Teoria da imputação objetiva

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27/10/2016 às 09:19
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O presente artigo irá tratar da teoria da imputação objetiva no processo penal.

A teoria da imputação objetiva não possui um criador exato, ao longo dos anos ela foi se desenvolvendo sobre outras teorias, sendo criticada por alguns e aceita por outros. Fernando Capez inicia a explicação da imputação objetiva afirmando como percursores do estudo, Karl Larenz em 1927 e Richard Honig em 1930, este com a obra Causalidade e Imputação Objeitva, que partiram da premissa de que a equivalência dos antecedentes era muito rigorosa no estabelecimento do nexo causal, na medida em que se contentava com a mera relação física da causa e efeito. Por outro lado, Cezar Bitencourt, quando se expressa sobre a origem da teoria, cita Larenz a ser o primeiro a ter aproximação aos problemas tratados no âmbito da teoria, e Honig e Roxin em relação a questão do moderno entendimento dessa teoria, como uma teoria de imputação objetiva do resultado.

Rogério Greco afirma que, com base nos ensaios de Honig, que pretendia resolver os problemas criados pela teoria da equivalência dos antecedentes causais e a teoria da adequação, Roxin desenvolveu o conceito de imputação objetiva. A dificuldade da teoria da imputação objetiva, consiste na determinação de quando a lesão de um interesse jurídico pode ser considerada “obra” de uma pessoa. Desse modo, sua missão era resolver, do ponto de vista normativo, a atribuição de um resultado penalmente relevante a uma conduta, segundo os fins da responsabilidade penal.

Tudo tem inicio com a conditio sine qua non (ou equivalência dos antecedentes), criada em 1853, ela acabava por criar uma cadeia de causalidade tão extensa, que foi nomeada por Träger de regressus ad infinitum. Esta teoria é a adotada pelo Código Penal que vigora hoje no Brasil, prevendo que tudo que concorrer de qualquer forma para a eclosão do resultado é considerado sua causa. A cadeia infinita antecedente causal apenas não leva à responsabilização de todos os envolvidos, devido a ausência de dolo ou culpa (nexo normativo), ou seja, como expõe Capez, a parede de contenção do jus puniendi reside na falta de imputação subjetiva.

Vinte anos após a obra de Honig, na Alemanha, a doutrina percebeu o perigo que era ficar dependendo apenas da inexistência do dolo e da culpa para livrar alguém de ser considerado autor de um fato típico. O dogma da causalidade precisava ser revisto. Através dessa reflexão, nasceu a ideia de limitar o nexo causal, atribuindo-lhe um conteúdo jurídico e não simplesmente naturalístico. A meta principal era reduzir o âmbito de abrangência da equivalência dos antecedentes, e com isso, como expressa Juarez Tavares, “restringir a incidência da proibição ou determinação típica sobre determinado sujeito”.

Desse modo, ficou claro que não se devia despejar todo o juízo de tipicidade sobre o dolo e a culpa, como se fossem as únicas barreirar a conter o enquadramento típico. O fato típico, portanto, nas palavras de Capez, dependem de duas operações: “a) imputação objetiva: consiste em verificar se o sujeito deu causa ao resultado sob o ponto de vista físico, naturalístico, ou seja, se o evento pode ser atribuído à conduta, sob o prisma exclusivamente objetivo, sem verificar dolo e culpa; b) imputação subjetiva: existindo nexo causal, analisa-se a existência de dolo ou da culpa”. Ou seja, se o filho de um casal comete uma homicídio, sendo efetuadas as duas operações acima, os pais não poderão ser punidos pelo crime do filho, visto que ao gera-lo não haviam pensado que ele viria a cometer os crime 20 anos depois.

Assim, para a teoria da conditio sine qua non, praticamente não existe a primeira etapa, a imputação objetiva. Com isso, a imputação objetiva conceitua-se, nas palavras de Damásio de Jesus, como “atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico. (...) a teoria da imputação objetiva pretende dar-lhes fundamentos, ligando a finalidade do agente ao resultado, segundo a descrição típica. (...) O âmago da questão, pois nos encontramos no plano jurídico e não na área das ciências físicas, reside em estabelecer o critério de imputação do resultado em face de uma conduta no campo normativo, valorativo. Por isso, não se põe em destaque o resultado naturalístico, próprio da doutrina causal clássica e do fato típico, e sim o resultado (ou evento) jurídico, que corresponde à afetação jurídica: (...) o objeto jurídico”.

