RESUMO: O presente artigo trata da responsabilidade civil dos fornecedores, voltando-se para a análise da culpa concorrente do consumidor em face do Código de Defesa do Consumidor (CDC), como meio de garantir o abrandamento da responsabilidade dos fornecedores. Inicialmente, toma-se como base o estudo da responsabilidade civil em geral, analisando desde a breve evolução conceitual da responsabilidade, as espécies de responsabilidade subjetiva, objetiva, contratual e extracontratual, bem como as circunstâncias que excluem a responsabilidade civil no Direito Civil. Após a compreensão do instituto da responsabilidade civil no primeiro momento, passa-se ao estudo do CDC analisando o que vem a ser a relação de consumo existente entre as partes, delineando os seus principais pressupostos: consumidor, fornecedor, comerciante, produto e as causas excludentes de responsabilidade, à luz do CDC. Por fim, o terceiro e último capítulo trata a análise da polêmica a cerca da admissibilidade da culpa concorrente do consumidor como minorante da responsabilidade do fornecedor com enfoque em nas posições doutrinarias, decisões jurisprudências e na principiológicas do CDC, expondo os argumentos contrários e favoráveis de forma que fique elucide sobre as razões da discussão.
Palavras-chave: Direito do Consumidor. Responsabilidade do Fornecedor. Culpa Concorrente
ABSTRACT: This article deals with suppliers 'civil liability, turning to the analysis of the consumer's concurrent guilt in the face of the Consumer Protection Code (CDC), as a means of guaranteeing the slowing down of suppliers' responsibility. Initially, it is based on the study of civil responsibility in general, analyzing from the brief conceptual evolution of responsibility, the species of responsibility, subjective and objective. After the understanding of the institute of civil liability, the CDC study is analyzed analyzing what is the relation of consumption existing between the parties, outlining its main assumptions: consumer and supplier, as well as the exclusive causes of responsibility, to the Light from the CDC. The controversy is then examined about the admissibility of the concurrent guilt of the consumer as a minority of the suppliers' civil liability with a focus on doctrinal positions, jurisprudential decisions and in the principles of the CDC, setting out the opposing and favorable arguments so as to elucidate The reasons for the discussion. After analyzing the arguments, finally give the reasons for the prevalence of one of the arguments.
Keywords: Consumer Law. Supplier Responsibility. Blame Competitor
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¹Acadêmico do 10º período de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objeto o estudo a responsabilidade civil do consumidor, mais especificamente no que diz respeito a afetação da culpa concorrente do consumidor na responsabilidade do fornecedor em face da Lei nº 8.078 de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC tem por fundamento a proteção da parte vulnerável da relação de consumo, em conformidade com o seu art. 4, busca atender as necessidades dos consumidores, respeitando a saúde, dignidade, segurança, proteção dos interesses econômicos, melhoria da qualidade de vida, visando à transparência e harmonia das relações de consumo.
A importância desse tema reside no fato de os tribunais estarem adotando postura positiva à aplicação da culpa concorrente do consumidor, uma vez que o CDC é omisso quanto ao instituto e prevê a responsabilidade objetiva para qualquer tipo de ação do fornecedor, ou seja, independente de averiguação de culpa a responsabilidade será atribuída do fornecedor.
Por outro lado, o dever objetivo adotado pelo CDC é marcado pelo seu art. 12 que dispõe sobre os responsáveis e quais as possíveis causas de exclusão da responsabilidade, o permite a interpretação por parte dos doutrinadores que nenhuma outra circunstância seria aplicável como fator que interfere na responsabilidade do fornecedor.
A discussão levantada pelo trabalho traz em seu bojo, situação cada dia mais presente nos órgãos do Poder Judiciário. Isso implica diretamente nos interesses da sociedade, uma vez que figura nos pólos da demanda, consumidor e fornecedor, ou seja, a sociedade como todo, visto que são todos consumidores em potencial.
O objetivo geral é analisar como a possibilidade de ser admissível ou não da culpa concorrente do consumidor como minorante da responsabilidade fornecedor, para tanto se aborda a particularidade do fato do produto do CDC.
O método de abordagem é dedutivo, pois para analisar como a culpa concorrente do consumidor pode interferir na responsabilidade do fornecedor será realizado, inicialmente, um breve estudo conceitual da responsabilidade civil, as espécies de responsabilidade e as suas implicações na seara do Direito do Consumidor, bem como exemplos utilizados na prática atualmente. De um núcleo amplo de pesquisa é extraída uma conclusão.
Há predomínio do método de procedimento bibliográfico, o qual consiste em ponderações feitas a partir da leitura de livros, artigos, papers, dentre outras obras doutrinárias e legislativas, a fim de ampliar a compreensão da temática abordada e facilitar um posicionamento frente às diversas vertentes teóricas.
O artigo estrutura-se sobre quatro subitens: o primeiro deles intitula-se “Noções gerais de responsabilidade civil e particularização da relação de consumo”, que traz uma breve analise conceitual a cerca da responsabilidade civil, passando por sua particularização na relação de consumo, até as hipóteses de sua extinção.
O segundo subitem, por seu turno, apresenta a polemica acerca da aplicação da culpa concorrente pelo Código de defesa do Consumidor.
O terceiro subitem versa sobre “a argumentação favorável e contrária a admissibilidade da culpa concorrente do consumidor como minorante da responsabilidade do fornecedor”, abordando sobre os principais pontos de divergência da polêmica.
