Foro privilegiado à luz do princípio da igualdade

Resumo:


  • O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, é uma forma especial de julgar determinadas autoridades, previsto na Constituição Federal.

  • O instituto do foro privilegiado tem origem em países de tradição jurídica romano-germânica e foi criado para garantir a responsabilização de autoridades públicas por atos criminais.

  • O foro privilegiado no Brasil surgiu em 1891, com a primeira Constituição Republicana, estabelecendo competências específicas para julgamento de autoridades.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

o presente artigo trata sobre o foro privilegiado e sua relação com o principio da igualdade. O artigo irá discutir se existe isonomia em tratar de maneira especial determinados agentes públicos e representantes políticos.

RESUMO

Foro por prerrogativa de função ou foro privilegiado é uma forma especial e particular de julgar determinadas autoridades. Está previsto em nosso ordenamento jurídico no artigo 102 da Constituição Federal, inciso I, letra “b” o qual diz competir ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar as infrações penais do Presidente da República, do Vice-Presidente, dos membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República. Por tanto, o julgamento de determinadas autoridades caberá a nossa corte suprema caso o crime cometido por aquelas autoridades sejam crimes de natureza penal. Isso nos leva a um questionamento, pois o artigo 5° da nossa constituição nos informa que todas são iguais perante lei. Isto possibilita a afirmação que o instituto em questão é uma clara exceção ao princípio da igualdade.[1]

A preocupação com a questão debatida está relacionada a condição de oferecer a todos os que buscam uma pretensão em juízo, encontrar uma resposta no ordenamento eficaz, justo e principalmente isonômico, buscando uma justiça social. Desta forma fica claro notar os valores que o Direito procura alcançar, tendo como valor-fim a justiça social, esta, porém, não pode caminhar em posição contrária a isonomia sobre pena de ser considerada injusta e por fim, não alcançar a sociedade como um todo.

O intuito desta obra é fundamentar e questionar o instituto do foro privilegiado, mencionando quem são os beneficiados e quem detém a competência de executar tal prática. Abordar alguns dos princípios constitucionais existentes em nossa lei suprema e estabelecer um paralelo entre os benefícios e os malefícios para aqueles que são dotados de tal privilégio nos dias atuais, fazendo ainda uma breve abordagem de como determinado assunto era tratado no passado. Ademais, também, estreitar  o conhecimento do tema, pois ter a ciência que a justiça de nosso Estado em pleno séc. XXI  tem formas diversa de julgar seu povo é de grande relevância. O método utilizado é o dedutivo através de pesquisa bibliográfica por meio de pesquisas em livros, artigos científicos, monografias, publicações periódicas especializadas e os fatos ocorridos em nosso cotidiano.

       

Palavras-chave: foro privilegiado. Princípio. Isonomia.

1.      INTRODUÇÃO

 Através de uma perspectiva crítica-contributiva que o problema do foro por prerrogativa de função será debatido, devendo envolver o processo como forma de acesso a uma ordem jurídica justa, sempre destacando os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pois quando se fala em justiça estes são pilares de importante relevância à sustentação ao nosso termo de igualdade.

O foro por prerrogativa de função tem sua existência principalmente em países de ordenamento jurídico de tradição romano-germânica. O instituto do foro privilegiado foi criado com o objetivo de frear a prática absolutista, uma característica marcante de muitos governantes em tempos atrás e até mesmo nos dias atuais. Foi uma espécie de resposta à irresponsabilidade penal dos detentores do poder, ou seja, buscava garantir a responsabilização dos atos criminais praticados por aqueles que ocupavam altos cargos públicos.

 É válido lembrar que o instituto em discursão está relacionado com a função e proteção do cargo ocupado pela autoridade pública, por este motivo se faz relevante estabelecer uma separação entre privilégio e prerrogativa. Pois um está ligado a pessoa física, do nascimento, ou seja, a origem individual de cada um. Já o segundo refere-se aos direitos transitórios que uma função confere àquele que a ocupa, isto é, direitos que se ligam ao cargo e existem para permitir o seu melhor exercício.

