O prestador de serviços na área da saúde na condição de paciente

28/10/2016 às 08:35
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A necessidade de mudanças quanto à responsabilização dos profissionais pela perda do tempo útil e pela perda de uma chance.

O tempo é hoje um dos maiores bens do ser humano, do qual não se pode dispor, uma vez que é ele quem veta ou viabiliza a concretização de tudo o que se objetiva realizar.
 Somado à vida, um bem de valor insofismável, o tempo é o norteador de tudo e de todos, sendo irrefutável a afirmação de que aquele que desperdiça tempo também desperdiça vida.
             Por esta razão, a perda do tempo muitas vezes é valorada judicialmente, nos casos em que se comprove a perda da vida, e entenda-se aqui a vida no seu sentido mais amplo, no que se refere à qualidade em que se dê com a observância aos padrões mínimos de respeito à dignidade da pessoa humana.
            Prova disso são os resultados dos julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que pacificou entendimento no sentido de que devem ser observadas e respeitadas duas teorias quando a questão for o entrelace entre vida e tempo: a da perda de uma chance e a da perda do tempo útil, senão vejamos:
            A teoria da perda de uma chance pode ser resumida, de forma sucinta, na situação em que aquele que fez o outro perder uma chance de melhores condições de vida, em seu sentido mais amplo, deva ser responsabilizado por isso, como ocorre nos chamados casos de erros médicos.
          Comprovado o erro, o responsável por ele deve ser responsabilizado, pagando àquele que foi prejudicado uma quantia destinada ao ressarcimento por tudo que lhe causou, arbitrada judicialmente.
          Já a teoria da perda do tempo útil, como o próprio nome diz, faz referência ao lapso temporal desprendido para que o que se objetiva efetivamente se realize, por exemplo, o tempo que se leva para se conseguir um atendimento médico ou para que se realize um exame.
          Comprovada a perda do tempo útil, aquele que a ela deu causa deverá ser responsabilizado e arcar com o ônus do pagamento de uma indenização a contento, destinada àquele a quem lesou com atitudes inexistentes ou extemporâneas.
          Estas situações são muito comuns quando o doente é o prejudicado, configurando o que é chamado pelos Tribunais de má prestação de serviços realizados por médicos, dentistas, hospitais, laboratórios e por profissionais da área da saúde em geral.
         Todavia, em respeito ao princípio da isonomia, que determina ser necessário o tratamento de forma equânime a todos os envolvidos em uma relação jurídica, necessária se faz a reflexão dos casos em que o prestador de serviços se torna o paciente, ou, por assim dizer, aquele que espera pelo doente para poder oferecer a ele prestação de serviço a contento, dentro de suas reais necessidades.
         Necessário se faz refletir a respeito dos casos em que o próprio doente dá causa à perda de tempo necessário a um atendimento digno e a um tratamento condizente, colocando o prestador de serviços na área da saúde como aquele que espera por seu comparecimento às consultas e aos demais atendimentos agendados, e isso não acontece.
         É muito comum o doente marcar uma consulta ou agendar um exame e não comparecer, e nem justificar sua ausência ao prestador de serviços que iria atendê-lo.
        Nestas situações resta inviabilizado um diagnóstico preciso, configura-se a impossibilidade de que seja respeitado o tempo útil a ele necessário e restar-se-ão impossibilitadas de ser mantidas as condições mínimas para uma chance de sobrevivência, sem falar que não haverá o pagamento pelo horário marcado àquele que cedeu seu tempo, esperou, mas não pode exercer o trabalho a que prontamente se disponibilizou.
      As agendas médicas, dentárias, laboratoriais, hospitalares, configuram hoje listas intermináveis de espera, nas quais todos buscam pela mesma coisa: a melhora do quadro em que se encontram.
      Por questão de tempo, todos os atendimentos são feitos na medida em que é acionado o prestador de serviços, mas o doente não se preocupa, na maioria dos casos, em não avisá-lo a respeito de eventuais imprevistos.
     Isto acaba por refletir na impossibilidade de atendimento, muitas vezes, de outros que necessitavam daquele horário, daquele tratamento, daquele exame, os quais passam, por esta razão, a ter em risco a própria sobrevivência.