O quarto e último subitem conclui a polêmica explicitando as razões de prevalência de um dos argumentos a respeito da admissibilidade ou não da culpa concorrente do consumidor face a responsabilidade do fornecedor
1 NOÇÕES GERAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL E PARTICULARIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Previamente, para melhor compreender o tema proposto, convém apresentar algumas noções gerais sobre a responsabilidade civil.
Assim, toda atividade que provoca algum prejuízo traz em seu cerne, como fato social, o fenômeno da responsabilidade. Esse instituto tem como fim restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano (GONÇALVES, 2012).
Dessa forma, no momento em que a harmonia e o equilíbrio infringidos pelo dano carecerem de restabelecimento é que brota a responsabilidade civil. Fica claro, portanto, a idéia de reparação do prejuízo, de contraprestação e recuperação do que foi violado. Sabendo que são varias as ações humanas, múltiplas podem ser as espécies de responsabilidade, que compreende não apenas os ramos do direito como também toda a vida social.
O que pode ser observado quanto à evolução do instituto é que, assim como todas as novas conquistas jurídicas, a responsabilidade civil reflete um desejo permanente de adequação social. Passa pelo período do conflito, da composição e com progresso é contemplada a ideia de culpa para sua aferição. Tudo para adequar-se as diversas necessidades de ressarcimento (VENOSA, 2007).
Ademais, é de caráter fundamental a diferenciação das espécies de responsabilidade civil uma vez que permitirá a identificação as principais características da responsabilidade adotada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), bem como, suas implicações quando ao instituto da culpa concorrente.
Reputa-se um critério mais relevante, que é em razão da culpa. Com relação a esse critério a responsabilidade é dividida em responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva.
Esclarece Gonçalves a respeito da responsabilidade subjetiva:
Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. (GONÇALVES, 2012, p.48)
Por outro lado, existe a hipótese de a culpa ser completamente desprezada por imposição da lei. Em tal caso, diz-se que a responsabilidade é legal ou objetiva. O que deve ser levado em conta para essa teoria é apenas o dano e o nexo de causalidade. Busca-se, então, a mera reparação do dano. Nesse caso, a responsabilidade se justifica pela natureza perigosa das ações exercidas pelo agente voltadas ao direito de outrem, e que são previstas em lei (GONÇALVES, 2012).
Cabe destacar que esse é a espécie de responsabilidade adotada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Destaca-se também, que para que seja identificada a responsabilidade civil e, consequentemente, atribuir o dever de reparar o dano, é primordial a percepção de elementos característicos. Esses elementos são extraídos do artigo 186 do Código Civil. São eles: a conduta comissiva ou omissiva, a culpa, o nexo de causalidade e o dano.
Entretanto alguns doutrinadores, como por exemplo, Pablo Stolze Gagliano, não consideram a culpa como elemento da responsabilidade civil. Postura adotada pelo trabalho.
Nessa linha de pensamento, diz que deve ser elemento ou pressuposto da responsabilidade civil apena aquele que se enquadre no aspecto geral de responsabilidade, ou seja, o elemento deve estar presente em todas as espécies de responsabilidade (GAGLIANO, 2012).
Resta, dessa forma, destacar três elementos, que, apresentados no caso concreto, ensejariam a responsabilidade civil:
“A conduta que é tida como o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas” (CAVALIERI FILHO, 2012, p.25).
O Nexo de causalidade que é a relação de causa e feito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. “Se houve o dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar” (GONÇALVES, 2012, p.54).
E o Dano, último elemento, “consiste no prejuízo sofrido pelo agente. Na noção de dano está sempre presente a noção de prejuízo. Somente haverá possibilidade de indenização, como regra, se o ato ilícito ocasionar dano” (VENOSA, 2007, p.31).
No tocante a atribuição da responsabilidade a luz da Lei nº 8.078 de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é importante, antes de tudo, compreender a existência da relação jurídica de consumo e, assim, definir o campo de aplicação da lei, para tanto deve se identificar quem figura nos pólos da relação, de um lado deverá está o consumidor e do outro o fornecedor, bem como os objetos dessa mesma relação, isto é, os produtos e os serviços.
Dessa forma, o próprio Código se encarregou se conceituar quem são consumidores e fornecedores, respectivamente nos artigos 2º e 3º.
Importante frisar que o conceito de consumidor é um conceito relacional, ou seja, é trabalhado tendo em vista a relação com o fornecedor. A vulnerabilidade do consumidor resguardada pela lei, se assenta na fragilidade desse perante o fornecedor, que, por exemplo, possui controle total sobre os produtos e os serviços, bem como, poder de barganha completamente desproporcional ao do consumidor uma vez que conhece todas as fases de produção, técnica e qualidade do produto ou serviço (FILOMENO, 2008).
Intentando maior proteção ao consumidor e o equilíbrio das relações de consumo, o CDC contempla a teoria da responsabilidade objetiva do fornecedor, marcada pelo art. 12 com o uso da expressão “independente da existencia de culpa”.
