Admissibilidade recursal em primeiro e segundo grau: o que mudou com o novo CPC e alguns equívocos comuns

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A questão de admissibilidade recursal sofreu mudanças com o novo CPC o que vem causando celeuma perante os operadores do direito. Este artigo pretende esclarecer algumas questões polêmicas quanto a admissibilidade recursal.

O Novo Código de Processo Civil (NCPC) é uma realidade desde 18 de março de 2016. Os profissionais do direito foram obrigados a se submeter a diversos cursos de reciclagem para compreender as mudanças significativas que passaram a afetar o dia a dia forense, notadamente a prática jurídica. Com o propósito de auxiliar no aclaramento de algumas questões a respeito da admissibilidade dos recursos traçamos esse curto artigo.

A primeira mudança relevante consiste no fim da necessidade de admissibilidade recursal pelo juízo de primeiro grau. Essa alteração que a princípio parece despiciente, tem o condão de proporcionar maior celeridade à tramitação dos feitos. Isto porque antes do Novo CPC os magistrados de primeiro grau eram obrigados a realizar um juízo de admissibilidade do recurso de apelação interposto, recebendo-o no efeito suspensivo e devolutivo (regra) ou apenas no efeito devolutivo (exceção). Tal situação gerava uma decisão interlocutória passível de ser objeto do recurso de agravo de instrumento, o que acabava entulhando os Tribunais ao redor do país com mais recursos para julgar. Com o novo diploma processual extirpou-se essa decisão, devendo o juízo de primeiro grau apenas receber o recurso de apelação e as respectivas contrarrazões e encaminhá-las ao Tribunal competente, nos termos do art. 1010, §3º do NCPC. Portanto, o responsável pelo juízo de admissibilidade dos apelos agora é apenas o Tribunal, cabendo especificamente ao relator o exercício de tal atribuição, conforme art. 1011, I do NCPC. Caso o relator, após determinar a sanação de vício ou juntada de documentação complementar, (art. 932, parágrafo único) por meio de decisão monocrática, não conhecer do recurso por julgá-lo inadmissível (art. 932, II do NCPC), caberá à parte interessada interpor o recurso de agravo interno à respectiva Turma ou Câmara julgadora (art. 1021, CPC).

Um segundo ponto em relação à admissibilidade recursal se refere à admissibilidade de Recurso Especial (Resp) e Extraordinário (Re) pelo Tribunal a quo. Uma vez exaurida a instância, por meio de decisão de órgão colegiado, apresenta-se cabível a interposição de recurso especial e/ou extraordinário contra o respectivo acórdão. Neste ponto, o NCPC manteve-se intacto quanto à questão da admissibilidade recursal. Antes da sua entrada em vigor, o NCPC foi objeto de alteração para manter a sistemática do Código antigo, isto porque a supressão da admissibilidade recursal em relação ao Tribunal local quanto a Resp e Re, concentrando apenas um juízo de admissibilidade perante o STJ e STF não foi bem recebida pelos respectivos ministros, que por meio de competente lobby lograram êxito em manter a sistemática anterior, ou seja, tanto o Resp quanto o Re continuarão a ser submetidos ao juízo de admissibilidade tanto perante os Tribunais a quo, quanto perante os Tribunais ad quem.

Mas uma questão prática vem ocorrendo. A decisão monocrática do presidente ou vice-presidente do Tribunal a quo que não conhece/nega seguimento aos recursos especial e extraordinário vêm sendo constantemente atacada por meio “do agravo em recurso especial e em recurso extraordinário”, o que é um equívoco. O NCPC é claro ao estabelecer em seu art. 1030, I, III e §2º, que da negativa de seguimento ao Resp e/ou Re caberá apenas a figura do agravo interno (art. 1021, NCPC). Enquanto que em situações de decisões monocráticas que inadmitem os recursos especial e/ou extraordinário caberá diretamente o “agravo em recurso especial e em recurso extraordinário” (art. 1042, NCPC) que visa justamente destrancar a instância para proporcionar a subida dos recursos para análise perante o STJ e/ou STF. Portanto, as distintas terminologias (negativa de seguimento ou inadmissão) são determinantes para a identificação do recurso cabível (agravo interno ou agravo em Re e/ou Resp). Diante desta confusão, os Tribunais tem se valido do princípio da fungibilidade, recebendo um recurso pelo outro, a fim de se evitar maiores prejuízos. Mas é neste ponto que surge situação interessante: e se o Resp e/ou Re tiverem o seguimento negado (não conhecidos), com base no art. 1030, I ou III, do NCPC e a parte interpuser o competente agravo interno e, mesmo assim, este seja desprovido? Poderá a parte interpor agora o “agravo em recurso especial e em recurso extraordinário” para destrancar os recursos e garantir apreciação perante o STF e/ou STJ? Não há resposta exata quanto a isto no NCPC. Aqui nos valemos da técnica da interpretação conforme a Constituição, justamente para garantir coerência ao sistema. Ora é possível a negativa de seguimento ao Resp e/ou Re quando fundado na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos (art. 1030, I, III, NCPC). Por outro lado o art. 1042, parte final do NCPC estabelece que caberá o agravo em Re e Resp em situações de sua inadmissão, salvo quando diante de negativa por regime de repercussão geral ou em julgamentos repetitivos. Se seguirmos uma interpretação literal/gramatical, tem-se que após a decisão de negativa de seguimento quanto a Re e/ou Resp e o desprovimento do recurso de agravo interno, não caberia mais qualquer recurso para os Tribunais ad quem. Porém deve-se interpretar para além do método gramatical, valendo-se da interpretação sistemática e teleológica, ao lado da interpretação conforme a Constituição. Este é o posicionamento dos principais processualistas civis, no sentido de que:

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“[...] a ressalvada do art. 1042, CPC, para não evidenciar evidente supressão de competência constitucional, deve ser entendido como hipótese em que o cabimento do agravo é simplesmente condicionado à prévia interposição do agravo interno. (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 1103).

Portanto, em suma a admissibilidade recursal da apelação foi extinta no que se refere ao juízo de primeira instância, enquanto que a admissibilidade do Resp e Re permanecem regendo-se de forma muito parecida com a sistemática do código anterior, ou seja, é realizada perante o presidente ou vice-presidente do Tribunal a quo, e posteriormente, também perante o STF e STJ. No caso de negativa de seguimento ou não conhecimento de Resp e/ou Re, caberá agravo interno e, caso este seja desprovido, ainda caberá o recurso de agravo em recurso especial e em recurso extraordinário, conforme art. 1042 do NCPC. Finalmente, se o Re e/ou Resp forem inadmitidos caberá direto o agravo em recurso especial e em recurso extraordinário.

Referência

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

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Sobre os autores
Gianfranco Faggin

Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Público. Analista do Ministério Público da União.

André Vinicius Cardozo

Estudante de direito nas Faculdades Metropolitas Unidas – FMU. Estagiário do MPF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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