Princípios limitadores do poder punitivo do Estado

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27/11/2016 às 21:58
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15. Princípio da Adequação Social

Algumas condutas devem ficar fora do alcance do Direito Penal, muito embora carregados de riscos sociais.

Assim, a condução de um veículo numa autopista, como por exemplo, na BR 381, conhecida como Rodovia da Morte, principalmente nas curvas de João Monlevade/MG, ou a construção de um viaduto, principalmente em Belo Horizonte, são atividades altamente perigosas que não devem ser punidas pelo Estado, justamente porque visam fomentar o crescimento econômico e cultural da sociedade. 

Evidentemente, que essas atividades devem ser realizadas no âmbito do cuidado necessário objetivo.

Havendo ofensa ao cuidado necessário objetivo, evidentemente, deve o responsável responder pela conduta lesiva, a título de culpa ou dolo eventual, como no caso do desabamento do Viaduto Batalha dos Guararapes, fato ocorrido na Região Norte de Belo Horizonte, em 03 de julho de 2014, matando duas pessoas e ferindo outras duas dezenas.

A Teoria da adequação social foi concebida por Hans Welzel, e significa que não obstante uma conduta se subsumir ao modelo legal de crime, não será punida pelo Direito Penal se for socialmente aceita pela sociedade.

Assim, existem alguns julgados de tribunais no Brasil que reconhecem a incidência da adequação social, na prática da contravenção do Jogo do Bicho, com base na tolerância e omissão das autoridades públicas.

Importante salientar que a maior parte dos julgados considera ainda contravenção penal, eis que a tolerância da sociedade e omissão das autoridades não retiram o caráter contravencional, sendo condutas que não ilidem a contravenção.

Não precisa ir tão longe para perceber inúmeras bancas de jogo do Bicho funcionando abertamente nos passeios das cidades brasileiras.

É verdade que existe muita condescendência de autoridades públicas no tocante a repressão a esse tipo conduta contravencional.

Mas não é o caso de Minas Gerais, onde em 17 de outubro de 2013 a Superintendência de Investigação e Polícia Judiciária da Polícia Civil deflagrou simultaneamente no Estado uma mega operação denominada Fukujin, para repressão a jogos ilegais, com destacada atuação da Delegacia Regional de Formiga, tendo sido os trabalhos coordenados na época pela combativa Delegada de Polícia, Dra. Luciana de Souza da Silva, que desarticulou fortalezas da contravenção.

Segundo abalizada doutrina, o princípio da adequação social possui dupla função, ou seja, restringir o âmbito de abrangência do tipo penal e orientar o legislador em duas matrizes, devendo estabelecer a seleção das condutas que devem ser proibidas, numa concepção de tutela dos bens mais importantes para a sociedade, e de outro lado repensar algumas condutas já tipificadas que devem sair do ordenamento jurídico, em função da dinamicidade social.

É verdade que uma lei somente será revogada por lei posterior, devendo a revogação ser expressa conforme preceitua a Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre elaboração, redação e técnica legislativa.

Assim, continuem em pleno vigor as condutas contravencional de jogo do bicho e jogo de azar.

Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele: 

Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.

§ 1º A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa menor de dezoito anos.

§ 2º Incorre na pena de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, quem é encontrado a participar do jogo, como ponteiro ou apostador.

§ 3º Consideram-se, jogos de azar:

a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;

b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;     

c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

§ 4º Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessível ao público:

a) a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas que não sejam da família de quem a ocupa;

b) o hotel ou casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar;

c) a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar;

d) o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino.

Art. 58. Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou   exploração:

Pena – prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de dois a vinte contos de réis.

Parágrafo único. Incorre na pena de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, aquele que participa da loteria, visando a obtenção de prêmio, para si ou para terceiro.