Apesar da teria adotada pelo CDC, o mesmo elenca situações que excluem responsabilidade do fornecedor, o deixa claro que a responsabilidade objetiva não é absoluta. Essas situações previstas nos incisos §3º, do art. 12 do CDC eximem os fornecedores de serem responsabilizados quando provar: (inciso I) que não colocou o produto no mercado; (inciso II) que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste e; (inciso III) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Dessa forma, o que se extrai do CDC, uma vez configurada a relação de consumo, é que devido a teoria da responsabilidade que prevalece nessa relação o fornecedor será responsabilizado por qualquer de suas ações independentemente da existência de culpa, salvo nos casos trazidos pelo §3º, do art. 12. O que se questiona, e será trabalhado a seguir, é a respeito da omissão do instituto da culpa concorrente como forma de afetação na responsabilidade do fornecedor.
2 APRESENTAÇÃO DA POLÊMICA ACERCA DA APLICAÇÃO DA CULPA CONCORRENTE PELO CDC
Ao compreender brevemente o instituto da responsabilidade civil nas relações de consumo, percebe-se que há uma maior significância em atribuir um responsável de maneira mais categórica e com clareza nas relações de consumo. A adoção, como regra, da teoria da responsabilidade objetiva pelo CDC facilita esse apontamento e resguardar a vulnerabilidade do consumidor de forma que todas as ações abusivas praticadas sejam atribuídas aos responsáveis devidamente taxados pelo CDC.
Assim, uma vez anotado pelo art. 12 do CDC como responsáveis o fornecedor, o produtor, o construtor, o importador e, aos casos que couber, o comerciante, bem como sua respectiva responsabilidade objetiva, sem carência de demonstração de culpa, cabe recordar que a única forma, segundo o CDC, de o fornecedor se esquivar dessa responsabilidade é com a aplicação do §3º do mesmo artigo, o que permite entender, então, que a responsabilidade do fornecedor não é fatal e nem imposta em todos os casos.
Nesse sentido, o fato de alguém ter de ressarcir algum prejuízo causado a outrem nas relações de consumo é responsabilidade quase que impreterivelmente do fornecedor segundo o mandamento do CDC, restando ao fornecedor apenas provar: que não colocou o produto no mercado; que, mesmo que tenha colocado o produto no mercado, o defeito era inexistente; e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro (§3º, art.12).
Tendo em vista esse tratamento taxativo e engessado das excludentes de responsabilidade pelo Código, o legislador, emprenhado principalmente com a proteção do consumidor, é omisso sobre a utilização do instituto da culpa concorrente existente no Direito Civil como meio de aliviar a responsabilidade do fornecedor.
Sobre a culpa concorrente ou concorrência de causas, Cavalieri Filho ensina:
Fala-se em culpa concorrente quando, paralelamente à conduta do agente causador do dano, há também conduta culposa da vítima, de modo que o evento danoso decorre do comportamento culposo de ambos. A doutrina atual tem preferido falar, em lugar de concorrência de culpas, em concorrência de causas ou de responsabilidade, porque a questão é mais de concorrência de causa do que de culpa. A vítima também concorre para o evento, e não apenas aquele que é apontado como único causador do dano (CAVALIERI FILHO, 2012, p.44).
Venosa também esclarece sobre a matéria:
Cuida-se, portanto, de imputação de culpa à vítima, que também concorre para o evento. Assim, se o grau de culpa é idêntico, a responsabilidade se compensa. Por isso, prefere-se denominar concorrência de responsabilidade ou de causas. Pode ocorrer que a intensidade de culpa de um supere a do outro: nesse caso, a indenização deve ser proporcional. Assim, nada impede que um agente responda por 2/3 e outro por 1/3 da indenização em discussão (VENOSA, 2007, p.31).
O CC/2002 adotou expressamente a culpa concorrente como critério de aferição da proporcionalidade da indenização, concretizando o exposto, no seu art. 945 com a seguinte redação: “Se a vitima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.”
O dano, nesse ponto de vista, não decorre de somente uma causa, mas da disputa de ações culposas da vítima e do autor. Não pode se falar em compensação de culpas uma vez que a compensação é um modo extintivo de obrigações (art. 368, CC/2002) e, na suposição, as culpas não se anulam, o que ocorre é que a conduta de ambos será valorada para delinear a proporção do dano causado e que cada um terá que suportar (GONÇALVES, 2012).
A culpa concorrente se difere também da culpa exclusiva da vítima, que é instituto adotado pelo CDC com causa excludente da responsabilidade do fornecedor caso seja provada, de forma que, na culpa exclusiva da vítima o evento danoso acontece único e exclusivamente por causa da vítima, desaparecendo a responsabilidade do agente. Nesse caso, deixa de existir a relação de causa e efeito entre o seu ato e o prejuízo experimentado pela vítima. Pode-se afirmar que, no caso de culpa exclusiva da vítima, o causador do dano não passa de mero instrumento do acidente. Não há vínculo de causalidade entre o ato do agente e o prejuízo sentido pela vítima. (GONÇALVES, 2012)
Em suma, o que se pode perceber sobre a culpa concorrente é a existência de duas condutas, uma da vítima e outra do autor, que concorrem para que o resultado aconteça em grau de importância e proporção, de maneira que o agente não produziria o resultado sozinho, sendo necessário, para tanto, a contribuição da vítima. Dessa forma, por mero pensamento lógico, cabe a cada um dos envolvidos na proporção da sua culpabilidade arcar com sua devida parte na indenização.
