pro operario para a definição do onus probandi, flexionando de forma tênue a velha máxima de que ou se prova ou não se prova. O exemplo clássico é o caso do empate de provas, ou mesmo a ausência delas entre os litigantes no processo trabalhista. Nessa situação, mesmo que o juiz utilize o princípio da persuasão racional na tentativa da formação de sua convicção, estaria autorizado a empregar o princípio in dubio pro operario na apreciação das provas.
Mauro Schiavi13 assevera que no caso da prova dividida, o juiz deve primeiramente se basear pelas regras de experiência e somente depois de esgotados todos os meios de avaliar a melhor prova é que o julgador poderia optar pelo critério de aplicabilidade ou não do princípio in dubio pro operario.
Não é tarefa deste princípio a criação de regras jurídicas favoráveis ao empregado, quanto ao direito do trabalho, ou decidir-se em favor do mesmo, somente por ele ostentar tal condição. É preciso que a situação de dúvida, na avaliação da prova seja efetiva e insuperável, em que não seja possível apurar-se, realmente a verdade dos fatos.
Faz-se mister citar a celebre lição de Celso Antônio Bandeira De Mello14 segundo o qual:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.
Nesse sentido, entra em pauta, mais um alicerce à aplicação do princípio in dúbio pro operário. Trata-se da normatividade dos princípios que foi agraciada com a criação do art. 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.
O Direito é formado por uma ligação entre valores, princípios e regras. Essa relação tem origem nos valores, centralizando no papel dos princípios e na extremidade têm-se as regras. Diante da dependência em relação à realidade social, não é suficiente o sentido unívoco e objetivo da ordem vigente, ou seja, em alguns pontos, a necessidade social mostra a insuficiência do Direito positivo.
É nesse contexto que a aplicação de princípios de direito surge como um procedimento de integração ao lado da figura da analogia. Segundo Paulo Nader15 “A integração é um processo de preenchimento de lacunas, existentes em lei, por elementos que própria legislação oferece ou por princípios jurídicos, mediante operação lógica e juízos de valor.”
Portanto, todo ordenamento jurídico é susceptível de lacunas, na medida em que muitas situações escapam ao controle dos parâmetros legais. Resta ao operador do direito ter ciência de que a pesquisa dos meios de integração não se trata de um de uma atividade de interpretação da norma para definir seu alcance. Mas que tais procedimentos, como aplicação do princípio in dubio pro operario, estão voltados para um trabalho de exegese da norma jurídica, quando esta se vê plenamente assentada.
1 Op. cit. p. 141/142.
2 CARRION, V. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 626.
3 CARRION, V. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
4 TEIXEIRA FILHO, M. A.. A Prova no Processo do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 1991, p. 123 (3. tiragem).
5 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed., São Paulo: LTr, 2007, p. 196.
6 Op. cit. p. 197.
7 RODRIGUEZ, A. P. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo, LTr, 2000.
8 Op. cit. p. 197/198.
9 RUSSOMANO, M. V. Comentários à CLT. 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990.
10 COSTA, C. Princípios de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr., 1976, p. 17.
11 RUPRECHT , A. J. Os princípios do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 18.
12 Op. cit. p. 47.
13 SCHIAVI, M. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 569.
14 MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 748.
15 NADER, Paulo, Introdução ao estudo do Direito; 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 185.