O instituto do asilo conforme a doutrina brasileira

31/10/2016 às 01:29
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O presente artigo busca tratar do tema relacionado aos direitos atrelados ao fenômeno migratório e em linhas gerais uma abordagem do tratamento dado ao tema pelo Direito Internacional Público (DIP).

Resumo: O presente artigo busca tratar do tema relacionado aos direitos atrelados ao fenômeno migratório e em linhas gerais uma abordagem do tratamento dado ao tema pelo Direito Internacional Público (DIP). Assim, apresenta-se o entendimento, segundo a perspectiva da doutrina brasileira, a respeito do “direito de asilo” e a questão dos “deslocados ambientais”, que são as pessoas que deixam seus países de nacionalidade ou residência por razões ambientais. De modo geral, visa introduzir a problemática e as dificuldades que esses grupos de pessoas estão submetidos ante a inexistência de regulamentação e tratamento desse tipo de deslocamento forçado não só no âmbito internacional como também no nacional.


Introdução

O fenômeno da migração se faz presente na história da humanidade desde os tempos mais remotos e pelos mais variados motivos, como pela fome, guerra, desastres naturais, seca, dentre outros fatores. E, desde a Antiguidade Grega ou Romana, havia uma forma de abrigar e proteger o estrangeiro que sofria perseguição ou se deslocava para sua sobrevivência.

Contudo, o grande fato histórico que gerou a preocupação universal em garantir os direitos de pessoas que deixam seus países de origem, isto é, de nacionalidade ou residência, por razões diversas, em busca da sobrevivência foram as duas Guerras Mundiais (1914-18 e 1939-45). Após o término da 2ª Guerra Mundial e toda a destruição dela advinda, iniciou-se um intenso debate entre os Estados da necessidade de institucionalização da proteção de pessoas que deixaram seus países em busca de sobreviver aos horrores da guerra.

De lá pra cá, o número de pessoas que rompem as fronteiras de seus países devido a conflitos armados, perseguição religiosa, desastres ambientais etc., só vem crescendo ultrapassando, segundo dados da agência do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), 60 (sessenta) milhões de pessoas. Este fato corrobora e demonstra a importância da proteção, promoção e garantia dos direitos das pessoas que se deslocam forçadamente pelo globo terrestre em busca da sobrevivência.


Direito ao asilo

A mobilidade humana, ou a migração humana, é um fenômeno recorrente na história do ser humano desde os tempos mais remotos e pelas mais variadas motivações. Entretanto, há na seara do direito internacional a garantia do “direito ao asilo” previsto pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), no art. XIV, 1, dispondo que: “Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar de asilo em outros países”.

Contudo, diferentemente da maioria dos Estados, em vários países latino-americanos, sobretudo no Brasil, asilo e refúgio são institutos distintos com características próprias, isto é, não são meros termos equivalentes.

Segundo o entendimento da doutrina brasileira, e de outros países da América latina, asilo é termo referente à prática de acolher a pessoa que sofre perseguição e que, por tal motivo, se vê obrigada a deixar o local onde vive ou de sua nacionalidade. Neste sentido, a concepção supracitada trata do asilo em sentido amplo, como gênero.

Sendo assim, há dois direitos afetos à mobilidade humana, vinculados à proteção internacional, que são o asilo político e o refúgio. Logo, o instituto do asilo em sentido amplo é gênero do qual são espécies o asilo político ­ – que se subdivide em asilo diplomático, asilo territorial e asilo militar – e o refúgio .


O asilo político e o refúgio (em linhas gerais)

Devido a razões histórico-políticas, o instituto do asilo político desenvolveu-se maiormente nos países da América latina, isto porque muitos desses países passaram por períodos de ditadura, e neste contexto, o instituto do asilo ganhou maior relevância.

O asilo consubstancia na proteção do estrangeiro por motivos políticos ou ideológicos que fazem com que o perseguido não permaneça ou retorne ao Estado de origem, seja de sua nacionalidade ou residência. E é assegurado por tratados entre os países e pelo costume internacional relacionado à região e aos fatores históricos e políticos anteriormente citados.

O asilo diplomático se relaciona à imunidade diplomática de que gozam as missões diplomáticas de um país em território e outro Estado, acarretando a inviolabilidade dos locais onde estão alocadas essas missões – não significa dizer, entretanto, que as embaixadas são territórios do Estado que enviou a missão (Estado acreditado), pois, é território do Estado acreditante (o que recebe a missão). O asilo territorial ocorre quando o Estado acolhe um perseguido em seu território; e o asilo militar se consubstancia no fato de que bases, veículos, aeronaves e embarcações militares constituem extensões territoriais dos países a que pertencem, sendo invioláveis.