Entretanto, apesar do fato concorrente do consumidor não ser aceito por boa parte dos doutrinadores na relação de consumo e, principalmente, pelo assunto não ser tratado no CDC como nas relações jurídicas privadas, os tribunais vem reconhecendo e adotando postura favorável a utilização do fato concorrente do consumidor como forma de minorar a responsabilidade do fornecedor no âmbito das relações de consumo.
Dessa forma, as opiniões se divergem sobre adoção ou não da culpa concorrente. De um lado, os que acreditam que, apesar de não estar inserida nas excludentes de responsabilidade do CDC, deve ser considerada como minorante, pois não há impedimento legislativo. Ademais, já que o consumidor de alguma forma imprópria contribuiu para o resultado danoso, não há razão para responsabilizar integralmente o fornecedor até sob a ameaça de se caracterizar um enriquecimento sem causa ao beneficiar o consumidor com a integralidade da indenização. Assim, a atenuante deve ser considerada no momento da fixação do montante indenizatório.
Em contrapartida, discute-se a questão de que o legislador foi taxativo ao elaborar o art. 12, não havendo espaço para indagar sobre outra excludente de responsabilidade do fornecedor que não as que estão expressamente elencadas no CDC. Portanto seria necessária que a culpa fosse exclusiva do consumidor e não apenas concorrente para afastar parcialmente a responsabilidade do fornecedor, uma vez que o CDC adotou a teoria da responsabilidade objetiva.
Deve-se levar em conta ainda, que o Supremo Tribunal Federal (STF) também já decidiu no sentido de que o caso fortuito e a força maior devem ser admitidos como excludentes de responsabilidade extensíveis a relação de consumo, o que permite concluir que o rol do CDC não impede outras invocações além das expressas.
Posto isto, cabe a seguir, apontar os principais argumentos e posicionamentos de ambos ou lados a respeito do tema buscando tornar mais compreensível a polêmica: a culpa concorrente do consumidor compõe o fator que deve ser avaliado para aferição da responsabilidade do fornecedor à luz do CDC?
3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À ADMISSIBILIDADE DA CULPA CONCORRENTE DO CONSUMIDOR COMO MINORANTE DA RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR
3.1 Argumentos favoráveis
O fato concorrente do consumidor, como já trabalhado, não é matéria abordada pelo CDC, mas dada a relevância de sua aplicação e o tom de justiça nos negócios jurídicos cíveis, tribunais e alguns doutrinadores acreditam e entendem ser possível a sua aplicação nas operações realizadas entre o consumidor e o fornecedor. Dada a situação, os tribunais não apenas entendem como também vêm decidindo nesse sentido, buscando o equilíbrio da relação de consumo
Passa-se aos argumentos mais utilizados por alguns doutrinadores e tribunais no sentido de demonstrar a possibilidade jurídica da aplicação da culpa concorrente nas relações de consumo.
Inicialmente, a alegação de que a culpa concorrente não exime parcialmente a responsabilidade do fornecedor de mercadorias ou do prestador de serviços, cabendo ao fornecedor indenizar integralmente o consumidor a quem causarem danos é incorreta. Cumpre informar que o art. 945 do CC/2002, em razão do diálogo entre o CDC e o CC/2002, é aplicável às relações de consumo, pois se trata de norma mais nova no ordenamento jurídico. Entretanto, isso não evita que seja utilizado como contra-argumento o fato de que o CDC foi concebido para proteger o consumidor e não o fornecedor.
Nesse sentido, numa análise superficial do tema, seria inaplicável o diálogo das fontes, já que, ao mitigar a indenização integral, a nova regra estaria em desarmonia com a lei especial em razão da atmosfera de vulnerabilidade que envolve o consumidor, sendo vedada a utilização de instituto que ameniza a proteção a direitos e a garantias constitucionais.
Ocorre que, esse se trata de um ponto crucial uma vez que os fornecedores também gozam de proteção na CF/88. Tem-se a título de exemplo a garantia da livre iniciativa e o livre exercício de qualquer atividade econômica que não seja ilícita, previstos no art. 170 da CF/88, bem como, a relevância da iniciativa privada para o sistema econômico na geração de empregos, receita tributaria etc.
Outro aspecto sobre a polêmica é apontado por Cavalieri Filho, que indaga sobre a ocorrência de culpa concorrente na responsabilidade objetiva, sabendo ser essa a teoria adotada pelo CDC, e devidamente por ser responsabilidade objetiva não há de se falar em culpa, por isso a postura favorável da maioria dos autos em não aplicar a culpa concorrente nas relações de consumo (CAVALIERI FILHO, 2012).
Todavia, Cavalieri Filho questiona: como falar em culpa concorrente onde não há culpa? A tese é considerada insustentável por esse argumento, uma vez que a concorrência é de causa e não de culpa, e o nexo causal é pressuposto essencial para todas as espécies de responsabilidade. Dessa forma, mesmo que a responsabilidade seja objetiva é possível ser verificada a participação da vítima, ou seja, a culpa concorrente na aferição do resultado. “De nossa parte, temos sustentado que a concorrência de culpas pode ter lugar na responsabilidade objetiva disciplinada pelo Código do Consumidor desde que o defeito do produto ou serviço não tenha sido a causa preponderante do acidente de consumo” (CAVALIERI FILHO, 2012, p.531).
