A atribuição de medidas socioeducativas ao adolescente em conflito com a lei feita pelo Ministério Publico no momento da concessão ministerial

Leia nesta página:

O artigo versa sobre a atribuição de medidas socioeducativas ao adolescente em conflito com a lei no momento da concessão ministerial,é realizado uma discussão a respeito e para tanto são abordadas duas correntes ideológicas.

RESUMO

O instituto da remissão ministerial encontra amparo nos artigos 126 seguintes do Estatuto da criança e do adolescente sendo definido como forma de perdão administrativo concedido pelo Ministério Público desde que atendidos alguns requisitos legais e que pode ou não vir acompanhado de medidas socioeducativas. No entanto, existem controvérsias no mundo jurídico, onde uma parte da doutrina e jurisprudência entende que não incube ao Ministério Público a atribuição de medidas socioeducativas, porque seria esta atividade exclusiva do juiz da infância e juventude. Deste modo, tem o presente artigo o intuito de discutir a atribuição do Ministério Público para aplicação de medidas socioeducativas no instante da concessão da remissão Ministerial, o que pretende-se por meio da análise de obras doutrinárias, jurisprudência e do próprio texto legal.

Palavras – Chave: Ministério Público, remissão, competência, medidas socioeducativas.

ABSTRACT

The institute of remission finds support in the article 126 and subsequent by the Child and Youth Statute defined as a way of administrative pardon granted by the Prosecution Ministry as long as it has met some legal requirements whether can or cannot be followed by correctional measures. Although there are controversies around the legal world, including a part of academic and case-law understands that the Prosecution Ministry would not be appropriate to the assignment of correctional measures understanding it to be an exclusive competence of Infancy and Youth Judge. Thereby, this current paper has the aim to discuss the Prosecution Ministry role to apply the correctional measures at the time granting of the ministerial remission, which aims by analyzing legal text books, case-law and also its own law texts.

Key words:Prosecution Ministry, remission, competence, correctional measures.

INTRODUÇÃO

O presente artigo versa sobre a remissão ministerial cumulada com a atribuição de medida socioeducativa realizada pelo Ministério Público ao adolescente em conflito com a lei, sendo que a referente remissão concedida pelo representante do Ministério Público é considerada uma forma de proteger o adolescente de ações judiciais, visando garantir seu desenvolvimento físico e mental.

A problematização do tema encontra-se na possibilidade de que o Ministério Público atribua medidas socioeducativas aos adolescentes no momento da concessão da remissão ministerial.

A construção do presente artigo justifica-se no fato de que sendo possível a atribuição de medidas socioeducativas pelo Ministério Público ao adolescente em conflito com a lei, seria esta uma forma mais eficaz ao adolescente de ressocializar-se com a comunidade, não sofrendo os aspectos negativos de um processo judicial.

Com o artigo, objetiva-se discutir a possibilidade do Ministério Público de atribuir, diante da concessão de remissão, medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei, para tanto, será fonte de pesquisa, a Constituição Federal do Brasil de 1988, a lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e adolescente), obras doutrinárias e entendimento jurisprudencial acerca do tema.

O artigo organiza-se de forma que primeiramente busca-se trazer conceitos imprescindíveis ao entendimento do assunto, tais como os conceitos de adolescente em conflito com a lei, Ministério Público, instituto da remissão e medidas socioeducativas, após tais conceituações será aberta uma discussão sobre a problemática do assunto.

REFERÊNCIAL TEÓRICO

Há grande divergência entre os juristas a respeito da atribuição do Ministério Público para aplicar medidas socioeducativas, existindo duas correntes ideológicas, onde uma defende que o Ministério Público pode perfeitamente atribuir medidas socioeducativas, como ensina o doutrinador Valter Kenji Ishida: [..]É possível, sendo vedada apenas no caso de medida que implique em restrição de liberdade., (ISHIDA, 2013,p.313).

A segunda corrente defende a impossibilidade de cumulação de remissão com medidas socioeducativas, nas palavras de José de Farias Tavares: [..] E ainda mais, porque a imposição de quaisquer medidas socioeducativa não cabe ao Ministério Público, pois são atribuições jurisdicionais, portanto, privativas do juiz competente (TAVARES, 2006, p.).