Ao falarmos de foro por prerrogativa de função devemos lembrar a Revolução Americana, pois este foi a primeira revolução de grande relevância a abolir os privilégios adquiridos através da origem das pessoas, ou seja, levando em conta a classe à qual faziam parte. Logo mais foi a vez da maior revolução liberal, em favor da igualdade, estamos falando da Revolução Francesa, esta também pregava o fim dos benefícios adquiridos por conta da sua classe originária. Porém, esses dois movimentos foram obrigados a reconhecer a necessidade de cercar-se de determinados cargos que tornassem viável o seu desenvolvimento sem influência.

2.      BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O SURGIMENTO DO FORO PRIVILEGIADO NO BRASIL.

Com a chegada da família real no Brasil, ou seja, no período imperial, passamos a ter governantes, aqueles que detinham o dever e poder de reger um país. Em 1823 existia uma Assembleia Constituinte a qual tinha um interesse liberal, reivindicavam uma Monarquia Constitucional limitada. O problema é que tal interesse se chocava com a vontade do imperador de manter no Brasil uma estrutura, senhorial e escravocrata. Muito se admirou no ano de 1824, data da criação da primeira Constituição do Brasil, por tal carta ter feito a manutenção do fim dos privilégios de natureza pessoal, existindo apenas aqueles benefícios relativos aos cargos e funções, a Constituição mencionada proibia o uso do foro privilegiado. [2]

            Mas só podemos falar que o foro privilegiado surgiu no Brasil em 1891 quando foi criada a primeira Constituição Republicana deste país, no parágrafo 2° do artigo 57 deu competência ao Senado Federal para julgar os membros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade, e aos membros do Supremo foi dada a competência para julgar os juízes federais inferiores.

 

3. FUNDAMENTOS, VANTAGENS E DESVANTAGENS DO FORO PRIVILEGIADO.

De forma básica o foro por prerrogativa de função tem por fundamento o julgamento de autoridades públicas de maneira especial e particular, pois são julgados por tribunais colegiados, que têm magistrados com o mesmo nível de autoridade dos réus, visto que esses são pessoas de alto cargo público que receberam autonomia para em nome do povo atuar. Pois o foro privilegiado é dirigido na maior parte das vezes a políticos eleitos pelo voto direto da população, havendo exceções, como o procurador geral da república, que também goza de tal privilégio mesmo estando nesse cargo por indicação.

Logo uma das fundamentações para existência de tal vantagem é evitar que processos contra essas autoridades tenham sua existência em locais muito diversos país adentro e evitar julgamentos por juízos singulares e que podem acabar, em tese, cedendo às pressões políticas que possam vim a ocorrer, por conta da influência dessas autoridades pela posição que ocupam.

Em nosso ordenamento jurídico essa prática é legalizada pela nossa lei suprema, Constituição Federal em seu artigo 102, inciso I, letra “b”. Lá se encontra escrito que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns: o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; Já vimos que a constituição ao fazer essa afirmação caminha contrariamente ao princípio da igualdade que também se encontra presente na lei suprema, está no artigo 5° quando este menciona que todos são iguais perante a lei.

O que também vem a causar intriga acerca do determinado assunto é quem julga, pois já explicitado que será papel do supremo, e quem será julgado. Caso analisarmos de forma mais detalhada, o Presidente da República é uma das autoridades que deverá ter sua conduta analisada por um órgão que ele próprio é o responsável por escolher os componentes. O Procurador-Geral da República também indicado pelo chefe de nosso executivo é o responsável por oferecer a denúncia. Esse questionamento existe e é bem válido nos dias atuais, pois como pode ter seu julgamento e denuncia sendo papel de quem o próprio réu indicar? 

Mesmo havendo o entendimento de que os componentes de nossa corte suprema são pessoas de antecedentes diferenciados quando se fala em sua reputação, mesmo sabendo disso é uma situação que deixa todos em posição dúbia.

4.      IMUNIDADE FORMAL E MATERIAL

Segundo Luiz Alberto David Araújo a constituição de nosso Estado consolidou garantias aos parlamentares, que na verdade, revelam a finalidade do constituinte de preservar a atividade parlamentar de injunções externas, assegurando aos parlamentares independência nas suas manifestações.