Nesse sentido, Cavalieri Filho ainda exemplifica quando o defeito do produto é causa preponderante do acidente de consumo, isto é, não caracteriza a culpa concorrente:
O motorista descuidou-se e bateu com o carro num poste. A colisão em si não lhe causou qualquer lesão física, mas o pára-brisa estilhaçou e um pedacinho de vidro atingiu um dos seus olhos, dexando-o cego daquela vista. A toda evidência, o fabricante nada tem a responder pelos danos materiais do automóvel. Mas é indiscutível que se não fosse o defeito do para-brisa (que não pode estilhaçar) o motorista não teria perdido uma de suas vistas, não obstante o acidente. Logo, o defeito do produto foi a causa adequada da cegueira, pela qual responde exclusivamente o fornecedor. (CAVALIERI FILHO, 2012, p.531)
Dando sequência aos argumentos favoráveis a adoção do fato concorrente do consumidor, chega-se ao ponto mais contraditório da discussão, as causas de exclusão da responsabilidade, caso fortuito e força maior, hipóteses não previstas no CDC, que, diferente do instituto da culpa concorrente, são de aplicação pacífica pelo Poder Judiciário.
Nesse sentido, Gagliano se posiciona sobre o emprego do caso fortuito e da força maior no direito do consumidor:
Observe-se, ainda, que a despeito de a lei não elencar, no rol da causas excludentes de responsabilidade civil, o caso fortuito e a força maior, entendemos, por imperativo lógico, que tais circunstâncias, se interruptivas do nexo causal, podem e dever ser alegadas pelo fornecedor, em sede de defesa. Não procede, nesse ponto, data vênia, o pensamento daqueles que sustentam a inadmissibilidade da alegação, pelo simples fato de tais causas não estarem estampadas em lei. (GAGLIANO, 2012, p.328)
Na mesma linha de pensamento, Almeida enuncia:
Apesar de não previstas expressamente na lei de proteção, ambas hipóteses possuem força liberatória e excluem a responsabilidade, porque também quebram a relação de causalidade entre o defeito do produto e o dano causado co consumidor. Nesse sentido, mesmo antes da edição da lei de proteção, já se posicionava a doutrina. (ALMEIDA, 2009, p.93)
Dessa forma, falar em não aplicação da concorrência do consumidor no evento danoso por não ser tema contemplado pelo CDC ou por ser o rol que interfere na responsabilidade do fornecedor taxativo, é, no mínino, contraditório, uma vez que se utiliza de maneira pacífica e corrente de dois institutos, caso fortuito e força maior, para afetar na responsabilidade do fornecedor sendo que não também não é conteúdo expresso no CDC, bem como trata de matéria disposta no mesmo diploma legal que a culpa concorrente.
A colocação mais imprescindível e que concretiza a adoção da culpa concorrente nas relações de consumo parte da postura continua dos tribunais de todo o Brasil. A mitigação da reparação integral pelo fornecedor na relação consumerista é objeto corriqueiramente tratado nos acórdãos dos tribunais, o que fragiliza e descaracteriza a clássica visão da responsabilidade integral do fornecedor, como se observa no julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, AC 10290020070584002 MG, do Relator Estevão Lucchesi, da 14ª Câmara Cível:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA E VENDA. IMÓVEL. TERRENO. ATERRO. DEVER DE INFORMAÇÃO. FALHA DO FORNECEDOR. MAIOR. ONERAÇÃO DA OBRA EXECUÇÃO SEM OBSERVÂNCIA DE PROCEDIMENTOS TÉCNICOS. CULPA CONCORRENTE DO CONSUMIDOR. DANO MATERIAL. QUANTIA DESPENDIDA. DANO MORAL OCORRÊNCIA ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. O Código de Defesa do Consumidor impõe ao fornecedor a adoção de um dever de conduta, ou de comportamento positivo, de informar o consumidor a respeito das características, componentes e riscos inerentes ao produto ou serviço. A localização do terreno em área de aterro é qualidade essencial do bem alienado, a ser informada de forma clara ao consumidor antes da contratação, por ser fator de maior custo das obras de edificação a serem executadas. Demonstrada a inobservância de procedimentos técnicos necessários antes do início das obras, em especial a sondagem do solo, deve ser reconhecida a culpa concorrente do consumidor pelos danos estruturais, ensejando a repartição do prejuízo material experimentado. O pedido inicial de indenização por danos materiais, efetivado em quantia certa, afasta a necessidade de apuração do prejuízo em fase de liquidação. A frustração do negócio, impossibilitando o usufruto de bem imóvel adquirido a duras penas, por falha de informação da incorporadora, enseja dano a acervo personalíssimo. O valor da indenização deve ser arbitrado em atenção aos preceitos da proporcionalidade e razoabilidade. Havendo sucumbência recíproca, devem os ônus serem repartidos proporcionalmente entre as partes, na medida de seu decaimento. O descumprimento contratual, por si só, não caracteriza dano moral, a não ser que se trate de situação excepcional e haja prova indiscutível do abalo íntimo.¹ (nota de roda PE)