Rogério Greco apresenta seu conceito da teoria, de certa forma, similar ao de Damásio e com bastante relação as diretrizes já apontadas sobre a obra de Capez: “a preocupação não é, à primeira vista, saber se o agente atuou efetivamente com dolo ou culpa no caso concreto. O problema se coloca antes dessa aferição, ou seja, se o resultado previsto na parte objetiva do tipo pode ou não ser imputado ao agente. O estudo da imputação objetiva, dentro do tipo penal complexo, acontece ante mesmo da analise dos seus elementos subjetivos (...)”.

Uma explicação mais clara e de fácil entendimento é a do doutrinador Cezar Bitencourt, que discorre: “A teoria objetiva estrutura-se, basicamente, sobre um conceito fundamental: o risco permitido. Permitido o risco, isto é, sendo socialmente tolerado, não cabe a imputação; se, porém, o risco for proibido, caberá, em principio, a imputação objetiva do resultado”. Ou seja, é essencial para a teoria objetiva a verificação da presença, ou não, do risco permitido.

Damásio de Jesus expõe em sua obra uma questão importante: a imputação objetiva é da conduta ou do resultado? Ele expõe três orientações: (a) imputação objetiva da conduta causadora do risco proibido, em que se incluem os conceitos e critérios do risco tolerado, da criação do risco proibido, o principio de confiança e a proibição de regresso; (b) imputação objetiva é a atribuição de um resultado a quem realizou uma ação; (c) a imputação objetiva procura resolver temas referentes à conduta e ao resultado. a doutrina dá preferência a terceira corrente, adotando-a pois acreditam que a teoria da imputação objetiva não é aplicável somente a delitos de resultado. Assim, a imputação objetiva da conduta diz respeito à criação de um risco proibido tipicamente relevante; e a imputação objetiva do resultado refere-se a transformação do risco em resultado jurídico, ou seja, a "realização" do perigo típico.

A partir disso, dá-se a necessidade de esclarecer dois conceitos muito relevantes à teoria da imputação objetiva, os quais são: o risco permitido e o risco proibido. O primeiro consiste nos riscos presentes no dia a dia, os riscos aceitos pela sociedade e pelo ordenamento jurídico. Por exemplo, qualquer pessoa está sujeita a um acidente de carro, mesmo que dirija corretamente seguindo todas leis de transito. Ou seja, são riscos essenciais a vida humana e em sociedade. Já o segundo, o risco proibido, é uma espécie de derivação do primeiro, pois significa o não cumprimento da responsabilidade pessoa do individuo, infração ao ordenamento jurídico e ao convívio em sociedade. Usando o mesmo exemplo do individuo que dirige um carro e pode vir a causar um acidente, caso ele esteja dirigindo de modo imprudente, contra as leis de transito, ele será responsabilizado pela sua conduta.

Desta forma, como expõe Capez, “(...) só haverá imputação do resultado ao autor do fato se o resultado tiver sido provocado por uma conduta criadora de um risco juridicamente proibido ou se o agente, com seu comportamento, tiver aumentado a situação de risco proibido e, com isso, gerado o resultado; em contrapartida, se, a despeito de ter fisicamente contribuído para a produção do resultado, o autor tiver se conduzido de modo a ocasionar uma situação de risco tolerável ou permitido, o resultado não lhe poderá ser imputado.” A partir disso, é possível obter uma simples conclusão: o autor será punido por sua conduta se não honrou com suas responsabilidades, agindo sob o chamando risco proibido; porém, mesmo que aconteça uma fatalidade, se o agente da ação agiu nos conformes do risco permitido, ele não será responsabilizado.

O mesmo autor citado acima, refere-se a uma conclusão feita por Jakobs, a qual consiste que a mera causação do resultado, ainda que dolosa, resulta de maneira manifestamente insuficiente para fundamentar, por si só, a imputação. Importante ressaltar que, não basta que a conduta seja socialmente indesejada e crie um risco proibido, há também a necessidade que o resultado esteja inserido no âmbito de proteção da norma.