Outra prática considerada como parâmetro do princípio da adequação social é a colocação de piercing com introdução de metas pelo corpo, em especial na língua, no umbigo, mamilo, orelha, lábios,  nariz, sobrancelha, septo, e também a feitura de tatuagens diversas. Essas práticas em tese seriam consideradas lesões corporais na forma do artigo 129 do Código Penal, inclusive com imposição de dor e sofrimento, mas são comportamentos sociais culturalmente aceitos pela sociedade.


16. Princípio da Responsabilidade Pessoal 

Este princípio tem previsão constitucional, artigo 5º da Constituição da República, e possui status de direitos e garantias fundamentais. Assim, o inciso XIV do artigo 5º da CR/88, preceitua:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; 

Pelo princípio da responsabilidade pessoal, a pena não poderá passar da pessoa do condenado. Somente o autor do fato deve suportar a sanção imposta pelo Estado como resposta do poder punitivo.

Assim, se a responsabilidade for penal, somente o condenado poderá suportar a dor da pena. Ninguém mais poderá suportar a sanção penal no lugar do responsável pela conduta criminosa. Aqui não se pode aceitar que outra pessoa cumpra pena no lugar do verdadeiro responsável pelo crime. Nem mesmo sentimento de amor, de compaixão ou dor pode justificar alguém cumprir pena no lugar de outra pessoa.

Importante ressaltar, qualquer que seja a natureza da penalidade aplicada, seja privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa -, somente o condenado é que poderá suportá-la.

Mesmo com a morte do condenado, artigo 107, I, do CPB, a pena que lhe foi aplicada, ainda que de natureza pecuniária, não poderá ser repassada a ninguém, em função do seu caráter personalíssimo.

Ao contrário, se a responsabilidade não for penal, em caso de morte do responsável, esta poderá repassar aos seus sucessores, em função das normas de Direito de Sucessão.

Assim, preceitua o artigo 5º, XLV, da Constituição da República e artigo 1.997 do Código Civil:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube. 

Tema de suma importância é a nova dicção do artigo 51 do Código Penal, com redação determinada pela Lei nº 9.268, de 1º de abril de 1996.

Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Segundo ensina com maestria, o professor Rogério Greco, em sua obra Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, Editora Impetus, página 84:

"...Mesmo considerada como dívida de valor, a multa é ainda uma das três modalidades de penas previstas pelo art. 32 do Código Penal, razão pela qual pelo simples fato de, a partir da vigência da Lei nº 9.268/96, ser inscrita como dívida ativa da Fazenda Pública, passível tão somente de execução, não sendo mais permitida a sua conversão em pena privativa de liberdade, não perdeu ela sua natureza penal e como tal deverá ser tratada, impedindo-se a sua cobrança após a morte do autor da infração".

Mesmo diante atos infracionais cometidos por adolescentes em conflito com a lei, em não havendo dolo ou culpa dos pais ou responsáveis, estes não poderão responder por estes atos, também em função do caráter personalíssimo das medidas socioeducativas, artigo 112 da Lei nº 8.069/90. 

Assim, finaliza-se, afirmando que a responsabilidade pessoal da pena é um princípio de garantia do cidadão, no âmbito do estado democrático de direito e elevado à categoria de direito fundamental, pertencente ao núcleo duro da Constituição da República.


17. Princípio da Insignificância ou Bagatela. 

Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico, conforme preleciona Assis Toledo.

Discorre com tamanho brilhantismo, o Dr. Joseli de Lima Magalhães, advogado em Teresina/PI, que o princípio da insignificância, auxiliado pelo princípio da intervenção mínima, almeja, pois, desafogar a máquina judiciária, onde processos sem o menor potencial jurídico de importância ocupam tempo e despesas processuais, de outros que, por comoverem bem mais a sociedade, deveriam andar mais celeremente. Os adeptos da aplicabilidade do princípio da insignificância no direito penal entendem haver uma séria desproporção entre o fato delituoso praticado pelo agente e sua correspondente pena, em determinados delitos. Sustentam esses estudiosos que seria injusto essa medida igualitária a ambas as situações, onde aplicando-se o citado princípio se estaria distribuindo justiça mais equitativamente. Daí, verbi gratia, não poderia ser computada a mesma pena a uma pessoa que furta coisa alheia móvel, no valor de 1.000 reais, e outra que furta, nas mesmas condições, coisa alheia móvel de apenas 3 ou 4 reais.

