Princípio da legalidade
De acordo com a Constituição Federal, a relação jurídico-tributária tem como fonte exclusiva a lei, de modo que todos os tributos devem ser instituídos mediante lei pela pessoa política competente, a qual deve limitar todos os campos de incidência de tributo, determinando sua hipótese de incidência e os conceitos decorrentes da regra matriz de incidência.
A lei hierarquicamente inferior, assim como as instruções normativas e os regulamentos editados pela Administração Pública, poderão dispor sobre determinado imposto, dissecando sua incidência e aplicação no plano prático, mas nunca poderá exceder o que está delimitado pela lei hierarquicamente superior que o instituiu.
Nesse mesmo sentido é o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho[1]:
“Assinale-se que à lei instituidora do gravame é vedado deferir atribuições legais a normas de inferior hierarquia, devendo, ela mesma, desenhar a pelinitude da regra matriz de exação, motivo por que é inconstitucional certa prática, cediça no ordenamento brasileiro, e consistente na delegação de poderes para que órgãos administrativos completem o perfil dos tributos. É o que acontece com diplomas normativos que autorizam certos órgãos da Administração Pública federal a expedirem normas que dão acabamento à figura tributária concebida pelo legislador ordinário.”
Nota-se, por consequência, que o princípio republicano, juntamente com o princípio federativo e princípio da legalidade são os princípios basilares do direito tributário, de onde decorrem as diretrizes para instituição de tributos.
Por decorrência, como disposto por Roque Antonio Carraza “(...) o patrimônio dos contribuintes só pode ser atingido nos casos e modos previstos na lei, que deve ser geral, abstrata, igual para todos (art. 5°, I, e art. 150, II, ambos da CF), irretroativa (art. 150, III, “a”, da CF) e não confiscatória (art. 150, IV, da CF).” Ou seja, estes princípios estão, de modo geral, delineados dentro do princípio da legalidade.
Princípio da não cumulatividade
A Constituição Federativa do Brasil, em seu artigo 155, §2º, I, prescreve que o ICMS será não cumulativo:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
Assim, ao mesmo tempo que a Constituição outorgou competência para que os Estados e o Distrito Federal instituíssem o ICMS, impôs algumas condições para que este imposto fosse instituído e administrado por estas pessoas políticas, sendo que uma destas normas consiste justamente na não cumulatividade do ICMS.
Por meio da não cumulatividade, infere-se que o tributo pago será descontado na operação posterior.
Para que o conceito não fique tão abstrato, descrevemos a seguir uma situação hipotética. Suponhamos que há determinado produto que a Indústria vende para o distribuidor, que vende para a farmácia, que por sua vez, vende para o consumidor final.
Nesta sistemática, deveria incidir ICMS sobre a cadeia inteira, assim cada pessoa que remetesse o bem para a outra, deveria recolher o tributo.
Ocorre que, para não haver demasiada onerosidade para o consumidor final, criou-se a ficção jurídica da não cumulatividade do ICMS.
Princípio da anterioridade
O princípio da anterioridade, destacado no artigo 150, III, “b” da Carta Magna[2], considerado cláusula pétrea pelo STF no julgamento da ADIn 939/DF, determina que um tributo só pode ser exigido do contribuinte no ano subsequente da publicação da lei.
Entretanto, dado que a publicação da lei pode ocorrer até o dia 31 de dezembro do ano anterior, o legislador estabeleceu a anterioridade nonagesimal, que será aplicada nos casos em que a lei for publicada no último dia do ano decorrido. Ou seja, as leis veiculadas no diário oficial neste dia só poderão ser aplicadas após decorrido o prazo de noventa dias.
Porém nem todos os tributos estão sujeitos a esta regra. De modo geral, os tributos considerados extrafiscais (IOF-Câmbio, IPI, CIDE-Combustíveis entre outros) não estão sujeitos ao princípio da anterioridade anual ou nonagesimal, sendo estas hipóteses taxativas e previstas na própria Constituição Federal.