            Claus Roxin, criou uma teoria geral da imputação, com base no chamado principio do risco, para os crimes de resultado, com quatro vertentes que impedirão a sua imputação objetiva: (a) diminuição do risco à consiste na conduta que diminui o risco ao bem protegido, não sendo imputado como ação típica; (b) criação de um risco juridicamente relevante à quando a conduta do agente não é capaz de criar um risco juridicamente relevante, não há domínio do resultado através da vontade humana, não sendo imputado pelo resultado; (c) aumento do risco permitido à se a conduta do agente não aumentar o risco da ocorrência do resultado, ele não poderá ser imputado; (d) esfera de proteção da norma como critério de imputação àapenas haverá responsabilidade quando a conduta atacar a finalidade protetiva da norma. É possível perceber que o estudioso baseou-se completamente no risco que pode gerar ou não a imputação objetiva.

Por outro lado, Jakobs desenvolve a teoria da imputação objetiva com uma ênfase maior no comportamento, mas não deixando de lado o resultado: (a) risco permitido à se cada individuo se comportar dentro do seu papel na sociedade, e de uma conduta advier algum resultado lesivo, o agente será imputado ao acaso;(b) principio da confiança à é necessário que as pessoas de uma sociedade confiem umas nas outras, mesmo que saiba que outras podem cometer erros; (c) à proibição de regresso à se o individuo atuar de acordo com os limites de seu papel, a sua conduta, mesmo contribuindo para a infração penal, não poderá ser incriminado; (d) competência (capacidade) da vítima à situações de destaque: consentimento do ofendido, ações a próprio risco e heterocolocação em perigo. O autor acredita que essa divisão da teoria da imputação não é suficiente, porém ele a delimita do modo exposto.

Os conceitos apresentados acima são baseados na obra de Rogerio Greco, que também os expõe. Porém, Cezar Bitencourt em seu livro apresenta outras questões formuladas por Roxin e Jakobs, que de certa forma, são semelhantes as apresentadas por Greco.


Exemplos

Os exemplos podem ser dados com base nos princípios apontados por Damásio de Jesus.

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1)A imputação objetiva fica excluída em face de ausência de risco juridicamente reprovável e relevante.

ex.: a mãe ao tomar conhecimento do assassinato de seu filho, sofre uma parada cardíaca e vem a falecer.

O autor do homicídio não será responsabilizado pela morte da mãe de sua vítima, pois ele não tem domínio do fato, domínio da situação da mãe ao descobrir da morte do filho, ela poderia, por exemplo, já ter um problema do coração durante anos.

2) Não há imputação objetiva do resultado quando o sujeito atua com o fim de diminuir o risco de maior dano ao bem jurídico, ou seja, ele causa um dano menor ao objeto jurídico para evitar-lhe um maior.

ex.: A atira em B, com intenção de mata-lo. C vê a tentativa de A, e para evitar a possível morte, C empurra B, que apenas quebra o braço.

Desse modo, C não será imputado pela lesão que B sofreu com o empurrão, pois ele estava tentando evitar um risco maior, a morte de B. Importante ressaltar, que a norma não proíbe condutas que reduzem o risco de dano a um bem jurídico.

3) Há imputação objetiva quando a conduta do sujeito aumenta o risco já existente ou ultrapassa os riscos do limite juridicamente tolerado.

ex.: indústria fabricante de pinceis de pelo de cabra, que exigia tratamento com desinfetante, sob pena de contração de doença e morte dos empregados. O dono da fábrica deveria providenciar para os trabalhadores o desinfetante para que não sofressem as consequências do pelo de cabra. Porém, ele não comprou os produtos, e quatro funcionários vieram a falecer.

Com isso, o empregador será responsabilizado por essas mortes, pois a falta do desinfetante aumentou o risco dos empregados de sofrerem danos.

4) Não há imputação objetiva quando o resultado se encontra fora do âmbito de proteção da norma violada pelo sujeito.