Por sua vez, o refúgio é instituto que ganhou relevância no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial, tendo sido efetivado na Convenção de Genebra (1951) que define refugiado aquele que devido à perseguição ou fundado temor de perseguição com base em sua raça, religião, nacionalidade, opinião política ou por pertencer a determinado grupo social, não pudesse retornar ao país de residência.

É perceptível que o instituto do asilo (político) é mais específico e restritivo à perseguição política, enquanto que o instituto do refúgio é mais amplo, abarcando outras hipóteses. Entretanto, como aduz o Professor Miguel Barros: “[...] não se deve confundir asilo político com refúgio. O refúgio é medida essencialmente humanitária enquanto que o asilo é medida essencialmente política (Barros, 2011, p.88)”.

A prática dos Estados ficou consolidada em exigir três pressupostos para caracterização da “situação de asilo”, traduzidos em critério subjetivo, objetivo e temporal. O primeiro significa que quem solicita asilo deve ser estrangeiro; o segundo dispõe que a natureza do ato realizado deve ser política, não caracterizando crime comum ou ato contrário aos princípios e propósitos da Organização das Nações Unidas (ONU); e o último aduz ao fato de a perseguição ser atual, o caráter de urgência da proteção.

Diferentemente, o instituto do refúgio é aplicado ao estrangeiro que por algum dos motivos previstos na Declaração de Genebra de 1951 (raça, religião, nacionalidade, opinião política, pertença a determinado grupo social) esteja sofrendo perseguição ou tenha fundado temor de perseguição, logo, não se exigindo a atualidade da perseguição, mas tão somente a sua possibilidade.

No entanto, o fundado temor não pode ser uma motivação exclusivamente pessoal, paranoica, do solicitante de refúgio, ou seja, deve haver fatos ou indícios da possibilidade da perseguição, que serão avaliados, segundo o juízo de possibilidade pelo Estado, a qual foi feito o pedido, para constatação ou não da situação da possível perseguição motivadora do fundado temor.

O asilo político não possui órgão oficial internacional ou nacional que cuide do processo de análise para concessão ou denegação do pedido, ficando a cargo do Executivo esse processo de verificação da situação de perseguição política.

No caso do refúgio, há o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que cuida da proteção e assuntos relacionados ao refúgio em órbita internacional e junto aos Estados. Em âmbito nacional existe o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão administrativo ligado ao Ministério da Justiça que cuida da análise do pedido de refúgio.


O conceito de refúgio e os “deslocados ambientais”

A Declaração de Genebra sobre os Refugiados (1951) conceitua o refugiado a pessoa que devido à perseguição ou fundado temor de perseguição com fundamento em sua raça, religião, nacionalidade, opinião política ou por pertencer a específico grupo social, não pode retornar ao país de residência.

Porém, no ano de 1969 foi instituída a Convenção da União Africana sofre os Refugiados, que ampliou a definição de refugiado ao incluir aquele que em razão de um cenário de graves violações de direitos humanos foi obrigado a abandonar o local onde residia para buscar refúgio em outro Estado.

Na mesma direção foi a Declaração de Cartagena sobre os Refugiados (1984) que ampliou o conceito de refugiado agregando a ameaça de violência generalizada, a agressão interna e a violação massiva de direitos humanos.

O Brasil adota, hodiernamente, o conceito ampliado de refugiado da Declaração de Cartagena na definição trazida pela Lei nº 9.474/97, art. 1º, inciso III, que considera refugiado aquele que em razão de grave e generalizada violação de direitos humanos, se vê obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

O fato é que, como relembra o Professor Barros, as pessoas que abandonam os locais em que vivem por razões ambientais não estão reconhecidas, amparadas ou protegidas pelo conceito restritivo de refugiado. Andrea Pacífico e Marina Gaudêncio nos remete à disposição da Organização Internacional da Migração (OIM) que afirma que os fatores do deslocamento forçado podem ser de duas ordens: naturais – como furacões, tsunamis, erupções vulcânicas etc. – ou antrópicos, consequência da ação humana – como a poluição de águas fluviais, esgotamento de recursos naturais, degradação ambiental etc.