1 ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Nos termos da Lei 8.069/90 (Estatuto da criança e do adolescente) em seu artigo 2º adolescente é a pessoa natural que possui 12 (doze) anos de idade completos e menos de 18 (dezoito) anos. A estes se aplicam, em regra, o Estatuto da criança e do adolescente (TAVARES 2006).

No que concerne ao ato contrário ao ordenamento jurídico praticado pelo adolescente, este é intitulado de ato infracional, que vem a ser a conduta descrita como crime ou contravenção penal (Lei 8.069/90, art.103), afirma (LIBERATI, 2010, p.110), Na verdade, não existe diferença entre os conceitos de ato infracional e crime, pois, de qualquer forma, ambos são condutas contrárias ao Direito, situando-se na categoria de ato ilícito.

Portanto adolescente em conflito com a lei é a pessoa física descrita no artigo 2º do Estatuto da Criança e do adolescente que incorre em uma conduta contrária ao ordenamento jurídico que seja análoga a um crime e tipificado em lei..

O termo adolescente em conflito com a lei demonstra de forma clara que as medidas socioeducativas se aplicam somente ao adolescente, embora o estatuto se aplique a criança e ao adolescente. Criança, que segundo o artigo 2º da lei 8.069/90 é a pessoa natural de até 12 anos incompletos, caso pratique ato contrário ao ordenamento jurídico terá a ela imputada uma medida de proteção elencada no artigo 101 da referida lei. Assim preceitua Valter Kenji Ishida.

O ECA, ao estipular no art. 2º a distinção entre criança e adolescente, fê-lo para (um dos motivos primordiais) aferir a capacidade de entendimento para a aplicação de medidas socioeducativas. Assim, se o menor de 18 anos, presumivelmente de forma absoluta, não possui capacidade para ser sancionado através de uma pena, o menor de 12 anos também não possui capacidade de receber uma medida socioeducativa. Isso, porque, embora o sistema infracional do ECA seja primordialmente educativo, não se pode negar que as medidas restritivas de liberdade exigem um mínimo de discernimento e compreensão pelo menor de 18 anos.(ISHIDA, 2013, pg.243).

No artigo 105 do Estatuto da criança e do adolescente o legislador cometeu um equívoco técnico, uma vez que, preceitua a possibilidade de que a criança pratique ato infracional, ora, se a criança não se submete a medidas socioeducativas mas sim a medidas de proteção, esta não teria como incorrer em ato infracional.

Quando a criança incorre em conduta contrária ao ordenamento jurídico diz-se que ocorreu um desvio de conduta onde se aplicam as medidas de proteção. Afirma Wilson Donizeti Liberati

Para as crianças autoras de infração penal o “procedimento” começa com a apreensão pela Polícia, que a conduz ao conselho tutelar ou à autoridade judiciária, que fará juízo de valor sobre o ato praticado e aplicará uma das medidas protetivas do art. 101.(LIBERATI, 2010, pg.112).

Assim o artigo 105 do Estatuto da criança e do adolescente tem o texto equivocado, em que pese existirem correntes que entendem pela prática de ato infracional pela criança.

2 MINISTÉRIO PÚBLICO

É definido como um órgão permanente do Estado Democrático de Direito, essencial à função jurisdicional do Estado com o ônus de proteção a ordem jurídica e do Regime Democrático de Direito conforme se extrai do artigo 127 da Constituição Federal de 1988...

Desta forma, o Ministério Público possui papel fundamental na defesa de afrontas às normas jurídicas do país e por isso não pertence a nenhum dos poderes do Estado, tendo na forma da lei independência funcional e financeira.

A constituição Federal de 1988 informa as funções do Ministério Público, entre elas, encontra-se a função de proteger os direitos conferidos aos indivíduos pela constituição e todo aquele que for compatível com a natureza do órgão ministerial.

Portanto é dever do Ministério Público zelar pela criança e adolescente, pois tais deveres além de estarem inseridos no texto constitucional, artigo 227, são também compatíveis com a natureza do Ministério Público, visto a condição peculiar de desenvolvimento destes adolescentes. Leciona a doutrina:

O Ministério Público, órgão que exerce a soberania estatal, pela sua autonomia e independência na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais, foi convocado a tutelar os direitos da criança e do adolescente. (LIBERATI, 2010, pg.235).

Na lei complementar 75/93 (lei orgânica do Ministério Público) em seu artigo 5º,III, e no artigo 201 do ECA, ainda encontra-se tal competência que traz um rol das atribuições judiciais e extrajudiciais do Ministério Público, quanto a criança e ao adolescente.

