Crise funcional:a perda de centralidade e exclusividade da figura do Estado

11/11/2016 às 22:30
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Intenta nesse artigo analisar as crises do Estado, de modo a expandir uma visão crítica acerca das peculiaridades do Estado, com o enfoque principal, na crise funcional, e percebendo os seus efeitos, isto é, a perda da exclusividade e da centralidade

RESUMO

Intenta nesse artigo analisar as crises do Estado, de modo a expandir uma visão crítica acerca das peculiaridades do Estado, com o enfoque principal, na crise funcional, e percebendo os seus efeitos, isto é, a perda da exclusividade e da centralidade, sendo tal crise, iniciada devido a estruturas que concorrem com o poder estatal, bem como, a algumas características do Estado que proporcionam uma modificação na sua própria estrutura e que desse modo ensejam a adaptação de entes que especializem-se de modo a concorrer com o Estado.

PALAVRAS-CHAVE: crises; exclusividade; centralidade; funções atípicas.

1. INTRODUÇÃO

            Para chegar ao estudo tema do presente artigo, isto é, a crise funcional, e avaliar os seus efeitos, isto é, a perda de centralidade e exclusividade do Estado, é necessário primeiramente analisar as diversas crises que se relacionam com o Estado, para posteriormente vislumbrar cada pormenor que integra tal estrutura.

            Desse modo, contemplando a estrutural estatal, e cada peculiaridade que as crises se apresentam, e que se pode, entender o seu surgimento, e desse entendimento, fica melhor a compreensão do tema em epígrafe, ou seja, a crise funcional.

           

2. AS CRISES DO ESTADO

            As crises ocorrem em todos os âmbitos da vida humana, desde relações intersubjetivas entre familiares, até um contexto macro, numa dimensão que engloba uma diversidade de sujeitos, que é o caso das crises do Estado.

            Entretanto, as crises não devem ser vislumbradas apenas em seu sentido pejorativo, de algo que de algum modo tem problemas na sua estrutura e que pode acarretar em seu fim, mas também com a possibilidade de quebra de estruturas defasadas e sem utilidade pratica alguma, para erigir novas e com uma melhor adaptação à sua real finalidade.

            Desse modo, com uma visão crítica do Estado, é que nasce a possibilidade de aperfeiçoá-lo de modo a proporcionar um maior bem-estar a todas as pessoas que fazem parte desta estrutura.

            No que tange as crises do Estado Moderno, elas se apresentam em cinco arquétipos, constituídos cada qual com seus aspectos próprios, mas com uma característica comum, isto é, a defasagem de uma estrutura decadente e insustentável no sentido em que está integrada, são elas, as crises: conceitual; estrutural; constitucional; funcional; e política.

              A crise conceitual é centrada e uma das características basilares do Estado, a soberania, essa característica, e ao mesmo tempo, poder, que é indispensável ao Estado, e que da margem a calorosas discussões doutrinarias, haja visto, a defesa de seu caráter supremo, incondicionado a qualquer outro poder, por parte da doutrina, e veemente refutado por outros. E nesse contexto, da soberania, e seu caráter supremo, é que surge o conflito de ideias e a base para a citada crise, pois o surgimento de estruturas internacionais que protegem direitos humanos, dentre outros, e que vão impondo as nações o respectivo respeito a esses direitos, conflita diretamente com o ideal da soberania, pois se o Estado é soberano, não poderia submeter-se a intervenção de qualquer Organização Internacional, independente do conteúdo por ela defendido, nesse sentido, é o posicionamento de Bobbio (1986, p. 1187) que reforça esse caráter exclusivo, que a soberania exerce, elevando o Estado a um poder central e único, o que fecha a discussão e gera conflito numa discussão no âmbito internacional, tal qual acima mencionado.

            A crise estrutural é direcionada a um tipo de Estado, o Estado do Bem-Estar Social, que traz em sua base a busca pelo bem-estar social da população, ressaltando que como defende Scaff (1990) essa população não pode ser vista apenas pela parte trabalhadora, pois a burguesia é uma das mais privilegiadas, pois entre outros benefícios os custos em qualquer empreendimento era reduzido, tendo em vista que o Estado tinha uma postura protecionista. Buscando sempre garantir e ampliar direitos a todos, o que choca-se com a burocracia, a qual expande-se na proporção da expansão da democracia, mas devido a sua natureza e óbices que traz consigo finda a limitar o desenvolvimento da própria democracia, além disso, tal modelo é dispendioso e não se pode diminuir o ritmo dos investimentos, pois assim acarretaria na não disponibilização de serviços ou garantia de direito dantes disponíveis, sendo necessário, sempre um aumento visando a melhoria e principalmente a manutenção do estado atual.

            A crise constitucional se pauta nas tensões sobre a Constituição, isto é, enquanto a Constituição assegura inúmeros direitos as pessoas, vários setores da sociedade com interesses próprios, fazem pressão sobre uma flexibilização desses direitos, com vistas a proporcionar seus interesses próprios, em detrimento de parcela da população, sendo, portanto a economia o maior desestabilizador da concreção e aplicação dos preceitos constitucionais.