Percebe-se, também a que culpa concorrente do consumidor é fator a ser apreciado no quanto indenizatório da responsabilidade do fornecedor que é objetiva no julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDF – Apelação Civel: APC 20110110401138 DF 0011794-63.2011.8.07.0001, do relator Flávio Rostirola:
Ementa: CIVIL E CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. AGRESSÃO FÍSICA SOFRIDA NO INTERIOR DE CASA NOTURNA/BAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. REPARAÇÃO POR DANO MORAL. CULPA CONCORRENTE DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Constatando-se a falha na prestação do serviço, haja vista que a requerida não proporcionou a segurança necessária para resguardar o consumidor, vítima de agressão física no interior do estabelecimento da demandada, mesmo após o registro de reclamações reportadas à gerência em relação ao cliente agressor, mostra-se patente o dever de indenizar, uma vez que a responsabilidade da requerida é objetiva (Art. 14 CDC). 2. Nos termos do artigo 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, apresenta-se como ônus do fornecedor provar a existência de excludente de ilicitude, a fim de eximi-lo da responsabilização e romper o nexo de causalidade entre a conduta e o dano experimentado. No caso, embora tenha ocorrido a demonstração de ocorrência de culpa concorrente do consumidor/vítima da agressão, nota-se que somente a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro é admitida como causa exonerativa da responsabilidade, e não a culpa concorrente, podendo haver, em tal hipótese, a redução da indenização, proporcionalmente ao grau de culpa da vítima, nos termos do artigo 945 do Código Civil. Precedentes. 3. Mostra-se suficiente, para fins de reparação por dano moral, a ocorrência do fato descrito, sendo desnecessária a demonstração da dor espiritual experimentada, pois o dano opera-se in re ipsa. Ademais, no caso, houve nítida violação ao direito da personalidade do consumidor, vítima de agressão física. 4. A razoabilidade apresenta-se como critério que deve imperar na fixação da quantia compensatória dos danos morais. Para além do postulado da razoabilidade, a jurisprudência, tradicionalmente, elegeu parâmetros (leia-se regras) para a determinação do valor indenizatório. Entre eles, encontram-se, por exemplo: (a) a forma como ocorreu o ato ilícito: com dolo ou com culpa (leve, grave ou gravíssima); (b) o tipo de bem jurídico lesado: honra, intimidade, integridade etc.; (c) além do bem que lhe foi afetado a repercussão do ato ofensivo no contexto pessoal e social; (d) a intensidade da alteração anímica verificada na vítima; (e) o antecedente do agressor e a reiteração da conduta; (f) a existência ou não de retratação por parte do ofensor. 5. Negou-se provimento ao apelo e ao recurso adesivo.
O que se percebe, diante a exposição das decisões, é que os tribunais entendem no sentido de que se houver concorrência de culpas entre o comportamento da vítima e do fornecedor ou de terceiro, haverá a minoração do valor da reparação proporcionalmente à circunstância, o que contradiz completamente a posição dos doutrinadores que defendem não ser possível a adoção da culpa concorrente na relação de consumo.
Assim, não se admitir a culpa concorrente como minorante, vai contra o senso do direito e da justiça, porquanto não se pode admitir que quem cause, culposamente, um dano a si mesmo, venha a se beneficiar da integralidade indenizatória se para o evento lesivo veio a concorrer. Dessa forma, não há nada mais justo que a redução da indenização, proporcionalmente ao grau de culpa da vítima, nos termos do art. 945 do CC/2002, deva ser também aplicada às situações cabíveis na relação de consumo.
3.2 Argumentos contrários
Contrapondo aos argumentos favoráveis à admissibilidade da culpa concorrente, demais autores seguem pela linha tradicional, arraigados no entendimento que o fato de existir contribuição por parte do consumidor nos eventos danosos nas transações consumeristas não implica que esse deva também contribuir para com a restituição ou indenização devida pelo produto ou serviço danificado, minorando a responsabilidade do fornecedor.
Cabe exibir, inicialmente, que os autores apontados a seguir coadunam o entendimento de que a responsabilidade deve ser exclusivamente do fornecedor ressalvados os casos do §3º do art. 12 do CDC, sem possibilidade de extensão, como principal argumento.
Rizzatto Nunes respaldado na teoria do risco integral atribuída à responsabilidade objetiva, não trata os casos do art. 12, §3º do CDC, nem se quer como excludentes de responsabilidade devido a uma situação específica, mas como excludentes do nexo de causalidade, ou seja, só pode o fornecedor provar que não existe relação entre o seu ato e o dano.