Desta forma, devido à promulgação da constituição de 1988 o Ministério Público, teve suas competências expandidas, nas palavras de Galdino Augusto Coelho Bordallo:

[..] o Ministério Público passou a ter uma fisionomia voltada para a solução de problemas sociais, deixando de lado a antiga postura de instituição direcionada unicamente a persecução criminal. Hoje, podemos falar de um ministério Público social, voltado para a solução dos mais diversos problemas. ( BORDALLO,2014,p.522).

Deste modo, o Ministério Público possui papel de fundamental importância na sociedade, devido sua representação como protetor do ordenamento jurídico, bem como daqueles considerados hipossuficientes diante da sociedade, como a criança e o adolescente.

3 DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

É a forma de resposta do Estado à prática de ato infracional cometido pelo adolescente, sendo em regra aplicada pelo juiz da infância e juventude após o devido processo legal e a única exceção é caracterizada pela concessão de remissão ministerial, que ocorre antes do processo judicial.

Os adolescentes são inimputáveis, portanto a eles não se aplicam penas, mas sim, unicamente medidas socioeducativas, que tem por finalidade a reeducação.

No entanto, como o ato praticado é socialmente reprovável a medida socioeducativa reveste-se também de um caráter sancionatório, impositivo e retributivo, em que pese posições doutrinárias contrárias. A tal respeito leciona Liberati:

[..] A medida socioeducativa tem natureza impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação deve inibir a reincidência, desenvolvida com a finalidade psicológica-educativa [..](LIBERATI, 2010, p.122).

A medida socioeducativa é impositiva, porque independe da vontade do adolescente em cumpri-la, salvo as medidas atribuídas pelo Ministério Público, no momento da remissão, que possuem natureza transacional.

É sancionatória, uma vez que com a ação ou omissão do adolescente ocorre um conflito com as normas de convivência em sociedade, sendo também retributiva, pois se perfaz em uma resposta do Estado diante da prática de um ato infracional (LIBERATI, 2010).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Desta forma, a medida socioeducativa é análoga a pena no direito penal, porém possui caráter pedagógico e tem como escopo reeducar o adolescente, sendo sempre aplicadas de acordo com a possibilidade de seu cumprimento pelo adolescente, bem como, as circunstâncias e a gravidade do ato infracional.

Em que pese existir uma segunda corrente, inclusive majoritária, que entende que a medida socioeducativa não é análoga a pena no direito penal, pois não se reveste de suas características, esta não é a corrente abordada no presente artigo.

4 DO INSTITUTO DA REMISSÃO

O termo remissão tem como significado o ato de conceder o perdão. Na legislação pátria, mais precisamente no artigo 126 e seguintes da lei 8.069/90 (ECA), encontram-se duas modalidades da remissão, denominadas respectivamente remissão processual ou judicial e remissão ministerial.

A primeira, especificamente, a chamada remissão judicial ou processual, com respaldo no paragrafo único do artigo 126 do ECA, ocorre no decorrer de um processo judicial e a sua concessão implica em uma suspensão ou na extinção do processo sem resolução de mérito.

Ressalta-se que a problemática do presente artigo não se aplica a esta modalidade de remissão, visto que, a mesma é toda regida pelo juiz da infância e juventude no decorrer de um processo judicial.

A segunda modalidade é de suma importância para o presente artigo, pois é no momento de sua aplicação que ocorre a problemática do tema proposto. Define-se a remissão ministerial como a garantia prestada ao Ministério Público para conceder o perdão ao adolescente que se encontra em conflito com a lei, confirma a doutrina:

O perdão feito pelo Promotor de Justiça ao adolescente infrator de natureza administrativa. Trata referida norma de verdadeira manifestação da soberania do Ministério Publico.[..] é forma de exclusão do processo, e exige a homologação pelo juiz menorista.(ISHIDA, 2013, pg.304).