Os opositores ao princípio da insignificância no direito penal expõem, primeiramente, não se poder auferir o que venha a ser insignificante, quais, verdadeiramente, são os delitos de bagatela (do alemão bagatelldelikte). Neste aspecto, deve-se atribuir à capacidade intelectual e jurídica de nossos magistrados, bem como na jurisprudência que, ainda que timidamente, já está se firmando, o que são delitos de pouca importância, a ponto de não afetarem seriamente o ordenamento jurídico-punitivo, considerando-se como atípica a conduta praticada pelo agente.

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Essa medição levará em conta todas as circunstâncias ocorridas ao tempo da conduta, observando, contudo, o resultado provocado por esse comportamento. A valoração não pode ser apenas no aspecto normativo — há de se dar ao juiz um poder, não absoluto, logicamente, que o faça crer estar juridicamente correto em suas decisões, que sofre limitações exatamente na obrigação que tem o julgador de motivá-las.

Por outro, esses opositores sustentam a inaplicabilidade do princípio, quando o legislador incrimina expressamente condutas de pouca relevância. Ora, são contraditórios esses doutrinadores ao fazerem essa consideração. Devem-se interpretar essas normas restritivamente, da mesma maneira que se interpretam outras normas que expressam condutas relevantes.

O princípio da insignificância como foi dito nasceu de Claus Roxin na Alemanha, tendo sido objeto de várias decisões na nossa doutrina e jurisprudência, como exemplifica o acórdão abaixo:

TACRIM SP - CRIME DE BAGATELA – Agente que furta bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais – Reconhecimento – Necessidade – Atipicidade da conduta – Ocorrência: – É atípica a conduta do agente que subtrai bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais, pois, tal conduta, por sua insignificância, não obstante formalmente típica, não merece, em razão do desvalor do resultado, a atenção do Poder Público que só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas.

Apelação nº 1.278.997/5 - Birigüi - 10ª Câmara - Relator: Vico Mañas - 21/11/2001 - V.U. (Voto nº 5.198)

Da mesma forma coloca discorre o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Francisco de Assis Toledo:

"Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do art. 334, parágrafo 1º, d, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do art. 312 não pode estar dirigido para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a injúria, a difamação e a calúnia dos arts. 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar significativamente a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem consequências palpáveis; e assim por diante." (Princípios Básicos de Direito Penal, p. 133)

Assim também ensinam Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (Manual de Direito Penal Brasileiro, pp. 549-550 e 562), em sua teoria da tipicidade conglobante:

"Havíamos estabelecido ser o tipo legal a manifestação de uma norma que é gerada para tutelar a relação de um sujeito com um ente, chamado ‘bem jurídico’. A norma proibitiva que dá lugar ao tipo (e que permanece anteposta a ele ‘não matarás’, ‘não furtarás’ etc.) não está isolada, mas permanece junto com outras normas também proibitivas, formando uma ordem normativa, onde não se concebe que uma norma proíba o que outra ordena ou aquela que outra fomenta. Se isso fosse admitido, não se poderia falar de ‘ordem normativa’, e sim de um amontoado caprichoso de normas arbitrariamente reunidas".

"Pois bem: pode parecer que o fenômeno da fórmula legal aparente abarcar hipóteses que não são alcançadas pela norma proibitiva, considerada isoladamente, mas que, de modo algum, podem incluir-se na sua proibição, quando considerada conglobadamente, isto é, fazendo parte de um universo ordenado de normas. Daí que a tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, á adequação à norma legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário, que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma. Isto significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito da proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal".

"A insignificância da afetação [do bem jurídico] exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à luz de sua consideração isolada".