Sendo assim, fatos cada vez mais recorrentes, como intensificação de desastres ambientais que forçam ao reassentamento, a disputa por recursos naturais, entre diversos outros, levam pessoas a migrarem. Caso emblemático é o do Haiti, país da América Central, que foi assolado por um abalo sísmico de alta escala que devastou todo o país, que é o mais pobre das Américas. Diante de um cenário anterior de pobreza, e em face à destruição provocada pelo terremoto, milhares de haitianos migraram para outros países, a grande maioria para o Brasil em busca de sobrevivência.

Como os deslocados ambientais não são abarcados pelo conceito clássico e restrito de refugiado da Convenção de Genebra (1951), o Brasil ampliou o instituto para contemplar essas pessoas com proteção do instituto do refúgio. Esse ato é lícito uma vez que pode ser feita a ampliação do instituto, mas nunca pode haver sua restrição.

A realidade é que os deslocados ambientais – uma vez que a terminologia “refugiados ambientais” não é a mais adequada pelo fato de que o conceito do refúgio não contempla esta situação – não são abarcados pela definição atual de refugiado seja no contexto de proteção internacional (Convenção de Genebra de 1951), seja no contexto regional (como da Convenção da União Africana sobre os Refugiados de 1969, ou da Declaração de Cartagena de 1984).

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O máximo que se pode dizer é que podem ser encaixados na visão ampliada do instituto do refúgio, porém, sua situação é de extrema vulnerabilidade, uma vez que o direito internacional, assim como o nacional, não reconhece essas razões como constituintes do conceito de refúgio.

Como relata Barros: “A lei internacional (ainda) não reconhece essas razões. Como consequência, os refugiados ambientais, na maior parte das vezes não podem contar com a proteção material e jurídica dos países de asilo (Barros, 2011, p.68)”. Os estudiosos do tema asseveram que o número de pessoas que se deslocam devidos a fatores ambientais tende a crescer no decorrer dos próximos anos, e alertam pela necessidade de reconhecimento e garantia dos direitos destas pessoas.

No entanto, o assunto é sensível devido à falta de cooperação internacional entre países em relação a este tipo de migração e pela resistência por parte dos países desenvolvidos em estabelecer uma política de redistribuição e recebimento dos deslocados ambientais, que se encontram abrigados, em sua maioria esmagadora, nos países em desenvolvimento, sobretudo no continente africano, como afirma Pacífico e Gaudêncio.

Portanto, há uma necessidade político-jurídica de revisão no tratamento dado aos deslocados ambientais, que atualmente estão em situação vulnerável diante da falta de vontade política dos Estados e, ainda, de aparato jurídico na órbita internacional para a garantia, promoção e proteção de seus direitos.


Conclusão

Diante das considerações que foram tecidas é inegável o papel central de Estados, Organizações Internacionais (como a Organização das Nações Unidas – ONU) e também de organismos internacionais (como as Organizações não governamentais – ONG´s) na defesa, garantia e promoção do direito de asilo em razão de fatos diversos.

Sobretudo, no caso dos deslocados ambientais, que são grupos de pessoas que se deslocam forçadamente devido a acontecimentos relacionados ao meio ambiente que os obriga a abandonar o local onde vivem. Desastres ambientais, esgotamento de recursos naturais, a desertificação de regiões são alguns fenômenos, cada vez mais recorrentes, que forçam milhares de pessoas a migrarem para outras regiões ou países.

Contudo, estas pessoas enfrentam, além de problemas materiais relacionados ao cotidiano, a questão da falta de reconhecimento dessas razões na proteção na seara internacional, ficando submetidas à vontade política dos Estados em conceder o direito asilo para esses casos. Há, portanto, uma necessidade emergencial de mudança de postura política, jurídica e cultural no tratamento relativo ás pessoas em deslocamento forçado por razões ambientais para que não tenham seus direitos mais básicos e essenciais violados.


Bibliografia

https://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas/ ;

https://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2011/60_anos_de_ACNUR_-_Perspectivas_de_futuro.pdf ;

BARROS, Miguel Daladier. O drama dos refugiados ambientais no mundo globalizado. / Miguel Daladier Barro. – Brasília: Consulex, 2011;

REMHU – Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana. Revista semestral de estudo e análise sobre mobilidade humana. Ano XXII – Número 43 – jul./dez. – 2014;

PACÍFICO, Andrea Pacheco e GAUDÊNCIO, Marina Ribeiro Barbosa. “A proteção dos deslocados ambientais no regime internacional dos refugiados”, p.133-148.

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