Caráter fiscal e extrafiscal do ICMS
Um tributo pode possuir caráter fiscal ou extrafiscal.
Entende-se por caráter fiscal a função meramente arrecadatória do tributo. Isto é, arrecadar recursos para abastecer aos cofres públicos.
Por outro lado, por meio da extrafiscalidade dos tributos não se almeja o aumento da arrecadação, mas sim uma alteração comportamental dos contribuintes que será feita mediante a intervenção do Estado na sociedade e no meio privado.
Para o doutrinador Alfredo Augusto Becker[3], as funções fiscal e extrafiscal podem coexistir em um mesmo tributo.
Não há dúvidas sobre a possibilidade do ICMS exercer ambas as funções. A discussão que se tem, que aprofundaremos em tópicos posteriores, mais precisamente no capítulo 4 do presente estudo, é com relação a faculdade ou ao dever de o legislador infraconstitucional legislar se atentando para o caráter extrafiscal do ICMS.
Se por um lado o ICMS consiste na maior fonte de recursos financeiros para os Estados e para o Distrito Federal (caráter fiscal), por outro pode ser utilizado como ferramenta para o Estado intervir na esfera dos particulares de forma a alterar o comportamento da sociedade, sendo que isto é realizado mediante graduação de suas alíquotas.
Assim, da análise do artigo 155, § 2º, III, da Constituição Federal, se infere que essa graduação de alíquota se dará através da seletividade do tributo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, assunto que abordaremos no item subsequente.
Princípio da seletividade e essencialidade dos produtos
O princípio da seletividade é oriundo da função extrafiscal do ICMS, acima mencionada, e encontra fundamento legal na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional (CTN) – Lei nº 5172/1966.
Como mencionado no subtópico anterior, a Constituição, através do artigo 155, § 2º, III, determina que a seletividade do tributo se dará em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, veja:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;”
Neste mesmo sentido, o artigo 48 do diploma legal específico da matéria tributária – o Código Tributário Nacional - relaciona a seletividade do tributo à essencialidade dos produtos, a saber:
“Art. 48. O imposto é seletivo em função da essencialidade dos produtos.”
O estudioso Rafael Veja Possebon da Silva[4] explica em sua tese de mestrado que a essencialidade é critério informador da seletividade, que cria critérios para a sua efetividade.
Posto isto, faz-se necessários tecer considerações sobre o conceito de seletividade, e a chamada “essencialidade dos produtos”.
Enquanto a seletividade é “comando constitucional, que traz técnica de gradação do ônus fiscal desses tributos”[5], a essencialidade é capaz de determinar em que sentido ocorrerá a disparidade de alíquotas entre dois produtos, razão pela qual seletividade e essencialidade dos produtos são conceitos complementares e coexistentes.
Para que se tenha uma noção mais prática, considerando o ICMS instituído no Estado de São Paulo, observamos que na maior parte dos casos o ICMS, que é embutido no preço, corresponde ao percentual de 18%. Contudo, para determinados alimentos básicos (arroz e feijão), o ICMS cobrado é de 7%. Obedecendo a mesma lógica, para produtos considerados supérfluos (cigarros, cosméticos e perfumes) cobra-se o percentual de 25%.
Isso se dá, em linhas gerais, por meio do caráter extrafiscal do tributo, em função da seletividade, utilizando como base a essencialidade dos produtos.
[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 48.
[2] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou
[3] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 589. 8 Ibid.
[4] SILVA, Rafael Vega Possebon da. A extrafiscalidade do ICMS: seletividade, essencialidade, neutralidade e efeito indutor das normas tributárias à luz da Constituição Federal de 1988. 2015. 195 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Sao Paulo, 2015, p. 125.
[5] SILVA, Rafael Vega Possebon da. A extrafiscalidade do ICMS: seletividade, essencialidade, neutralidade e efeito indutor das normas tributárias à luz da Constituição Federal de 1988. 2015. 195 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Sao Paulo, 2015.