Aplica-se o princípio da insignificância em casos de crimes previdenciários, conforme julgado abaixo:

Jur. ementada 3636/2002: Penal. Crime previdenciário (CP, art. 168-A). Valor até R$ 5.000,00. Princípio da insignificância (portaria 4.190/99-MPAS).

TRF 4ª REGIÃO - RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 2000.72.01.003148-6/SC (DJU 10.06.02, SEÇÃO 2, P. 495, J. 25.06.02)

EMENTA - PENAL. PROCESSO PENAL. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PORTARIA Nº 4.910/99. MPAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. APLICAÇÃO. PRECEDENTES. QUARTA SEÇÃO DESTE TRIBUNAL. APLICA-SE O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA JURÍDICA COMO CAUSA EXCLUDENTE DE TIPICIDADE, QUANDO O CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO NÃO ULTRAPASSAR O VALOR EQUIVALENTE A R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS) CONFORME EXPLICITA A PORTARIA N° 4.910, DE 04 DE JANEIRO DE 1999, DO MPAS, TENDO EM VISTA A INEXISTÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO E POR NÃO OFENDER OU COLOCAR EM PERIGO O BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO, NÃO PODENDO POR ISSO, SER CONSIDERADO COMO FATO PENALMENTE TÍPICO.

Nesse sentido, conclui-se que o princípio da insignificância encontra balizas sólidas no caráter subsidiário do Direito Penal, isto é, todas as vezes que um dos ramos do ordenamento jurídico se furta a atuar, assim também será, com muito mais razão, no Direito Penal.

Portanto, no exemplo acima, todas as apropriações indébitas previdenciárias que não ultrapassarem R$ 5.000,00 serão consideradas fatos atípicos e não o crime descrito no art. 168-A do Código Penal.

Mas agora o princípio da insignificância deve ser estudado à luz do crime de posse de droga para uso pessoal, previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06 c/c artigo 14, Parágrafo único da Lei nº 23.737/89. O ponto de partida é o direito penal brasileiro. Assim, aplica-se o princípio em questão a fatos relacionados com a posse de substância de drogas para uso pessoal?

   A Jurisprudência brasileira já decidiu acerca da pequena quantidade de droga como forma de caracterizar ou não o princípio da insignificância ou delito de bagatela: 

Há duas posições acerca do assunto:

1ª – a insignificância da gravidade objetiva do fato conduz à inexistência de crime por atipicidade ou ausência de ilicitude ( TJRS, HC 25.832, RJTJRS, 89:28);

2ª – não há exclusão do delito (STJ, REsp 2.179, 5ª Turma, DJU, 28 maio 1990, p. 4738). Para essa teoria, que é prevalente, o texto legal não faz limitação de ordem quantitativa do objeto material (STF, RECrim 109.435, RT, 618:407; STF, HC 71.073, 2ª Turma, DJU, 4 ago. 1995, p. 22441; TJSP, ACrim 151.143, JTJ, 152:310).    

Entorpecente. Quantidade ínfima. Atipicidade. “O crime, além da conduta, reclama um resultado no sentido de causar dano ou perigo ao bem jurídico (...); a quantidade ínfima informada na denúncia não projeta o perigo reclamado”. 1. “Sempre é importante demonstrar-se que a substância tinha a possibilidade para afetar ao bem jurídico tutelado”. 2. A pena deve ser “necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do delito. Quando a conduta não seja reprovável, sempre e quando a pena não seja necessária, o juiz pode deixar de aplicar dita pena. O Direito moderno não é um puro raciocínio de lógica formal. É necessário considerar o sentido humanitário da norma jurídica. Toda lei tem um sentido teleológico. A pena conta com utilidade”. 3

Cf. decisão de 18/12/1997, relator Luiz Vicente Cernicchiario, DJU 06.04.1998. p. 175. Cf: Mendes, Carlos Alberto Pires. O Princípio da insignificância e a ínfima quantidade de entorpecente, Justiça & Poder nº 3, 1988. P. 65. Veja também Franco, Alberto Silva ET alii. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 6. Ed., São Paulo: RT. P. 1096 e SS.