As garantias presentes em nosso ordenamento jurídico acabam por favorecer nossos parlamentares ao consolidar não só uma garantia formal como também material. Essa imunidade material encontra-se prevista no artigo 53 da Constituição Federal, atribuindo aos detentores desse direito a prerrogativa da inviolabilidade não só em suas palavras ou opiniões, mas também em seus votos.

Celso Barros argumenta que esta espécie de imunidade exime o parlamentar do enquadramento no tipo penal. Ou seja, o comando imunitário exclui a responsabilidade penal dos parlamentares por eventuais condutas típicas. Logo, pode-se afirmar que uma conduta criminosa caso seja cometida por um cidadão é considerada crime, não será se cometida por um parlamentar. A imunidade acompanha a autoridade mesmo fora do recinto parlamentar, desde que a ação exercida por este seja em decorrência do exercício do mandato parlamentar.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito disso, informando que as manifestações dos parlamentares, mesmo que ocorridas fora do exercício estrito do mandato, mas em consequência deste, serão alcançadas pela imunidade material. Além disso, a Emenda Constitucional n. 35 acabou por dar imunidade civil, excluindo, da atividade do parlamentar, a produção de danos materiais e morais.

Juntamente com a imunidade material a qual foi mencionada a pouco, temos a imunidade formal, esta impede que o parlamentar tenha sua liberdade privada, havendo a ressalva se a conduta for praticada em flagrante de crime inafiançável. O processo pode vim a ser sustado por iniciativa de partido político representado na casa, mediante quórum da maioria de seus membros, isso ocorre quando a denúncia for recebida pelo Supremo Tribunal Federal. Ou ainda pode ser suspenso por determinação da maioria dos membros da casa.

O parlamentar poderá vim a perder seu mandato político, caso sua pena for igual ou superior a um ano para os crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, ou ainda quando superior a quatro anos nos demais casos, perdendo a seu mandato também perderá concomitantemente sua imunidade, pois esta protege seu cargo, podendo ser preso.

Michel Temer fala a respeito do tema esclarecendo como deve ser entendida a situação do parlamentar caso este venha a ocupar a frente de algum cargo do executivo (Secretário de Estado, Ministro de Estado). Se continua, ou não, exercendo o mandato. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o licenciado não está no exercício do mandato e, por isso, dispensa-se a licença aqui referida.

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Parece-nos que o art. 56 da CF responde essa indagação ao prescrever que: não perderá o mandato o deputado ou senador investido na função de Ministro do Estado, Governador do Distrito Federal, Governador do Território Federal, Secretário de Estado etc.

 “Não perderá o mandato”.[3] Significa: quando cessarem suas funções executivas, o parlamentar que não perdeu o mandato pode voltar a exercê-lo. O que demonstra que, enquanto afastado, não se encontrava no exercício do mandato. Este sim, coberto pela imunidade. O preceito do art. 56 teve o efeito de fixar que o afastamento temporário não importa a cessação do mandato, senão que interrupção do exercício. Harmoniza-se com a prescrição da impossibilidade de exercício simultâneo de função em Poderes diversos.

Um caso bem recente que ocorreu no ano de 2015 sobre o assunto em pauta é o do Senador Delcídio do Amaral. Pois este é um parlamentar que goza do direito de foro privilegiado por ser um dos integrantes do Congresso Nacional.

Na manhã do dia 25/11/2015 Delcídio foi preso em flagrante, pois como infirma nossa carta suprema em seu artigo 53 § 2º esta é a forma possível de prender alguém que goze de foro privilegiado. O crime praticado pelo parlamentar fez se concretizar uma das poucas possibilidades de um ocupante do Congresso Nacional ser preso, é a primeira prisão de um Senador em exercício desde a Constituição de 1988. Delcídio do Amaral é Senador e líder governo de Dilma (PT) no Senado, está sendo acusado de atrapalhar as investigações da Polícia Federal na operação Lava Jato, tal fato torna possível sua prisão pelo fato de se caracterizar um crime de embaraço de investigação de organização criminosa, com pena variando de 3 a 8 anos e multa. Como acaba de ser mencionado crimes de um ano ou superior a isso, sendo contra a Administração pública ou nos demais casos superiores a quatro anos, implicará na perda do mandato político, perdendo também sua imunidade sendo perfeitamente legal sua prisão, pois se configura flagrante de crime inafiançável.