            A crise política afeta o Estado no que tange ao sistema representativo, pois com base no modelo atual de sociedade os interesses e valores, não são mais debatidos pelo jogo de pretensões, mas através de discussões técnicas, em todos os setores, tornando o político, num mero personagem de pouca valia no que se refere ao debate e representação da população em questões salutares da sociedade. Nesse sentido exemplar é o raciocínio de Campilongo (1988, p.50-55) que de forma sistemática fraciona as peculiaridades da crise política, e entre elas merece destaque a fragmentação dos interesses dos diversos grupos sociais, no qual, afeta diretamente o sistema representativo, pois se há uma dispersão de interesses os representantes por sua vez ficam sem prumo para exercer sua função, isto é, representar os interesses do povo.

            Por fim, a crise funcional, que será abordada com maior enfoque, em capítulo próprio, mas que em suma é perceptível através da perda de centralidade e exclusividade da figura do Estado.

3. A CRISE FUNCIONAL

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            A crise funcional, para ser entendida deve ser vislumbrada no contexto tradicional do funcionamento do Estado, ou seja, a tripartição do poder do Estado, assim um fracionamento, de modo a permitir um melhor funcionamento, sendo dividido, nos poderes: legislativo; executivo; e jurisdicional.

            Nesse sentido, a crise funcional, pode ser percebida em dois momentos distintos, as em ambos os casos ela relaciona-se à execução dos três poderes, sendo que no primeiro caso refere-se a modificação dos padrões traçados aos três poderes, ocorrendo uma inversão de valores e alguns dos poderes exercendo o poder de forma atípica, no segundo caso ocorre uma espécie de concorrência entre o Estado e outras estruturas, que tem natureza diversa, apresentando-se em caso extremo na marginalização, isto é, partes da sociedade que são desassistidas pelo Estado e que congregam em seu interior associações que dentre de sua estrutura exercem os poderes do Estado, contudo de forma ilegal.

Assim, o que nominamos crise funcional do Estado, entendida esta na esteira da multiplicidade dos loci de poder, gerando a referida perda de centralidade e exclusividade do Estado, pode ser sentida pelos órgãos incumbidos do desempenho de funções estatais, aos quais são atribuídas tarefas que lhes são inerentes no modelo clássico da tripartição de funções, bem como outras agências produtoras de decisões de natureza legislativa, executiva e/ou jurisdicional, seja, a muito mais, pela incapacidade sentida em fazer valer aquelas decisões que produzem com a perspectiva de vê-las suportadas no caráter coercitivo que seria próprio ás decisões de Estado (MORAIS, 2002, p. 51)

            Desse modo, em ambos os casos, ocorre uma perda de centralidade e exclusividade, pois o papel traçado pelo próprio Estado, da tripartição e suas respectivas funções é modificada. Essa superveniente mudança nas funções especificas quebra o caráter de centralidade, envolto na figura do Estado, e do mesmo modo a substituição do Estado por outros entes, seja devido a especialização desses próprios entes, ou ainda, pela ineficiência do Estado em face de determinadas parcelas da sociedade, caso recorrente de favelas e guetos, o Estado torna-se uma força alheia, sem centralidade, e portanto funções que são por natureza constitucional de sua alçada, acabam por serem executadas por outros entes, exaurindo assim também sua exclusividade em relação aos três poderes.

            Ainda sobre as funções atípicas do Estado, apesar de partir de previsão legal, é uma forma de modificação da figura do Estado, pois se o Estado divide o poder e atribui funções especificas, a modificação em qualquer desses poderes, isto é, o seu uso de forma atípica, finda por modificar a estrutura do Estado, dando ensejo para que o mesmo ocorra com outros entes, isto é, aquelas organizações da sociedade que especializam-se e concorrem com as funções especificas do Estado, desse modo, de forma indireta as funções atípicas do poder contribuem para a perda da centralidade, bem como a exclusividade do Estado.

            Essas funções atípicas são caracterizadas, pelo uso do poder que seria do executivo, por exemplo, pelo legislativo. Assim, exemplos recorrentes são: o Legislativo desempenhando a função jurisdicional julgando o Presidente da Republica, nos casos específicos de crime de responsabilidade, de acordo com o art. 52, I, da CF; o Executivo quando embasado no art. 62, da CF, edita as medidas provisórias; ou o Judiciário que legisla sobre seu próprio regimento interno art. 96, I, "a", da CF.

            No que se refere, a substituição do poder do Estado em locais desassistidos pelo mesmo, como é o caso de algumas favelas, ocorre o domínio de determinado território, no qual os criminosos, geralmente os traficantes de drogas, é que comandam, exercendo de forma ilegal poderes como o de julgar, em verdadeiros tribunais de exceção aqueles que de algum modo não enquadram-se no perfil por eles estabelecido, sendo portanto além de uma substituição do poder estatal uma diversidade de crimes.

4. CONSIDERAÇÔES FINAIS

            Em suma, é a partir das crises que se analisam os problemas e desse modo, pode-se resolve-los, assim sendo, a crise funcional, é um alerta ao Estado, para resolver não só as questões de segurança publica, nas áreas marginalizadas, mas também um maior trabalho de inclusão social que proporcione todos os direitos, aos quais as pessoas que moram em guetos desassistidos não usufruem, e assim, edifique-se uma sociedade mais justa e solidaria tal qual prevê a Constituição, incluindo todas as pessoas e a elas garantindo educação, saúde, moradia, enfim, tudo aquilo que precisam para gozar de uma vida digna.

           

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Política. 2. ed. Brasília: UnB, 1986.

CAMPILONGO, Celso. Representação Política. São Paulo: Ática, 1988.

MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

SCAFF, Fernando Facuri. A responsabilidade do Estado Intervencionista. São Paulo: Saraiva, 1990.

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