A remissão ministerial é uma forma de cessar a apuração da prática de possível ato infracional atribuído ao adolescente, interrompendo o jus persequendi, ou seja, o processo judicial não existe nessa fase e, portanto tal remissão possui natureza jurídica administrativa. Sobre a remissão ministerial, a esta não incide controvérsia jurídica, sendo pacífico o entendimento de que pode perfeitamente o representante do Ministério Público aplicá-la. Assim ensina nos ensina Wilson Liberati:

A remissão, como forma de exclusão do processo só poderá ser concedida pelo representante do Ministério Público, vez que somente ele tem atribuição para exercitar o direito de iniciar a ação penal pública. Sua execução, entretanto é atribuída à autoridade judiciária, pois o juiz deve homologar a remissão.” (LIBERATI, 2010,p.145)

O Promotor de Justiça no momento de conceder a remissão deve observar requisitos legais, tais como: circunstâncias e consequências do fato, contexto social e a personalidade do adolescente bem como, seu nível de participação no ato infracional. Ressalta-se que a remissão não se perfaz em reconhecimento ou comprovação da responsabilidade pelo ato infracional ao adolescente, assim como não prevalece para efeitos de antecedentes.

Conforme preceitua o ECA, a remissão ministerial poderá ser revista a qualquer tempo, podendo vir acompanhada de medidas socioeducativas, salvo as que envolvam restrição de liberdade, devendo sempre ser acompanhada do aceite expresso do adolescente e de seu representante legal, conforme a doutrina citada abaixo:

[..] a remissão é transacional quando acompanhada de medida socioeducativa que implica a aceitação pelo adolescente, na hipótese de recusa deste ou de seu representante legal, o Ministério Público deverá oferecer a representação[..].(ISHIDA, 2013, pg.311).

No momento da concessão, com a aceitação do adolescente e de seu representante legal o Ministério Público poderá atribuir medidas socioeducativas, salvo as que restringirem a liberdade do adolescente. Porem após a atribuição deve ainda o juiz competente homologá-la e dar início ao seu cumprimento.

.

4.1 Atribuições de medidas socioeducativas ao adolescente pelo Ministério Público

A remissão ministerial possui duas classificações, a primeira é a chamada própria, quando o representante do Ministério Público concede a remissão pura e simples, a segunda é denominada imprópria, que ocorre quando o representante do Ministério Público concede a remissão ministerial e juntamente a medida socioeducativa, excetuando-se aquelas que mitigarem a liberdade do adolescente.

As opiniões formam duas correntes ideológicas distintas sobre o tema, onde uma considera que o Ministério Público não pode atribuir medidas socioeducativas aos adolescentes e outra considera ser plenamente possível tal atribuição.

A corrente formada pelos juristas que defendem a impossibilidade de atribuição de medidas socioeducativas pelo Ministério Público tem como base a súmula 108 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), com a seguinte redação: “A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do Juiz.” e também os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Pois, como a medida socioeducativa se reveste de cunho retributivo e sancionatório, ela não poderia ser atribuída antes de um processo judicial presidido pelo juiz competente. Nesse sentido, ensina Guilherme de Souza Nucci:

Não há sentido algum em se permitir que, extrajudicialmente, o promotor, concedendo a remissão, para evitar o ingresso em juízo, aplique qualquer medida socioeducativa.[..] Com a devida vênia, o Ministério Público não detém poder jurisdicional e não tem aptidão constitucional para aplicar qualquer medida constritiva de direito, somente o juiz pode fazê-lo e, mesmo assim, somente após o devido processo legal.[..] a remissão imprópria, envolve a aceitação do menor. Ora, a transação é instituto exclusivo do cenário do JECRIM,(Juizado especial criminal) nas infrações de menor potencial ofensivo, autorizada pela Constituição da república. (NUCCI, 2014,p.447).

Ainda em mesmo sentido, há jurisprudência sobre o tema, segue para elucidação um julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

APELAÇÃO CRIMINAL - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - REMISSÃO COMO FORMA DE EXCLUSÃO DO PROCESSO – CUMULAÇÃO COM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA -IMPOSSIBILIDADE – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Sendo da competência exclusiva do Juiz a aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente pela prática de ato infracional, inviável a cumulação destas com a remissão proposta pelo Ministério Público, visto que a imposição das referidas medidas exige respeito ao devido processo legal, para que sejam garantidos os princípios da ampla defesa e do contraditório. (TJMG)- Apelação Criminal 1.0024.07.351428-3/002, Relator(a): Des.(a) Márcia Milanez , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 05/05/2009, publicação da súmula em 29/05/2009).(BRASIL, 2009).