     O doente que não comparece coloca o prestador de serviço na área da saúde em estado de inércia total, haja vista que o tempo perdido com a ausência daquele que marcou um horário e não compareceu não traz a possibilidade de atendimento daquele que realmente, em muitos casos, precisava ser atendido.
     Por esta razão, prolonga-se a responsabilização apenas dos prestadores de serviços, que acabam por ser penalizados pela perda de tempo útil e pela perda de chances em vários casos em que doentes são acometidos das mais diversas patologias que se agravam e que em muitos casos os levam ao óbito, em situações que se deram por culpa única e exclusiva de outro doente, que lhe tomou a vez na agenda, mas não compareceu.
      Estes fatos são comuns em praticamente todos os consultórios médicos e odontológicos e em todos os laboratórios e hospitais do país sem que haja um posicionamento a respeito de todas as mudanças que se fazem urgentemente necessárias e que devem ser buscadas por todos os envolvidos na área da saúde.
       As cortes superiores do país inevitavelmente são acionadas nos casos em que a perda do tempo útil e a perda de uma chance se dão aos mais variados doentes, mas até quando deixarão de ser acionadas pelas entidades de classe ou prestadoras de serviços para que se posicionem a respeito de penalidades a serem impostas àqueles que deram causa a inúmeros prejuízos porque não compareceram aos compromissos agendados e deixaram os prestadores de serviços à mercê da sorte na condição de paciente?
       O doente que não encontrou horário porque não havia agenda e o prestador de serviços que despendeu seu tempo inutilmente, mas jamais foi ressarcido por isso, são vítimas em potencial daqueles que não possuem consciência da dimensão de seus atos, ditos como praticados “sem querer”.
       Tomando por base apenas o artigo 1º da Constituição Federal, que diz que todos são iguais perante a lei, e ainda considerando o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor a respeito da hipossuficiência do consumidor, a falta de equilíbrio ao que se vivencia é gritante: se todos são iguais, a personalização de cada consumidor deve ser desta forma considerada para que possa então, cada um, per si, ser chamado de hipossuficiente.
        Esta afirmação advém do fato de que o prejuízo à saúde alheia, em caso de ausência injustificada a uma consulta ou a um exame agendado, tem valor absolutamente incalculável.
        Por estas razões, a comunidade prestadora de serviços na área da saúde precisa, imperiosamente, posicionar-se a respeito deste desequilíbrio jurídico vivenciado por todos os seus integrantes dentro do ordenamento pátrio.
        Medidas devem ser adotadas sob a égide da Constituição Federal e com o aval dos Tribunais Superiores para que a realidade seja revertida.
        Não há que incidir apenas aos prestadores de saúde o ônus de zelar para que o tempo útil não seja inutilmente despendido, nem para que chance alguma seja perdida.
       Saúde é vida e dela ninguém pode dispor.
       É necessário um forte apelo coletivo para que todos tomem consciência de que as condutas individualizadas devem ser desta mesma forma potencialmente consideradas quando refletir no direito do outro de se tratar, de buscar tratamento médico, odontológico, hospitalar, de realizar seus exames.
      Empecilhos e contratempos fazem parte da vida, são contratempos, e, por esta razão, são absolutamente justificáveis; falta de comprometimento e pensamentos de que nenhuma implicância terá a ausência a um compromisso marcado junto a um prestador de saúde, não.
      Os cidadãos, quando na condição de paciente, precisam rever seus atos para que os prestadores de serviços na área de saúde encontrem subsídios mínimos a atender o fim a que se destinam: salvaguardar vidas dentro das mínimas condições de excelência a que se propõem.
     É necessário um trabalho em conjunto de pacientes, prestadores de serviços na área da saúde, Poder Judiciário e mídias em geral, para que os reflexos do que se vivencia hoje sejam atenuados, e para que a vida e o tempo não sejam apenas bens a ser perseguidos, mas a ser dignamente preservados por todos nós.
 

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Sobre a autora
Natalia C. Verdi

Advogada, militante nas áreas do direito civil, família, criminal e saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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