Cf. decisão de 30.03.1998, rel. Anselmo Santiago, DJU 01.06.1998, p. 191.

Cf. decisão de 21.04.1998, rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU 17.08.1998, p. 96.

Penal. Entorpecentes. Princípio da insignificância. Sendo ínfima a pequena quantidade de droga encontrada em poder do réu, o fato não repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da insignificância. Habeas corpus concedido (STJ, HC 17956-SP, rel. Min. Vicente Leal ).

Analisando ainda a tipicidade do antigo artigo 16 da Lei nº 6368/76, o STF assim decidiu:

“Conforme reiterados precedentes do STF, a circunstância de ser mínima a quantidade de maconha encontrada em poder do réu não prejudica a configuração da tipicidade do crime previsto no art. 16 da Lei 6368/76, que está vinculada às propriedades da droga, ao risco social e de saúde pública e não à lesividade comprovada em cada caso concreto” ( STF – 651/372).

O art. 16 da Lei nº 6.368/76 não distingue, na configuração do delito, a posse de quantidade maior ou menor de maconha. A posse de pequena quantidade não o descaracteriza” (STF – RT, 613/434).

“A quantidade ínfima de droga não desnatura o ilícito. O crime de uso de entorpecente é contra a saúde pública, e a porção mínima utilizada pelo agente é irrelevante para a configuração do delito” (STJ – JSTJ, 68/384). 

O Superior Tribunal de Justiça também firmou entendimento acerca do princípio da insignificância:

STJ – “Penal. Recurso Especial. Tóxicos (art. 16 da Lei nº 6368/76). Pequena quantidade. Princípio da insignificância. Perigo presumido. I – O delito previsto no art. 16 da Lei de Drogas é de perigo presumido ou abstrato, possuindo plena aplicabilidade em nosso sistema repressivo. II – O princípio da insignificância não pode ser utilizado para neutralizar, praticamente in genere, uma norma incriminadora. Se esta visa as condutas de adquirir, guardar ou trazer consigo tóxico para exclusivo uso próprio é porque alcança, justamente, aqueles que portam (usando ou não) pequena quantidade de drogas(v.g., um cigarro de maconha) visto que dificilmente alguém adquire, guarda ou traz consigo, para exclusivo uso próprio, grandes quantidades de droga(vg., arts. 12, 16 e 37 da Lei nº 6.368/76). A própria resposta penal guarda proporcionalidade, no art. 16, porquanto apenado com detenção, só excepcionalmente e, em regra, por via de regressão, poderá implicar em segregação total( vg., art. 33, caput, do Código Penal). 5.  

Recurso desprovido (STJ, 5ª turma, REsp 612064/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 1º/6/2004, DJ, 1º/7/2004, p. 273. No mesmo sentido: STJ, 5ª Turma, REsp 510486/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 25-11-2003, DJ, 15-12-2003, p. 375; STJ, 5ª Turma, HC 24.314/ES, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 7-10-2003, DJ, 19-12-2003, p. 514; STJ, 6ª Turma, REsp 550653/MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 16-12-2003, DJ, 9-2-2004, p. 218; STJ, 5ª Turma, REsp 605616/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 9-3-2004, p. 298; STJ, 6ª Turma, RHC 14268/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 9-12-2003, DJ, 2-2-2004, p, 364; STJ, 5ª Turma, REsp 604076/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 19-8-2004, DJ, 20-9-2004, p. 326; STJ, 5ª Turma 612064/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 1º-6-2004, DJ, 1º-7-2004, p. 273; STJ, 5ª Turma, REsp 521137/RS, Rel. Felix Fischer, j. 6-5-2004, DJ, 1º-7-2004, p. 258; STJ, 5ª Turma, HC 27.713/SP, Rel. Min. Felix Ficher, j. 10-2-2004, DJ, 8-3-2004, p. 298.