Pensando assim, separa trecho da sua obra para elucidar sobre a pressão “só” constante no § 3º do art. 12 do CDC: “A utilização do advérbio “só” não deixa margem a dúvidas. Somente valem as excludentes expressamente previstas no §3º, e que são taxativas. Nenhuma outra que não esteja ali tratada desobriga o responsável pelo produto defeituoso.” (NUNES, 2012, p.334)
Ademais, o referido ainda da relevância a sua posição citando as tradicionais excludentes “caso fortuito” e “força maior” como não eliminadoras da responsabilidade do fornecedor, ou seja, não as consideram como causas extensivas do artigo, tendo em vista que a responsabilidade objetiva é absoluta em qualquer situação. Nessa sentido, esclarece:
O que acontece é que o CDC, dando continuidade, de forma coerente, à normatização do princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, preferiu que toda a carga econômica advinda do defeito recaísse sobre o agente produtor. Se a hipótese é de caso fortuito ou de força maior e em função disso o consumidor sofre acidente de consumo, o mal a de ser remediado pelo agente produtor. Na verdade o fundamento dessa ampla responsabilização é, em primeiro lugar, o princípio garantido na Carta Magna da liberdade integral pelo risco assumido. E a Lei n. 8.078, em decorrência desse princípio, estabeleceu o sistema de responsabilidade objetiva. Portanto, trata-se apenas de questões de risco do empreendimento. Aquele que exerce a livre atividade econômica assume esse risco integral. (NUNES, 2012, p.334)
Benjamin, Marques e Bessa, sobre o tema, nada dizem sobre a culpa concorrente do consumidor como minorante da responsabilidade do fornecedor. Na obra, a concorrência do consumidor é lembrada como não integrante das causas excludentes da responsabilidade do fornecedor:
Se o comportamento do consumidor é único causador do acidente de consumo, não há como falar em nexo de causalidade entre a atividade do fabricante, do produtor, do construtor ou do importador e o fato danoso. Entretanto, se houver concorrência entre o comportamento da vitima e um defeito existente no produto, a excludente não mais se aplica. (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p.179)
Almeida, ao contrário de Benjamin, Marques e Bessa, nem se quer menciona a culpa concorrente do consumidor como causa que afeta a responsabilidade do fornecedor. Apenas acredita, embasado na teoria do risco criado, que o fornecedor deverá arcar com a reparação de todos os produtos e serviços potencialmente danosos colocados no mercado de consumo, ou seja, fazer com que o fornecedor assuma todos os riscos de sua atividade. Assim, o CDC utiliza da teoria do risco para melhor cumprir sua proposta, resguardar os direitos do consumidor. (ALMEIDA, 2009)
Acrescenta Almeida que não deve se estender a interpretação de que outro evento além dos mencionados pela Lei, excetuando o caso fortuito e a força maior, possa exonerar ou diminuir a responsabilidade do fornecedor por ser uma ordem do art. 25 do CDC:
Para reforçar e tornar efetiva a tutela do consumidor nessa área de ressarcimento civil, o legislador ainda proibiu as chamadas cláusulas de irresponsabilidade ou de não indenizar, ao vedar taxativa e expressamente a estipulação contratual da cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar (art. 25). (ALMEIDA, 2009, p.94)
Gagliano e Pamplona Filho, a respeito do tema, se posicionam da seguinte maneira:
[...] o CDC apenas alçou à categoria de causa excludente a culpa exclusiva da vítima, silenciando-se quanto à culpa concorrente, não se podendo dar interpretação ampliativa à norma, concluímos que, caso haja atuação culposa de ambos os lados – consumidor (vítima) x fornecedor (agente causador do dano) -, deverá a vítima ser integralmente ressarcida, sem mitigação do quantum condenatório. É a melhor solução, mais afinada, inclusive, aos fundamentos ideológicos e filosóficos do Código de Defesa do Consumidor. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p.328)
A opinião de Venosa não foge do raciocínio ora apresentado pelos demais autores justamente pelo fato de o fornecedor ser o responsável por arcar com o risco do negócio:
Em sede de relação de consumo também não se admite na doutrina, como regra geral e segundo corrente majoritária, a culpa concorrente do consumidor. Sustenta-se que onde não há culpa, em princípio, não pode haver concorrência dela. Sempre que um produto é lançado no mercado há um risco por infortúnios que o fabricante leva na conta dos riscos do negócio. (VENOSA, 2007, p.230)
Finalmente, o que fica claro diante a postura dos atores, primeiramente, é que o fato concorrente do consumidor não condiz com a essência principiológica em que foi fundado CDC, ou seja, resguardar o consumidor de forma integral devido sua vulnerabilidade diante o poder de mercado dos fornecedores, bem como manter o equilíbrio nas relações de consumo. Talvez por isso, uma parte da doutrina não chega nem a mencionar o instituto. Por outro lado, há quem diga que o art. 12 do CDC é taxativo e claro, não abrindo margem para outra forma de interferência na responsabilidade do fornecedor.
4 RAZÕES DA PREVALÊNCIA DE UM DOS ARGUMENTOS
O fato do consumidor concorrer culposamente com o intuito de minorar a responsabilidade do fornecedor em determinada transação consumerista, como ora apresentado, implica numa contumaz discussão dentre os intérpretes da Lei com os mais variados argumentos. A grande questão que gira sobre a admissibilidade ou não admissibilidade da culpa concorrente do consumidor nas relações de consumo objetiva resolver a omissão deixada pelo CDC sobre a aplicação do instituto, que, no caso concreto, pode favorecer tanto o consumidor quanto o fornecedor.
Como exposto, a maioria da doutrina é receptível ao não acolhimento da culpa concorrente do consumidor como sendo objeto aplicável pelo CDC, conforme as considerações já feitas nesse capítulo.
Entretanto, o CDC foi desenvolvido segundo os princípios de um Estado Democrático de Direito aliado à dignidade da pessoa humana, o que refletiu no art. 5º, XXXII, da CF/88, visando garantir os direitos à vida, liberdade, segurança e propriedade, os quais estão diretamente ligados com a relação de consumo.
Além do mais, conforme o objetivo precípuo do CDC delineado pelo próprio art. 4º, que trata acerca da Política Nacional das Relações de Consumo, com vista a atender às necessidades dos consumidores, respeitando a saúde, dignidade, segurança, proteção dos interesses econômicos, melhoria da qualidade de vida, visando à transparência e harmonia das relações de consumo, o CDC não buscou, sobre todas as coisas, beneficiar o consumidor. Cabe destacar, que proteger o consumidor não é o mesmo que beneficia, sendo assim, o entendimento de que a culpa concorrente do consumidor compões o fator que deve ser avaliado para aferição da responsabilidade do fornecedor é plausível.