 

CONCLUSÃO

O princípio da igualdade diz que a lei deve ser aplicada de mesma forma a todos independentemente da posição que ocupam, pois tanto faz ser parlamentar ou um mero zelador deve existir igualdade na aplicação da lei.

Até bem pouco tempo atrás é bem verdade que não se acreditaria que acontecimentos como o Senador Delcídio do Amaral e dos réus punidos no mensalão viessem a acontecer, pois os políticos podiam realizar todas as falcatruas que sempre se saiam impunes, por se beneficiarem da vantagem do seu foro privilegiado, porém com os acontecimentos recentes deu a entender que não é uma boa ser julgado pelo Supremo, pois antes o que era visto como improvável já acontece de forma que não nos impressiona.

 Mesmo sabendo que Supremo vem cumprindo nos últimos anos um importante papel para punir aqueles que fazem mau uso do dinheiro público, não implica dizer que o foro privilegiado beneficia a sociedade, vivemos em um país democrático onde o interesse da coletividade deve prevalecer sobre o interesse da individualidade.

A verdade é que a prática do instituto que vem sendo tema desta obra é algo ultrapassado, pois não existe país avançado que continue fazendo uso dessa prática, hoje o magistrado tem garantias constitucionais, como: não correr o risco de perda do cargo, ser deslocado de comarca para outra contra sua vontade ou ter seus vencimentos rebaixados. Em países desenvolvidos presidentes vão a primeira instância dar explicação sobre suas ações, ou seja, chegamos ao entendimento de que nos dias atuais o foro privilegiado ou por prerrogativa de função tem o intuito de favorecer muito mais aos parlamentares do que a sociedade como um todo.

 

 

 NOTAS

 

[1] No processo penal o juízo competente para o julgamento pode ser determinado pela função que ocupada o agente que praticou a conduta criminosa, recebendo o nome de competência por prerrogativa de função.

[2]  Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.  XVI. Ficam abolidos todos os Privilégios, que não forem essencial, e inteiramente ligados aos Cargos, por utilidade pública.

        XVII. A' exceção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juízos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Comissões especiais nas Causas cíveis, ou crimes.

[3] “Note-se que a Constituição proíbe os deputados e senadores a acumulação de cargo ou mandato público eletivo (54,II, “d”), impondo como sanção a perda do mandato. Neste sentido, Ap. 101.760-1, in RT 636/81-83. Embora o julgado trate de caso de vereador que acumulou cargo, a sistemática é a mesma: “Vereador – perda do mandato – Imposição pela câmera por ter aceitado outro cargo eletivo como suplente – Ilegalidade inexistente – Mandato de Segurança denegado – Aplicação do art. 119 da Constituição do Estado de São Paulo”.

“O vereador não poderá desde a posse, exercer outro mandato eletivo. Se o aceitar, ainda que por um dia, haverá que renunciar a seu mandato de vereador, sob pena de perdê-lo (cf. art. 119 da Constituição do Estado de São Paulo) ”

 

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luis Roberto. Foro privilegiado deve acabar ou ser limitado aos chefes do governo. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2016-mai-23/roberto-barroso-foro-privilegiado-acabar-reduzir-impunidade>. Acesso em 29/10/2016.    

BBC, BRASIL. Portal Terra. Prisão de Senador reforça polêmica sobre foro privilegiado. Disponível em:

< https://noticias.terra.com.br/brasil/prisao-inedita-de-senador-reforca-polemica-sobre-foro-privilegiado,863db3a42c7d86457a901bc3cd95d9a858lfdhhf.html.> Acesso em  29/10/2016.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 28/10/2016.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14º ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 23º ed.São Paulo: Malheiros, 2010.

VALLE, Rômulo Martini do. Foro Privilegiado: Ilegitimidade ou inconstitucionalidade? Disponível em: HTTP://www.direito.com.br/artigos/exibir/7297/Foro-Privilegiado-ilegitimidade-ou-inconstitucionalidade. Acesso em 27/10/2016.

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Sobre os autores
Nathaniel Guilherme Mororó Juninor

Acadêmico de Direito do 10º semestre da Faculdade Luciano Feijão

Arthur Bruno Ferreira de Lima

Acadêmico de Direito 10 semestre - Faculdade Luciano Feijão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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