Vários julgados da Justiça Argentina inclinam pela inadmissibilidade do princípio da insignificância em matéria de posse para uso pessoal:

“La teoria de la “insignificância” atenta contra el verdadero fin querido por el legislador: proteger a la comunidad del flagelo de la droga y terminar com el traficante” 

( Corte Sup., 11/12/1990 – Montalvo; Fallos 313:1333; y 24/10/1995 – Caporale, Susana; Fallos 318:2103).

“No corresponde aplicar el “principio de insignificancia” por cuanto es extraño  al sistema jurídico vigente y su solo postulado encierra, en si mismo, un contrasentido ontológico, que, por outra parte, tampoco cabe utilizar como un recurso dialéctico que encubre la declaración de inconstitucionalidad de la norma o el apartamiento de su recta aplicación. La “teoria de la insignificancia” – sostenida a veces por doctrinarios y sustento de algunos pronunciamientos judiciales – atenta el verdadero fin querido por el legislador: proteger a la comunidad del flagelo de la droga y terminar com el traficante (Fallos 313:133). ( C. Fed. La Plata, sala 3ª, 18/1/1995 – Kiffel, Oscar; Lexis nº 34/878)

  “La posibilidad de tratar a los consumidores quedaria truncada si se aceptara la teoria de la insignificância en aquellos casos em que no sea factible la cuantificación de la droga o sea ínfima la cantidad de sustância estupefaciente; em tanto quedarían fuera del sistema instituído por la ley, cuando no hace ninguna referencia a la cuantificación de la droga, lo que es lógico si lo que se  pretende es abarcar todos los supuestos posibles y cumplir adecuadamente com el objetivo de proteger la salud pública a partir de un tratamiento individual del iniciado. Por outro lado, los motivos esgrimidos por los legisladores para incriminar la tendencia de estupefacientes remiten a cuestiones de política criminal que involucran razones de oportunidad, mérito o conveniência, sobre las cuales está vedado al Poder Judicial inmiscuirse, ya que cabe el riesgo de arrogarse ilegitimamente la función legislativa. Y si bien los jueces tienen el deber de formular juicios de validez constitucional, les está inhibido basarse em juicios de conveniência”.

( C. Nas. Casación Pnal, sala 2ª, 5/10/2004 – Espínola, Juliana L.; reg. Nro 6997.2, causa nro 5251). 

O Anteprojeto de Lei nº 236/2012, que tramita no Congresso Nacional prevê expressamente o princípio da Insignificância. 

Artigo 28, § 1º: 

Princípio da Insignificância.

§ 1º Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições:

a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

c) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 

Cerca do assunto, o Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, como se afirmou em epígrafe, traz textualmente o princípio da insignificância no artigo 28, § 1º. Nas exposições de motivos do PLS, são consignadas as seguintes fundamentais: 

“Princípio da insignificância. A dificuldade da previsão abstrata do molde de conduta (tipo de crime) que permite a aplicação da pena para reger todas as situações que, em tese, nele caberiam, é objeto de antiga construção doutrinária: de minimum non curat praetor. A subtração de um alfinete e de um valiosíssimo diamante cabem, cada qual, no tipo de subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel. Erigida em doutrina aceita e orientação jurisprudencial firme, a insignificância permite a distinção entre a tipicidade material (a lesão relevante, efetiva ou potencial, ao bem jurídico) e a tipicidade formal, a mera subsunção do fato à descrição normativa.

Urgia, entretanto, para avançar na previsibilidade e segurança jurídica necessárias ao ambiente penal, que os critérios para o reconhecimento desta hipótese de atipicidade fossem positivados. A proposta recolhe três elementos essenciais para a insignificância (a mínima ofensividade, reprovabilidade e lesividade da conduta) e as traz como excludente do fato criminoso. A despeito do nome tradicional, que lhe atribui a natureza de “princípio”, trata-se, em verdade, de necessária técnica hermenêutica”. 

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O presente ensaio jurídico tem por fim colimado analisar os aspectos gerais dos princípios limitadores do Poder punitivo do Estado. Trata-se, portanto, de tema de extrema importância para a vida social e jurídica do povo brasileiro.

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