Merece ser pontuada também, a questão de formação do CDC, que segundo Venosa:
O Código de Defesa do Consumidor foi concebido dentro dessas filosofia. Seu caráter é interdisciplinar, daí por que se diz que criou um microssistema jurídico. Nele, há normas de direito civil, direito comercial, direito administrativo, direito processual, direito penal. Seus princípios abarcam o direito privado e o direito público, formando um terceiro gênero que a doutrina denomina direito social. (VENOSA, 2007, p.225)
A intenção do legislador, logo se percebe, não foi deixar de lado qualquer relação com outros Códigos ou mesmo privar outros institutos, apensar do CDC possuir princípios próprios. O grande exemplo, como já disposto, são as excludentes de caso fortuito e a força maior não constantes no texto do CDC.
Salienta-se por último, a posição jurisprudencial no sentido de acatar a culpa concorrente do consumidor como minorante da responsabilidade do fornecedor. Tendo em vista que a jurisprudência nada mais é do que o conjunto de decisões dadas pelos tribunais para sanar questões de Direito, apesar da resistência por parte de alguns autores, a questão vem, atualmente, sendo trabalhada e progressivamente resolvida. Cabe informar, que nas palavras de Maximiliano:
A jurisprudência possui, na atualidade, três funções muito nítidas, que se desenvolveram lentamente: uma função um tanto automática de aplicar a lei; uma função de adaptação, consistente em pôr a lei em harmonia com as idéias contemporâneas e as necessidades modernas; e uma função criadora, destinada a preencher as lacunas da lei. (MAXIMILIANO, 2011, p.146)
Conforme a ideia do autor, a jurisprudência busca acertar as questões carentes de harmonia e adequação segundo os interesses modernos, assim como, resolver situações não abordadas pela lei. Entende-se, dessa forma, a culpa concorrente ser objeto de trabalho e evolução no Direito do Consumidor partindo das decisões jurisprudências.
Diante o exposto, a defesa do consumidor visando garantir a igualdade na relação de consumo por meio do CDC não significa dar prerrogativas para o consumidor de forma que possa haver injustiças, como demonstrado pelos argumentos ora apresentados. A culpa concorrente não tratada pelo CDC, portanto, mexe com o interesse dos dois pólos da relação de consumo ensejando a discussão que, consequentemente, deverá ser examinada conforme os objetos do Direito, ou seja, conforme a igualdade e a justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo se propôs a esclarecer a indagação concernente à possibilidade de aplicação da culpa concorrente do consumidor como forma de atenuar a responsabilidade do fornecedor, à luz do CDC.
A possibilidade da aplicação da culpa concorrente, configurado o caso concreto, permitiria ao fornecedor não arcar com o ressarcimento ou a indenização integral do prejuízo devido ao consumidor, pois nos termos do art. 945 do CC/2002 quando a vítima concorre culposamente para o evento danoso, a indenização é imposta levando-se em conta a extensão da sua culpa em confronto com a do outro autor do dano.
Ocorre que, a doutrina diverge em relação à aceitação da culpa concorrente como componente do fator que deve ser avaliado para aferição da responsabilidade do fornecedor. Uma parte dos doutrinadores acredita ser inaceitável a utilização da culpa concorrente na seara consumerista devido a referida circunstância estar relacionada ao instituto da culpa, o que é incompatível com a responsabilidade objetiva do fornecedor, ou seja, não depende de dolo ou culpa, conforme mandamento do art. 12 do CDC.
Por outro lado, a jurisprudencial brasileira revelou a tendência dos tribunais favorável ao acolhimento da culpa concorrente como fator que interfere na responsabilidade do fornecedor. O rol do art. 12, § 3º, do CDC, considerado taxativo, deixaria de ser a única hipótese de exceção da responsabilidade objetiva.
Diante das considerações feitas por parte da doutrina e da jurisprudência, a culpa concorrente, matéria não acolhida pela Lei, vem a ser passível de aplicação, não apenas pelo caráter interdisciplinar do CDC demonstrado, por exemplo, pelo uso pacifica das causas de exclusão da responsabilidade civil também não expressas pelo CDC, caso fortuito e força maior, mas também, por serem as decisões dos tribunais uma das formas mais importantes de sanar as omissões, obscuridades e injustiças acopladas no ordenamento jurídico.
Nesse sentido, o fato de o consumidor participar para ocorrência do dano e não contribuir proporcionalmente a sua culpa ensejando que o fornecedor arque com todo o prejuízo denota contrário a prudência do direito e da justiça, pois é, claramente, caracterizado enriquecimento ilícito, ou seja, o consumidor tirará proveito de uma situação que ele próprio contribuiu para a causa. Assim, justo seria, a extensão da regra constante no art. 945 do CC/2002, aplicação da culpa concorrente.
Enfim, cada caso deve ser examinado com cuidado pelo Poder Judiciário, entendendo que o rol excludente de responsabilidade, não é taxativo, e que a responsabilidade objetiva não é absoluta, podendo, desse modo, o fornecedor invocar outras formas para se eximir ou se esquivar da integralidade da indenização ou do ressarcimento. Ressalte-se que, embora o CDC restrinja o instituto da culpa concorrente do consumidor, em momento algum o CDC nega seu cabimento.
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