Em outra vertente há juristas que entendem ser plenamente possível a atribuição de medidas socioeducativas pelo representante do Ministério Público, ao analisar a lei 8.069/90 (ECA), nota-se que não há vedação legal a respeito da remissão ministerial imprópria, salvo a atribuição de medidas que acarretem a restrição de liberdade, conforme preceitua o artigo 127 do ECA:

Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.(BRASIL, lei 8.069/90, 1990).

O artigo supracitado não diz a qual modo de remissão se aplica, portanto por uma questão hermenêutica o artigo deve ser interpretado de forma sistemática, abrangendo todos os dois tipos existentes. Sabe-se ainda, que toda restrição deve vir contida no corpo legal para evitar possíveis interpretações, porém o artigo referido não traz nenhuma, o que o faz genérico quanto a esse ponto.

Deste modo, entende-se que a concessão da remissão ministerial cumulada com medida socioeducativa não fere os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, vez que tal instituto é conferido pelo próprio texto legal contido no ECA.

Abaixo segue o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a problemática:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ARTIGO 127 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REMISSÃO CONCEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CUMULAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA IMPOSTA PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. POSSIBILIDADE. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O acórdão recorrido declarou a inconstitucionalidade do artigo 127, in fine, da Lei n° 8.089/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), por entender que não é possível cumular a remissão concedida pelo Ministério Público, antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, com a aplicação de medida sócio-educativa. 2. A medida sócio-educativa foi imposta pela autoridade judicial, logo, não fere o devido processo legal. A medida de advertência tem caráter pedagógico, de orientação ao menor e em tudo se harmoniza com o escopo que inspirou o sistema instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A remissão pré-processual concedida pelo Ministério Público, antes mesmo de se iniciar o procedimento no qual seria apurada a responsabilidade, não é incompatível com a imposição de medida sócio-educativa de advertência, porquanto não possui este caráter de penalidade. Ademais, a imposição de tal medida não prevalece para fins de antecedentes e não pressupõe a apuração de responsabilidade. Precedente. 4. Recurso Extraordinário conhecido e provido.
(RE 248018, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 06/05/2008, DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-04 PP-00728 RTJ VOL-00205-01 PP-00422 RT v. 97, n. 876, 2008, p. 537-541 LEXSTF v. 30, n. 359, 2008, p. 235-244 RMP n. 36, 2010, p. 247-254). (BRASIL, 2008).

Ademais a concessão da remissão ministerial imprópria não é imposta pelo representante do Ministério Público, pois deve ter o aceite do adolescente e de seu representante legal, por este motivo, diz-se que esta remissão tem caráter transacional.

Outra questão a ser vista é que a remissão ministerial imprópria não é decisória, visto que, possui como requisito a homologação pelo juiz competente, conforme preceitua o artigo 181 §1º do ECA.

A Sumula 108 do STJ mencionada anteriormente possui uma divergência de interpretação, vez que foi editada com vista para que ocorra a representação pela medida socioeducativa ao juiz e este como detentor de jurisdição homologue e aplique, ou seja, o representante do Ministério Público antes de iniciar o processo judicial concede a remissão imprópria e logo após, segue para que o juiz da infância e juventude realize a homologação, e somente após este ato, a medida socioeducativa terá eficácia. Como ensina João Batista Costa Saraiva:

Como expresso no caput do artigo 112, apenas a autoridade competente poderá aplicar a medida sócio-educativa e esta autoridade será sempre judiciária a teor da Súmula 108 do STJ, cuja ementa dispõe: a aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz. Tal entendimento não desfigura o instituto da remissão composta pelo MP, como forma de exclusão do processo, pois quando o agente do Ministério Público concertar remissão a que seja cumulada com medida socioeducativa e quando esta deliberação for posta sob apreciação do juiz e este homologar, será a Autoridade judiciária quem estará aplicando a medida ajustada pelo Ministério Público, neste caso somente no pertinente às chamadas medidas socioeducativas em meio aberto, únicas possíveis de serem impostas ao adolescente em sede de remissão, como tratado anteriormente. ( SARAIVA, 2016, p.149)

Neste contexto, nota-se que a súmula não exclui o Ministério Público da atribuição de medidas socioeducativas, mas sim condiciona que as mesmas devem ser confirmadas pelo agente que detêm o poder de dizer o direito.