Ex.: um salva-vidas cochila enquanto A está gritando por socorro no mar. B entra no mar para salvar A, porém ele (B) morre afogado.

 O salva-vidas mesmo sendo negligente não será punido, pois o âmbito de tutela da norma não abrange a produção de resultados indiretos. Ou seja, a imputação objetiva exige uma relação direta entre o dever infringido pelo autor e o resultado produzido.


Aplicação

A imputação objetiva, para uma corrente, se restringe aos crimes materiais e comissivos, visto que foi criada para aumentar as exigências na definição do nexo causal, o qual não existe nos crimes omissivos e de mera conduta, e é irrelevante nos formais. Porém, para outra corrente, mais ampliativa, a imputação objetiva não é um problema ligado ao nexo causal, mas uma exigência para o enquadramento típico. Desse modo, para a existência do fato típico, qualquer que seja a conduta, além do dolo ou da culpa, será necessária a imputação objetiva, ou seja, como expõe Capez “subsunção formal + inadequação social + significância mínima da lesão + ofensividade + ofensa aos demais princípios constitucionais do direito penal, de modo que o comportamento tenha um conteúdo material de crime, e não meramente formal”.

Ela é considerada uma teoria complementar, surgiu como verdadeira alternativa à causalidade, mas complementa a teoria do nexo causal, fornecendo solução adequada às hipóteses em que as doutrinas naturalistas não apresentam resposta satisfatória. Um conceito bastante relevante sobre a imputação objetiva foi dado por Paulo Queiroz, ao afirmas que a pretensão da teoria “não é, propriamente, em que pese o nome, imputar o resultado, mas, em especial, delimitar o alcance do tipo objetivo (matar alguém por exemplo), de sorte que, em rigor, é mais uma teoria da ‘não imputação’ do que uma teoria da imputação’. (...) sua verificação constitui uma questão de tipicidade, e não de antijuridicidade, prévia e prejudicial à imputação do tipo subjetivo (dolo e culpa)”.

Sobre a possível relação entre a teoria da imputação objetiva com o sistema finalista bipartido, adotado pelo Código Penal Brasileiro de 1940, é necessário, primeiramente, esclarecer o sistema brasileiro. A teoria finalista bipartida vê o crime como um fato típico e ilícito, a culpabilidade é considerada como pressuposto para aplicação da pena, sendo nela incidentes o dolo e a culpa. Ou seja, o delito pode ser caracterizado sem a averiguação do dolo ou da culpa do agente. O nexo causal é elemento presente no fato típico, junto com a conduta, resultado e tipicidade.

A imputação objetiva, como é explicitado várias vezes, visa verificar se o  sujeito deu causa ao resultado sob o ponto de vista físico, naturalístico, isto é, se o evento pode ser atribuído à conduta, sob o prisma exclusivamente objetivo, sem verificar o dolo ou a culpa. Ora, a teoria pretende analisar todos os elementos do fato típico e a ilicitude, para assim reconhecer se há crime ou não. Porém, isto não é suficiente para que ele coexista com o direito penal brasileiro, pois no Código Penal em seu artigo 13, é evidente que o sistema adota a conditio sine qua non ou equivalência dos antecedentes. O seu uso pode levar ao regresso ao infinito, o que justamente a teoria de imputação objetiva pretende sanar, pois não considera causa tudo o que a teoria dos antecedentes considera.

Por exemplo, X matou uma pessoa com uma arma. O fabricante da arma, para o Código Penal brasileiro é uma causa do crime, mas não é punido pois não agiu com dolo ou culpa. Já para a teoria da imputação objetiva, o fabricante também não será culpado, mas pelo fato de sua ação de fabricar armas não representar nenhum risco proibido, ele apenas cumpria com o seu papel na sociedade. Portanto, a imputação objetiva não coexiste com o sistema finalista bipartido, devido a conditio sine qua non adotada pelo Código Penal Brasileiro.

Importante ressaltar que, na Alemanha, Áustria, Espanha e Suíça, a teoria da imputação objetiva é bem conhecida, porém, no Brasil, ela passa desapercebida. Hoje, ela vem sendo utilizada no Supremo Tribunal Federal, ganhando um pouco de espaço nas decisões.

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