Ademais a remissão possibilita vantagens ao Estado, como a redução de custo do poder judiciário, que não precisará arcar com o ônus de um processo judicial, e também com uma maior celeridade aos feitos que abarquem atos infracionais. Por outro lado é benéfico ao adolescente, pois o mesmo não precisará contratar advogado para sua defesa técnica, nem se submeter a um desgaste psicológico ao enfrentar o processo judicial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por toda pesquisa realizada conclui-se que é perfeitamente possível a atribuição de medidas socioeducativas pelo Ministério Público ao adolescente em conflito com a lei, visto que tal possibilidade é conferida pelo próprio artigo 127 do Estatuto da criança e do adolescente, por isso não há que se falar em afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.

Outrora o próprio texto de lei confere com a doutrina o caráter transacional e bilateral do instituto da remissão imprópria, pois a atribuição de medidas socioeducativas atribuídas pelo Ministério Público devem ser aceitas pelo adolescente e por seu representante legal e posteriormente homologada pelo juiz competente.

Ainda através da pesquisa realizada verificou-se que a súmula 108 do STJ, que serve como base da corrente ideológica que prega pela impossibilidade de atribuição de medidas socioeducativas pelo Ministério Público, é interpretada de forma equivocada, vez que o dispositivo sumular veio para reforçar apenas que a remissão ministerial impropria deve ser homologada pelo juiz competente.

A única restrição encontrada nas fontes de pesquisa foi a impossibilidade de remissão ministerial cumular com medidas socioeducativas que restrinjam a liberdade do adolescente, medidas como a semi – internação e a internação.

Após toda pesquisa em texto legal, doutrina e jurisprudência pode se concluir que o fim da norma jurídica que trata da problemática do presente artigo é a preocupação com a preservação do adolescente e com a celeridade do procedimento, há corrente contrária, porém o mundo jurídico não se compara a uma ciência exata, por isso sempre haverá pensamentos ideológicos contrários.

Assim, entende-se ser plenamente possível e legal a concessão de remissão cumulada com medidas socioeducativas pelo Ministério Público, desde que tal medida não atinja a liberdade do adolescente.

Restou claro que o procedimento administrativo efetuado pelo representante do Ministério Público atinge os mesmos efeitos de uma sentença condenatória de forma muito mais rápida, ora se os efeitos são os mesmos e o instituto da remissão imprópria é garantido por lei, seria um atraso no mundo jurídico não utilizá-lo.

REFERÊNCIAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 14724: Informação e documentação.

Trabalhos Acadêmicos - ApresentaçãoRio de Janeiro: ABNT, 2002.

BORDALLO, Galdino Augusto Coelho.Propriedade intelectual.In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo

Andrade(coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 

ed. São Paulo. Saraiva, 2014.

BRASIL.Supremo Tribunal Federal.Acordão no recurso extraordinário 248018/DF.Relator:

BARBOSA,joaquim.Publicado no DJ de 20-06-2008 p.537-541. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=535053> Acesso em: 19/08/2016.

BRASIL.Tribunal de Justiça de Minas Gerais.Apelação Criminal 1.0024.07.351.458-

3/002.Relator: MILANEZ, Márcia.Publicado no DJ de 09-02-2010, sem págiina. Disponivel em: <

http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?

&numeroRegistro=3&totalLinhas=10&paginaNumero=3&linhasPorPagina=1&palavras=remissao%

20com%20aplica%E7%E3o%20de%20medidas%20socioeducativas%20impossibilidade%20&pesq

uisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&pesquisaPalavras=Pesquisar&>.

Acesso em: 21/08/2016.

BRASIL, constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília. DF;

Senado Federal: Centro Gráfico,1988.

BRASIL, Lei Complementar nº 75 de 20 de Maio de 1993. Dispõe sobre a organização, as

atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, Brasília, DF, 1993.

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990.Dispõe

sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, Brasília, DF, 1990.

ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do adolescente Doutrina e jurisprudência. 14 ª ed.

São Paulo: Atlas, 2013.

LIBERATI, Wilson Donizeti.Comentários ao Estatuto da criança e do adolescente. 11ªed. São

Paulo:Malheiros, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: Em busca da

Constituição Federal das Crianças e dos Adolescentes.1ºed. Rio de Janeiro. Forense, 2014.

SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal juvenil:

adolescente e ato infracional.3. ed., rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2006.

TAVARES, José de Farias. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 6ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2006.

1Aluno do Curso de Direito da FACECA. [email protected]

2 Professor Mestre do Curso de Direito da [email protected]

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Alex Correa SIlva

Sou aluno do curso de Direito e estagiário no TJMG na comarca de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos